sábado, 28 de agosto de 2010

A Igreja Católica no Vietnã

O panorama melhorou de certa forma no Vietnã, mas não é ainda possível afirmar que a liberdade religiosa seja verdadeiramente respeitada naquele país.

Em termos gerais, uma nova lei religiosa entrou em vigor em Fevereiro de 2007. A mesma considera as diferentes crenças existentes no país enquanto forças sociais que podem e devem contribuir para o progresso do mesmo, embora sob a liderança do todo-poderoso Partido Comunista. Assim, desta perspectiva, as atividades religiosas encontram-se ainda sujeitas à aprovação das autoridades civis. Por exemplo, no início de cada ano, os líderes das várias religiões devem apresentar um plano anual de atividades, nem sempre recebendo aprovação para todas as atividades que pretendem desenvolver.

Segundo a lei, alguns domínios sociais continuam oficialmente interditos, mas, na prática, existe um certo grau de tolerância, como um membro do clube Paul Nguyen Van Binh, parte da Arquidiocese da cidade de Ho Chi Minh, afirmou à AsiaNews. “De acordo com a 'Lei das Religiões', atividades como a educação, os cuidados de saúde, as comunicações, os jornais e as publicações religiosas devem respeitar a lei à letra. Mas nada é especificado sobre o motivo pelo qual a lei não permite que as organizações religiosas tenham um papel no ensino secundário, nas universidades e nos hospitais”. De fato, a lei permite que “líderes religiosos, religiosas ou padres trabalhem no ensino, nos meios de comunicação social, em obras sociais e na prestação de cuidados de saúde”, enquanto cidadãos individuais, mas proíbe que “organizações religiosas o façam”, afirmou o Dr. Phuong, um advogado católico.

Na realidade, o nível de liberdade religiosa está diretamente relacionado com aquilo que as autoridades locais optam por permitir, especialmente em regiões que nem sempre se encontram sob o escrutínio internacional. De fato, tendem a limitar fortemente a liberdade religiosa, chegando mesmo a desenvolver atividades persecutórias.

Os Estados Unidos e a Santa Sé reconheceram publicamente que a situação melhorou no país. O Departamento de Estado retirou o Vietnã da sua lista de países em que a liberdade religiosa é fonte de particular preocupação. E o Embaixador Itinerante dos Estados Unidos para a Liberdade Religiosa Internacional, John V. Hanford III, responsável máximo pelo Departamento de Liberdade Religiosa Internacional, afirma que “o Vietnã fez progressos significativos no que toca à liberdade religiosa.”

O Vaticano, num comunicado à imprensa emitido a 25 de Janeiro de 2007, quando do primeiro encontro entre o primeiro-ministro do Vietnã, Nguy?n T?n Dung, e o Papa, afirmou que as “relações têm, nos últimos anos, conhecido progressos concretos, abrindo novos espaços para a liberdade religiosa da Igreja Católica no Vietnã.” Contudo, o mesmo comunicado refere alguns “problemas” não especificados “que se mantêm”, os quais poderão ser solucionados “através dos canais de diálogo já existentes”. A visita de T?n Dung ao Vaticano no início do ano aumentou as esperanças de que ambos os lados pudessem normalizar as relações diplomáticas, as quais foram cortadas na sequência da tomada de poder pelos Comunistas, em 1954. Essa possibilidade foi mesmo mencionada na fortemente controlada imprensa vietnamita, a qual noticiou que o próprio primeiro-ministro havia abordado a questão.

O Vaticano mencionou este mesmo fato num comunicado difundido a 12 de Março de 2007, no final da visita de uma delegação liderada pelo Monsenhor Pietro Parolin, sub-secretário da Secção de Relações com os Estados, àquele país do Sudeste asiático. A delegação do Vaticano encontrou-se com Lê Công Ph?ng, ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros; com Pham Xuân Son, vice-diretor da Comissão de Negócios Estrangeiros do Comitê Central do Partido Comunista; e com Vu Mão, líder da Comissão de Negócios Estrangeiros da Assembléia Nacional do Vietnã.

“Neste tipo de ocasiões, a normalização das relações com a Santa Sé é um tema sempre abordado.” Relativamente a isto, e segundo instruções do primeiro-ministro, as autoridades vietnamitas asseguram que “os órgãos competentes encontram-se já a laborar, e algumas formas concretas de iniciar o processo de reatamento das relações diplomáticas estão já a ser examinadas”, afirma o comunicado do Vaticano.

O Governo de Hanói está, entre outras coisas, interessado em contar com a colaboração dos cerca de oito milhões de católicos do país (cerca de 10% da população). Em cada congresso do partido, a necessidade de combater a corrupção é reafirmada vezes sem conta, enquanto forma de garantir o progresso do país, numa altura em que as autoridades lutam para providenciar assistência aos segmentos mais marginalizados da sociedade. Neste contexto, é facilmente compreensível o desejo expresso no comunicado do Vaticano datado de 25 de Janeiro de 2007, no qual se afirma que “os Católicos podem, de forma cada vez mais eficiente, fazer uma contribuição positiva para o bem comum do país, promovendo os valores morais, principalmente junto dos jovens, disseminando uma cultura de solidariedade e de assistência caritativa, em prol dos sectores mais débeis da sociedade”.

Os Montagnards (maioritariamente protestantes, católicos ou seguidores de religiões tradicionais) do planalto central estão inseridos numa categoria distinta, devido ao papel desempenhado durante a guerra do Vietnã contra os Vietcongs.

Num relatório dado a conhecer a 14 de Junho de 2006, a Human Rights Watch afirma que os cristãos desta região são ainda forçados a assinar declarações nas quais renunciam às suas religiões, apesar da lei que proíbe tais práticas. As autoridades limitaram aqui fortemente a liberdade de movimento e de assembléia no que toca a assuntos religiosos. Ainda de acordo com este relatório, mais de 350 Montagnards foram detidos desde 2001, fundamentalmente pelo seu envolvimento em atividades políticas ou religiosas, ainda que de caráter pacífico.

No entanto, e ainda em Janeiro de 2007, a Compass Direct, uma agência noticiosa protestante que se debruça sobre a perseguição dos cristãos por todo o mundo, noticiou (a 9 de Janeiro) que dezessete pessoas haviam sido detidas numa cerimônia religiosa organizada pela Igreja Menonita em casa do Reverendo Nguyen Hong Quang.

No final de Março, realizou-se um evento que as autoridades vietnamitas tentaram rotular de “estritamente político”. A 30 de Março de 2007, o Padre Nguy?n Van Lý, sacerdote católico, foi condenado a oito anos de prisão por propaganda anti-regime. Quatro outras pessoas foram condenadas juntamente com o Padre Van Lý, o qual já passou catorze anos aprisionado. O sacerdote de sessenta anos de idade foi acusado de dar origem a um movimento pró-democracia chamado “Bloc 8406”, o qual surgiu em Abril de 2006, contando com cerca de dois mil membros. Foi ainda acusado de apoiar grupos ilegais como o Partido Progressista do Vietnã. Em reação a este fato, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou uma resolução (Nº 243) que apelava à “libertação incondicional” do padre e de todos os prisioneiros políticos.

Também a 30 de Março, e sob o pretexto de permitir que algumas aldeias celebrassem a Missa Pascal, as autoridades provinciais de Kontum (localizada no centro do Vietnã, junto à fronteira com o Laos e o Cambodja) prometeram assumir maior controlo sobre a religião e limitar as atividades católicas, especialmente junto das minorias locais. Tal como noticiou a AsiaNews (30 de Março de 2007), as autoridades locais enviaram uma carta (No. 76/UBND) ao bispo diocesano, Michel Hoàng Ð?c Oanh, informando-o de que algumas aldeias haviam recebido autorização para celebrar a Missa Pascal. Contudo, o verdadeiro objetivo era o de reafirmar a sua autoridade sobre as celebrações pascais e proibir atividades religiosas noutras aldeias, apesar de tais medidas violarem a lei. Um advogado católico, de nome Phuong, declarou à AsiaNews que “segundo a lei do Vietnã, no que toca à liberdade religiosa”, os vietnamitas têm o direito “de praticar a fé que escolherem” ou de não praticar nenhuma. “Mas muitos governos locais desconhecem a existência de tal lei”, ou não a respeitam, e os seus “relacionamentos com os Católicos são ditados pela lei da selva”. Por esta razão, “os governos locais produzem ainda propaganda que retrata a Igreja Católica como uma força hostil. Suspeitam de todas as atividades católicas. E reagem de acordo com este fato, violando os direitos dos indivíduos.”

Em finais de Abril de 2007, os bispos católicos do país decidiram intervir. Numa entrevista à VietCatholic News, agência noticiosa vietnamita sediada na Austrália, o Monsenhor Paul Nguyên Van Hòa, Bispo de Nha Trang e líder da Conferência Episcopal Católica no Vietnã, afirmou que os bispos haviam abordado o tema da liberdade religiosa junto do Governo, focando os problemas culturais e morais que afetam os jovens, assim como a justiça e a verdade. Para o Bispo Hòa, a Conferência Episcopal Católica do Vietnã é a única instituição na sociedade civil vietnamita com a coragem de falar abertamente de tais temas com o Estado. Citou a sua experiência pessoal como exemplo. “Muitas pessoas sabem que a Santa Sé quis nomear-me Bispo de Hanói, e que tal nomeação jamais foi aceite”, afirmou. “Isto prova aquilo em que acredito, a luta que levei a cabo, e é prova da perseverança com a qual defendi as minhas posições.”

Apesar de criticar a decisão do Padre Lý de se imiscuir na política - “um padre deve trabalhar em prol de todos e não enquanto parte de um grupo que combate outro”, afirmou o bispo -, o prelado insiste que todos têm o direito de expressar as suas opiniões em questões de justiça, de verdade, e no que toca aos interesses da sociedade.

Esta foi a primeira intervenção explícita do episcopado contra o Governo, e uma vez mais, apesar do caráter político, foi fomentada pela questão do sucedido com o Padre Lý. Em Julho, o Monsenhor Paul Nguyên Van Hòa contradisse formalmente uma declaração proferida pelo presidente do Vietnã, Nguy?n Minh Tri?t, na qual este último afirmara que “a Conferência Episcopal e a Santa Sé” haviam concordado com o julgamento do Padre Nguy?n Van Lý.

Segundo informou a Églises d'Asia, esta resposta deveu-se a comentários publicados no diário vietnamita Tu?i Tr?, alegadamente proferidos pelo presidente a 23 de Junho, numa entrevista à CNN, durante a visita aos Estados Unidos, mas que não constavam da transcrição oficial da mesma, posteriormente fornecida por aquela cadeia televisiva norte-americana.

“A resposta do presidente Nguy?n Minh Tri?t’ não corresponde à verdade”, afirmou peremptoriamente o Monsenhor Paul Nguyên Van Hòa, numa carta aberta dirigida precisamente ao presidente, a 7 de Julho.

O conflito mais aberto ocorreu no final do ano, envolvendo propriedades da Igreja. Pela primeira vez, os católicos de Hanói desceram às ruas, a 18 de Dezembro de 2007, tendo cerca de cinco mil pessoas manifestado-se de forma pacífica, rezando e de velas na mão, ao mesmo tempo que apelavam ao Governo para que devolvesse à Igreja o Edifício Toa-Kham-Su, o qual anteriormente albergava a delegação apostólica.

Esta oração de “protesto” foi a forma encontrada para publicar uma carta, datada de 15 de Dezembro de 2007, e enviada pelo Arcebispo Joseph Ngô Quang Kiêt ao Comité Popular local, na qual se apelava à devolução do edifício, confiscado pelo Governo em 1959. As autoridades rejeitaram o pedido do prelado, e o edifício ia agora ser vendido a construtores que pretendiam transformar o mesmo num supermercado e em parques de estacionamento. Durante dias e noites, padres, religiosas e leigos rodearam a estátua da Virgem, localizada nos jardins do complexo, assim como a grande cruz que aí havia sido erigida. Uma manifestação de solidariedade para com os manifestantes realizou-se ainda na cidade de Ho Chi Minh, anteriormente conhecida como Saigão.

A 31 de Dezembro, a AsiaNews noticiou que o primeiro-ministro vietnamita, Nguy?n T?n Dung, se havia reunido com o Bispo de Hanói para abordar o tema das propriedades da Igreja confiscadas pelo Estado. Nessa ocasião, o primeiro-ministro pôde contemplar os milhares de manifestantes, que o aplaudiram.

A situação estava, contudo, prestes a ficar fora de controlo, na sequência dos confrontos entre manifestantes e forças policiais, os quais levaram o Comitê Popular a ameaçar o bispo e os ocupantes do complexo. Ao mesmo tempo, os jornais e as estações televisivas de língua vietnamita iniciaram um ataque às exigências da Igreja. Já o Nham Dam, jornal oficial do Partido Comunista, anunciou, a 28 de Janeiro de 2008, e na sua edição internacional, que o Arcebispo Ngô Quang Kiêt se encontrara com o líder da Frente Patriótica, Hu?nh Ð?m. O objectivo claro de tal reunião era, oficialmente, a tradicional troca de cumprimentos no início do Têt, ou Ano Novo Lunar (7 de Fevereiro). O jornal forneceu ainda uma descrição das actividades humanitárias nas quais os católicos se encontravam envolvidos, e o papel desempenhado pelos mesmos no desenvolvimento pacífico da capital. Foi ainda mencionado o “agradecimento” da Frente pelas suas atividades. Também a VNA, agência noticiosa oficial do Vietnã, noticiou a 30 de Janeiro uma outra visita do arcebispo a Vu Tr?ng Kim, vice-presidente e secretário-geral da Frente, novamente justificada com as celebrações do Têt. Segundo a agência noticiosa, tal encontro permitiu que o líder comunista afirmasse que “a Frente está sempre de portas abertas aos católicos que pretendem debater os seus problemas” e que “a organização está determinada a trabalhar com as entidades apropriadas, para tentar solucionar tais questões.”

A 1 de Fevereiro, fontes locais da Igreja afirmaram à AsiaNews que, de forma a “demonstrar boa fé e respeito pelo Papa”, as autoridades estavam dispostas a atribuir aos Católicos a autorização para utilizar o complexo, assim colocando um ponto final às manifestações. O culminar positivo, confirmado pelo Arcebispo Ngô no dia seguinte, chegou após o Cardeal Tarcisio Bertone, Secretário de Estado do Vaticano, ter enviado uma carta ao Arcebispo de Hanói. Na mesma, o Cardeal Bertone afirmava que Bento XVI estava a seguir de perto os acontecimentos no Vietname, e que o Vaticano iria abordar o tema junto do Governo. O objetivo era encontrar uma solução para esta controvérsia, que havia colocado o arcebispo contra as autoridades locais, no que toca a quem era o proprietário, ou detinha direitos de usufruto, da anterior sede da delegação apostólica. Na sua missiva, o prelado expressava a “admiração” pelos católicos de Hanói e pelo seu protesto pacífico, mencionando, contudo, a sua preocupação com o fato de a situação poder vir a ficar fora de controlo. Devido a este fato, apelou a que ambas as partes “normalizassem” a mesma.

Apesar deste incidente se ter concluído num tom positivo, o mesmo não pode ser afirmado sobre outros. Por exemplo, a AsiaNews noticiou que, a 24 de Dezembro, um encontro de oração foi interrompido numa residência privada da aldeia de Co Noi, na província nortenha de Son La. Um jovem que assistia à mesma, originário de uma província vizinha, foi brutalmente agredido e detido, sob acusações criminais. Acabaria por ser libertado, mas apenas após protestos em massa por parte dos aldeões. Na diocese de Son Tây, o Frei Joseph Nguy?n Trung Tho?i foi detido para impedir que celebrasse a Missa de Natal em Co Noi. Também neste caso, a sua libertação apenas ocorreu após protestos públicos por parte dos aldeões. Em Mu?ng La, os Católicos foram autorizados a reunir-se para uma oração de Natal numa residência privada, mas a polícia impediu que forasteiros estivessem presentes na cerimônia. Um grupo de Montagnards que havia viajado a pé quarenta quilômetros desde Tru?ng An para assistir à missa em Mu?ng La, foi impedido de o fazer.

Um novo capítulo está a ser escrito no Norte do Vietname. No início de Janeiro de 2008, membros da paróquia de Thái Hà requereram a devolução das terras onde a sua igreja esteve sediada. Tal situação é em tudo similar ao pedido feito pela Diocese de Hanói para a devolução do antigo edifício da delegação apostólica naquela cidade. Os Padres Redentores haviam comprado os terrenos de Thái Hà em 1928. Uma igreja, um convento e um seminário foram construídos no complexo de 60.000 m2, mas, em 1954, quando da tomada do poder pelos Comunistas e posterior divisão do país, os religiosos de Thái Hà foram encarcerados ou deportados. Os 60.000 m2 foram então reduzidos para 2.700 m2. Desde então, numerosas petições foram entregues às autoridades por forma a garantir a devolução dos terrenos, mas, com o decorrer do tempo, um hospital foi aí construído, e várias porções da propriedade foram transferidas para a posse de empresas e de responsáveis governamentais. O último incidente, desde o início do ano, envolveu uma empresa de embalagens, Chiên Th?ng, à qual foi atribuída uma porção dos terrenos, tendo de imediato iniciado trabalhos de construção. Quando os paroquianos locais protestaram contra tal fato, foram confrontados por militares, mobilizados para assegurar a continuidade da construção. No dia 7 de Janeiro de 2008, o responsável máximo dos Redentores, a nível provincial, Frei Joseph Cao Dinh Tri, declarou a sua forte objeção à tomada de posse ilegal das terras e aos planos para aí construir. Nesse mesmo dia, as autoridades anunciaram que os trabalhos iriam parar, mas, um dia depois, o Comitê Popular de Hanói deu novamente luz verde à construção.

Sentindo-se defraudados, os paroquianos voltaram aos protestos pacíficos. Regressaram às ruas a 7 de Fevereiro, marchando e organizando uma oração pública.


Dados do País

* Área (km²)
331.689
* População
84.110.000
* Cristãos
6.981.130
* Católicos
5.990.000
* Dioceses
26
* Refugiados
2.357

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