quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Independência do Brasil

A INVENÇÃO DO 7 DE SETEMBRO
O Brasil como nação e estado soberano, surgiu em 1822, quando rompeu os laços coloniais com Portugal. Desde então, aos poucos, foi criada uma identidade nacional repleta de símbolos e datas, contando de forma épica a história de uma jovem nação, muitas vezes gerando fatos míticos fantasiosos. Um dos símbolos dessa identidade é a comemoração da Independência, repleta de heróis e arroubos patriotas, gerando assim, um glamuroso momento da construção do Estado.
Mas até onde os fatos históricos e o que é contado coincidem? Aos poucos, os historiadores atuais lapidam o glamour da mística em torno do grito do Ipiranga, recontando esta página instigante da nação brasileira.
Se a data da Independência é hoje comemorada no Brasil no dia 7 de setembro, nem sempre foi assim. Quando se deu o rompimento com Portugal, em 1822, o primeiro relato que exaltou o grito do Ipiranga foi feito em 20 de setembro daquele ano, no jornal O Espelho, publicação da Imprensa Nacional que circulava no Rio de Janeiro (1821-1823). Naquele momento dom Pedro foi aclamado o herói nacional e a Coroa portuguesa a grande vilã. A data da comemoração do dia da Independência desde então, foi comemorada de acordo com o momento político vivido e a necessidade dos mitos exaltados para fincar a identidade da jovem nação. Aclamado imperador do Brasil em 12 de outubro do ano da independência, dom Pedro era o ícone proclamador da liberdade da nação. A data de nascimento do imperador era também o dia 12 de outubro. Assim, ficou estabelecido que esse era o dia para que se comemorasse a Independência. Quando em 1 de dezembro daquele ano, dom Pedro I foi coroado, também esta data passou a ser comemorada como dia da independência. Curiosamente, este é o dia histórico da restauração da independência de Portugal do domínio da Espanha (1580-1640), muito comemorado pela ex-nação colonizadora, o que trazia um incômodo para os exaltados brasileiros da época, ansiosos de apagar a condição de colônia das suas páginas. Ao longo do século XIX, com a decadência da popularidade de dom Pedro I, também a sua importância no grito do Ipiranga passou a ser amenizada, e, a partir de 1870, consolidou-se a história do Estado nacional, transformando o 7 de setembro no dia da independência do Brasil. Estava inventado o 7 de setembro, o símbolo maior da identidade brasileira.

Dom Pedro I, Símbolo Mítico da Independência

Ao olharmos para o famoso quadro de Pedro Américo, o “Grito do Ipiranga”, encontramos um imponente e destemido dom Pedro I no centro da imagem, montado em um cavalo de raça, ladeado pela Guarda de Honra do Imperador. Aqui começa a fantasia sobre o fato histórico. Concluído em 1888, o quadro apagou da história a mula montada pelo então príncipe, e ainda trouxe para o cenário a elegante guarda criada depois do dia do grito, quando ele, como o nome do regimento sugere, já era o imperador do Brasil.
Esta imagem de herói de dom Pedro I, vista no quadro de Pedro Américo foi construída bem antes, e retocada através dos anos, muitas vezes transformando o imperador em vilão. Quando se deu o grito do Ipiranga, a figura emblemática do primeiro imperador brasileiro tornou-se mais importante que a própria independência, centralizando nele as comemorações patrióticas. No ápice da popularidade de dom Pedro I, era incontestável que a data do seu aniversário e da sua aclamação como imperador, fosse a da comemoração do dia nacional. Assim, até 1826, o 12 de outubro era o dia da Independência. É neste ano que o parlamento cria cinco datas comemorativas da Independência, entre elas o 7 de setembro.
Nos dias da comemoração da Independência (12 de outubro e 7 de setembro passaram, desde 1826, a ter peso igual), Dom Pedro I recebia o beija –mão no Paço do Rio de Janeiro, promovia-se o Te Deum na capela imperial, e uma grande parada das milícias e do exército na praça. Quando a noite caía, velas e lâmpadas de azeite eram acesas pelos moradores nas janelas das suas casas, enquanto havia um espetáculo de gala nos teatros, do qual participava o imperador e a imperatriz. Com o passar do tempo, dom Pedro I mostrou-se autoritário e a sua imagem foi desgastando-se politicamente. Em 1830 Moderados e Conservadores, em uma campanha contra o imperador, organizam uma comemoração ao 7 de setembro na Praça da Constituição, no Rio de Janeiro, não comemorando, a partir de então, o dia 12 de outubro. A impopularidade levou o imperador a abdicar, em 1831, a favor do filho, dom Pedro II, então com 5 anos, e partir para Portugal.

Comemorações da Independência no Segundo Império

Com a abdicação de dom Pedro I e o costume da concentração das comemorações da Independência na sua pessoa, as datas passaram a ficar esquecidas pelos brasileiros nos anos que se seguiram. Quando chegou a notícia da morte do imperador em Portugal, em 1834, a sua imagem voltou a ser revitalizada, e novamente foi aclamado como o verdadeiro herói e proclamador da independência. Em 1854, nas comemorações dos vinte anos da morte de Dom Pedro I, começou uma ampla campanha para que se fosse feita uma grande estátua em sua homenagem. Na seqüência desse movimento, em 1855, foi fundada a Sociedade Ipiranga, que tinha como finalidade restaurar as comemorações da independência. A sociedade incitava à população a voltar a iluminar as suas janelas, trazia bandas para tocar no meio da Praça da Constituição, onde deveria ser posta a estátua do imperador. A estátua eqüestre de dom Pedro I, fundida na França, só foi ali inaugurada no dia 30 de março de 1862, e representava as comemorações da Independência e da Constituição, outorgada pelo imperador em 1824. Com o início da Guerra do Paraguai, em 1864, o entusiasmo das comemorações esvaiu-se, sendo aos poucos, esquecido. A partir de 1870, já não se comemora o 12 de outubro, e o 7 de setembro tem parcas comemorações pela população.
À medida que o Império entrou em decadência, também a imagem de dom Pedro I voltou a ser atingida, e, novamente, minimizada, desta vez pelos republicanos, ansiosos por acabar com a monarquia. Na década de 1880, o monumento eqüestre do fundador do império na Praça da Constituição, passou a ser o símbolo de contestação contra o governo de dom Pedro II. A história da independência voltou a ser contestada, a legitimidade de dom Pedro I como dela proclamador passou a ser questionada. Em 1889 é proclamada a República, findando mais de sessenta anos de Império.

A Criação da Praça Tiradentes

Com a chegada da República, outra história passou a ser contada. Surgiu uma nova necessidade da criação de uma identidade nacional descolada dos heróis do extinto Império. Os republicanos vão buscar na imagem de Tiradentes, a criação de um novo herói nacional. Dom Pedro I passou a ser visto como um mero representante diante do desejo dos brasileiros de emancipação, e exaltá-lo seria enxergar a independência como uma doação da família bragantina.
Na nova história contada pela jovem República, Portugal e Brasil eram inconciliáveis, representavam o opressor e o oprimido. Dar as glórias da independência a um português era humilhante para uma nova identidade que se queria apresentar ao brasileiro. A história de Tiradentes, traído como fora o próprio Cristo, oprimido e morto pelo desejo de liberdade, o seu suplício pungente, caiu perfeito para o herói que o Brasil republicano precisava. Em 1890, sob os aplausos de exaltados manifestantes, a Praça da Constituição mudou de nome, passou-se a chamar Praça Tiradentes. Para justificar a homenagem, os republicanos aclamaram a praça como o local do suplício de Tiradentes. O republicano Miguel Lemos criou a falsa história que o inconfidente mineiro, que fora enforcado no século XVIII no subúrbio de São Domingos, altura do atual cruzamento da Rua Senhor dos Passos com a Avenida Passos, tinha sido morto na Praça Tiradentes. O que os republicanos não tiveram coragem de fazer foi retirar a estátua eqüestre de dom Pedro I do meio da praça. Por isto, até os dias atuais, quem visita a Praça Tiradentes no centro da cidade do Rio de Janeiro, pode contemplar a estátua do homem do grito do Ipiranga, e não a do mártir dos inconfidentes.
Com a consolidação da República e o passar dos anos, dom Pedro I voltou a ser visto como o herói da Independência, principalmente depois das comemorações do seu centenário, em 1922. Nas comemorações dos 150 anos do grito do Ipiranga, em 1972, Portugal doou os restos mortais do imperador, que foi transladado do Panteão Nacional de Lisboa para o Museu do Ipiranga, em São Paulo. Reabilitado como herói, dom Pedro I finalmente repousa no local onde o 7 de setembro foi inventado.

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