sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O LIVRO NEGRO DO COMUNISMO

Conta macabra

Comunistas tentam provar que mataram
menos do que seus inimigos, os capitalistas

Okky de Souza

A Guerra Fria acabou há mais de uma década e, para as novas gerações, não passa de mais um tema de filmes e romances de espionagem. Apesar disso, o confronto entre comunismo e capitalismo continua a alimentar discussões apaixonadas entre historiadores e intelectuais. Dois livros editados recentemente na França e que estão saindo no Brasil colocam uma pilha de lenha nessa fogueira que parecia apagada. O primeiro é O Livro Negro do Comunismo (tradução de Caio Meira; Bertrand Brasil; 917 páginas; 60 reais). O segundo foi escrito como uma resposta ao primeiro e chama-se O Livro Negro do Capitalismo (tradução de Ana Maria Duarte, Egito Gonçalves, Joana Caspurro e Leonor Figueiredo; Record; 543 páginas; 45 reais). Ambos reúnem artigos assinados por diversos autores e, como se depreende dos títulos, dedicam-se a denegrir os sistemas e respectivas ideologias de que tratam. Os resultados, porém, são muito diferentes.

O Livro Negro do Comunismo é um retrato monumental das atrocidades cometidas pelo totalitarismo de esquerda. O projeto de construir sociedades igualitárias por meio da mão forte do Estado teria custado, segundo os cálculos do livro, 100 milhões de vidas. A maior parte delas, naturalmente, foi ceifada nos dois gigantes socialistas: a União Soviética e a China. Já O Livro Negro do Capitalismo, sem se preocupar em desmentir os fatos relatados na obra que lhe é antípoda, desfila uma série de argumentos para provar que o sistema que ataca é o verdadeiro vilão nos últimos séculos. É uma obra idiota na intenção – o de chegar a um número de vítimas maior do que o computado pelo Livro Negro do Comunismo – e estapafúrdia do ponto de vista histórico. O capitalismo seria culpado tanto pela II Guerra Mundial como pela violência e pelo consumo de drogas nos guetos negros de Washington. Ah, sim, há também a Guerra do Chaco, entre Paraguai e Bolívia. Ao final, os autores contabilizam que o sistema foi o responsável direto por 106 milhões de mortes. Como em seu balaio de argumentos e acusações cabe tudo, o livro confunde a trajetória do capitalismo com a própria história da civilização ocidental. Acaba-se por culpá-lo por todas as mazelas que a humanidade conheceu até hoje. Só faltou incluir a morte de Elvis Presley – mas, como se sabe, Elvis não morreu.

Nazismo – O Livro Negro do Comunismo, por seu turno, atém-se a fatos incontestáveis, diretamente relacionados à manutenção do status quo no planeta vermelho. Os crimes do stalinismo, por exemplo, são conhecidos desde 1956, quando o então premiê soviético, Nikita Kruchev, os denunciou por ocasião do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética. Era para ser um dossiê secreto, não fosse o correspondente capitalista do jornal The New York Times, que divulgou a informação sensacional. Nunca, porém, as monstruosidades de Stalin foram descritas com tanta riqueza de detalhes. Ao ser lançado na França, o livro provocou uma tremenda polêmica. Não tanto pelos artigos que enfeixa, mas pela introdução assinada por seu organizador, o historiador Stéphane Courtois, ex-maoísta convertido em crítico feroz da ideologia marxista.

Courtois defende a tese de que o comunismo é irmão gêmeo do nazismo, alegando que ambos utilizaram o genocídio como estratégia de reorganização social. "Os mecanismos de segregação e de exclusão do totalitarismo de classe se parecem muito com aqueles do totalitarismo de raça", ele escreve. As afirmações do historiador surpreenderam alguns dos articulistas da obra, que, discordando delas, ameaçaram pedir a suspensão do lançamento. De qualquer maneira, a tese de Courtois encontra eco em alguns dos maiores pensadores do século, como a filósofa alemã Hannah Arendt. Ela observou que os princípios do comunismo e do nazismo têm muito em comum. Ambos dividem o mesmo credo num partido único, que deve controlar de forma absoluta o aparato estatal. Além disso, amparam-se em ideologias incontestáveis, recorrem à polícia política e à repressão implacável dos dissidentes.

A principal diferença entre o terror nazista e o comunista é que este se prolongou por muito mais tempo e, portanto, colecionou mais vítimas. A partir de 1917, quando os bolcheviques tomaram o poder na Rússia, até 1953, quando Stalin morreu, os expurgos, a fome, as deportações em massa e o trabalho forçado nos gulags (campos de concentração de presos políticos) mataram 20 milhões de pessoas na União Soviética. Só a grande fome de 1921-1922, causada em boa parte pelo confisco de alimentos dos camponeses, acabou com mais de 5 milhões de cidadãos. Na virada dos anos 20 para os 30, a coletivização forçada do campo representou uma declaração de guerra do Estado soviético contra os pequenos e médios produtores rurais. A etapa final desse processo foi uma outra terrível fome, entre 1932 e 1933, que ceifou mais 6 milhões de vidas. Em outros países que adotaram o regime marxista os números da matança são igualmente eloqüentes. A fome causada pelo chamado "grande salto para a frente", o desastroso projeto implantado por Mao Tsé-tung em meados dos anos 50, deixou um saldo espantoso de 65 milhões de mortos. Em termos proporcionais, o maior genocídio comunista foi no Camboja. O Khmer Vermelho, com sua obstinação em transferir a população das cidades para o campo, matou de inanição e cansaço nada menos do que 25% dos habitantes do país entre 1975 e 1979.
Os comunistas acusam
os capitalistas

Os capitalistas acusam
os comunistas

Genocídio dos índios americanos
I Guerra Mundial
Fome na União Soviética
Fome e epidemias na Índia, China e Indochina
II Guerra Mundial
Guerra do Vietnã
Guerras árabe-israelenses
Guerras Irã-Iraque e do Golfo
Guerra em Timor Leste
Repressão no Chile, Argentina, Brasil, Peru, Bolívia e Colômbia


Massacre na União Soviética
Massacre na China
Guerra do Vietnã
Guerra na Coréia do Norte
Guerra no Camboja
Ocupações no Leste Europeu
Conflitos na América Latina
Conflitos na África
Guerra do Afeganistão
Matanças promovidas por partidos comunistas fora do poder
Total de mortes debitadas ao capitalismo: 106 milhões Total de mortes debitadas ao comunismo: 100 milhões

Paredón – Em algumas passagens, O Livro Negro do Comunismo força a mão para obter cifras mais vistosas. No caso da América Latina, ele contabiliza 150.000 mortos entre as vítimas da revolução cubana e de grupos guerrilheiros como os sandinistas da Nicarágua e os integrantes do Sendero Luminoso, no Peru (que nem sequer se professam claramente socialistas). São números evidentemente exagerados. O famoso paredón de Fidel Castro não chegou a eliminar 10% desse número – o que, é claro, não o livra de ser um ditador sanguinário. Em matéria de maluquices, porém, O Livro Negro do Capitalismo bate recordes. A publicidade, por exemplo, é vista como "uma nova arma colonial que alicia os espíritos com seu matraquear incessante". Episódios como a matança dos índios americanos pelos pioneiros da conquista do Oeste também são pendurados na conta do selvagem capitalismo. Os autores dessas bobagens se esquecem de que no comunismo o totalitarismo é regra. No capitalismo é exceção. Jamais se ouviu falar de um país socialista com representantes eleitos pelo voto, liberdade de imprensa e de associação. Já o regime político que melhor se coaduna com a livre iniciativa e a propriedade privada é o da democracia liberal. Sobre esta última, talvez a melhor definição seja a do ex-primeiro-ministro inglês Winston Churchill. Em 1947, ele disse: "A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que já foram experimentadas".
FONTE: Veja
Edição 1 622 - 3/11/1999

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