terça-feira, 30 de novembro de 2010

Ciência faz as pessoas perderem a fé?

Matéria escrita para a Revista O Mensageiro de Santo Antônio. Baixar pdf. Há alguns meses, nesta nossa coluna de ciência e religião, desmontamos a farsa segundo a qual a teoria da evolução, de Darwin, seria incompatível com a fé e provaria a inexistência de Deus. Hoje, vamos derrubar outro mito: o de que estudar ciência leva as pessoas a abandonar a religião e aderir ao ateísmo. Esta lenda, como tantas outras, surge quando alguém pega uma estatística e a torce até que ela possa dizer o que queremos que ela diga. Neste caso, o ponto de partida é verdadeiro. Pesquisas mostram que a porcentagem de ateus entre os cientistas, nos Estados Unidos, é bem maior que a porcentagem de ateus entre a população em geral. A conclusão falsa é dizer que essas pessoas deixaram de acreditar em Deus por causa de seu trabalho como cientistas, o que não é verdade. Até é possível que um ou outro tenha abandonado sua fé devido à ciência, mas nem de longe podemos imaginar que isso seja a regra, e existem duas pesquisas sobre o assunto. Um desses estudos foi feito por Elaine Howard Ecklund. Ela escreveu o livro Science vs. Religion: what scientists really think (“Ciência contra religião: o que os cientistas realmente pensam”), em que publicou o resultado de quatro anos de entrevistas com 1,7 mil cientistas de 21 universidades de ponta nos Estados Unidos. Ela confirmou o fato de que na comunidade científica a proporção de ateus e agnósticos é grande, comparada com a população em geral: apenas 36% dos cientistas entrevistados acreditavam em Deus. Mas ela também descobriu que, na maioria dos casos, a decisão entre crer ou não em Deus foi tomada antes que as pessoas entrassem na carreira científica. A família, nesse sentido, é muito mais importante que o trabalho: os entrevistados ateus costumavam vir de famílias que já não acreditavam em Deus, ou nas quais a religião não tinha muita importância (como tanta gente que se diz católica, mas não frequenta nem mesmo a Santa Missa todo domingo). Já os cientistas que tinham fé costumavam vir de famílias em que a religiosidade é considerada fundamental. A ciência, nesses casos, costuma até ter um efeito benéfico: quando o cientista vem de uma família com visões fundamentalistas, como ocorre em certos grupos religiosos comuns nos Estados Unidos, o trabalho como cientista acaba atenuando o fundamentalismo, levando a pessoa a visões mais moderadas. Uma outra pesquisa, feita no ano passado por professores da Universidade de Michigan, analisou estudantes universitários para saber qual era o impacto da faculdade na fé desses jovens. Se Elaine Ecklund descobriu que a influência da família é forte na hora de determinar a adesão dos cientistas à fé, os pesquisadores de Michigan escolheram analisar estudantes universitários porque, em muitos casos, essa é a primeira oportunidade em que o jovem se separa da família, às vezes mudando de cidade ou de estado em busca de uma boa faculdade. O que o estudo descobriu é que os cursos das áreas de Exatas e Biológicas são justamente os que menos causam estrago na religiosidade dos estudantes – exatamente o contrário do que os ateus militantes alegam, já que para eles, quanto mais se estuda Física, Química ou Biologia, menos razões se tem para crer em Deus… Mas uma outra informação é interessante e nos faz pensar: a pesquisa da Universidade de Michigan também revelou que os universitários que passam pelos cursos de Humanas e Sociais estão mais sujeitos a perder a fé. Podemos intuir motivos pelos quais isso acontece. O conceito da moda nas faculdades de Humanas é o da “pós-modernidade”. Segundo essa ideia, não existem verdades absolutas; resumindo bem, uma ideia se torna verdadeira se eu consigo convencer as outras pessoas de que estou certo. A realidade pouco importa, nesse cenário, e o conceito clássico de “verdade” é deixado de lado. Na faculdade de Jornalismo, há quase 15 anos, tive uma experiência pessoal com isso: um professor tentava nos convencer de que não existiam verdades absolutas. A ironia é que ele nos impunha esse conceito como se ele fosse uma verdade absoluta! Essa é a grande falha da pós-modernidade, mas poucos se dão conta dela. O resultado dessas ideias é o relativismo, a noção de que a verdade pouco importa, pois nem existe (existe a “minha” verdade e a “sua” verdade, é o que dizem). E pensar assim faz muito mal para a fé – não é à toa que o Papa Bento XVI aproveita toda ocasião possível para condenar o relativismo. Por outro lado, as ciências exatas não se deixam contaminar pelo relativismo. No trabalho de um cientista não importam as opiniões, e sim a verdade como ela é. Uma molécula de água tem dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio, não interessa o que os outros pensem a respeito. A verdade objetiva não só existe, como pode ser encontrada por meio de testes e experiências. É claro que corre-se o risco de cair no extremo oposto, o cientificismo, o “fora da ciência não há salvação”: a ciência explica tudo, a ciência pode tudo, o que não tiver comprovação científica deve ser descartado. Mas essa é uma armadilha mais fácil de desarmar que o relativismo. Em um famoso debate com Richard Dawkins, o matemático John Lennox perguntava ao autor de Deus, um delírio se sua esposa o amava. Diante da resposta positiva, Lennox perguntou se Dawkins tinha evidência disso – no sentido científico da palavra. Vários domínios da vida humana não dependem de comprovação científica, mas nem por isso os descartamos como inúteis. No entanto, é exatamente isso que os cientificistas querem fazer com a religião. Ainda assim, acredito que passar a aceitar a fé ainda é mais fácil para um cientificista que para um relativista. Apesar do que acabamos de ver sobre a influência das ciências exatas e das ciências humanas sobre a fé dos universitários, é possível entender por que, nos Estados Unidos, a proporção de ateus entre os cientistas é maior que entre a população em geral. Muitas famílias religiosas têm os dois pés atrás em relação à ciência. Se os pais acreditam que a ciência faz a pessoa perder a fé, obviamente eles não encorajarão seus filhos a optar pela carreira científica. Esse espaço será ocupado por pessoas que acreditam em outras coisas, ou que não acreditam em nada. É um círculo vicioso que, se não for quebrado, irá removendo lentamente dos laboratórios aqueles que sabem equilibrar fé e ciência. Então, caro leitor, se os seus filhos demonstram alguma vocação para essa área e ao mesmo tempo têm fé, não os desanime: provavelmente é de cientistas como eles que o mundo precisa. Marcio Antonio Campos é Jornalista e Editor da Gazeta do Povo, onde mantém o Blog Tubo de Ensaio.

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