sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O CASO GALILEU (II)




Por Joaquim Blessmann


E assim a disputa, que deveria ser de caráter científico, passou para a exegese e a teologia. Os debates se multiplicaram. O beneditino Castelli defendia a opinião de Galileu. Este escreveu diversas cartas, dirigidas, entre outros, ao próprio Castelli, a Clavius e ao Cardeal Roberto Belarmino (canonizado em 1930), defendendo-se. Da carta a Castelli transcrevemos um trecho, pela posição correta assumida por Galileu, no que diz respeito à interpretação da Bíblia:
“A Escritura não se engana, mas sim os seus intérpretes e comentadores, de várias maneiras, entre as quais uma gravíssima e freqüentíssima, quando querem fixar-se sempre no puro sentido literal, pois assim aparecerão não só diversas contradições, mas também graves erros e heresias; seria necessário dar a Deus pés e mãos, e olhos, e também coisas corpóreas e humanas, como cólera, arrependimento, ódio, esquecimento do passado e ignorância do futuro. Donde, assim como na Escritura se encontram muitas proposições falsas quanto ao sentido nu das palavras, mas assim postas para se acomodarem ao numeroso vulgo, assim ... é necessário que os sábios comentadores apresentem o verdadeiro sentido”13.
Essa carta foi difundida por meio de cópias, e o dominicano Niccolò Lorini enviou uma delas à Sagrada Congregação do Index (Inquisição Romana). A carta foi examinada, qualificada favoravelmente e o caso encerrado.
Entretanto, Galileu insistia em debater no terreno exegético-escriturístico, abandonando as razões científicas do sistema astronômico que defendia. Queria forçar uma decisão urgente da Sagrada Congregação para que certas passagens da Escritura fossem interpretadas de modo diferente do usual havia séculos.
Foi advertido para que deixasse o lado teológico da questão e usasse apenas argumentos das ciências naturais para justificar o sistema heliocêntrico.
Paolo Antonio Foscarini, carmelita da Calábria, publica em 1615 a sua Lettera sopra l'opinione dei Pitagorici e del Copernico (“Carta sobre a opinião dos pitagóricos e de Copérnico”) em que defende a opinião de Copérnico.
O Cardeal Belarmino recomenda prudência a Galileu e a Foscarini: que não apresentassem o sistema heliocêntrico como verdade definitiva (o que não existe na ciência; nesta, nada é definitivo) e que não forçassem reinterpretações da Sagrada Escritura, enquanto não houvesse provas demonstrativas do novo sistema. Eis trechos de sua carta:
“Uma coisa é sustentar o movimento da Terra e a estabilidade do Sol como hipótese, e isso está muito bem dito e não tem perigo algum..., e é tudo quanto deveria bastar ao matemático”.
E mais adiante, na mesma carta:
“Quando fosse verdadeiramente demonstrado que o Sol está no centro do mundo e a Terra no terceiro céu, e que o Sol não circunda a Terra, mas sim a Terra circunda o Sol, então seria necessário com muitas considerações, pelo contrário, que são coisas que não podemos entender. Por mim, não acreditarei que seja possível tal demonstração, até que me seja apresentada”14.
O fato é que Galileu não dispunha de alguma prova concreta ou convincente. A prova em que insistia, do fluxo e refluxo das marés, estava errada. As marés são causadas pela força gravitacional da Lua e do Sol. Ademais, se fossem causadas pela rotação da Terra, deveria haver só uma maré por dia, e não duas.
Acenou, como prova, para os ventos alísios, mas não pôde quantificar o fenômeno. E aí estava certo, pois o desvio para o Oeste dos ventos que sopram para o Equador em ambos os hemisférios é causado pela rotação da Terra.
Em conclusão: não tinha provas científicas. Como vimos, tentou provar suas idéias por meio da Bíblia. Somente muito mais tarde, em 1851, é que o físico e astrônomo francês Jean Foucault conseguiu provar o movimento de rotação da Terra, com um pêndulo dependurado do teto do Panthéon de Paris, que oscila em um plano fixo enquanto a Terra gira.
Entrementes, o padre dominicano Tommaso Caccini fazia vários ataques aos matemáticos e aos adeptos de Galileu. O primeiro destes ataques aconteceu por ocasião de um sermão sobre o milagre de Josué (em que o Sol teria parado; cf. Js 10, 7-15). Caccini foi chamado a Roma para explicar os ataques a Galileu e aproveitou a ocasião para, junto com outros, pressionar o Santo Ofício, para que Galileu fosse condenado.
Galileu continuou, com seu estilo polêmico, a discutir. Diz a Enciclopédia Mirador Internacional (verbete Galileu) que era “de um estilo de grande vivacidade, freqüentemente irônico e mordaz, pois era um temperamento polêmico”. Eis exemplos (de outras fontes, citadas neste trabalho) de seu estilo de argumentar, nada científico: recorria aos vocábulos “idiotas, bufos, hipócritas, impostores, ignorantes, estúpidos, animais”
Em 24.01.1616, em sessão do Santo Ofício, os consultores apresentam seu parecer sobre a controvérsia. Qualificam duas proposições:
1.º) Sol fixo. É considerada falsa e absurda do ponto de vista filosófico e formalmente herética, por estar em contradição com várias passagens da Sagrada Escritura, de acordo com o sentido literal e a interpretação corrente dos Padres da Igreja.
2.º) Rotação da Terra e translação em torno do Sol. Falsa e absurda, do ponto de vista filosófico, e errônea na fé.
No dia seguinte, há uma reunião dos Cardeais, sob a presidência do Papa Paulo V, para avaliar o parecer dos consultores e pronunciar uma decisão. Foram tomadas duas medidas:
1.º) Cardeal Belarmino é encarregado de, em audiência particular, convencer Galileu a abandonar a teoria copernicana. Galileu nega-se a tal. Recebe, então, de Belarmino, diante de um comissário da Inquisição e de outras pessoas, o preceito formal de não sustentar, ensinar ou defender. Galileu promete obediência. Não houve processo formal, nem sentença, abjuração ou penitência.
2.º) Por decreto da Sagrada Congregação do Index, foram proibidos os livros de Copérnico, de Foscarini e, de forma geral, dos que defendiam o sistema heliocêntrico. Nenhuma referência nem à obra nem ao nome de Galileu.
Observe-se que a obra de Copérnico, já com 80 anos, até então tinha sido deixada pela Igreja Católica à livre discussão, e havia eclesiásticos que a defendiam. E nela baseou-se a reforma do calendário, já referida.
O que provocou, depois de tanto tempo, sua proibição, foi a atitude de Galileu, querendo impor como certa, verdadeira, uma teoria para a qual não tinha provas objetivas. Pelo contrário, insistia em uma prova falsa, a das marés. E jamais ele ou outro contemporâneo conseguiu explicar o paradoxo do vento de 1.440 km/h, na linha do Equador, que “deveria” existir em virtude da rotação da Terra. Galileu, lançado mão de razões exegéticas e insistindo em uma reinterpretação da Bíblia, acabou forçando uma decisão imatura e lamentável da Sagrada Congregação do Index.
É de destacar que, em 11.03.1616, Paulo V recebeu Galileu em audiência particular. Considera-o um verdadeiro filho da Igreja e reconhece a retidão das intenções de Galileu, dizendo-lhe que nada temesse de seus caluniadores.
Em novembro de 1618 apareceram três cometas na Europa. Foi o estopim para recomeçarem as discussões, com Galileu violento no falar como antes.
Entre 1624 e 1630, Galileu escreve um novo livro, Diálogo sobre os dois Sistemas Máximos de Mundo, o Ptolomaico e o Copernicano. Galileu comunicara ao Papa Urbano VIII que pretendia escrever esse livro. O Papa o apoiara, aconselhando-o, porém, a não entrar em conflito com o Santo Ofício e a tratar o sistema de Copérnico como hipótese. Uma recomendação perfeitamente correta para os dias atuais, pois agora é ponto pacífico que em ciência nada é definitivo.
Em maio de 1630, Galileu vai a Roma para obter o necessário “Imprimatur”. O encarregado de examinar seu livro, Pe. Riccardi, era amigo pessoal de Galileu. Conclui que eram necessárias algumas correções:
1.º) Mudar o título, que era Diálogo sobre as marés, porque destacava muito o único argumento (e errado) de Galileu para provar o sistema copernicano.
2.º) Alterar algumas passagens.
3.º) Alterar o prefácio, de modo a não apresentar o sistema heliocêntrico como verdade segura, mas sim como hipótese.
Diante disso, Galileu resolveu imprimir o livro em Florença. Riccardi concordou, desde que Galileu lhe trouxesse o primeiro exemplar da obra, com as devidas correções, para receber o “Imprimatur”. Galileu argumenta que a epidemia de Peste dificultava a comunicação entre as duas cidades. Mais uma vez, cede Riccardi, concordando com o exame da obra em Florença, bastando enviar a Roma o título e o Prefácio.
Em Florença, Galileu consegue que o revisor seja outro amigo seu, Giacinto Stefani, que foi induzido a pensar que a obra já tinha sido aprovada em Roma. Stefani concedeu a autorização. O título e o prefácio foram enviados para aprovação e o livro foi publicado em 1632.
Quando Riccardi recebeu um exemplar da obra completa, viu com surpresa que, antes da aprovação florentina, figurava a sua. E sem nenhuma correção no corpo do livro: o sistema copernicano era apresentado em toda a obra, exceto no Prefácio, como verdade incontroversa.
Urbano VIII, pressionado pelos inimigos de Galileu, e considerando a desobediência formal à proibição de 1616, passou o assunto à Inquisição.
A comissão encarregada de examinar a obra agrupou a censura em oito pontos, esclarecendo nas conclusões que todos eles podiam ser corrigidos (as marés como falsa prova, apresentar o sistema copernicano apenas como hipótese, etc.). Mas, acrescentava, a desobediência era um agravante bastante sério (o grifo é nosso, pois as conclusões da comissão mostram que o problema era, basicamente, disciplinar).
Galileu, chamado a Roma para julgamento, depois de vários adiamentos (doença, velhice, Peste, inundações, foram os motivos alegados), lá chega em 12.02.1633. Hospedou-se inicialmente no palácio do Embaixador de Florença; depois passou a residir no edifício da Inquisição, em aposentos do Fiscal da Inquisição, “cômodos e abertos” (nada de aprisionamento em masmorras, “a pão e água”, como diz uma das lendas).

Foi submetido a quatro interrogatórios:
– No primeiro negou que houvesse defendido o sistema heliocêntrico em seu livro.
– No segundo, declarou que, relendo o livro, reparara que em alguns trechos o leitor podia realmente pensar que ele defendia tal sistema.
– No terceiro, desculpou-se por desobedecer à proibição de 1616, afirmando que a advertência tinha sido verbal e que não se recordava de uma ordem para ele em particular.
– No quarto e último interrogatório (em 21.06.1633), quando lhe perguntaram solenemente se defendia o sistema copernicano, respondeu negativamente.
No dia seguinte, em Decreto do Santo Ofício, é publicada a sentença, na qual consta: “... é absolvido da suspeição de heresia, desde que abjure, maldiga e deteste ditos erros e heresias...”. Galileu ouviu de pé e com a cabeça descoberta a leitura de sua condenação (três anos de prisão; recitação semanal dos sete salmos penitenciais, por três anos). Depois, de joelhos e com uma mão sobre os Evangelhos, assinou um ato de abjuração, no qual declarava que era “justamente suspeito de heresia”.
Nesta ocasião, Galileu teria exclamado, batendo com o pé no chão: “e pur si muove” (e todavia se move). Lenda inverossímil, dadas as circunstâncias (estava de joelhos). É uma fantasia que apareceu pela primeira vez em 1757 (mais de um século depois), em obra do jornalista italiano Giuseppe Baretti (1719-1789).
Além das penas pessoais, também proibiu-se o livro de Galileu.
No dia seguinte, a sentença é comutada pelo Papa. Galileu vai viver no palácio do Embaixador de Florença e depois passa para a casa do Arcebispo Piccolomini, seu discípulo e admirador, em uma espécie de prisão domiciliar. Foi-lhe permitido voltar a Florença em 10.12.1633, cinco meses e oito dias depois da condenação.
Como se vê, nada de condenação por heresia, torturas, fogueira, etc. É verdade que durante o processo, em virtude de suas evasivas, foi ameaçado de tortura, de acordo com os trâmites processuais. Por outra, a tortura nunca era infligida a pessoas idosas ou enfermas. Galileu estaria isento por ambas as condições.
“Embora reconheçamos que o segundo processo teve, como gravame, a vaidade e a insinceridade de Galileu, devemos todavia lamentar profundamente a primeira condenação de 1616 como inquietante erro judicial, e como abuso de poder diretamente catastrófico em suas conseqüências” [proibição das obras de Copérnico]15.
Em 1637, Galileu fica cego. Em 1638, publica o livro Diálogo das duas novas ciências, que são a Resistência dos Materiais e a Mecânica Racional, básicas para vários ramos da engenharia.
Morre em 08.01.1642, assistido por um sacerdote, como bom católico.
4. COMENTÁRIOS
a) Muitos dos comentários a seguir são retirados da obra de Jorge Cintra.
– O episódio de Galileu é lamentável, mas compreensível, se levarmos em consideração o ambiente, costumes e mentalidades vigentes naquela época.
– A imagem Galileu versus Igreja, ou ciência versus Igreja, foi criada por pensadores anticatólicos dos séculos XVIII e XIX, para apresentar a Igreja como inimiga da ciência, do progresso e da razão. Muitos eclesiásticos estudavam sistematicamente astronomia e vários deles vinham defendendo o sistema heliocêntrico mesmo antes de Galileu, como o próprio Copérnico, que era cônego.
– A Igreja não queria proibir que se discutisse o sistema de Copérnico, mas apenas solicitava que não fosse apresentado como incontestável, enquanto não houvesse provas decisivas. O argumento das marés, que Galileu apresentou como prova máxima, era falso.
– Aliás, como já tínhamos comentado, pela atual filosofia da ciência, nada é definitivo em ciência; mesmo as teorias mais “badaladas” podem cair. Um exemplo é a famosa teoria do evolucionismo, de Darwin. Pelos conhecimentos atuais, não há “elos perdidos”. O que aconteceu foram mutações fortes, mudanças bruscas que geraram novas espécies, cuja estabilidade está cada vez mais comprovada. Uma espécie aparece “subitamente” e se mantém praticamente inalterada, até desaparecer. Sobre evolucionismo recomendamos a obra de Evolucionismo: mito e realidade, de Jorge Cintra, uma excelente e resumida apresentação do tema16.
Outros exemplos temos na própria astronomia, com as diversas teorias sobre a formação dos planetas, sobre o universo em expansão, em contração, pulsante, etc.
– Parte do acontecido deve-se ao caráter de Galileu, polêmico, ríspido, agressivo, e ao fato de ter difundido prematuramente suas conclusões científicas, sem provas suficientes.
– Houve também um erro grave por parte de representantes da Igreja, que se intrometeram em matéria exclusivamente científica e condenaram um sistema astronômico, no processo de 1616.
b) Do filósofo cético-agnóstico Paul Feyerabend citamos: “No tempo de Galileu, a Igreja se manteve mais fiel à razão do que o próprio Galileu e levou em consideração também as conseqüências éticas e sociais da doutrina de Galileu. O processo contra Galileu era justo e racional”17.
c) Palavras do físico Nicola Cabibbo, presidente do Instituto Nacional de Física Nuclear da Itália: “Se examinarmos o processo, vemos que Galileu não foi condenado pelas suas teses científicas, mas porque tentava fazer teologia. O próprio Galileu afirmava, errando: visto que a Terra gira em torno do Sol, devemos mudar a Sagrada Escritura. Nesse caso, quando Newton descobriu a gravitação universal e Einstein a relatividade, deveríamos ter mudado de novo os textos sagrados”18.
d) Filósofo laico Emanuele Severino, falando sobre a reabilitação de Galileu pela Igreja: “recitando o «mea culpa» sobre Galileu, a Igreja atribui à ciência um valor absoluto justamente hoje, quando a ciência reconhece que não tem verdades absolutas e indiscutíveis. É estranho que não levem em conta as considerações do Cardeal Belarmino, que aconselhou Galileu a expor as suas teorias em forma de hipótese e não de verdades absolutas. A postura de Belarmino era muito mais moderna, com uma consciência crítica do saber científico superior à de Galileu”19.
e) Em 03.07.1981, o Papa João Paulo II nomeou uma comissão de teólogos, cientistas e historiadores, a fim de aprofundarem o exame do caso Galileu. Os resultados foram apresentados após onze anos, em 31.10.1992. Neste mesmo dia, 350.º aniversário da morte de Galileu, realizou-se sessão solene da Pontifícia Academia de Ciências. Do discurso que então proferiu João Paulo II extraímos os seguintes trechos:
“Galileu rejeitou a sugestão de apresentar o sistema de Copérnico como uma hipótese, até ser confirmado por provas irrefutáveis. Tratava-se de uma exigência do método experimental, do qual ele foi o iniciador genial”. (Isto é, Galileu errou em seu próprio terreno).
“O problema que os teólogos da época se puseram era o da compatibilidade do heliocentrismo e da Escritura. A ciência nova, com os seus métodos e a liberdade de investigação que eles supõem, obrigava os teólogos a interrogarem-se sobre os seus próprios critérios de interpretação da Escritura. A maioria não o soube fazer. Paradoxalmente, Galileu, fiel sincero, mostrou-se sobre este ponto mais perspicaz do que os seus adversários teólogos. Se a Escritura não pode errar, escreve ele a Benedetto Castelli (em 1613), alguns dos seus intérpretes e comentaristas o podem e de muitas maneiras. Também é conhecida a sua carta a Cristina de Lorena (em 1615), que é como que um pequeno tratado de hermenêutica bíblica”.
“A maioria dos teólogos não percebia a distinção formal entre a Escritura Sagrada e a sua interpretação, o que os levou a transpor indevidamente para o campo da doutrina da fé uma questão, de fato relevante, da investigação científica.”
“Recordemos a frase célebre atribuída a Baronio: O Espírito Santo quer nos dizer como se vai para o céu; não como vai o céu”. “Belarmino, que tinha percebido o que estava realmente em jogo no debate, considerava que, diante de eventuais provas científicas do movimento orbital da Terra ao redor do Sol, devíamos interpretar, com uma grande circunspeção, toda a passagem da Bíblia que parece afirmar que a Terra é imóvel, e «dizer que não o compreendemos, antes de afirmar que é falso o que se demonstra» (Carta ao Pe. Foscarini, 12.04.1615)”.
f) João Paulo II recordou um fato histórico pouco conhecido: Galileu já tinha sido reabilitado por Bento XIV em 1741, com a concessão do “Imprimatur” à primeira edição das obras completas de Galileu. Em 1757, as obras científicas favoráveis à teoria heliocêntrica foram retiradas do Index de livros proibidos. Em 1822, Pio VII determinou que o “Imprimatur” podia ser dado também aos estudos que apresentavam a teoria copernicana como tese.
g) Destacando alguns pontos do que foi apresentado neste trabalho, diremos que a condenação de Galileu foi devida ao modo como ele defendeu o sistema heliocêntrico. Quis prová-lo com argumentos bíblicos (incidindo no erro que condenava em seus oponentes, ele, o criador da experiência científica), errou no argumento das marés e insistiu na necessidade de uma pronta reinterpretação de certos trechos da Bíblia. A condenação de 1633 deveu-se à desobediência de Galileu ao compromisso assumido em 1616. Neste processo, sim, os representantes da Igreja cometeram um grave erro, opinando em matéria de interesse exclusivo da ciência, ao declararem um sistema astronômico contrário à fé.
Houve acertos de ambos os lados no campo oposto. Galileu com seus comentários sobre a correta interpretação da Bíblia (“um pequeno tratado de hermenêutica bíblica”, no dizer de João Paulo II). Belarmino e outros eclesiásticos apregoando o que hoje é um princípio fundamental da ciência: nela, nada é definitivo (o heliocentrismo devia ser apresentado como hipótese, não como verdade incontestável). Eles tiveram uma concepção dos fundamentos do saber científico superior à de Galileu, cientista renomado e criador da experiência cientificamente conduzida.
NOTAS:
(1) Jorge Pimentel Cintra, Galileu, Quadrante, São Paulo, 1987.
(2) Franco Massara, Os grandes julgamentos da história: Galileu Galilei, Otto Pierre Editores, São Paulo, s.d, pág. 28.
(3) citado por Estêvão Bettencourt, “O caso Galileu Galilei”, Revista Pergunte e Responderemos, Ano XXIV, n.º 267, março-abril 1983, págs. 90-97.
(4) Citações tiradas de: Mário Viganó, “Algumas considerações sobre o caso Galileu”. Cultura e Fé, nº. 32, janeiro-março 1986, pág. 11-26.
(5) Exégèse médiévale, Aubier, Paris, 1962
(6) D. João Evangelista Martins Terra, SJ, O Negro e a Igreja, Loyola, 2ª. ed., São Paulo, 1988.
(7) Estêvão Bettencourt, “História do Cristianismo”. Revista Pergunte e Responderemos, Ano X, n.º 114, junho 1969, págs. 261-272.
(8) Estêvão Bettencourt, “No caso Galileu Galilei: que houve?”. Revista Pergunte e Responderemos, ANO XXI, n.º 250, outubro 1980, págs. 420-428.
(9) Jorge Pimentel Cintra, op. cit.
(10) Citações tiradas de: Antonio Socci, “Iluminados e caçadores de bruxas”. Revista 30 dias, Ano V, n.º 6, junho 1990, págs. 68-71.
(11) Estêvão Bettencourt, “O martelo das feiticeiras”. Revista Pergunte e Responderemos, Ano XXXII, n.º 354, novembro 1991, págs. 495-508.
(12) Boulanger, Manual de Apologética, Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, s.d, págs. 515 e 519.
(13) Citado por Franco Massara, op. cit., pág. 111.
(14) Idem, págs. 163 e 165.
(15) Tüchle & Bouman, Nova história da Igreja. III – Reforma e Contra-Reforma, 2ª. ed., Vozes, Petrópolis, 1983.
(16) Sobre evolucionismo recomendamos a obra de Evolucionismo: mito e realidade, de Jorge Cintra (Quadrante, São Paulo, 1988), uma excelente e resumida apresentação do tema.
(17) citado por: Joseph Ratzinger, “O desafio da homologação religiosa”. Revista 30 Dias, Ano V nº. 5, maio 1990, pág. 62-67.
(18) citado por: Lucio Brunelli, “Galileu, o teólogo”. Revista 30 Dias, Ano VI, nº. 10, novembro 1992, pág. 29.
(19) citado por: Antonio Socci, “Academia ou política?”. Revista 30 Dias, Ano VII, nº. 1, janeiro 1993, págs. 32-35.
(20) L’Osservatore Romano, edição portuguesa, nº. 45 (1.098), 08.11.1992, págs. 554-555.


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Joaquim Blessmann

Engeheiro Civil, Mestre e Doutor em Ciências pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Professor Emérito da UFRGS. Professor Honorário da Universidade Austral, Buenos Aires. Membro Correspondente da "Academia Nacional de Ingeniería" da Argentina.


Fonte: www.quadrante.com.br

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