segunda-feira, 8 de novembro de 2010

OS SETE PECADOS MORTAIS DO TERRORISMO


2 de Agosto de 2010

11 de setembro - 11 de setembro
por Paul Johnson
Resumo: Em artigo profético, o historiador Paul Johnson alertava no final dos anos 70 para o perigo que o terrorismo e suas variáveis representavam para todo o mundo ocidental.
© 2004 MidiaSemMascara.org
Uma equivocada abordagem do terrorismo é vê-lo como um dos muitos sintomas de uma grave doença de nossa sociedade, parte de um padrão de violência que inclui a delinqüência Juvenil, a elevação das taxas de criminalidade, os distúrbios estudantis, o vandalismo, a fraude no futebol e tudo o mais que pode ser atribuído à sombra ameaçadora da bomba atômica, aos divórcios cada vez mais freqüentes, aos serviços de bem-estar social inadequados e à pobreza. Esta analise geralmente termina na conclusão sem sentido e derrotista de que a própria sociedade deve ser acusada: “Somos todos culpados”.
O terrorismo internacional não é parte de um problema geral humano. É um problema especifico e identificável em si mesmo. E porque é específico e identificável, porque pode ser isolado do contexto que o engloba, é um problema que tem soluções. Este é o primeiro ponto que deve ficar claro. Dizer que o problema tem soluções não significa subestimar seu tamanho e seu perigo. Ao contrário: é quase impossível exagerar a ameaça que o terrorismo representa para nossa civilização. Como o assassínio de lorde Mountbatten e de 21 outras pessoas pela ala provisória do IRA nos fez recordar, a ameaça é mais imediata — e, portanto, de certa forma mais grave — que o risco da guerra nuclear, da explosão demográfica, da poluição global ou da exaustão dos recursos naturais. Estas ameaças à nossa civilização podem ser, têm sido ou foram contidas. Mas isso não aconteceu com o terrorismo. Muito ao contrário. O terrorismo está cada vez mais presente, e uma razão pela qual ele constitui um perigo tão grave e crescente é que muito poucas pessoas no mundo civilizado — governos e parlamentares, televisões e jornais, o público, em geral — levam o terrorismo suficientemente a sério. A maioria das pessoas, a quem falta um adequado conhecimento da história, tende a subestimar a fragilidade de uma civilização. Elas não percebem que as civilizações declinam, da mesma forma como se desenvolvem. As civilizações podem ser, e têm sido, destruídas por forças malignas. Em nossa história documentada houve ao menos três idades tenebrosas. Uma ocorreu no terceiro milênio antes de Cristo e esmagou a civilização do Antigo Império egípcio, a cultura que construiu as pirâmides. Outra aconteceu perto do final do segundo milênio antes de Cristo e destruiu a Grécia Micênica, a Creta Minoana, o Império Hititta e muito mais. Estamos mais familiarizados com a terceira, que destruiu o Império Romano do Ocidente no quinto século depois de Cristo. A Europa levou 800 anos para se recuperar do desastre, em termos de organização, capacidade técnica e padrão de vida. Houve um fator comum a todas essas grandes catástrofes. Elas ocorreram quando a divulgação da tecnologia dos metais e a disponibilidade de matérias-primas possibilitaram às forças do barbarismo igualar ou superar as forças civilizadas na qualidade e quantidade de suas armas. Porque, em última instância, a civilização se mantém ou perece não pelos seus pactos, mas pela espada.
Édward Gibbon escreveu no fim de seu grande livro, O Declínio e a Queda do Império Romano: As nações selvagens do globo são o inimigo comum da sociedade civilizada, e podemos bem nos perguntar com ansiosa curiosidade se a Europa ainda está ameaçada pela repetição de tais calamidades que antigamente oprimiram os exércitos e as instituições de Roma. Escrevendo na década de 1780, no limiar da revolução industrial, Gibbon pensou poder responder sua própria indagação com uma negativa razoavelmente confiante. Ele considerou corretamente que o poder do mundo civilizado aumentaria, e acreditou que os princípios científicos e racionais sobre os quais tal poder se apoiava estavam-se tornando cada vez mais firmemente estabelecidos, ano após ano. Agora, aproximadamente 200 anos depois, não podemos estar seguros disso. Os princípios da ciência objetiva e da razão humana, a noção do primado da lei, a supremacia da política sobre a força, estão sendo submetidos, em toda parte, a um desafio intencional e encarniçado. As forças da selvageria e da violência que constituem esse desafio tomam-se mais audaciosas, mais numerosas e, sobretudo, melhor armadas. As armas à disposição dos terroristas, sua capacidade e, não menos importante, as técnicas organizacionais com as quais eles empregam tais armas e habilidades, estão-se aperfeiçoando aceleradamente — a um nível mais rápido do que as contramedidas de que lança mão a sociedade civilizada.
Tomemos o exemplo mais recente: a Irlanda do Norte. A ala provisória do IRA e o grupo terrorista marxista INLA agora estão matando membros das forças de segurança à razão de dez por mês. A última vez que as forças de segurança mataram um terrorista foi em novembro de 1978. Existem duas razões para isso. A primeira é a substituição da velha estrutura amadorística do IRA por aquilo que o correspondente da BBC para assuntos de defesa chama de “uma moderna força clandestina, bem organizada e bem equipada, com uma clássica estrutura celular, forte e quase impossível de ser penetrada ou quebrada”. A segunda é que o alcance e a qualidade das armas agora usadas pelos terroristas irlandeses está-se tornando formidável. A qualidade desse arsenal e da organização ficaram plenamente demonstradas no dia 27 de agosto. Pelo menos nesse teatro, o barbarismo está conquistando terreno à civilização.
Os sete pecados
Esses ameaçadores aperfeiçoamentos do terrorismo tornaram-se possíveis graças à disponibilidade de apoio internacional, abastecimento e serviços de treinamento para os terroristas. O terrorismo já não é mais um fenômeno puramente nacional, que pode ser destruído no nível nacional. É uma ofensiva internacional — uma guerra aberta e declarada contra a própria civilização — que apenas pode ser derrotada por uma aliança ativa entre as potências civilizadas. O impacto do terrorismo — não apenas sobre os indivíduos, não apenas sobre as nações isoladas, mas sobre a humanidade como um todo — é intrinsecamente mal. E assim é por um número de razões demonstráveis que eu chamarei de os sete pecados mortais do terrorismo.
Primeiro, o terrorismo é a exaltação deliberada e fria da violência sobre todas as formas de atividade política. O terrorismo moderno emprega a violência não como um mal necessário, mas como uma desejável forma de ação. Existe um claro antecedente intelectual na presente onda de terrorismo. Este surge não apenas da justificação leninista e trotsquista da violência, mas do pós-guerra, da filosofia da violência derivada de Nietzsche, através de Heidegger, e largamente popularizada por Sartre, seus colegas e discípulos. Desde 1945, ninguém influenciou mais os jovens do que Sartre e ninguém fez mais para legitimar a violência da esquerda. Foi Sartre quem adaptou as técnicas lingüísticas, comuns na filosofia alemã, de identificação de certos sistemas políticos com o equivalente de “violência”. Assim justificando a violência de correção ou as respostas. Em 1962, ele disse: “Para mim, o problema essencial é rejeitar a teoria segundo a qual a esquerda não deve responder à violência com a violência”.
Algumas pessoas influenciadas por Sartre foram muito mais além —principalmente Franz Fanon. Sua mais influente obra, “Les Damnés de La Terre” que tem um prefácio de Sartre, provavelmente desempenhou um papel maior na divulgação do terrorismo no Terceiro Mundo do que qualquer outro tratado. A violência é apresentada como libertação, um fundamental tema sartreano. Para um negro, escreve Sartre em seu prefácio, “atirar em um europeu é matar dois pássaros com uma cajadada, porque destrói um opressor e o homem que ele oprime ao mesmo tempo”. Matando, o terrorista renasce — livre. Fanon pregou que a violência é uma forma necessária de regeneração social e moral para o oprimido. “Apenas a violência”, ele escreveu, “a violência cometida pelo povo, a violência organizada e instruída pelos seus líderes, possibilita às massas compreender as verdades sociais e fornece-lhes sua chave”. A noção da “violência organizada e instruída”, conduzida pelas elites, é a fórmula para o terrorismo. Fanon vai além: “Ao nível dos indivíduos, a violência é uma força purificadora. Ela liberta o oprimido de seu complexo de inferioridade e de seu desespero e inação”.
É precisamente esta linha de pensamento, de que a violência é positiva e criativa, que capacita os terroristas a cometer os atos horríveis pelos quais são responsáveis. O mesmo argumento — quase que palavra por palavra — foi usado por Hitler que repetia, interminável, “a virtude está no derramamento de sangue”. Portanto, o primeiro pecado mortal do terrorismo é a justificação moral do assassínio, não apenas como um meio para um fim, mas por si mesmo.
O segundo pecado mortal é a supressão deliberada dos instintos morais do homem. Os organizadores do terrorismo descobriram que não é suficiente fornecer a seus recrutas as justificações intelectuais para o assassínio: a instintiva humanidade que há em nós deve ser sistematicamente embotada, ou do contrário rejeitará o sofisma. Na Rússia dos anos 1870 e 1880, os grupos de terror Neznavhalie favoreciam o que chamavam de “terror sem motivos” e consideravam qualquer assassínio uma “ação progressiva”. Uma vez adotado o terror indiscriminado, o grupo sofre rapidamente a desintegração moral — de fato, o abandono de qualquer sistema de critérios morais torna-se um elemento essencial de seu treinamento. O fato é brilhantemente descrito na grande novela antiterrorista de Dostoievski, “Os Possuídos”, pelo diabólico Stavrogin, que argumenta que o grupo terrorista somente pode ser unido pelo medo e pela depravação moral: “Persuada quatro membros do círculo a matar um quinto”, ele diz, “sob a desculpa de que ele é um delator, e você os terá amarrado em um só nó pelo sangue derramado. Eles serão seus escravos”. Esta técnica está sendo indubitavelmente usada por alguns grupos terroristas. Neles, as recrutas são submetidas a repetidos estupros, ou forçadas a tomar parte de atos coletivos de depravação sexual, de forma a anestesiar os reflexos morais e a prepará-las para a brutal transformação de suas naturezas que os seus futuros “deveres” exigirão. A teoria está baseada na presunção de que nenhum homem ou mulher pode ser efetivamente um terrorista enquanto mantiver os elementos morais da personalidade humana. O segundo pecado mortal do terrorismo é uma ameaça não apenas à civilização, mas à humanidade como tal.
O terceiro pecado mortal é a rejeição da política como um meio normal pelo qual as comunidades resolvem seus conflitos. Para os terroristas, a violência não é apenas uma arma política, para ser usada in extremis: a violência é um substituto para todo o processo político. Os terroristas árabes, o IRA, a quadrilha Baden-Meinhof, os Exércitos e Brigadas Vermelhas do Japão e da Itália e outros, nunca mostraram qualquer desejo de se engajar no processo político democrático. Rejeitam a noção de que a violência é uma técnica a ser empregada como último recurso, a ser adotada apenas se falharam todas as outras tentativas para se obter justiça. Assim fazendo, eles rejeitam a vertente do pensamento civilizado, baseada, como boa parte de nossa gramática política, nos teóricos do contrato social do século XVII. Hobbes e Locke trataram corretamente a violência como a antítese da política, uma forma de ação característica do arcaico reino do estado da natureza. Eles viam a política como uma tentativa para criar um mecanismo para evitar o barbarismo e tornar possível a civilização: a política torna a violência desnecessária e também antinatural para o homem civilizado. A política é uma parte essencial da maquinaria básica da civilização e, rejeitando a política, o terrorismo tenta fazer inexeqüível a civilização.
O Estado totalitário
Entretanto, o terrorismo não permanece neutro na batalha política. Não tem tendência, a longo prazo, para a anarquia: ele leva ao despotismo. O quarto pecado mortal do terrorismo é que ele se associa ativamente, sistematicamente e necessariamente à propagação do Estado totalitário. Os países que financiam e sustentam a infra-estrutura internacional do terrorismo — que dão aos terroristas refúgio e abrigo, bases e campos de treinamento, dinheiro, armas e apoio diplomático como um assunto de deliberada política de Estado — são, sem exceção, Estados despóticos. Todos esses Estados têm governos militares ou policiais. A noção de que o terrorismo se opõe às “forças repressivas” da sociedade é falsa — de fato, é o contrário da verdade. O terrorismo internacional, e os vários movimentos terroristas a seu serviço, é inteiramente dependente da boa vontade e do apoio ativo de Estados policiais.
O que nos traz ao quinto pecado mortal. O terrorismo internacional não representa perigo para o Estado totalitário. Esta espécie de Estado sempre pode-se defender através do assassínio judicial, da prisão preventiva, da tortura de prisioneiros e suspeitos, e do completo controle das atividades terroristas. Estes Estados não têm de se limitar ao primado da lei ou a qualquer outra consideração de humanidade ou ética. O terrorismo apenas pode fincar pé em um Estado onde o Poder Executivo sofre alguma espécie de restrição legal, democrática e moral. O regime do Xá do Irã foi derrubado — e os terroristas tiveram um papel importante na operação — não porque ele era implacável, mas porque hesitou em ser implacável. O efeito destas vitórias terroristas não é a expansão, mas contração da liberdade e da lei. O Irã agora é um Estado totalitário, onde o primado da lei não mais existe, e um Estado a partir do qual os terroristas podem operar com segurança e com ativa assistência oficial. Assim, o quinto pecado mortal é que o terrorismo discrimina entre o Estado de Direito e o Estado totalitário, em favor deste último. Ele pode destruir a democracia, como destruiu o Líbano, mas não pode destruir um Estado totalitário.
A base do terrorismo está no mundo totalitário — é de lá que vem seu dinheiro, treinamento, armas e proteção. Mas, ao mesmo tempo, ele apenas pode operar efetivamente na liberdade de uma civilização liberal. O sexto pecado mortal do terrorismo é que ele explora o aparelho de liberdade das sociedades liberais e, portanto o ameaça.
Ao defrontar-se com a ameaça do terrorismo, uma sociedade livre deve armar-se. Mas o simples processo de se armar contra o perigo interno, ameaça as liberdades, decoro e padrões que fazem uma sociedade civilizada. O terrorismo é uma ameaça direta e contínua a todos os instrumentos protetores de uma sociedade livre. É uma ameaça à liberdade de imprensa. É uma ameaça ao primado da lei, necessariamente atingido pela legislação de emergência e pelos poderes especiais. É uma ameaça ao habeas corpus, ao processo de humanização dos códigos penais e da civilização de nossas prisões. É uma ameaça a qualquer sistema de controle dos excessos da polícia, das autoridades carcerárias ou de quaisquer outras forças restritivas da sociedade. Já o sétimo pecado mortal do terrorismo opera, paradoxalmente, na direção oposta. Uma sociedade livre que reage ao terrorismo pelo recurso aos métodos autoritários se prejudicará necessariamente. Mas um perigo muito maior — e muito mais comum hoje em dia — é que tais sociedades livres, em sua ansiedade para evitar os excessos autoritários, deixam de se armar contra a ameaça terrorista, e assim abdicam à sua responsabilidade de manter a lei. Os terroristas têm êxito quando conseguem provocar a opressão, mas triunfam quando encontram o apaziguamento. O sétimo e mais mortal dos pecados do terrorismo é que ele solapa a vontade de uma sociedade civilizada de se defender. Temos visto isso acontecer. Encontramos governos negociando com terroristas — negociações que visam não a destruição ou desarmamento dos terroristas, pois tais negociações podem por vezes ser necessárias, mas negociações cujo resultado inevitável é ceder em parte às exigências dos terroristas. Encontramos governos providenciando dinheiro de resgate para terroristas, ou permitindo que cidadãos privados o façam, até mesmo auxiliando no processo pelo qual esse dinheiro chega às mãos dos terroristas. Encontramos governos libertando criminosos condenados, em resposta a exigências de terroristas; concedendo a terroristas o status, direitos, vantagens e, acima de tudo, a legitimidade de interlocutores em negociações. Encontramos governos concedendo a terroristas condenados o status oficial e privilegiado de prisioneiros políticos, o que é sempre uma asneira e uma rendição. Encontramos governos se submetendo às exigências — uma parte invariável da estratégia terrorista — de inquéritos oficiais, ou investigações internacionais, sobre alegados maus tratos a terroristas suspeitos ou condenados. Encontramos jornais e redes de televisão — e, freqüentemente, redes estatais de televisão — colocando governos democráticos e terroristas em um nível de igualdade moral. Encontramos governos se omitindo em seu dever de persuadir o público de que os terroristas não são políticos desencaminhados. Eles são criminosos. Eles são criminosos extraordinários, de fato, de vez que representam uma ameaça não apenas para os indivíduos que assassinam sem compaixão, mas para toda a matriz da sociedade. Mas mesmo assim continuam criminosos.
Em suma, o sétimo e mais mortal pecado do terrorismo é que ele tenta induzir a civilização a cometer o suicídio.
Artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, 07/10/1979. Disponível também em institutoliberal.org.
Paul Bede Johnson (Manchester, 2 de novembro de 1928) é um escritor, jornalista e historiador britânico. Tornou-se célebre na década de 1950 escrevendo, e mais tarde como editor, na revista New Statesman. Escritor prolífico, é autor de mais de quarenta livros e contribuidor de muitas revistas e jornais. Associado à esquerda no início de sua carreira, consolidou-se como um importante historiador conservador. Johnson é católico. Escreveu “Tempos Modernos: o mundo dos anos 20 aos 80″, publicado pela editora Instituto Liberal.

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