quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

As ciências naturais e suas limitações


Por Joaquim Blessmann
Ao contrário do que pensam muitas pessoas, também pesquisadores, nenhum conhecimento científico é definitivo. Basta conhecer um pouco de História da Ciência para perceber que teorias que pareciam estar mais que provadas em outros tempos, são completamente ridículas para o homem moderno.
A respeito do conceito do tempo, comentou Santo Agostinho: “O que é o tempo? Se ninguém me fizer esta pergunta, eu sei o que o tempo é. Mas se eu desejar explicar a quem me fizer a pergunta, eu não sei mais respondê-la”.

Cremos que com relação ao conceito de ciência pode-se fazer comentário análogo. É difícil defini-la, e muitos livros foram escritos sobre esse tema. Inicialmente, vejamos o que apresenta o dicionário Houaiss:

Ciência: Cada um dos ramos particulares e específicos do conhecimento, caracterizados por sua natureza empírica, lógica e sistemática, baseada em provas, princípios, argumentações ou demonstrações que garantam ou legitimem a sua validade”.
        
Entre os diversos livros que procuram definir ou ao menos explicar o que seja ciência, vejamos o que diz Chalmers 1. Ele começa o Prefácio da 1ª edição (1976) informando que seu livro pretende ser uma introdução simples, clara e elementar das opiniões modernas sobre a natureza da ciência. E apresenta diversas dessas “opiniões” (que, a rigor, partem de um pré-conceito), em um crescendo de complexidade, terminando com sua própria visão do que seja ciência.

Limitar-nos-emos a algumas das considerações iniciais de Chalmers 2:

“Em uma concepção do senso comum do que seja conhecimento científico poder-se-ia dizer que conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado objetivamente, sendo as teorias científicas derivadas de maneira rigorosa a partir de dados obtidos por observação e experimento”.
        

A CIÊNCIA NÃO É VERDADE

De um modo já mais rigoroso, Chalmers considera que conhecimento científico não é conhecimento comprovado, mas sim que é provavelmente verdadeiro, pois, “por maior que seja, o número de observações ou experimentos é sempre limitado. Em virtude desta limitação, as conclusões devem ser consideradas não como certeza absoluta, mas como provavelmente verdadeiras” 3.

Vejamos, como um exemplo das muitas manifestações dos cientistas, o que escreveram Hawking e Medinow 4:

Qualquer teoria física é sempre provisória, no sentido de ser apenas uma hipótese: nunca é possível prová-la. Não importa quantas vezes os resultados dos experimentos estejam de acordo com alguma teoria, você nunca poderá ter certeza de que, na próxima vez, o resultado não a contradirá. Por outro lado, você pode desacreditar uma teoria encontrando uma única observação que seja discordante de suas previsões.

Do mesmo ponto de vista é o matemático Stewart 5:

Nunca se pode ter certeza de que uma teoria é absolutamente correta, ainda que ela resista a um milhão de testes experimentais; pois – quem sabe? – poderá fracassar no milionésimo primeiro. Assim, às vésperas do 3º milênio d.C., os cientistas começam a abandonar a busca da verdade [...]. Estamos aprendendo, de maneira penosamente lenta, a não nos levar demasiado a sério.
        
Cremos que a concepção de teoria científica apresentada por Tomás de Aquino em sua Suma Teológica é mais correta e encaixa-se nas considerações de Stewart. Ela deixa bem claro que a realidade física, o fenômeno observado, é uma coisa; e outra coisa são as teorias científicas que tentam explicá-lo:

“Uma teoria deve salvar as aparências sensíveis [ou seja, deve estar de acordo com o que aparece aos sentidos, com a realidade física]. Isto, entretanto, não constitui uma prova suficiente e decisiva, porque talvez pudéssemos salvar as aparências sensíveis com uma teoria diferente e mais simples”.

Com o que Hawking está plenamente de acordo, ao dizer:

“Não peço a uma teoria que corresponda à realidade, porque não sei o que ela é [...]. Apenas peço que uma teoria preveja os resultados de experiências” 6.

Em outras palavras: uma teoria científica não pretende corresponder à realidade, mas apenas explicá-la. Exemplifiquemos:

– A teoria do contínuo, na engenharia. Admite-se que a matéria seja contínua, sem falhas, fissuras, vazios, poros, espaços entre cristais ou moléculas. É mais do que evidente que isso não corresponde à realidade. Mas as teorias baseadas neste postulado explicam satisfatoriamente o comportamento dos materiais e facilitam enormemente os cálculos, quer se trate de uma ponte, torre, barragem ou outra estrutura qualquer, quer se trate do movimento e das forças existentes nos líquidos e nos gases, tais como: sustentação de um avião, bolas com “efeito” (futebol, tênis, pingue-pongue) e mesmo no movimento do sangue nas veias e artérias, etc.

Isaac Newton, em sua lei da gravitação universal: “Tudo se passa como se a matéria atraísse a matéria na razão direta das massas e na razão inversa dos quadrados das distâncias”. Não afirma, categórico: “a matéria atrai a matéria...”, mas, modestamente, sugere que “tudo se passa como se...”.

Owen Gingerich, astrônomo de Harvard: “Os átomos, como os imaginamos, não podem ser comprovados de um modo absoluto. O máximo que podemos dizer é que o universo age como se fosse feito de átomos”. Novamente um modesto “como se”, indicando que se pretende apenas explicar a realidade, sem a pretensão de afirmar que é assim e que não pode ser diferente.

– O mesmo vale para o mundo psíquico: uma teoria pode explicar o comportamento humano, mas nada assegura que ela indique a razão real deste comportamento. Penso nas teorias de Freud, Adler, Jung e tantos outros; teorias estas conflitantes entre si. Cada autor rejeita explicações diferentes da sua, que, no seu entender, exprime perfeitamente as razões do comportamento humano.
        
A concepção de Tomás de Aquino, em que se baseia um princípio fundamental do pensamento científico da atualidade (“em ciência nada é definitivo”), encontra corroboração pacífica no mundo científico. Por exemplo, encontramos o seguinte em Morris:

“Hoje em dia escreve-se muito sobre o caráter bizarro e supostamente paradoxal da mecânica quântica [...]. Os físicos que usam a mecânica quântica em seu trabalho não têm que se preocupar com seu sentido. A teoria funciona, e funciona muito bem. Mas, se quisermos saber precisamente o que a mecânica quântica nos diz sobre a natureza da realidade [o grifo é nosso] depararemos com problemas que nunca foram resolvidos, ou que, pelo menos, estão sujeitos a interpretações diferentes” 7.

Em resumo, uma teoria científica não quer ser a realidade, mas apenas explicá-la, como muito bem expõe o mesmo autor 8: “É a imaginação criativa que amplia nossa compreensão, descobrindo ligações entre fenômenos aparentemente não relacionados e formando teorias lógicas e coerentes para explicá-los” [o grifo é nosso]. Especificamente, Morris cita a teoria das cordas de dez dimensões (nove no espaço e uma no tempo). Essa teoria pode ter coerência matemática – e é isto que se exige de uma teoria científica – mas não há garantia de que as entidades teóricas correspondam a alguma coisa que exista na realidade 9.

Uma teoria deve ter pelo menos uma prova do que ela afirma, além de uma proposição lógica, coerente. Se não houver prova, não passa de uma hipótese, que pode ser um passo inicial para uma futura teoria caso venha a ser confirmada por observações e / ou experimentos. Pode-se ainda falar de uma simples proposta, quando se trata de uma idéia arrojada e ainda sem uma estrutura suficiente para ser uma hipótese. Pode ser, por assim dizer, um lampejo que aparece na mente de um cientista, como fruto, em geral, de muita meditação e outro tanto de genialidade.

A rigor, pode-se dizer que quando uma teoria é completamente comprovada, sem sombra de dúvida, deixa de ser uma teoria: é um fato. A Terra esférica (aproximadamente), por exemplo. A prova definitiva foi obtida pelas fotografias tiradas do espaço por astronautas. Comentando este ponto, Thuillier conclui que “as teorias só se tornam verdadeiramente verdadeiras quando não são mais teorias”. Vejamos o que escreveu:

“Os cientistas utilizam os fatos, i.e., certo número de observações e de resultados experimentais [...]. Seu desejo é produzir teorias válidas para uma infinidade de fenômenos. Mas, na prática, nunca podem estar certos de que reuniram todos os «fatos» úteis; e as teorias mais bem comprovadas continuam, por isso mesmo, precárias e frágeis [...]. Ao apresentar os «fatos» como uma espécie de prova maciça da verdade da ciência, dão a esta última uma publicidade exagerada 10.

“A afirmação de que a Terra é esférica (ou quase esférica) teve de início o estatuto de teoria: foi a partir da reflexão e da especulação que os sábios antigos chegaram a esta idéia. Depois, a teoria foi confirmada brilhantemente. Todos já vimos, em nossa época, fotografias que mostram literalmente a esfericidade (ou a quase esfericidade) de nosso planeta. Mas este é o paradoxo: não se trata mais de uma teoria! Para nós, é um fato, [...] nos lembra (este resultado) que as teorias só se tornam completamente verdadeiras quando não são mais teorias...”
        
Aí está, em nosso entender, umas das razões da condenação de Galileu pela Inquisição: deu como certo o que na época não deveria passar de uma hipótese. Não tinha prova alguma do que defendia, como ardoroso divulgador do trabalho de Copérnico. O seu maior mérito esteve em refutar brilhantemente as objeções ao heliocentrismo. A rotação da Terra em torno de seu eixo, no tempo de Galileu, não passava de uma hipótese, e Galileu não conseguiu provar esta rotação. A prova que apresentou, das marés, estava completamente errada, e só contribuiu para que sua “teoria” fosse fortemente combatida, inclusive pela maioria dos astrônomos de sua época. É verdade que acenou para os ventos alísios como prova desta rotação, mas não conseguiu quantificar este fenômeno que, de fato, está ligado à rotação de nosso planeta.

A primeira prova de que a Terra gira em torno de seu eixo foi obtida por Foucault, em 1851, com o pêndulo que fixou na cúpula do Panteão de Paris. Dizem que se Galileu tivesse observado por mais tempo o movimento pendular de um candelabro numa igreja (quando constatou que o período era sempre o mesmo, independentemente da amplitude de oscilação), teria conseguido a prova que tão ansiosamente procurava.

Ben-Dov, físico e Professor da História da Ciência e de Filosofia da Ciência, exprime muito bem o que se pode esperar da ciência hoje em dia:
        
“Diante dos sucessos obtidos pela física desde o século XVII, muitos viam na ciência um método que permitia desvelar a verdade última da realidade, os que consideravam que a validade de uma teoria física decorre do fato de todos concordarem em reconhecer que ela fornece uma descrição «verdadeira» da natureza [...].

“Este «realismo científico» animou a ciência até o século XIX [...]. No século XIX certas teorias científicas vieram substituir outras que não eram, contudo, menos científicas: a teoria do calórico (natureza fluida do calor) foi abandonada em proveito da teoria mecânica do calor, e a teoria ondulatória da luz destronou a teoria corpuscular. Assim uma vez que o método científico não garante que uma teoria forneça uma descrição realista da natureza, surgiu a necessidade de indagar sobre o tipo de saber gerado pela ciência, uma vez que ela não é um saber sobre a realidade.

“No final do século XIX, muitos pensadores, como Ernst Mach, afirmaram que o papel da ciência não é descrever a realidade [...]. A física deve se limitar unicamente a descobrir modelos matemáticos que expliquem dados experimentais” 11 [os grifos são nossos].

Como o leitor deve ter percebido, estas conclusões estão perfeitamente de acordo com o que apresentou Tomás de Aquino em sua Suma Teológica.

E, mais adiante, afirma Ben-Dov:

“A partir do século XVII a mecânica de Newton foi vista como o emblema de uma teoria «verdadeira», de uma teoria que proporcionava uma descrição genuína do mundo real. É verdade que o século XIX havia fornecido exemplos de teorias perfeitamente científicas – como a teoria do calórico ou a teoria corpuscular da luz – às quais havia sido necessário finalmente renunciar, e já se podia supor que os saberes adquiridos da física não são jamais definitivos12 [o grifo é nosso].

Vamos insistir nestas considerações sobre as limitações das teorias científicas. Assim, como mais um exemplo, apresentaremos as ponderações que a respeito faz Thuillier:

“A própria noção de teoria implica a incerteza. Mesmo uma teoria eficaz (no sentido em que o foi e ainda é a teoria newtoniana da gravitação) não é necessariamente uma teoria verdadeira [...].

“Uma boa teoria não é uma teoria definitivamente irrefutável e absolutamente verdadeira: é uma teoria coerente e que possui uma certa eficácia nas condições vigentes. O mal-entendido começa quando divulgadores ardorosos (às vezes os próprios cientistas) empreendem uma glorificação excessiva da certeza e da objetividade do saber experimental. E quando esquecem, entre outras coisas, que alguns dos famosos fatos podem ser explicados por várias teorias diferentes...” 13 [os grifos são nossos].

E, mais adiante, prossegue:

“Não é raro o fornecimento de «provas» experimentais se revele extremamente delicado. O próprio Darwin sabia do que estava tratando: ele não afirmava que sua teoria estivesse «comprovada», contentando-se em dizer que ela tornava inteligível grande número de «fatos» (o que é muito diferente...)” 14.


AS NOVAS TEORIAS

Um outro ponto que desejamos salientar é sobre a aceitação de novas teorias. Elas sempre foram contestadas e só pouco a pouco foram ganhando adeptos. Vejamos o que diz a respeito Freeman Dyson, matemático, físico e Professor Emérito do “Institute for Advanced Studies”, em Princeton (2000, p.315):

“O dever profissional de todo cientista diante de uma teoria nova e instigante é tentar refutá-la. É assim que a ciência funciona e se mantém honesta. Toda nova teoria deve lutar por sua existência contra críticas veementes e, muitas vezes, acerbas. Na maioria das vezes, acaba-se descobrindo que a nova teoria é incorreta e as críticas são absolutamente necessárias para tirá-las do caminho e dar lugar a teorias melhores. A rara teoria que sobrevive às críticas sai reforçada e melhorada e vai se incorporando gradualmente ao conjunto crescente de conhecimentos científicos” 15.

Eis alguns exemplos:

– No século XIX a teoria do eletromagnetismo de Hermann von Helmholtz tinha muito mais adeptos entre os cientistas que a de Maxwell. E, no final, esta foi plenamente adotada.

– Einstein nunca aceitou os conceitos de Niels Bohr relativos à teoria quântica, amplamente usados em nossos dias.

– O mesmo Einstein chegou a apresentar uma “prova” teórica de que os buracos negros não podiam existir. Atualmente sua existência é, pode-se dizer, ponto pacífico.

– Por outro lado, as teorias da relatividade especial e da relatividade geral de Einstein inicialmente foram muito contestadas. E só tiveram uma aceitação geral quando foram comprovadas por observações e experimentos.

– A própria existência dos átomos, quando lançada a teoria atômica por Dalton, no início do século XIX, foi considerada por muitos físicos apenas como “uma ficção útil, sem nenhuma base concreta na realidade” 16.

Vejamos como se manifestaram alguns “entendidos” no assunto: Em 1837, o químico Jean Baptiste Dumas: “Se eu pudesse, apagaria a palavra átomo da ciência, pois estou convencido de que ela ultrapassa a experiência”. Sainte-Claire Deville, na segunda metade do século XIX: “Não admito nem a lei de Avogadro [pertinente à teoria atômica] nem os átomos, nem as moléculas; recuso-me a crer naquilo que não posso ver nem imaginar. E na Inglaterra, Edmund J. Mills, em 1871 declarou o seguinte: “Os átomos são ainda mais inacreditáveis do que era o flogístico, esse fluido imaginário graças ao qual Stahl pretendia explicar a combustão” 17.

Na verdade, os átomos não passam de criação de nossas mentes. E o que serão, na realidade, o que conceituamos como elétrons, neutrinos, prótons e nêutrons? E os quarks que formam nêutrons e prótons? Talvez nem sejam partículas, mas nodos de ondas (de que tipo? com que propriedades?) ou de energia; ou algo que até agora a mente humana não conseguiu imaginar (e talvez nunca o consiga). De um modo análogo, o que constitui a luz: partículas (fotons) ou ondas? Ora ela se comporta como partícula, ora como onda. Talvez, na realidade, não seja nenhuma das duas coisas. Como comentam Hawking e Mlodinow 18, ondas e partículas “são conceitos de autoria humana, não necessariamente conceitos que a natureza é obrigada a respeitar, fazendo com que todos os fenômenos caiam numa categoria ou outra”.

Outro exemplo. Em 1915, Alfred Wegener, meteorologista alemão, publicou As origens dos continentes e oceanos, em que tratava da deriva dos continentes: eles podem se deslocar tanto horizontal como verticalmente. Wegener pacientemente coletou informações que se transformaram em argumentos a favor de sua teoria. Apresentou informações biológicas, geodésicas, geológicas, paleontológicas, paleoclimáticas, etc. Apesar de tudo, sua teoria foi duramente atacada por geólogos e geofísicos. Além de não aceitarem suas provas, seus opositores justificavam sua posição alegando que não havia força conhecida capaz de mover continentes. Além disso, ele não era geólogo profissional: era um amador.

Wegener morreu em 1930 e sua teoria, em face da até agressiva contestação, caiu no esquecimento. Somente na década de 1950, com novos instrumentos, capazes de medir campos magnéticos muitíssimo fracos de antigas formações rochosas, é que foi comprovada e aceita por muitos a deriva dos continentes. E a prova final apareceu em 1962, com a teoria do geólogo da Universidade de Princeton, Harry S. Hess, sobre o movimento do solo marinho. Esta teoria foi confirmada no ano seguinte, com as medições do magnetismo das rochas do leito do oceano feitas pelos oceanógrafos britânicos Frederick J. Vine e Drummond H. Mathews.

Algo que faz pensar sobre a confiabilidade da ciência é o que comenta Thuillier 19 a respeito da teoria de Wegener:

“Hoje em dia é fácil declarar que as peças de defesa de Wegener eram «insuficientes» e que só depois, com a teoria das placas tectônicas, os pesquisadores foram «racionalmente» persuadidos. Mas a partir de que momento os fatos podem e devem ser considerados como concludentes? Na realidade, as preferências pessoais influenciaram: havia aqueles que eram «a favor» e aqueles que eram «contra», sem qualquer critério absoluto para servir de base”.

O fato de a propagação da luz não ser instantânea foi combatido durante muito tempo. Eis uma das “provas” (que com os conhecimentos atuais parece ridícula) de sua instantaneidade: “Quando fechamos os olhos e os abrimos para o céu estrelado a luz estelar atinge imediatamente os nossos olhos, o que prova a sua instantaneidade”. Até pessoas de alto nível intelectual, tais como Johannes Kepler e René Descartes consideravam que a luz se propagava instantaneamente.

Em 1960, com os estudos de Edward Lorenz, foram lançados os fundamentos de um novo ramo da ciência, a chamada Ciência do Caos. A maioria dos cientistas com alguma ligação com os temas nela tratados julgou-a insensata e nada científica. “Idéias superficiais podem ser assimiladas; idéias que exigem reorganização da imagem que se faz do mundo provocam hostilidade”, escreveu a respeito Gleick 20. E a mesma hostilidade, inclusive por um grande número de astrônomos, provocou a teoria do heliocentrismo. Esta teoria, sem dúvida alguma, foi a causadora de uma imagem totalmente nova do universo, tanto do ponto de vista religioso como filosófico e astronômico. Lembremos que, de acordo com um criterioso estudo, entre 1543 (lançamento do livro de Copérnico) e 1600, apenas dez astrônomos foram encontrados que aceitavam a teoria de Copérnico como correspondendo à realidade física; para os demais que a aceitavam, não passava de uma hipótese útil para cálculos e previsões.

Concluindo, podemos dizer que é muito fácil (e muito comum!) criticar concepções do passado com os conhecimentos atuais (muitas vezes também profundamente alterados no decorrer do tempo; lembremos que em ciência nada é definitivo). Para sermos corretos em nossas avaliações e críticas, devemos integrar-nos, de corpo e alma, aos conhecimentos, costumes e “bom senso” da época e região que estamos estudando. Lembramos que Aristarco de Samos, no século III a.C, já havia lançado a teoria heliocêntrica, mas as fortes objeções que sofreu fizeram-na cair no esquecimento, até que Nicolaus Copérnico relançou-a, mais elaborada, no século XVI. Como muito bem comenta Ben-Dov:

Esta aparente cegueira em relação ao que hoje consideramos a «verdade», é perfeitamente compreensível [...]. No contexto da física antiga a hipótese do movimento da Terra conduzia a complicações inúteis. A hipótese da Terra imóvel no centro do universo era, portanto, justificada [...]. Além disso, ela havia dado origem a uma astronomia bastante sofisticada, desenvolvida pelos gregos e seus sucessores, que tinham conseguido descrever o movimento dos planetas com boa precisão” 21.

Afinal, o que se espera das teorias científicas é que elas expliquem os fenômenos e permitam prever os resultados de futuros experimentos e observações.


REFERÊNCIAS

(1) A. F. Chalmers, O que é ciência afinal?, Brasiliense, São Paulo, 2000.

(2) Idem, pág. 23.

(3) Idem, pág. 41.

(4) Stephen Hawking & Leonard Mlodinow, Uma nova história do tempo, Ediouro, Rio de Janeiro, 2005, pág. 23.

(5) Ian Stewart, Será que Deus joga dados?, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1991, pág. 190.

(6) Stephen Hawking & Roger Penros, A natureza do espaço e do tempo, GRADIVA, Lisboa, 1996, pág. 137.

(7) Richard Morris, O que sabemos sobre o universo, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2001, pág. 187.

(8) Idem, pág. 179.

(9) cf. Idem, pág. 208.

(10) Pierre Thuillier, De Arquimedes a Einstein, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1998, pág. 9.

(11) Yoav Ben-Dov, Convite à Física, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1996, págs. 102-103.

(11) Idem, pág. 128.

(13) Pierre Thuillier, op. cit., pág. 9.

(14) Idem, pág. 12.

(15) Freeman Dyson, Infinito em todas as direções, Companhia das Letras, São Paulo, 2000, pág. 14.

(16) Richard Morris, op. cit., pág. 174.

(17) Pierre Thuillier, op. cit., pág. 175.

(18) Stephen Hawking & Leonard Mlodinow, op. cit., pág. 82.

(19) Pierre Thuillier, op. cit., pág. 12.

(20) J. Gleick, Caos: A criação de uma nova ciência, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989, pág. 34.

(21) Yoav Ben-Dov, op. cit., pág. 19.



Joaquim Blessmann
Engenheiro Civil, Mestre e Doutor em Ciências pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Professor Emérito da UFRGS. Professor Honorário da Universidade Austral, Buenos Aires. Membro Correspondente da Academia Nacional de Ingeniería da Argentina

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