quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Caos e complexidade: a linguagem científica e seus limites


Por Fortunato Tito Arecchi
As ciências físicas lançaram um desafio ainda sem resposta no âmbito da cultura. Desde o século XVIII, a ideologia cientificista defendeu que a Física tinha a resposta para todas questões fundamentais sobre o Homem. Hoje, verifica-se que há um limite para essas pretensões. Existem muitos campos para os quais a Física não tem respostas nem pode chegar a tê-las. Essas são algumas das idéias que o renomado físico italiano Tito Arecchi expõe na entrevista concedida a Javier Fernández Aguado, publicada na revista Atlántida.
Tito Arecchi, Professor Titular de Física na Universidade de Florença e Presidente do Instituto Nacional Italiano de Ótica, é conhecido no cenário científico internacional: além de ter sido Professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), deu conferências em todos os países da Europa – a Academia de Ciências de Moscou, por exemplo, convidou-o várias vezes – e em quase todos os da América.

Com seus mais de duzentos trabalhos científicos publicados, fez importantes contribuições à Física experimental e teórica, especialmente no tocante à descrição estatística dos fótons.

O Prof. Arecchi é co-autor do livro Laser Handbook, considerada a obra de referência básica sobre os raios laser, com os quais começou a trabalhar em 1960, durante sua passagem pela Universidade de Stanford. Dois anos mais tarde, montou o primeiro laboratório de pesquisas sobre laser da Itália.

Os seus trabalhos mais recentes consistem em mostrar como nascem fenômenos ordenados e irregularidades macroscópicas de tipo complexo a partir de situações desordenadas (o chamado caos determinista). O surgimento da ordem e do caos é regulado por leis universais; entre as evidências experimentais da existência de tais leis – que deram origem a um novo paradigma na Física – destacam-se as que o Prof. Arecchi encontrou nos lasers e em vários modelos físicos. Esses trabalhos científicos trazem ao Instituto Nacional Italiano de Ótica, todos os anos, numerosos pesquisadores de todo o mundo.

Foi possível comprovar, com efeito, que a Física dos sistemas complexos não é construtivista, ou seja, não é capaz de explicar o comportamento global de um sistema a partir das propriedades dos componentes individuais. Pelo contrário, descreve e prevê comportamentos globais, dependentes do intercâmbio com o mundo exterior, a partir de uns poucos parâmetros de controle até certo ponto independentes da natureza dos seus componentes. Esse tipo de descrição é aplicável a sistemas biológicos, econômicos, sociológicos, etc.

Recentemente, o Prof. Arecchi refletiu sobre as implicações filosóficas dessas descobertas e como incidem no nosso conhecimento do mundo. Procuramos o Prof. Arecchi no seu laboratório em Florença para que ele mesmo nos explique o alcance das suas descobertas.

Poderia explicar aos nossos leitores qual o sentido dessa nova perspectiva na Física que o senhor propõe? Que influência pode ter a sua teoria na Física e na vida diária das pessoas?

Gostaria de esclarecer que, para ser exato, não proponho uma nova perspectiva da Física: somente mostro – a partir do estágio atual da Ciência – como certas pretensões do «cientificismo» são criticáveis no próprio interior da comunidade científica, sem que seja preciso recorrer a referências extra-científicas de caráter filosófico.

O «cientificismo», entendido como uma distorção ideológica que cresceu no corpo da Ciência ativa, tem assumido diversas formas. Na Tabela I, resumo quais foram as suas pretensões, impostas à comunidade cultural não por serem racionais e apropriadas, mas por representarem a tendência de uma linha de pensamento dominante.

Na Tabela I, indico também os limites dessas pretensões. Ao longo desta conversa, espero voltar a fazer referência ao significado e ao valor desses limites. Na Tabela II, mostro os diversos modos de ler a realidade.


TABELA I - Os dogmas do “cientificismo”, suas pretensões e seus limites

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1. Quanto ao MÉTODO

DOGMA: Reducionismo metodológico: A Ciência interpreta toda a realidade
OBJETIVO: Bloquear modos alternativos de ler a realidade (linguagens alternativas à científica)
LIMITE: Teorema de Gödel (1931) sobre a indecidibilidade

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2. Quanto à CAPACIDADE DE PREVISÃO

DOGMA: Determinismo: conhecer as condições iniciais determinaria o futuro
OBJETIVO: Bloquear qualquer espaço para a liberdade humana e para a Providência divina
LIMITE: Caos determinista (Poincaré, 1890; novo impulso desde 1975)

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3. Quanto à CAPACIDADE DE DECIFRAR A ESTRUTURA

DOGMA: Reducionismo ontológico (construtivismo): o conhecimento dos componentes individuais determinaria o sistema
OBJETIVO: Destruir o sentido da estrutura, para reduzi-la a um mero agregado de componentes
LIMITE: Multiplicidade dos estados de equilíbrio; a complexidade como coexistência possível entre muitas configurações diferentes, que impede reduzir o sistema a uma mera justaposição de componentes

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A questão mais importante parece ser esta: pode-se dizer alguma coisa com propriedade a respeito daquilo que a Ciência não pode alcançar?

A atitude de muitos cientistas tem sido defender que a única linguagem relevante é a científica, o que na minha opinião é um reducionismo metodológico. O “cientificismo”, ao presumir que só há um modo – o físico – de descrever um fato, quer indicar que os limites da Ciência são os próprios limites da capacidade humana de conhecer o mundo. Mas existem maneiras diferentes de indagar. O fato de assumir um certo modo de leitura do mundo – que sem dúvida mostrou ser muito fecundo – como sendo o único, e conseqüentemente tender a excluir maneiras alternativas de conhecimento, é o que denominei “modo reducionista”. Uma possível defesa contra ele é a “separação maniqueísta”, que consiste em considerar que existem certos fatos que devem ser descritos só com a linguagem da Ciência, mas que existem outros que só podem ser explicados com outras linguagens, autônomas e diferentes da científica.

Essa atitude esteve presente na cultura cristã desde o século XVIII como defesa contra o “cientificismo” iluminista. Afirmava-se que a Ciência era de fato a linguagem apropriada para a descrição do mundo mecânico, ao passo que, para os fenômenos psíquicos e vitais, em geral era necessário utilizar outra linguagem, não científica e sim teológica. Nos séculos XIX e XX – especialmente com Darwin, com a genética de Mendel e com a Biologia molecular – descobriu-se que também os fenômenos da vida são passíveis de explicação científica. Quanto aos fenômenos psicológicos, inicialmente pensou-se que estavam excluídos do discurso científico, mas também eles começaram a ser objeto da pesquisa científica, com os trabalhos de Wilhelm Wundt (1) e de outros.



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(1) Wilhem Wundt (1832-1920), psicólogo e fisiologista alemão, é considerado o fundador da psicologia experimental e da psicologia cognitiva por ter sido o primeiro a submeter pacientes a estímulos pré-definidos para observar e classificar as suas reações (N. do E.).
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Portanto, o âmbito das “coisas espirituais” foi sendo reduzido pouco a pouco. Atualmente, as Antropologias científicas tentam explicar os comportamentos éticos afastando-os de qualquer descrição teológica ou filosófica.

Se analisarmos a capacidade e os limites do discurso científico, veremos que o ponto de vista mais correto é o de um “pluralismo realista”, que afirma que todas as nossas linguagens são limitadas.

Qualquer fato é tão rico que as palavras com as quais nos referimos a ele serão sempre incapazes de acolher todas as suas dimensões. A espessura da verdade de um fato é tal que não pode ser esgotada por uma descrição única, isto é, uma descrição feita a partir de um único ponto de vista. Os acontecimentos, portanto, podem ser lidos de pontos de vista diferentes, de forma que, juntamente com a leitura física, podem também ser feitas uma leitura metafísica e uma leitura espiritual, ou de caráter sapiencial.

As possíveis interpretações não são mutuamente exclusivas. Qualquer fato é sempre mais rico do que os símbolos conceituais aos quais tentamos reduzi-lo: cabem múltiplos modos de leitura porque cada tipo de interpretação emprega instrumentos diferentes.


TABELA II - Diferentes modos de leitura dos acontecimentos

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a) Monismo científico: leitura física
b) Dualismo maniqueísta: leitura física e leitura metafísica
c) Pluralismo realista: leitura física, leitura metafísica e leitura sapiencial
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O determinismo é uma teoria superada?

O determinismo não é uma teoria: é um falso dogma, uma conseqüência do triunfo de algumas teorias.

Foi justamente a Física Matemática que pretendeu demonstrar como a trajetória percorrida por uma parte do Universo é única, uma vez calculada com base nas condições iniciais das partículas que a compõem. O que representou o fim dessa crença determinista no nível macroscópico foi o chamado caos determinista. Com essa expressão – que parece uma junção de termos contraditórios – pretende-se expressar que o caos, ou a impossibilidade de predições de longo prazo, não é uma prerrogativa exclusiva de sistemas muito complexos, pois apresenta-se já na Física de poucos objetos. Concretamente, basta passar de um sistema de dois objetos (o sistema Terra-Sol newtoniano) para um de três (Terra, Sol e mais qualquer outro corpo do Sistema Solar). Quem primeiro percebeu isso foi Poincaré (2), em 1890, mas esse filão – a teoria do caos determinista – só começou a dar frutos experimentais nos últimos anos.



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(2) Jules Henri Poincaré (1854-1912), matemático e físico francês. Além de ter vislumbrado a Teoria do Caos, contribuiu praticamente para com todos os campos da Matemática, particularmente para a Teoria das Funções e para o Eletromagnetismo. No fim da vida, escreveu duas obras sobre Filosofia da Ciência (N. do E.).
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No sistema celeste, quando se passa de dois para três corpos percebe-se que, apesar de haver apenas uma trajetória para cada condição inicial dada, basta geralmente uma mínima indeterminação na condição inicial para que já se perca a previsibilidade sobre o futuro da trajetória. Pois bem, tais indeterminações são intrínsecas ao próprio método de medição. Quando traduzimos objetos para números, só podemos determinar com exatidão os números racionais (relações entre dois inteiros), mas a grande maioria é formada de números irracionais (como a raiz quadrada de dois), que contêm uma série infinita de casas decimais. Como o infinito não cabe em nossos sistemas de medida e nem pode ser armazenado na memória, registramos apenas uma versão incompleta dessas infinitas casas decimais. Isso introduz uma minúscula incerteza inicial, cujos efeitos são cada vez mais notórios conforme vamos tentando estender as nossas previsões para intervalos de tempo maiores.


Sua teoria, Prof. Arecchi, é coerente com o resto da Física atual ou pode significar uma Revolução Copernicana na História da Física?

Insisto em que não se trata exatamente de uma teoria, mas de enfatizar o impacto que três acontecimentos cruciais (os três limites da Tabela I) tiveram no sentido de mudar as nossas expectativas quanto à função da Ciência. De fato, trata-se de uma Revolução Copernicana, que tira da Ciência a prerrogativa de ser a linguagem privilegiada – a linguagem central, tal como era a Terra no sistema de Ptolomeu –, tornando-a apenas uma das possíveis linguagens com as quais podemos falar do mundo.

Aproveito sua pergunta para falar do primeiro dos limites da Tabela I, o teorema da “indecidibilidade” de Gödel (3).



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(3) Kurt Gödel (1906-1978), matemático austríaco naturalizado norte-americano, célebre por ter provado que é impossível dar consistência a sistemas axiomáticos formais, como os sistemas lógicos ou matemáticos, baseando-se apenas nos elementos que os compõem (N. do E.).
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A pretensão de uma “construção lógica do mundo” (parafraseando o título de uma obra de Rudolf Carnap «4») está baseada na suposição de que, se pudermos extrair da observação do mundo uma quantidade suficiente de dados e conhecer plenamente as leis que os unem e as relações matemáticas que permitem calcular resultados, então poderemos prever o futuro. Isso equivale a dizer que é possível montar uma “teoria” do mundo de modo dedutivo, partindo de um conjunto de proposições primitivas que chamaremos de “axiomas”. Esse foi, com efeito, o sonho dos matemáticos das primeiras décadas do século XX, começando com David Hilbert (5), em 1900. Mas Gödel mostrou, em 1931, que dentro de qualquer teoria dedutiva suficientemente ampla chega-se, mais cedo ou mais tarde, a enunciar um teorema que não se pode decidir se é verdadeiro ou falso. Esse é o fim do sonho de construir uma teoria do mundo: para poder decidir é preciso voltar a observar a realidade.


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(4) Rudolf Carnap (1891-1970), filósofo alemão naturalizado norte-americano. Integrante do grupo de filósofos partidários do chamado Positivismo Lógico, tentou construir uma linguagem formal para as ciências empíricas de maneira a excluir a ambigüidade. A sua obra A construção lógica do mundo (1928) pregava uma reconstrução empirista do conhecimento científico (N. do E.).

(5) David Hilbert (1862-1943), matemático alemão autor de importantes contribuições para a teoria dos números, para o cálculo integral e diferencial, para a Geometria, bem como para outros campos da Matemática. Concentrou os seus esforços em tornar toda a Matemática uma ciência puramente formal e encerrada em si mesma (N. do E.).

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Por que os fenômenos que o senhor estuda só foram descobertos nos últimos anos e não antes?

Porque estão relacionados com uma dinâmica não linear, e não são evidentes para quem se limite a aproximações lineares. Falar de dinâmica linear é o mesmo que dizer lei de proporcionalidade entre causa e efeito: ut tensio, sic vis (quanto mais tensão, mais força), dizia Hooke sobre as molas elásticas. Disso se concluiu o seguinte: que existiria um único estado de equilíbrio; que a dinâmica de um conjunto de muitos elementos poderia ser considerada como a pura soma das dinâmicas dos componentes – cada um atuaria como se estivesse isolado, sendo então impossível o caos (que Poincaré, no entanto, demonstrou haver em problemas envolvendo pelo menos três corpos) –; quer dizer também que a soma linear de mais causas não levaria a um efeito estatisticamente distribuído, nem mesmo segundo uma distribuição de Gauss (que é a mais simples e que supõe ausência de correlações, isto é: ausência de complexidade).

Conclusão: nem o caos nem a complexidade podem surgir se primeiro não há uma dinâmica não linear. Contudo, mesmo sendo essa a situação de fato, até agora se procurou esquematizar o mundo usando modelos simplificados.

Atualmente, com a ajuda de instrumentos de observação sofisticados e de computadores de alta potência, é possível enfrentarmos a “não linearidade”.


A incerteza na previsão do futuro teria também implicações no estudo do passado, de tal modo que impedisse, por exemplo, o estudo a origem do Universo?

Sim, sem dúvida. Mas as reconstruções históricas (que olham para trás) são duplamente perigosas: Primeiro, porque o caos pode levar-nos a trajetórias falsas; e segundo, porque a complexidade implica múltiplas situações de equilíbrio: cada vez que nosso modelo, em seu movimento regressivo, deve optar por um ponto para onde convergir (isto é: uma situação da qual surgiu), há o dilema de serem possíveis outros pontos – equivalentes, porém distintos – e é muito difícil decidir entre eles contando apenas com os dados de que dispomos.

Qual seria o aspecto que falta para entender um objeto complexo, quando já se conhecem todos os elementos que o compõem?

É bom lembrar que um conceito fundamental para se entender o que seja um fato é a informação a ele associada. Do ponto de vista geométrico, um evento corresponde a uma trajetória percorrida num espaço de muitas dimensões, onde cada ponto representa um dos possíveis estados do sistema ao longo do tempo (velocidade e posição de cada partícula, etc). O conjunto dos diversos estados em seqüência ao longo do tempo representa o evento. Façamos corresponder uma probabilidade a cada pequeno volume desse espaço: tal probabilidade corresponde ao número de vezes que se retorna a esse volume ao longo da trajetória. Com essa probabilidade podemos então construir a informação, segundo a fórmula de Shannon (6).



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(6) Claude Elwood Shannon (1916-2001), engenheiro elétrico e matemático norte-americano, considerado o pai da teoria da informação e pioneiro em projetos de circuitos eletrônicos digitais. A fórmula descrita acima foi desenvolvida por Shannon quando da elaboração do primeiro programa de xadrez para computadores, em 1950 (N. do E.).
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Pois bem: se temos um objeto que é a soma simples dos seus componentes (como as batatas num saco), a informação global será a soma das informações dos componentes. Se, em vez disso, temos um objeto significativo, a informação global é maior, porque há também a informação que os componentes trocam entre si, a qual não existia quando estes eram livres, distantes um do outro. Tal é a situação das células num organismo, em comparação com as células livres observadas num microscópio. Por conseguinte, o que caracteriza o órgão como sendo algo mais do que a simples soma das células que o compõem é a informação. Essa informação não pode ser deduzida dos componentes, assim como uma casa não está nos tijolos, nem um poema está no dicionário, por mais que este contenha todas as palavras do idioma.


Poderia explicar-nos com algum exemplo concreto as conseqüências práticas da sua teoria sobre o caos e a complexidade?

Gostaria de esclarecer mais uma vez de que não se trata de uma teoria minha, mas de todo um ramo, cheio de vitalidade, da pesquisa científica dos últimos anos.

Esclarecido esse ponto, posso afirmar que o estudo físico do caos permite caracterizar situações que antes eram consideradas desordenadas, mas que hoje podemos descobrir que têm uma regularidade parcial. Falta de previsibilidade significa perda de informação; por isso, quando essa perda se dá a uma velocidade infinita, deparamo-nos com situações tremendamente desordenadas. Se essa perda ocorre com velocidade limitada, então podemos fazer previsões – embora limitadas no tempo –, como acontece por exemplo na meteorologia.

Sobre as conseqüências práticas da complexidade, estamos apenas começando a estabelecer estratégias para conseguir tratá-la, mas esperamos poder adquirir conhecimentos válidos sobre como a vida opera e sobre o nosso próprio cérebro.

Em que campos o senhor concentrará a sua pesquisa nos próximos anos?

Para começar a tratar da complexidade, é útil que se estabeleça um indicador: o tempo de cálculo necessário para simular o comportamento do objeto complexo. Analogamente, para o caos introduzimos como indicador a velocidade de perda da informação. Introduzindo esses indicadores quantitativos, podemos classificar os objetos num diagrama “caos” X “complexidade”.

Temos então: objetos de baixo caos e de baixa complexidade (o sistema Terra-Sol newtoniano, por exemplo); objetos um pouco mais caóticos mas com baixa complexidade (esse é o tipo de caos que produzimos em nossos laboratórios com objetos relativamente simples, como os raios laser); objetos com altíssima desordem e com baixa complexidade (por exemplo: um gás com moléculas iguais, que se comportam todas segundo o mesmo padrão estatístico); objetos com baixo caos (ou seja: ordenados) mas com alta complexidade (por exemplo: cristais com desordens estruturais).

Sobre todos esses, podemos considerar aqueles objetos com alto grau de caos e alta complexidade, mas que são justamente os mais interessantes: a vida, os sistemas cognoscitivos. Essa será a fronteira da pesquisa nos próximos anos.

Além do mais, o estudo da complexidade mostra que existem diferentes níveis de descrição: será preciso explorar as conexões interdisciplinares entre esses níveis.

Uma última pergunta: se todo objeto de pesquisa não é somente o suporte de uma dinâmica, mas também o centro de um fluxo de vários níveis de compreensão da realidade, então como esse objeto se decompõe em unidades inferiores, e como ele se agrupa numa unidade superior?

A primeira pergunta (análise) explica os constituintes; a segunda (síntese) refere-se a um objetivo num organismo superior. O fato de um objeto não perder sua identidade, mesmo sendo parte de linhas lógicas diferentes, dá a ele uma consistência ontológica: pode-se dizer que a Metafísica está baseada na Física (como diziam Aristóteles e São Tomás de Aquino), e não completamente separada, como pensavam aqueles que – como Kant – limitavam a Física à Física de Newton. Aqui se entra num campo fascinante, que é necessário enfrentar e que nos conduz aos caminhos da Philosophia Perennis.




Fortunato Tito Arecchi
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Fonte: Arvo.net
Link: http://www.arvo.net
Tradução: Fernando Salles

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