terça-feira, 29 de março de 2011

Representantes católicos se unem para calar as armas

ZP11032901 - 29-03-2011
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Por Jesús Colina

CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 29 de março de 2011 (ZENIT.org) - Os representantes mais autorizados da Igreja Católica, começando com o próprio Bento XVI, uniram suas vozes nos últimos dias para exortar as organizações internacionais e as partes interessadas a suspender as operações militares na Líbia.
Depois que o Papa, no domingo, pediu aos "que têm responsabilidades políticas e militares", o "início imediato de um diálogo, para suspender o uso de armas" (cf.ZENIT, 28 de março de 2011), os bispos da Conferência Episcopal das Regiões do Norte de África (CERNA), que inclui o Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia, emitiram um comunicado, na segunda-feira, no qual se manifestam contra a guerra (cf. ZENIT, 28 de março de 2011).
Por sua parte, o núncio apostólico na Grã-Bretanha, o arcebispo Antonio Mennini, que participará hoje como observador da Santa Sé na Conferência Internacional sobre a Líbia, em Londres, disse na segunda-feira: "É muito importante que as partes envolvidas ouçam e ajam pelo menos no espírito com que o Papa falou ontem para ‘apoiar qualquer sinal, por mais fraco que seja, de abertura e de desejo de reconciliação entre todas as partes envolvidas na busca de soluções pacíficas e duradouras'".
"As palavras no Ângelus - concluiu Dom Mennini, em declarações divulgadas pelo Serviço de Informação Religiosa da Conferência Episcopal Italiana - mostram toda a preocupação pela população civil e confirmam a vocação específica da Santa Sé, em primeiro lugar do Papa, de ser porta-voz das aspirações mais profundas da família humana, que também procuram uma unidade baseada na justiça, na paz e nas relações de amizade e de fraternidade."
Superar a fase sangrenta
No discurso que proferiu na segunda-feira o presidente da Conferência Episcopal Italiana, cardeal Angelo Bagnasco, diante do Conselho Permanente desta instituição, explicou que "a repentina intervenção internacional concebida sob a égide da ONU e realizada com a participação da OTAN provocou interrogantes e tensões".
O cardeal se uniu "às palavras de solidariedade que o Santo Padre expressou repetidamente a estas populações e de desejo de uma superação imediata da fase sangrenta: diante da intervenção já em curso, desejamos que se detenham as armas e que, acima de tudo, se preserve a segurança dos cidadãos, assegurando o acesso à essencial ajuda humanitária, num contexto de justiça".
"Acreditamos que o caminho da diplomacia é justo e possível, talvez até mesmo desejado pelas partes, pressuposto e condição para encontrar um ‘caminho africano' rumo ao futuro, invocado principalmente pelos jovens. Isso também evitará possíveis pressões extremistas, que teriam resultados imprevisíveis e graves", explicou o cardeal Bagnasco.
Dom Giovanni Innocenzo Martinelli, vigário apostólico de Trípoli, quem desde o princípio se opôs ao uso da força na Líbia, agradeceu publicamente as palavras de Bento XVI do domingo: "O apelo do Santo Padre é uma notícia muito boa, que nos conforta muito. O Papa pronunciou palavras que afirmam a necessidade de paz, reconciliação e diálogo".
Guerra justa?
As intervenções dos representantes da Igreja se fundamentam nos ensinamentos do Catecismo da Igreja Católica, que estabelecem o dever de evitar a guerra e que mencionam casos em que se pode falar de "guerra justa", ou melhor, de legítima defesa.
O número 2309 estabelece "as condições duma legítima defesa pela força das armas".
A primeira condição definida pelo Catecismo é "que o prejuízo causado pelo agressor à nação ou comunidade de nações seja duradouro, grave e certo".
Em segundo lugar, exige "que todos os outros meios de lhe pôr fim se tenham revelado impraticáveis ou ineficazes".
A terceira condição estabelece "que estejam reunidas condições sérias de êxito".
Finalmente, pede "que o emprego das armas não traga consigo males e desordens mais graves do que o mal a eliminar".

Quem, então, declara que a guerra na Líbia é justa ou injusta? O Catecismo responde: "A apreciação destas condições de legitimidade moral pertence ao juízo prudencial daqueles que têm o encargo do bem comum".

segunda-feira, 28 de março de 2011

Primavera árabe ou outono das minorias?

ZP11032806 - 28-03-2011
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Luzes e sombras das revoltas populares no norte da África

Por Paul De Maeyer

ROMA, segunda-feira, 28 de março de 2011 (ZENIT.org) - Não obstante as diferenças às vezes substanciais entre os países do norte da África e do Oriente Médio na luta da “primavera árabe”, há um fio condutor de natureza econômica e política nestes eventos.
“A revolta na Tunísia e no Egito e a agitação no restante do Oriente Médio e no norte da África são o resultado de um profundo descontentamento da juventude, que rejeita o autoritarismo, a corrupção e a falta de oportunidades ecomômicas e políticas”, afirma Malika Zeghal, professora de Pensamento Islâmico Contemporâneo na prestigiosa Universidade de Harvard (EUA) e autora do livro ‘The Power of a New Political Imagination’. Ela foi entrevistada por Sussidiario.net no dia 22 de março.

“O que está acontecendo é um novo tipo de libertação nacional, com o desejo de um novo projeto político no qual tunisianos e egípcios não sejam nunca mais súditos do Estado, mas cidadãos com grau de possuir o sentido de sua dignidade”, afirma a especialista.

De fato, um dos problemas fundamentais dos países árabes é exatamente a falta de perspectivas para as gerações jovens, que abarrotam o mercado de trabalho. Enquanto em países como Egito e Tunísia a desocupação entre jovens de 15 a 29 anos era de aproximadamente 21,7% (em 2007) e de 27,3% (2005), o fenômeno desafia também a classe governante da riquíssima Arábia Saudita. Segundo os dados recolhidos pelo ‘Guardian’ (14 de fevereiro), no reino ‘wahhabita’, berço do Islã, 16,3% dos jovens entre 15 e 29 anos estavam sem trabalho em 2008.

Além disso, a pressão juvenil estaria destinada a crescer no mundo muçulmano. Mesmo se o crescimento demográfico diminuir entre os muçulmanos nos próximos 20 anos, segundo as previsões do ‘Pew Research Center’ (27 de janeiro), a população muçulmana deveria aumentar cerca de 35% nas próximas décadas, de 1,6 bilhão para 2,2 bilhões em 2030.

O repentino despertar da população árabe constitui sem dúvida uma oportunidade, também para as minorias religiosas. Disso está convencida Malika Zeghal. “Para todas as minorias religiosas que vivem no Oriente Médio e no norte da África, esta é uma nova oportunidade de ver reforçados seus direitos. Sempre existiu um diálogo entre muçulmanos e cristãos, às vezes em âmbitos isolados, em redes de intelectuais, às vezes em âmbitos mais amplos e oficiais”.

De fato, apesar do atentado suicida contra uma igreja copta, que no dia 1º de janeiro provocou em Alexandria 21 mortes, três semanas depois do massacre, a comunidade cristã participou de protestos pró-democracia. Confirmou isso o cardeal Antonios Naguib, patriarca copta de Alexandria, em um comunicado difundido depois da queda de Mubarak, no dia 11 de fevereiro. Segundo o purpurado, a Revolução de 25 de janeiro produziu “uma realidade que esteve ausente durante muito tempo, quer dizer, a unidade dos cidadãos, jovens e anciãos, cristãos e muçulmanos, sem nenhuma distinção ou discriminação” (‘Zenit’, 14 de fevereiro).

Otimista se mostrou também o padre Samir Khalil Samir, S.J., docente na ‘Università Saint-Joseph’, de Beirut. “É uma primavera no mundo árabe. Seria absurdo que os cristãos ficassem de fora, porque, verdadeiramente, já temos esses princípios na letra e no espírito do Evangelho: os da abertura ao outro, da busca da justiça e da paz, e talvez o muçulmano possa dizer o mesmo”, disse o sacerdote (‘Zenit’, 25 de fevereiro).

Para o jesuíta, ser realista é uma obrigação: “até que não haja um governo claro com uma linha precisa a seguir, até que não haja uma organização identificável, não poderemos estar seguros. São necessárias as estruturas. No momento, estamos ainda em fase de explosão, de descoberta. Espero, no entanto, que se possa passar rapidamente a uma sociedade fundada nos princípios que anunciamos”.

Um sinal de esperança é, segundo padre Samir, o “Documento para a renovação do Discurso Religioso”, lançado a 24 de janeiro (um dia antes da revolta no Egito) na página na internet do semanário ‘Yawm al-Sabi', baseado nas sugestões realizadas por um grupo de destacados estudiosos e imames egìpcios, entre os quais estão Nasr Farid Wasel, ex-grão-mufti do Egito e o doutor Gamal Al-Banna, irmão do fundador dos Irmãos Muçulmanos. A iniciativa, que formula 22 temas de reflexão, como por exemplo a separação entre religião e Estado, demonstra que a “primavera árabe” busca também uma renovação do Islã, com o olhar dirigido para a modernidade.

Mais pessimista é Carl Moeller, presidente e administrador delegado de ‘Open Doors U.S.A’. Segundo Moeller, a democracia que está se desenvolvendo na região está muito longe do modelo ‘jeffersoniano’. No site da ‘Assyrian International News Agency’ (22 de março), o autor escreveu que temia especialmente a afirmação da ‘lei do domínio das turbas’, pela qual os islamistas controlariam os governos, tirando das minorias o direito à proteção. Neste ponto, a mensagem aos cristãos, obrigados a viver no terror constante, será: não há lugar para vocês.

Moeller vê confirmados seus temores por uma pesquisa publicada no dia 2 de dezembro pelo ‘Pew Research Center’. Da mesma, realizada no ano passado em sete países muçulmanos, surge, por exemplo, que 84% dos egípcios acredita que os convertidos do Islã para o cristianismo ou para outras religiões deveriam ser processados publicamente. Ademais, 95% dos egípcios consideram positivo o fato de que o Islã exerça um papel importante na política.

Um “grande revés” – assim o define Luigi Geninazzi (‘Avvenire’, 22 de março) – constituem sem dúvida os resultados do referendo realizado no dia 19 de março no Egito, em que participaram 18 milhões de cidadãos. Segundo a Comissão Eleitoral, 77% dos votantes (14 milhões) disseram “sim” à proposta de uma reforma constitucional “light”, enquanto 22,8% optaram pelo “não”. Os partidários do “não”, entre os quais há movimentos que surgiram na “Revolução de 25 de janeiro” e vários personagens de renome como Mohamed El Baradei (prêmio Nobel da Paz 2005 e ex-secretário da Agência Internacional para a Energia Atômica) e Amr Moussa (chefe da Liga Árabe), pediam no entanto a redação de uma nova Constituição.

A vitória do “sim” foi definida como um “choque” pelo ativista copta Wagih Yacoub (‘AINA’’, 21 de março). Reforçaria o Partido Nacional Democrático do ex-presidente Mubarak e os Irmãos Muçulmanos. Estes não gostavam nada da ideia de uma nova Constituição. Temiam, de fato, o cancelamento do artigo 2 da atual Carta Magna, que estipula que a lei islâmica (‘sharia’) é a fonte principal da legislação egípcia. Os Irmãos Muçulmanos teriam orientado os eleitores a votar “sim” por “dever religioso” e também para ter “os coptas fora do governo”, disse Manar Ohsen, da ‘Egyptian Organization for Human Rights’ (AINA, 21 de março).

A pergunta é, portanto, quais são as verdadeiras intenções da Irmandade? Considerados “expressões do Islã moderado ou chamado neoconservador”, os Irmãos Muçulmanos poderiam, segundo o editorial de ‘La Civiltà Cattolica’ “talvez desenvolver no interior da sociedade islâmica, em particular no Egito, um papel de mediação entre o velho e o novo e, ao mesmo tempo, conectar as culturas tradicionais, frequentemente ricas em valores hoje esquecidos ou menosprezados na cultura ocidental, para uma modernidade que defenda todos os direitos humanos” (n. 3857, 5 de março). Para a revista dos jesuítas, fazer as sociedades do Oriente Médio sair do estancamento “é possível só se os movimentos islâmicos participarem do debate político geral e encontrarem seu lugar no interior da sociedade política e civil, formulando suas propostas e colaborando nos interesses de todos, ampliando as bases de uma democracia participativa, pensada a partir também de princípios do Islã. Permanece no fundo a necessidade de rejeitar todo tipo de violência e a necessidade de prever o espaço concedido às minorias, também religiosas”.

Mas existem instrumentos para evitar uma instrumentalização islamista dos protestos? Para o economista e ex-ministro de Finanças libanês Georges Corm, a resposta é afirmativa: é a Doutrina Social da Igreja. “Hoje em particular está a encíclica de Bento XVI ‘Caritas in veritate’, que se coloca na mesma linha da ‘Rerum Novarum’, de Leão XIII”, disse Corm, falando com o jornalista Fady Noun (‘AsiaNews’, 8 de fevereiro). Corm, que é também historiador, acusou o Ocidente e recordou o papel de “preenchimento de lacunas” dos movimentos islâmicos. “O neoliberalismo obrigou o Estado a se retirar da sociedade e da economia, sob o pretexto do equilíbrio orçamentário. As organizações islâmicas se infiltraram nessa brecha”.

Bispos do norte da África contra guerra na Líbia

ZP11032809 - 28-03-2011
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Santa Sé participará da Conferência sobre a Líbia, em Londres

RABAT, segunda-feira, 28 de março de 2011 (ZENIT.org) - Os bispos da Conferência Episcopal das Regiões do Norte de África (CERNA), que inclui o Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia, emitiram uma declaração em que se manifestam contra a guerra na Líbia e pedem solução diplomática para o conflito.
O comunicado, assinado pelo presidente da CERNA, Dom Vincent Landel, arcebispo de Rabat (Marrocos), foi divulgado hoje pela agência vaticana ‘Fides'.
Também hoje, a Santa Sé confirmou que participará, como observador, na Conferência Internacional sobre a Líbia, que será realizada amanhã, 29 de março, em Londres. O representante vaticano será o atual núncio na Grã-Bretanha, o arcebispo Antonio Mennini.
No comunicado, os bispos norte-africanos reafirmam sua oposição à violência e à guerra: "Nós sabemos que a guerra não resolve nada e que, quando estoura, é tão incontrolável como a explosão de um reator nuclear".
Eles também reafirmam o seu "apelo urgente para encontrar, para este conflito doloroso, uma solução justa e digna para todos", unindo-se "ao pedido feito pelo Papa Bento XVI" no domingo, 27 de março.
Os bispos norte-africanos reconhecem que, nos recentes acontecimentos nos países do Magrebe, há uma "reivindicação legítima de liberdade, justiça e dignidade, especialmente por parte das gerações mais jovens".
"Isso se traduz na vontade de ser reconhecidos como cidadãos responsáveis, com a possibilidade de um emprego que lhes permita viver decentemente, sem qualquer forma de corrupção ou nepotismo."
"Hoje - prossegue a declaração - este clima de mudança atravessa a Líbia. E nós nos unimos de forma especial aos nossos irmãos bispos de Tripoli e Benghazi, e a toda a população do país."
Finalmente, os bispos pedem uma mediação diplomática e lançam um apelo à ajuda humanitária. "Nós pedimos ao Todo-Poderoso que inspire os líderes das nações, para que encontrem o caminho que leva à justiça e à paz", conclui a nota.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Recopilação de Mensagens de João Paulo II sobre a paz e o terrorismo


Um ano após o 11 de setembro: " Violência nunca mais! Guerra nunca mais! Terrorismo nunca mais! Em nome de Deus, que todas as religiões tragam à terra Justiça e Paz, Perdão e Vida, Amor!"
Cidade do Vaticano (Agência Fides) - 11 de setembro de 2001: 11 de setembro de 2002: um ano com João Paulo II pela paz entre os homens e a harmonia entre as religiões 11 de setembro de 2001 - Telegrama ao Presidente Bush "Impressionado com indizível horror pelos desumanos ataques terroristas... urge-me expressar ao Senhor e seus concidadãos minha profunda dor e minha proximidade na oração...Rogo a Deus para que ajude ao Senhor e ao povo americano, nesta hora de sofrimento e de provação"
12 de setembro de 2001: Audiência Geral na Praça de São Pedro "Ontem foi um dia escuro na história da humanidade, uma terrível afronta à dignidade do homem...Mas a fé nos sai ao encontro nestes momentos nos quais qualquer comentário parece inadequado...Embora a força das trevas pareça prevalecer, o fiel sabe que o mal e a morte não têm a última palavra"
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13 de setembro de 2001: Discurso ao novo embaixador dos Estados Unidos na Santa Sé "Neste momento de luto nacional...quero garantir pessoalmente minha profunda participação na dor do povo americano e minha sentida oração pelo Presidente, pelas autoridades civis e pelos que trabalham nas operações de salvamento"
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16 de setembro de 2001: Ângelus no término da Santa Missa celebrada em Frosinone "Que a Virgem leve consolo e esperança a quantos sofrem por causa do trágico atentado terrorista... Maria acolha os defuntos, console os sobreviventes, proteja as famílias particularmente atingidas, e nos ajude a não cair na tentação do ódio e da violência"
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19 de setembro de 2001: Audiência Geral na Praça São Pedro "Vos convido a rezar nestes dias para que Deus Onipotente guie a mente e o coração dos responsáveis pelo mundo de maneira que prevaleçam os caminhos da justiça e da paz"
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23 de setembro de 2001: - Ângelus ao término da Santa Missa celebrada em Astana, Cazaquistão "Desejo fazer um fervoroso chamado a todos, cristãos e seguidores de outras religiões, para que cooperem para edificar um mundo sem violência, um mundo que ame a vida e se desenvolva na justiça e na solidariedade. Não devemos permitir que o que aconteceu conduza à exasperação das divisões. A religião não pode ser usada nunca como motivo de conflito".
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10 de outubro de 2001: Aos peregrinos de língua inglesa presentes na Audiência Geral "Convido a todos a rezar pela paz e a trabalhar para edificar um mundo sem, baseado no respeito da dignidade de todos os seres humanos"
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11 de outubro de 2001: Na X Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos "A um mês dos desumanos ataques terroristas...confiemos, uma vez mais, à eterna misericórdia do Deus de nossos pais, as inúmeras vítimas inocentes. Peçamos consolação e consolo para seus familiares e parentes, prostrados pela dor...imploremos para todos os homens de boa vontade, tenacidade e perseverança para perseguir os caminhos de justiça e de paz"
14 de outubro de 2001: Oração do Ângelus "Com motivo da atual situação internacional, convidei as pessoas e as comunidades a que rezem o Rosário pela paz. Renovo hoje também este convite, destacando que o Rosário é contemplação de Cristo em seus mistérios, em íntima união com Maria Santíssima"
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3 de novembro de 2001: Mensagem à Conferência da FAO "Após os terríveis acontecimentos de 11 de setembro, deu início a amplos debates sobretudo ao que se refere à justiça e à urgência de remediar as injustiças. Em uma perspectiva religiosa, a injustiça é o desequilíbrio radical onde o homem se rebela contra Deus e contra seu próprio irmão".
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6 de novembro de 2001: Em "Pope John Paul II Cultural Center" de Washington "Os trágicos acontecimentos que estremeceram a comunidade internacional durante os últimos dois meses nos fizeram, mais uma vez, conscientes da fragilidade da paz e da necessidade de edificar uma cultura de diálogo e de cooperação respeitosa entre todos os membros da família humana".
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9 de novembro de 2001: Ao Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso "Diz-se que assistimos a um autêntico conflito entre religiões...Entretanto, isso significaria falsificar a própria religião...Quando nascem conflitos, a paz pode ser unicamente o resultado de um processo de reconciliação, e isso requer humildade e generosidade".
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10 de novembro de 2001: A uma delegação de Bombeiros de Nova York "Dou calorosas boas-vindas à delegação do Departamento de Bombeiros de Nova York, muitos dos quais perderam a vida no ataque terrorista de 11 de setembro. Deus Onipotente conceda às famílias atingidas consolo e paz, e a vós, a força e o valor necessários para prestar vosso grande serviço a vossa cidade"
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9 de dezembro de 2001: Ângelus "Na atual situação internacional, tão complexa, a humanidade está chamada a mobilizar suas melhores energias para que o amor prevaleça sobre o ódio, a paz sobre a guerra, a verdade sobre a mentira e o perdão sobre a vingança."
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10 de janeiro de 2002: Discurso ao Corpo Diplomático Credenciado na Santa Sé "A luta legítima contra o terrorismo da qual os odiosos atentados do dia 11 de setembro são a expressão mais feroz, voltou da dar a palavra às armas. Perante da bárbara agressão e aos massacres, coloca-se, não apenas a questão da legítima defesa, mas tam´bem a dos meios mais adequados para erradicar o terrorismo, como também a da busca das causas que estão na origem de ações similares, e as das medidas a serem tomadas para dar início a um processo de "cura", que permita superar o medo e evitar que o mal se acrescente, e à violência, mais violência."
25 de janeiro de 2002: Empenho pela paz junto aos líderes religiosos do mundo "Violência nunca mais! Guerra nunca mais! Terrorismo nunca mais! Em nome de Deus, que todas as religiões tragam à terra Justiça e Paz, Perdão e Vida, Amor!"
22 de maio de 2002: Encontro com os representantes das religiões em Baku, Azerbaijão "Desde este país, que conheceu e conhece a tolerância como valor preliminar de toda sã convivência civil, queremos gritar ao mundo: Chega de guerra em nome de Deus! Chega de profanação de seu santo nome!... Enquanto tiver voz, gritarei: "Paz, em nome de Deus!."
(Texto completo)
21 de julho de 2002: Ângelus "Os trágicos acontecimentos de 11 de setembro do ano passado e do conflito na Terra Santa têm projetado sobre o mundo uma sombra escura. Mas Jesus exorta seus discípulos a não ter medo... Os jovens cristãos, que se encontrarão em Toronto, estão dispostos a responder a Cristo: Aqui estamos!"
(Texto completo)

O terrorismo e o medo - uma reflexão

A prazo, a principal consequência dos atentados terroristas de Nova Iorque e de Washington vai ser uma recessão. Não tanto uma recessão económica, que já está à vista, mas uma recessão da confiança das pessoas em relação à sua vida pessoal e social.

O medo de ataques terroristas a uma escala nova e global, como os que vimos em 11 de Setembro, está a deixar as pessoas cheias de medo. Naturalmente, nos Estados Unidos isso é mais sensível, mas esse sentimento alastrar-se-á inevitavelmente a todos os países ocidentais e, em seguida, aos restantes países.


Os apelos à serenidade e a constatação de que a origem do mal – o terrorismo – está a ser atacada, não impedirão que a atitude e a vida dos Estados, das organizações e das pessoas venham a ser diferentes daqui para o futuro.

Tal como se passa com certos males incontroláveis que afectam o nosso comportamento individual e social, como é o caso das doenças incuráveis, da droga ou da criminalidade urbana, é preciso atacar a origem dos males, descobrindo as suas causas verdadeiras e profundas, prevenindo e acautelando as pessoas em geral e, sempre que seja caso disso, punindo aqueles que contribuem para a proliferação do mal.

O mesmo se terá de passar com a actual luta contra o terrorismo. Nada justifica o acto terrorista e a sociedade tem de puni-lo. No entanto, de nada serve a punição se as suas causas não forem combatidas na origem. E, para isso, é essencial não hostilizar os países islâmicos e, muito menos a religião islâmica. É preciso compreender a cultura dos povos islâmicos e ajudá-los a progredirem no sentido da adopção de regimes tolerantes e democráticos, equitativos e justos. Sem justiça, compreensiva e humana, não haverá paz nas consciências nem na sociedade.

Porém, ameaças à vida humana e social sempre hão de existir, sejam elas de origem criminosa (droga, terrorismo, etc.), natural (catástrofes naturais como inundações, terramotos e outras), ou patológica (tantas doenças ainda incuráveis, como o cancro ou a SIDA).

O homem e a sociedade são limitados e há que aceitar essas limitações e saber viver com elas, embora lutando persistentemente contra elas; mas a humildade relativamente à nossa condição de seres limitados e frágeis é condição necessária para atingir a serenidade e a confiança possível. É que apesar dessa condição, temos uma grande força moral e uma sólida convicção num destino que nos transcende.


Fonte Ecclesia

Na Líbia, luta democrática se confunde com guerra tribal

ANÁLISE ONDA DE REVOLTAS



Peso de laços familiares segue padrão similar entre rebeldes e governistas

DAVID D. KIRKPATRICK
DO "NEW YORK TIMES", EM TRÍPOLI

A pergunta paira desde o momento em que o primeiro comandante de tanques desertou para unir-se a seus primos que protestavam em Benghazi: a batalha pela Líbia é o choque de um ditador brutal contra a oposição democrática ou é, fundamentalmente, guerra civil tribal?
A resposta pode determinar tanto o rumo do levante líbio quanto os resultados da intervenção ocidental.
Na cadeia de acontecimentos que o Ocidente preferiria ver, os ataques aéreos permitem aos rebeldes e aos residentes do oeste unir-se sob a bandeira de uma revolução democrática que depõe Muammar Gaddafi.
Este, porém, previu o contrário: que a revolta é uma guerra tribal do leste da Líbia contra o oeste do país e que terminará ou com sua vitória ou com caos prolongado.
Há poucas pistas sobre a natureza real dos rebeldes.
Seu conselho governante é composto de advogados, acadêmicos e empresários que falam de democracia, transparência, direitos humanos e Estado de Direito.
Mas seu compromisso com esses princípios está sendo testado só agora, quando enfrentam o espectro de potenciais espiões de Gaddafi com justiça tribal sumária ou processo legal mais comedido.
Como o governo Gaddafi, a operação em torno do conselho rebelde é repleta de laços familiares. E, como os chefes da mídia noticiosa estatal líbia, os rebeldes não sentem lealdade à verdade quando formulam sua propaganda.
Os céticos quanto ao compromisso dos rebeldes com a democracia apontam para a curta e brutal história líbia.
Até Gaddafi tomar o poder, em 1969, a Líbia mal podia ser considerada um país, dividida em três províncias e miríades de tribos de pastores seminômades. Assassinatos tribais retaliatórios eram a principal fonte de justiça.
A Líbia de Gaddafi só lançou um verniz sobre as antigas hostilidades entre as tribos. A região oriental em volta de Benghazi sempre foi repleta de oposicionistas, em parte porque suas tribos gozavam do favoritismo do rei Idris 1º, deposto pelo ditador.
Mas o legado das rivalidades tribais na Líbia pode estar perdendo força graças em parte às transformações que Gaddafi ajudou a promover.
Cerca de 85% da população líbia está aglomerada em torno dos principais centros urbanos, Trípoli e Benghazi.
Embora muitas das pessoas em volta das cidades continuem a identificar-se por tribos, elas vivem misturadas.
Além disso, hoje há um grupo crescente de líbios jovens, ricos, que falam inglês e estudaram no exterior, como o próprio filho anglófilo do coronel, Seif al Islam.
As diferenças da rebelião atual dependerão de ela conseguir transcender seu pano de fundo tribal e atrair novos apoios do Ocidente.


Tradução de CLARA ALLAIN

terça-feira, 22 de março de 2011

‘Pax Christi’ sobre Líbia: não tentaram todas as vias diplomáticas

ZP11032208 - 22-03-2011
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Vigário apostólico de Trípoli afirma que assim “Kadhafi não cederá”

ROMA, terça-feira, 22 de março de 2011 (ZENIT.org) - "Constatamos que houve ausência de política e pressa em recorrer à guerra": esta é a visão de ‘Pax Christi' sobre a intervenção das forças da ONU na Líbia, de acordo com uma nota assinada pelo seu presidente, Dom Giovanni Giudici, bispo de Pavia.
"É evidente - diz a nota, que foi divulgada ontem - que não implementaram todas as medidas diplomáticas, não foram colocadas em jogo todas as possíveis formas de intervenção." A opinião pública, pede ‘Pax Christi', "deve estar ciente disso e deve pedir uma mudança na gestão da política internacional".
"O coronel Kadhafi já estava em guerra com sua gente quando era nosso aliado e amigo", recorda a organização, que há muito tempo denunciava "a conveniência de quem, Itália à cabeça, deu-lhe uma enorme quantidade de armas, sem dizer nada, nem após a sua visita à Itália, sobre os direitos humanos violados na Líbia, sobre o destino trágico das vítimas das expulsões, sobre aqueles que morrem no deserto ou em prisões líbias".
"Não queremos nos render à lógica das armas", afirma ‘Pax Christi'. E se, na Líbia, sublinhou Dom Giudici na ‘Rádio Vaticano', existia "um problema de controle de uma violência não só absolutamente injustificada, mas também fratricida", as consequências da intervenção armada "são sempre dolorosas".
"Nós não podemos aceitar - afirma a nota - que os conflitos se transformem em uma guerra", senão que é preciso manter "o debate sobre a ação militar, para limitá-la o máximo possível e acompanhá-la com sérias tentativas de mediação".
Para ‘Pax Christi', recorre-se facilmente às armas devido à "falta de uma política internacional que garanta o direito dos povos à autodeterminação".
A organização também está preocupada pela leitura fácil que pode se fazer de um ataque das forças ocidentais a um país de cultura muçulmana: "Trabalhemos em cada área passível de confronto e diálogo - diz a nota -, fazendo todos os esforços para assegurar que o ataque atual não se torne também uma guerra de religião".
Também recorda as palavras de João Paulo II, "que, por muitos anos e sem meios-termos, falou de fenômenos contemporâneos como ‘aventura sem retorno, espiral de luto e de violência, abismo do mal, suicídio da humanidade, tragédia humana e catástrofe religiosa'".
"Kadhafi não cederá"
Por sua vez, o vigário apostólico de Trípoli apresentou, em declarações à agência ‘Fides' hoje, sua perplexidade diante dos últimos acontecimentos.
"Eu não vejo aonde tudo isso poderá nos levar. É possível que não se entenda que as bombas não resolvem nada? Mais uma vez, peço que se busque uma solução diplomática, talvez através da mediação de algum líder africano."
"Aqueles que promoveram esta guerra têm de entender que Kadhafi não cederá. Corre-se o risco de criar uma longa crise de resultados incertos", concluiu o prelado.

Na tenda de Kadafi


DEMÉTRIO MAGNOLI
O Estado de S. Paulo - 03/03/2011

Muamar Kadafi foi muito mais longe que Hosni Mubarak em seus pronunciamentos desesperados, em meio à revolução. Ele se dirigiu aos líbios como faria uma potência ocupante descontrolada, ameaçando emitir uma ordem de extermínio geral. A queda dramática do tirano da Líbia tem importância geopolítica incomparavelmente menor que a do regime egípcio. Contudo, tem um inigualável cortejo de significados simbólicos.

O fim de Kadafi assinala a segunda, e definitiva, morte do nasserismo. "A revolução é o meio pelo qual a nação árabe pode libertar-se de seus grilhões." A Carta Nacional divulgada por Gamal Abdel Nasser em 1962 definia a doutrina do pan-arabismo, que deveria destruir as fronteiras interestatais criadas pelas potências europeias e propiciar a "restauração da ordem natural de uma única nação". O Egito de Nasser figuraria, nesse percurso, como uma entidade transitória: o instrumento para a edificação da "nação árabe". O jovem Kadafi formou-se na academia militar nos anos áureos do nasserismo e liderou o golpe antimonárquico de 1969 para inscrever a Líbia na moldura da revolução anunciada pelo Egito. A humilhação árabe na Guerra dos Seis Dias, em 1967, foi o estampido para o levante dos oficiais líbios do grupo de Kadafi.

Nasser morreu em 1970, mas o nasserismo prosseguiu, sob Anuar Sadat, ainda por alguns anos e uma nova guerra árabe-israelense. A primeira morte do nasserismo se deu pela ruptura do Egito com a URSS e o subsequente tratado de paz com Israel. Então, em 1977, Kadafi enrolou-se nos farrapos da bandeira do pan-arabismo e lançou um ataque militar contra o povoado egípcio fronteiriço de Sallum, sofrendo uma contraofensiva devastadora. Na década seguinte, enquanto no Egito a herança doutrinária de Nasser se dissolvia num antissemitismo caricato, a Líbia de Kadafi, o "cachorro louco", proclamava guerra ao "imperialismo" e organizava atos de terror contra interesses ocidentais ao redor do mundo. Agora, quando o tirano desaba, fecha-se de vez o ciclo inaugurado pela revolução pan-arabista.

O fim de Kadafi assinala o ocaso do longo período em que os povos árabes foram ofuscados pela invocação do espectro do "inimigo externo". A ditadura nasserista no Egito, como as ditaduras baathistas implantadas na Síria, em 1963, e no Iraque, em 1968, reclamavam uma legitimidade derivada da luta contra o imperialismo ocidental e sua suposta cabeça de ponte no mundo árabe, o Estado de Israel. A supressão dos partidos de oposição, a repressão à dissidência interna, a interdição do debate político eram justificadas pelo imperativo da unidade árabe. No caso da Líbia, agentes de Kadafi perpetraram assassinatos de dezenas de "cães vadios", na expressão usada pelo tirano para designar dissidentes exilados, na Europa, nos EUA e mesmo na Arábia Saudita. A nova revolução árabe não segue estandartes antiocidentais. A sua consigna é a liberdade, são os direitos de cidadania, não a utopia geopolítica da "nação única".

O fim de Kadafi assinala a desmoralização das tiranias personalistas que derivam de sistemas de partido único e acabam por lhes tomar o lugar. O modelo do regime de partido-Estado ancora-se no conceito de que o partido dirigente coagula uma verdade histórica superior. Os partidos comunistas se exibiam como locomotivas do "trem da História", em marcha rumo à estação terminal do socialismo. No mundo árabe, os regimes de partido único apresentavam-se como condutores de uma caravana que avançava rumo ao oásis da unidade pan-árabe. Invariavelmente, o modelo evoluía para ditaduras pessoais: Joseph Stalin, Mao Tsé-tung, Kim Il-sung, Fidel Castro, Gamal Abdel Nasser, Hafez Al-Assad, Saddam Hussein. A Líbia de Kadafi não passou pelo estágio primário, organizando-se desde o início como uma tirania pessoal.

O golpe de 1969 substituiu a monarquia liberal do rei Ídris, baseada na rede de poder tribal da região da Cirenaica, por um "Estado de massas" (Jamahiriya) - isto é, de fato, por um Estado de comitês submetidos ao controle do tirano. Kadafi não ocupava nenhum cargo formal no governo líbio, mas enfeixava o poder de fato, concentrado no Conselho de Comando da Revolução, e subordinava as Forças Armadas a milícias especiais. A nação líbia, destituída de contrato constitucional operante, identificava-se à figura de Kadafi, o "Irmão Fraternal e Guia da Revolução".

Mais que qualquer ideologia, essa redução da nação à imagem de um condottieri atraiu a admiração de Fidel Castro e, mais tarde, de Hugo Chávez. Um ano e meio atrás, Lula dirigiu-se a Kadafi como "meu amigo, meu irmão, meu líder", saltando a fronteira que separa a cortesia protocolar da apologia repugnante. O cumprimento representou mais que uma esperteza instrumental, destinada à conquista de votos árabes e africanos para a pretensão brasileira a uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Ela evidenciou, ao lado da conhecida inclinação do ex-presidente por cortejar ditadores, uma ponta de inveja pelo estatuto de um líder não embaraçado por qualquer limite institucional.

O fim de Kadafi joga mais um facho de luz sobre a facilidade com que o Ocidente imola posições de princípio no altar das conveniências geopolíticas circunstanciais. O tirano operou como elo de articulação logística de variados grupos terroristas, ordenou a explosão do voo da Pan Am em Lockerbie, financiou milícias de mercenários no Chade e no Sudão, ajudou a montar as máquinas genocidas de Idi Amin, em Uganda, e Mengistu Mariam, na Etiópia, treinou o sanguinário exército de Charles Taylor na Serra Leoa. Nada disso evitou uma ignóbil "reabilitação", negociada pela CIA em 2003, na moldura da "guerra ao terror", e conduzida por Washington, Londres e Roma. Há, mesmo pequena, uma chance de Kadafi se sentar no banco dos réus de um tribunal para crimes contra a humanidade. Ele teria histórias interessantes a contar.

Atoleiro na Líbia


OWEN BOWCOTT
DO "GUARDIAN"
22 de março de 2011 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
Quando o Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas aprovou, na quinta-feira passada, o uso de "todas as medidas necessárias" para deter a matança na Líbia rebelada contra o coronel Muamar Kadafi, esperava-se o que na vida civil se chama processo e, em linguagem militar, escalada. O ponto de partida seria a interdição do espaço aéreo do país, para impedir que o ditador continuasse a usar a aviação para atacar a população das cidades tomadas pelos insurretos. Isso provavelmente incluiria neutralizar as bases de onde poderiam ser alvejadas as aeronaves estrangeiras incumbidas de impor a chamada zona de exclusão sobre o território líbio. A intensidade da ofensiva, a sua duração e os seus desdobramentos dependeriam da reação do regime.
Pelo visto, porém, a coalizão que assumiu a empreitada de conter Kadafi, capitaneada pelos Estados Unidos, França e Grã-Bretanha, resolveu queimar etapas, antes mesmo de qualquer reação. Já no sábado, 20 caças franceses atacaram as posições do governo nas vizinhanças de Benghazi, a segunda maior cidade líbia e último reduto rebelde, enquanto navios americanos e um submarino britânico disparavam, do alto-mar no Mediterrâneo, mais de 100 mísseis de cruzeiro contra uma vintena de alvos a oeste, incluindo Trípoli. No dia seguinte, o ataque mirou o complexo de construções que abriga o QG de Kadafi, também na capital. As autoridades líbias dizem que chegam a 64 o número das vítimas civis das operações.
Quaisquer que sejam as baixas entre a população do país e o efeito dos ataques sobre o poderio militar do regime, os seus estilhaços políticos se projetaram em várias direções. A Liga Árabe, cujo endosso à resolução anti-Kadafi na ONU foi decisivo para a sua aprovação (o texto foi oficialmente patrocinado pelo Líbano), considerou que os bombardeios deturparam o sentido da iniciativa. "O que aconteceu na Líbia é diferente do objetivo de impor uma zona de exclusão aérea", observou o secretário-geral da Liga, Amr Moussa. "O que queremos é proteger os civis e não bombardear mais civis." Essa preocupação foi o que levou o Brasil a se abster no Conselho de Segurança, ao lado da Alemanha, Índia, China e Rússia. O risco, argumentou a chefe da delegação brasileira, Maria Luiza Viotti, é fazer "mais mal do que bem".
Ela falava da questão humanitária, mas a advertência se aplica à questão essencial na Líbia: a permanência de Kadafi no poder. A rápida propagação do movimento pela sua queda, abrindo mais uma festejada frente democrática no mundo árabe, embaçou a visão do Ocidente para o fato de não ser desprezível o apoio com o qual o ditador ainda conta. As bombas podem ter sido recebidas com euforia por seus inimigos ilhados em Benghazi, mas tendem a reforçar o moral dos muitos que lhe são leais, a ponto de venerá-lo, e de afrouxar a oposição de outros tantos. E não há hipótese de ele próprio renunciar para poupar vidas de concidadãos imersos numa guerra civil ou manter a integridade do país. Seria um erro tratar como meras bravatas a sua ameaça de uma "longa guerra" com o Ocidente e o anúncio de que armará 1 milhão de líbios.
De mais a mais, bombardeios aéreos decidem guerras, mas não ganham guerras. Para isso, nada substitui tropas em terra - eventualidade expressamente excluída na resolução sobre a Líbia. O documento tampouco autoriza a remoção de Kadafi. Mas outra não é a intenção dos seus patrocinadores. Isso vale para o exaltado presidente francês, Nicolas Sarkozy, desejando apagar da memória do mundo não só os negócios recentes com Kadafi, como o seu apoio até a 25.ª hora ao ditador tunisiano, Ben Ali. E vale para o presidente americano, Barack Obama, que relutou em liderar a guerra em curso não porque não queira ver o líbio deposto, mas para poupar os Estados Unidos da ira da rua árabe.
Daí Washington correr a anunciar que, em questão de dias, o comando das operações na Líbia passará para uma coalizão franco-britânica ou para a Otan, a aliança militar ocidental. Isso não fará secar o atoleiro em que os aliados se enfiaram: não podem deixar Kadafi onde está e não podem tirá-lo sem um ataque direto que faria da Líbia um novo - e impensável - Iraque.

OWEN BOWCOTT DO "GUARDIAN"


Texto da ONU autoriza alvejar Gaddafi, defendem advogados


Alvejar Muammar Gaddafi e seu alto comando militar é permissível sob os termos da resolução do Conselho de Segurança da ONU, segundo advogados internacionais.
Mas a mudança de regime na Líbia -o desejo último da maioria dos países que aprovou a moção- não é objetivo especificado em nenhum dos 29 pontos do texto da ONU.
Se isso acontecer, será um subproduto da intervenção. A frase-chave na resolução 1.973 da ONU, "tomar todas as medidas necessárias (...) para proteger civis e áreas povoadas por civis sob ameaça de ataque", autoriza aos Estados participantes alguma margem para decidir o que é militarmente possível.
As ambiguidades provocadas por uma formulação tão pouco precisa poderão até mesmo ter sido intencionais.
"Às vezes as resoluções da ONU são pouco claras de propósito", diz Anthony Aust, ex-assessor da Chancelaria britânica que ajudou a redigir o texto sobre o Kuait.
Philippe Sands, professor de direito no University College London, crê que o líder líbio corre risco pessoal.
"A autorização de "todas as medidas necessárias" é ampla e parece permitir que Gaddafi seja alvejado", ele escreveu no "Guardian".
E já há uma divisão política em relação à interpretação feita da resolução da ONU.
O Reino Unido contempla a possibilidade de lançar ataques diretos contra o líder líbio, com o argumento de que ele está por trás das ordens para atacar civis no país.
Mas o secretário de Defesa dos EUA, Robert Gates, pareceu ter uma visão mais restrita dos termos da resolução. "Se começarmos a acrescentar objetivos adicionais, acho que criaremos um problema", disse o secretário.

Tradução de CLARA ALLAIN

Armas para o povo

VLADIMIR SAFATLE


Foi correta a decisão brasileira de se abster da votação que acabou por legalizar uma modalidade ainda indefinida de intervenção militar na Líbia. Não se trata do resultado de algum juízo de valor a respeito do regime de Gaddafi, mas de uma questão relativa à real eficácia da intervenção.
Primeiro, vale dizer que dificilmente encontraremos hoje um ditador tão patético quanto Gaddafi. O mesmo Gaddafi capaz de afirmar que os insurgentes eram jovens que haviam tomado "Nescafé com alucinógenos".
Aqueles que têm para com ele alguma complacência, normalmente em nome da luta anti-imperialista, dão prova de acreditarem no primarismo de que o inimigo do meu inimigo é meu amigo.
Na verdade, Gaddafi é a figura mais bem-acabada de um imperador que deteria um poder soberano em situação de exceção e que se demonstrou capaz de pagar mercenários para esmagar manifestações de seu povo. Poderíamos até sugerir um slogan: Gaddafi, um imperador na luta contra o imperialismo.
Porém a proposta francesa de zona de exclusão aérea tem tudo para produzir consequências ruins. Não se trata do argumento da primazia da soberania nacional, embora seja verdade que a submissão da soberania nacional aos crimes contra os direitos humanos só valha, atualmente, para países escolhidos a dedo.
O primeiro problema com a proposta aprovada na ONU é permitir a Gaddafi remobilizar parte da população líbia em nome da luta contra "antigas potências coloniais".
Em uma região marcada por forte nacionalismo e desconfiança em relação às "boas ações" de países como França, Reino Unido e EUA, não é difícil imaginar que um argumento dessa natureza possa acirrar as divisões internas na Líbia. Segundo, ela perpetua a velha parcialidade que minou o discurso democrático do Ocidente no Oriente Médio.
Se o interesse é, realmente, uma intervenção humanitária em defesa dos manifestantes líbios, é difícil entender por que a proposta não valeria ainda para a defesa dos manifestantes do Bahrein, já que esses também são objetos da truculência de um monarca absoluto que tem, agora, apoio das tropas sauditas.
A única explicação plausível é o monarca do Bahrein ser um "ditador amigo". Já Gaddafi é louco demais para ser amigo de alguém.
Por fim, a proposta parece querer colonizar um movimento que, até agora, foi interno aos povos da região e que deu frutos a partir de suas próprias ações. Por isso, se os países ocidentais quisessem realmente auxiliar os rebeldes líbios, eles mandariam armas para a população civil, dando as condições para que a própria população civil lutasse contra as armas que países como a Itália venderam para Gaddafi há bem pouco tempo.

Obama, o grande santo, desmoraliza a ONU e o Congresso dos EUA, o que Bush nunca fez!


obama-pra-la-e-pra-caPois é, queridos!
Intuo que uma das coisas que os mantêm ligados ao blog, além do fato de esse ser um ponto de encontro para o diálogo entre vocês, é o fato de o blogueiro jamais passar vontade de dizer o que pensa, sem perguntar a quem está exatamente incomodando — menos ainda com medo de ser mal interpretado. Não ligo para o que pensam a meu respeito. Se eu fizesse a vontade “deles”, seria ou um deles ou seu servo. Não preciso ir a Benghazi ou a Trípoli — e nada contra quem vai, muito pelo contrário — para perceber certos desvãos da lógica, que têm de ser iluminados. (I)modestamente, noto que algumas questões aqui propostas desde sempre sobre a crise da Líbia começam a despertar a curiosidade da imprensa americana — e, em alguns casos, a indignação. Barack Obama, hoje, humilha a ONU e até o Congresso do seu país. Vamos com calma.
Só agora o New York Times se dá ao trabalho de perguntar, numa “análise” de David D. Kirkpatrick, se o que ocorre na Líbia é  uma luta por democracia ou uma guerra civil. O autor, talvez patrulhado pelo politicamente correto, não chega a dar “a” resposta. Mas demonstra com fatos: é uma guerra civil! Acho que vocês leram isso primeiro aqui, não é mesmo? Já disse que uma das minhas tarefas mais caras é revelar… o óbvio!
O autor apela à dúvida decorosa de um acadêmico — essa gente morre de medo de ver o tal óbvio —-, que vem com uma advertência. Indagado se é luta por democracia ou guerra civil, afirma Paul Sullivan, cientista político da Universidade de Georgetown: “É uma questão importante, terrivelmente difícil de responder. Quando Kadafi deixar o poder, podemos ter uma surpresa muito grande ao descobrir com o que estamos lidando”. Sullivan sabe a resposta, claro, mas deve temer que não o considerem um amante da liberdade. Se os dois lados da batalha estão armados de fuzis, tanques, aviões e baterias antiaéreas, é guerra civil!
Kirkpatrick lembra que, a exemplo do governo de Kadafi, também o dos rebeldes é formado por laços familiares e tribais. Assim como a imprensa oficial da Líbia mente, os seus opositores não têm qualquer compromisso com a verdade, reivindicando vitórias inexistentes no campo de batalha, declarando que cidades estão em disputa quando já controladas pelo coronel e, ATENÇÃO!, exagerando enormemente ao acusar o comportamento bárbaro do adversário. TUDO, AQUILO, LEITORES, QUE VOCÊS, CANSARAM DE LER POR AQUI. Ontem, por exemplo, correu o mundo a imagem do funeral de um — sim, de um! — rebelde. Havia protesto e gritaria. Se podem fazer aquela cena ganhar o planeta, por que não espalharam as dos chamados massacres? É inaceitável que a imprensa ocidental, a nossa inclusive, não se coloque essa questão. Kirkpatrick, em suma, está dizendo que os rebeldes mentem um pouquinho…
O autor observa que responder se é luta por democracia ou guerra civil poderia decidir até mesmo o futuro da intervenção das potências ocidentais. Eu diria, discordando um pouco dele, QUE A RESPOSTA DECIDE, NO MÁXIMO, A MORALIDADE DA INTERVENÇÃO. O resultado já está definido. Ou se imagina possível que o coronel resista àquela gigantesca máquina de guerra?
ONU E CONGRESSO DOS EUA
Há dois absurdos em curso. A resolução aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU fala expressamente na proteção a civis, mas prevê que qualquer medida pode ser adotada para garanti-la. Também exige o cessar-fogo e anuncia a implementação da zona de exclusão aérea. Muito bem! As potências acusam Kadafi de mentir e de não respeitar o cessar-fogo. Mas ele não deveria valer para os dois lados? Não! Segundo um assessor de Obama, “rebeldes são civis”. Assim, os aliados estariam apenas “garantindo a sua segurança” quando permitem que avancem contra forças de Kadafi previamente atacadas. ATENÇÃO! NUNCA SE VIU UMA RESOLUÇÃO COMO ESSA!
Voltemos um pouquinho àquele que foi visto como o Grande Satã também pela imprensa ocidental. Bush suou para conseguir a autorização dos congressistas para travar a guerra no Iraque. Obama mandou bombardear a Líbia sem lhes dar a menor pelota. Enviou uma carta depois de iniciado o ataque afirmando que a ação americana será limitada etc e tal e que não haverá envio de tropas terrestres. Ah, bom! Como se ele pudesse também enviar tropas sem prévia autorização! É patético! Afirmar que o que se vê no país é só proteção a civis e implementação da zona de exclusão aérea é uma piada macabra. Aquilo, obviamente, é uma guerra.
A imprensa americana começa a acordar do torpor. A nossa, com as exceções de sempre — deveria escrever “a” exceção? — ainda pisa nos astros distraída.  Críticos contumazes de Bush, aquele que queria ser “policial do planeta”, mostram-se agora engajados no esforço “humanista” de Obama, Sarkozy e Cameron…
Não dá! Eu não lido bem com baguncismo institucional, pouco importa o lugar — na minha casa (sim, há “instituições” aqui), em Dois Córregos, no Brasil, nos EUA ou na ONU. É um bem para a humanidade que Kadafi vá para o quinto dos infernos? É, sim! Mas as instituições não têm de ir junto com ele. E Obama está se mostrando um grande bagunceiro! Muitos achavam que seria temerário ter na Presidência dos EUA um homem tão inexperiente. Era um juízo convencional, conservador. Convencional, conservador e correto!
Por Reinaldo Azevedo

Um pouco de bom senso!


O bom senso começa a chegar aos nossos jornais. Leiam editorial de hoje no Estadão:
Atoleiro na Líbia

Quando o Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas aprovou, na quinta-feira passada, o uso de “todas as medidas necessárias” para deter a matança na Líbia rebelada contra o coronel Muamar Kadafi, esperava-se o que na vida civil se chama processo e, em linguagem militar, escalada. O ponto de partida seria a interdição do espaço aéreo do país, para impedir que o ditador continuasse a usar a aviação para atacar a população das cidades tomadas pelos insurretos. Isso provavelmente incluiria neutralizar as bases de onde poderiam ser alvejadas as aeronaves estrangeiras incumbidas de impor a chamada zona de exclusão sobre o território líbio. A intensidade da ofensiva, a sua duração e os seus desdobramentos dependeriam da reação do regime.
Pelo visto, porém, a coalizão que assumiu a empreitada de conter Kadafi, capitaneada pelos Estados Unidos, França e Grã-Bretanha, resolveu queimar etapas, antes mesmo de qualquer reação. Já no sábado, 20 caças franceses atacaram as posições do governo nas vizinhanças de Benghazi, a segunda maior cidade líbia e último reduto rebelde, enquanto navios americanos e um submarino britânico disparavam, do alto-mar no Mediterrâneo, mais de 100 mísseis de cruzeiro contra uma vintena de alvos a oeste, incluindo Trípoli. No dia seguinte, o ataque mirou o complexo de construções que abriga o QG de Kadafi, também na capital. As autoridades líbias dizem que chegam a 64 o número das vítimas civis das operações.
Quaisquer que sejam as baixas entre a população do país e o efeito dos ataques sobre o poderio militar do regime, os seus estilhaços políticos se projetaram em várias direções. A Liga Árabe, cujo endosso à resolução anti-Kadafi na ONU foi decisivo para a sua aprovação (o texto foi oficialmente patrocinado pelo Líbano), considerou que os bombardeios deturparam o sentido da iniciativa. “O que aconteceu na Líbia é diferente do objetivo de impor uma zona de exclusão aérea”, observou o secretário-geral da Liga, Amr Moussa. “O que queremos é proteger os civis e não bombardear mais civis.” Essa preocupação foi o que levou o Brasil a se abster no Conselho de Segurança, ao lado da Alemanha, Índia, China e Rússia. O risco, argumentou a chefe da delegação brasileira, Maria Luiza Viotti, é fazer “mais mal do que bem”.
Ela falava da questão humanitária, mas a advertência se aplica à questão essencial na Líbia: a permanência de Kadafi no poder. A rápida propagação do movimento pela sua queda, abrindo mais uma festejada frente democrática no mundo árabe, embaçou a visão do Ocidente para o fato de não ser desprezível o apoio com o qual o ditador ainda conta. As bombas podem ter sido recebidas com euforia por seus inimigos ilhados em Benghazi, mas tendem a reforçar o moral dos muitos que lhe são leais, a ponto de venerá-lo, e de afrouxar a oposição de outros tantos. E não há hipótese de ele próprio renunciar para poupar vidas de concidadãos imersos numa guerra civil ou manter a integridade do país. Seria um erro tratar como meras bravatas a sua ameaça de uma “longa guerra” com o Ocidente e o anúncio de que armará 1 milhão de líbios.
De mais a mais, bombardeios aéreos decidem guerras, mas não ganham guerras. Para isso, nada substitui tropas em terra - eventualidade expressamente excluída na resolução sobre a Líbia. O documento tampouco autoriza a remoção de Kadafi. Mas outra não é a intenção dos seus patrocinadores. Isso vale para o exaltado presidente francês, Nicolas Sarkozy, desejando apagar da memória do mundo não só os negócios recentes com Kadafi, como o seu apoio até a 25.ª hora ao ditador tunisiano, Ben Ali. E vale para o presidente americano, Barack Obama, que relutou em liderar a guerra em curso não porque não queira ver o líbio deposto, mas para poupar os Estados Unidos da ira da rua árabe.
Daí Washington correr a anunciar que, em questão de dias, o comando das operações na Líbia passará para uma coalizão franco-britânica ou para a Otan, a aliança militar ocidental. Isso não fará secar o atoleiro em que os aliados se enfiaram: não podem deixar Kadafi onde está e não podem tirá-lo sem um ataque direto que faria da Líbia um novo - e impensável - Iraque.
Por Reinaldo Azevedo

Ditador do Iêmen com os dias contados; país é ninhal da Al Qaeda


Outro que já era é Ali Abdullah Saleh, do do Iêmen. Eu diria até que já caiu e ainda não percebeu. Ontem, um grupo de militares — três deles da cúpula do Exército — declarou apoio às milhares de pessoas que pedem nas ruas a saída do ditador. Também mudaram de lado os embaixadores no Kuait, Síria, Líbano, Egito e China e seu representante na Liga Árabe. Na sexta, pelo menos 52 pessoas morreram nos conflitos com forças segurança. Depois que os aliados resolveram jogar uma chuva de foguetes contra Kadafi, aconteceu o óbvio, antevisto aqui: houve uma radicalização dos protestos —  e da repressão.
Se o Exército não derrubar Saleh, os EUA, a França e a Grã-Bretanha irão proteger “civis” lá também? A situação desse país preocupa muito! É considerado hoje uma espécie de ninhal da Al Qaeda. E agora, Obama? O Iêmen não merece democracia menos do que os outros países, certo?
Por Reinaldo Azevedo

segunda-feira, 21 de março de 2011

Segurança das usinas nucleares nunca poderá ser absoluta

ZP11032101 - 21-03-2011
Permalink: http://www.zenit.org/article-27537?l=portuguese
Editorial do Pe. Federico Lombardi em ‘Octava Dies’

ROMA, segunda-feira, 21 de março de 2011 (ZENIT.org) - A energia nuclear é um recurso imenso para o homem, mas não podem ser ignoradas as questões levantadas pelos riscos que ela acarreta. É o que afirmou o Pe. Federico Lombardi, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, na mais recente edição de ‘Octava Dies', semanário de notícias do ‘Centro Televisivo Vaticano', comentando os fatos ligados à usina nuclear de Fukushima.
Em 11 de março, um terremoto de magnitude 9 na escala Richter atingiu o nordeste do Japão, com seu epicentro na costa de Sendai, provocando um tsunami com ondas de até 10 metros de altura, que devastaram 650 km de costa. Desde então, houve mais de 150 réplicas do terremoto.
"As imagens da tragédia japonesa continuam, há dias, questionando-nos e preocupando-nos - observou o porta-voz vaticano. (...) Em poucos dias, a atenção do mundo não está mais focada na onda destrutiva, mas no desastre das usinas nucleares."
No sábado passado, porém, o chefe da Agência Internacional de Energia Atômica em Viena, Graham Andrews, não excluindo todos os fatores de risco, afirmou que "a situação está se desenvolvendo na direção certa".
"Os japoneses - disse o Pe. Lombardi - têm demonstrado que aprenderam a lidar com previsão com os riscos dos terremotos, de forma admirável, construindo edifícios capazes de suportar os tremores mais fortes. Em outros países, tremores semelhantes causariam um número indeterminado de mortos."
"No entanto, o progresso tecnológico japonês também demonstrou, no presente caso, um ponto fraco, de alguma forma inesperado - destacou depois. Uma das mais de 50 usinas nucleares japonesas foi seriamente danificada pelo terremoto, e isso foi suficiente para que começasse uma nova onda - desta vez de medo de uma outra fonte insidiosa de mortes -, que está cobrindo o mundo inteiro, mais do que a onda destrutiva do maremoto."
"A energia nuclear é um recurso natural enorme, que o homem procura colocar ao seu serviço, mas, se perde o controle, pode voltar-se contra ele - comentou o jesuíta. E ninguém sabe melhor do que os japoneses quais os efeitos da energia liberada a partir do coração da matéria dirigida contra o homem."
"A segurança das usinas e a proteção dos resíduos radioativos nunca poderá ser absoluta - sublinhou. É justo e adequado voltar a refletir sobre o uso correto do poder tecnológico, seus riscos, seus custos humanos. O Papa recomenda isso frequentemente."
"Hoje, na central enlouquecida, um grupo de heróis está generosamente dando a vida para a salvação de muitos. Como os bombeiros de 11 de setembro - concluiu. Como então, o amor solidário pelos outros, mesmo arriscando a própria vida, é a verdadeira luz na escuridão da tragédia. Indica a direção a seguir. É a mesma direção do caminho com Jesus até a Páscoa."

Gana: A Igreja diante do animismo e da corrupção


ZP11032005 - 20-03-2011
Permalink: http://www.zenit.org/article-27534?l=portuguese
Entrevista com o bispo de Jasikan

JASIKAN, domingo, 20 de março de 2011 (ZENIT.org) - A Igreja em Gana enfrenta dois sérios problemas: o animismo das religiões tradicionais e a luta contra a corrupção. Mas o bispo de Jasikan conta que a Igreja local tem duas qualidades a oferecer: a resistência e a alegria.
"Nós rimos, dançamos, cantamos", diz Dom Gabriel Akwasi Abiabo Mante, 63, nascido no país africano. "Não é para negar a existência dos momentos difíceis. É que, quando cantamos, dançamos e rimos, sempre pensamos nas soluções para os nossos problemas". Nesta entrevista, ele conta como vive a Igreja nesse país de 25 milhões de habitantes, dos quais 15% são católicos.

--Os missionários dizem que a África tem que ser evangelizada pelos africanos. Gana progrediu neste aspecto?

--Dom Mante: Eu acho que a Igreja em Gana avançou muito. A hierarquia ganesa, os bispos, são na maioria de Gana mesmo, e a maioria dos padres também: 80% ou mais são de Gana. Mas isso não quer dizer que não precisamos de missionários em Gana. Precisamos ainda, sim. Eu inclusive os convido a vir, porque a minha diocese é jovem.

--Os missionários influenciaram a sua vocação?

--Dom Mante: Influenciaram. Muitos missionários nos inspiraram pela forma de trabalhar. Eles eram entusiastas, centrados e muito decididos, e abertos à nossa gente. Quando visitavam uma aldeia típica, eles visitavam as pessoas de casa em casa. O trabalho era inspirador e sacrificado. Se você pensa, comparando até com a situação de hoje, eles abandonaram os lares deles, tão distantes, para vir dormir nas nossas sacristias, nas nossas choças de teto de palha. Isso era muito inspirador. A maioria comia a nossa comida. Eles se identificavam conosco. A vida de oração deles se inspirava muito em nós. Eu me lembro que, antes da missa, o pároco rezava o breviário ou o terço em volta da igreja. Tudo isso inspirou alguns de nós e contribuiu na nossa decisão de ser padres, mesmo sendo crianças. Eu me envolvi na Igreja porque o meu irmão era catequista e, bem novinho, me ensinou a dirigir os serviços religiosos quando ele ou um padre não estivessem. Eu acho que isso também inspirou a minha vocação.

--Seus pais eram católicos?
--Dom Mante: A minha mãe foi a primeira a ser batizada, e depois o meu pai. Eu quase nem conheci o meu pai, ele morreu quando eu era pequeno. Então, a fé católica na família eu recebi da nossa mãe. Ela foi a primeira que se batizou, nos criou e nunca nos obrigou a ir à igreja, mas nos inspirava para ir. Agora nós estamos na quarta geração que conserva a fé que recebemos dela.

--Vamos falar das religiões tradicionais africanas. A Igreja Católica valoriza de que forma essas tradições?
--Dom Mante: Eu colocaria assim: eles têm alguns valores, por exemplo, o respeito pelos pais, o respeito pelos idosos, o respeito pela autoridade, o trabalho duro, a humildade, enfim, que eu diria que são uma espécie de temor de Deus. Sim, as religiões tradicionais têm e conservam esses valores, mas a grande diferença é que eles são inspirados mais pelo medo de ser castigados pelos espíritos do que pelo amor a Deus, que inspira esses valores na Igreja Católica e nas Igrejas cristãs. Esta é a grande diferença.

--A Igreja Católica incorporou tradições dessas?
--Dom Mante: Incorporou. A mais importante, que não é só da cultura de Gana, mas de todo o continente, é a maneira de dar culto a Deus. Nós somos muito expressivos no nosso culto e na expressão de nós mesmos. Fazemos muitos gestos, cantamos, dançamos, mas também tem momentos em que observamos o silêncio. Essa é uma das grandes coisas que foram incorporadas. A outra é o uso da língua local. Tem gente que fala: agora podemos aproveitar a liturgia, porque cantamos e rezamos na nossa própria língua.

--Qual é a posição das mulheres na sociedade? Elas têm acesso à educação?
--Dom Mante: A situação mudou completamente nos últimos 30 anos. Agora tem mais meninas na escola. As mulheres conseguiram espaço nos níveis mais altos da nação. Muitos estudantes nas universidades e nas instituições de ensino superior são mulheres. De certa forma, Gana está ganhando a corrida para elevar a imagem das mulheres. No vértice dos juízes tem uma mulher, a porta-voz do parlamento é uma mulher, também é mulher a presidente da Comissão de Direitos Humanos e a fiscal-chefe. Temos um novo governo desde 2009 e o presidente nomeou umas 10 mulheres como ministras. Mas, apesar disso, a situação das mulheres na zona rural é difícil.

--Em que sentido?
--Dom Mante: A carga mais pesada em casa é delas. Elas são as primeiras que levantam, normalmente às 4h da manhã, e as últimas que se deitam, às 9 da noite. Elas cozinham, com a ajuda dos filhos; lavam a roupa, e outras tarefas do lar. A produção dos alimentos da casa fica inteiramente na mão das mulheres. Os homens se encarregam de cultivos comerciais, como o coco, e outros, mas nada ligado à produção de alimentos; as mulheres é que são as responsáveis disso.

--O que essas mulheres lhe falam sobre estas situações quando o encontram?
--Dom Mante: Às vezes, quando tem algum mal-entendido em casa e não é eficaz encará-lo dentro da família, elas recorrem a mim. Algumas se queixam de problemas conjugais; o homem não ajuda com a parte dele nas responsabilidades. São alguns dos problemas que eu encontro e nós tentamos reduzi-los. Temos programas para as associações de mulheres católicas. Damos capacitação para elas lidarem com essas situações. Chamamos de Projetos de Mulheres e Desenvolvimento, e as mulheres podem ir, ou nós as convidamos, para educá-las não só para a vida diária, mas também para trabalhos produtivos.

--O senhor falou contra a corrupção. Continua frequente?
--Dom Mante: Não creio que houve mudanças desde que publicamos nossa principal declaração sobre a corrupção, em 1998. Está muito estendida do cume à base. A corrupção continua sendo um problema grave na sociedade de Gana. Tem tomado formas diferentes quanto aos métodos e se faz mais profunda.

--Que a Igreja católica pode fazer?
--Dom Mante: Há 10 anos, elaboramos uma oração na Igreja católica contra o suborno e a corrupção no país, a qual animamos a rezá-la na Igreja. Sinto dizer que não demos seguimento a isso e hoje só se recita em alguns lugares. À parte disso, não creio que nós, como Igreja, tenhamos tomado medidas concretas e definidas contra a corrupção. Falamos sobre ela. Nós a condenamos, mas, em termo de ações concretas, creio que a Igreja fez muito pouco, ou nada. Assumo a responsabilidade da declaração e estou disposto a apoiá-la.

--Como a Igreja universal pode contribuir com a Igreja em Gana?
--Dom Mante: Deixe-me dizer que nós contribuímos para a Igreja universal com nosso sentido do sofrimento. Não é que nos perseguiram no passado, mas Gana, em seu conjunto, passou por momentos muito difíceis e, em todos eles, a Igreja se colocou sempre ao lado do povo de Gana. Creio que é uma das contribuições para a Igreja e, além disso, pode ser também a alegria. Na costa ocidental da África, Gana é um dos poucos países que não sofreu graves distúrbios civis até o ponto de chegar a uma divisão de uns contra os outros e à luta, como ocorreu na porta ao lado, na Libéria e Serra Leoa, etc. Tivemos situações similares às da Libéria e Serra Leoa que teria podido degenerar em um enfrentamento civil, mas creio que o povo de Gana, como sempre digo, sabe lutar com seus lábios mais que com instrumentos de guerra. Por isso, penso em nosso senso de mansidão frente a situações graves, reais, provocadores e conflitivas, mas ao mesmo tempo, em meios a tudo isso, somos capazes de sorrir, dançar, cantar; não negamos a existência das situações más, mas enquanto catamos, dançamos e sorrimos, sempre pensamos nas soluções para nossos problemas.

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Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para "Onde Deus chora", um programa rádio-televisivo semanal produzido por Catholic Radio and Television Network (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.

domingo, 20 de março de 2011

Artigo: O espírito da Igreja e sua ação social


Publicado 2011/03/18
Autor: Gaudium Press
Secção: Opinião

Quais pedras preciosas num precioso manto, as catedrais e abadias; castelos e pitorescos burgos ajaezados de belos jardins que se espalham por toda a Europa formam um conjunto variado e harmônico. Em sua solidez pétrea, secular e magnífica, estes monumentos dão a impressão de serem impassíveis à História.
A contemplação destas maravilhas da engenharia, crestadas tanto pelo rigor das intempéries quanto pelo irreparável dos séculos, gera em nosso espírito uma sensação de estabilidade, segurança e perenidade; pois, mais do que filhas do seu tempo, evocam em nosso espírito algo da ordem celestial e eterna.
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Tal como os prédios, os homens que lhes conceberam eram estáveis, serenos e contemplativos. No entanto, a plenitude deste estado de espírito que penetrava em toda a sociedade se dava na vida operosa, serena e meditativa de uma coorte inumerável de monges que abandonavam a tudo a fim de cogitar senão em Deus, Motor Imóvel.
Ao considerarmos aqueles tempos, seríamos levados a pensar que a estabilidade dos homens de outrora, que ao longo gerações habitavam nas mesmas terras; cuja vida "monótona", regulada pelo bimbalhar dos sinos que anunciavam os ofícios litúrgicos, não lhes capacitava às atividades das quais nossos contemporâneos tanto se ufanam.
Entretanto, como demonstra a História, os séculos da Europa Cristã coadunavam a vida rural e monástica com um intenso, abrangente e variado progresso humano.
A cultura da antiguidade pagã não apenas foi conservada das invasões bárbaras, mas se enriquecia com o aporte das universidades na verve ardente e penetrante de seus doutores.
O avanço não se restringia ao âmbito intelectual. A alta Idade Média e os séculos subseqüentes foram épocas de intenso progresso econômico. As selvas e pântanos da Europa se tornaram terras de cultivo; a fartura dos campos gerava a riqueza da indústria; estes, por sua vez, impulsionavam o crescimento das cidades; o comércio e as peregrinações impulsionavam a logística das estradas; enfim, a Europa Cristã sempre se caracterizou por uma intensa vitalidade.
Dir-se-ia que este imenso organismo social se formava sem planejamento e coordenação, mas com inegável e profunda harmonia. Esta unidade não se devia aos cacos da civilização clássica ou ao mosaico étnico dos povos invasores, mas sim, a uma espécie de princípio vital capaz de produzir extremos de estabilidade e contemplação, mas também de progresso e atividade.
A alma da civilização ocidental nascente era a Igreja de Cristo. O esplendor da antiga Europa - da qual a contemporânea ainda hoje colhe os frutos - nasceu em última análise da benéfica influência da Igreja na sociedade. A Esposa de Cristo, fonte de toda espécie de perfeição, foi a raiz de toda essa vida; impulsionou a ordem temporal à uma borbulhante vitalidade com tal serenidade, sabedoria e naturalidade que daria a impressão de irreflexão, mas o fez conservando a harmonia do corpo social através da contemplação.
Se a Igreja fosse falsa, incentivaria em demasia o eremismo ou o excesso de atividade, porque não possuiria em si o dom da santidade. Como a Igreja é verdadeira, estimula esses contrários harmônicos de maneira exímia, produzindo aquele equilíbrio de alma que é um dos frutos próprios à Igreja Católica.

Marcos Eduardo Melo dos Santos

IDADE MÉDIA - O QUE NÃO NOS ENSINARAM .... VEJA!

Data 24/03/2008 04:36:00 | Tópico: Defesa da Fé

Autor:Régine Pernoud
Fonte: Revista : “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
Nº : 240 - Ano : 1979 - Pág. 520
Fonte: http://www.exsurgedomini.xpg.com.br/

Em síntese : O livro de Régine Pernoud em foco sugere ao leitor uma revisão do conceito pejorativo de Idade Média que comumente é propalado.

Tal noção se deve, em parte, a preconceitos de pensadores dos séculos XVI e seguintes, os quais, movidos por premissas anticatólicas e anticristãs, tinham interesse em denegrir a Idade Média. Esta não foi perfeita (pois nada do que é humano é isento de falhas); todavia não foi bárbara nem obscurantista, como freqüentemente se diz, mas teve gestos e valores que suscitariam rubor no homem moderno.

Assim, por exemplo, a escravatura romana extinguiu-se no começo da Idade Média para ceder ao regime do servo da gleba (que respeitava os direitos do pequeno camponês); todavia foi restaurada no século XVI nas terras da América, onde vigorou o colonialismo.

Régine Pernoud julga que o cultivo do Direito Romano (que teve início no século XI em Bolonha) contribuiu poderosamente para, aos poucos, desfazer as instituições e os costumes da Idade Média Ascendente; o Direito Romano finalmente fundamentou o menosprezo da mulher e outros males que tomaram pleno vulto a partir do século XVI.

O presente artigo tenta reproduzir a tese da autora e ilustra-a mediante exemplos e dados colhidos no livro em pauta.

Comentário: Régine Pernoud é especialista em estudos medievais. Sua primeira obra, “Lumière du Moyen-Age”, publicada em 1945, mereceu-lhe o prêmio Fémina-Vacaresco de Crítica e História. Em 1978, a autoria editou “Pour en finir avec le Moyen-Age”, obra que lhe valeu o prêmio sola-Cabiati da cidade de Paris e a consagração da crítica como sendo uma das mais notáveis conhecedoras da Idade Média. Tal obra foi traduzida pra o português com o título “A Idade Média: o que não nos ensinaram”. Visto que convida o estudioso a rever as concepções comuns relativas à Idade Média, vamos, a seguir, propor as linhas mais características desse estudo, acompanhadas de conclusão final.

1. Idade Média: preconceitos e lendas

A autora, no capítulo I, lembra o conceito que geralmente se tem até nossos dias com relação à Idade Média.

Esta eqüivaleria a mil anos de obscurantismo: ... obscurantismo intelectual, moral, cultural... A grande maioria das pessoas que falam sobre a Idade Média, nunca a estudaram devidamente. Mas apenas a conhecem por “fama”, fama esta que não corresponde aos resultados das pesquisas historiográficas dos últimos cento e cinqüenta anos.

Para ilustrar este fato, a autora cita alguns episódios:

Certa vez Régine Pernoud recebeu telefonema de uma documentarista da TV, das mais especializadas em programas históricos.

“Parece-me, disse-me ela, que a senhora tem dispositivos. Terá, por acaso, alguns que representem a Idade Média ?

- ???

- Sim, que dêem uma idéia da Idade Média em geral: execuções, massacres, cenas de violência, fome, epidemias ...

Não pude deixar de rir” (p. 105s).

Conta ainda R. Pernoud:

“Era encarregada do Museu da França nos Arquivos Nacionais, há pouco tempo, quando chegou uma carta perguntando: “Poderia informar-me a data do tratado que marca oficialmente o fim da Idade Média ? “Havia ainda uma pergunta complementar: “Em que cidade se reuniram os diplomatas que prepararam esse tratado?

... O autor pedia uma resposta rápida, pois, dizia ele, precisaria desses dois dados para uma conferência que pretendia fazer em data muito próxima” (p. 9).

Em suma, é freqüente ouvirem-se observações como “Não estamos mais na Idade Média” ou “É um retorno à Idade Média” ou “É uma mentalidade medieval”. Aliás, a própria designação “Idade Média” implica um juízo pejorativo sobre os mil anos em pauta.

Significa, sim, que entre a antigüidade greco-romana e o Renascimento da mesma no século XVI tenha havido um período neutro, sem cultura nem valores, mas torpe ou bárbaro. Note-se, aliás, que a divisão da história em três grandes períodos (Idade Antiga, idade Média e Idade Moderna) foi proposta, pela primeira vez, pelos humanistas dos séculos XV/XVI; só no século XVII foi introduzida em livros didáticos de História Universal1. Não há dúvida, os humanistas renascentistas tencionavam caracterizar a Idade Média como fase de escuridão e estagnação cultural.

Em nossos dias, porém, há estudos que dissipam tal imagem da Idade Média. O fato, pois, de continuarem em voga as concepções pejorativas sobre tal período deve-se a certa rotina, que não se justifica. É o que Régine Pernoud observa:

“Há pouco tempo, um programa de televisão apresentava como histórica a frase famosa: “Matai-os todos, Deus reconhecerá os seus!” durante o massacre de Béxiers em 1209. Ora, há mais de cem anos (exatamente em 1866), em erudito demonstrou, acima de qualquer dúvida, que a frase não poderia ter sido pronunciada, já que não a encontramos em nenhuma das fontes históricas da época, mas apenas no Livro dos Milagres, Dialogus Miraculorum, um, cujo título fala por si mesmo sobre o que pretende dizer, composto aproximadamente sessenta anos depois dos fatos pelo monge alemão Cesário de Heisterbach, autor provido de imaginação ardente e bastante suspeito quanto à autenticidade histórica. Desde 1866, nenhum historiador ... levou em conta o famoso “Matai-os todos”; mas os escritores de história o utilizaram ainda. Isto basta para provar quanto as descobertas científicas, neste caso, custam a penetrar no domínio público” (p. 16).

Dos subseqüentes capítulos do livro, escolheremos quatro, em que a autora aborda temas de especial interesse para o leitor.




2. A Idade Média e a mulher

Tal tema é considerado no capítulo VI sob o título “A mulher sem alma”. Régine Pernoud costuma distinguir no período medieval duas fases divididas entre si pelo ressurgimento do Direito Romano. Este começou a ser cultivado em Bolonha, onde o célebre legista Irinério fundou célebre escola de Direito Romano (1084).

A influência do Direito Romano assim reavivado só aos poucos se fez sentir sobre a vida medieval. A aplicação de seus princípios à realidade civil e religiosa dos séculos XII e XIV modificou um tanto os costumes das épocas anteriores.

Todavia somente na Segunda metade do século XV o Direito Romano foi amplamente adotado pelos juristas – o que teve ulteriores conseqüências no modo de pensar e agir da sociedade em relação à mulher e a outros valores da sociedade.

“O Direito Romano ... foi a grande tentação do período medieval; ele foi estudado com entusiasmo não só pela burguesia das cidades, mas também por todos os que viam nele um instrumento de centralização e de autoridade. Ele se ressente, com efeito, das suas origens imperialistas e – por que não dizer ? – colonialistas. Ele é o Direito, por excelência, dos que querem firmar uma autoridade central estatizada ... Em meados do século XII, o Imperador Frederico II, cujas tendências eram as de um monarca, fez deste tipo de Direito a lei comum dos países germânicos” (p. 79s).

Feita esta observação, registramos com R. Pernoud o papel eminente que certas mulheres desempenharam na Idade Média:

2.1. Famílias reais

Na fase anterior à do Direito Romano (fase que a autora chama “tempos feudais”) a rainha era coroada, como o rei, geralmente em Reims, pelas mãos do arcebispo de Reims; atribuía-se à coroação da rainha tanto valor quanto à do rei (cf. p.78). À medida que o Direito Romano foi ascendendo, a coroação das rainhas foi sendo considerada menos importante que a dos reis. A última rainha a ser coroada foi Maria de Médicis na véspera do assassinato do seu marido Henrique IV. No século XVII a rainha desaparece literalmente da cena em proveito da “favorita” !

Em sua época, Eleonora de Aquitânia (+ 1204) e Branca de Castela (+ 1252) exerceram autoridade sem contestação nos casos de ausência do rei, doente ou morto; tivera, suas chancelarias, suas alfândegas e seus setores de atividade pessoal.

A primeira disposição que afastava a mulher da sucessão ao trono foi tomada por Filipe IV, o Belo (1285-1314), sob a influência de juristas romanos. Na verdade, o Direito Romano não era favorável à mulher nem à criança; era um Direito monárquico, que exaltava o paterfamilias, pai, proprietário, chefe da família com poderes sagrados, sem limites no tocante aos filhos (tinha sobre estes direito de vida e de morte) e à esposa.

Note-se ainda a propósito que somente a partir de fins do século XVII a mulher toma obrigatoriamente o nome do marido.

2.2. A Igreja e a Mulher

É habitual dizer-se que a Igreja foi misógina ou hostil à mulher até época recente. A mulher terá sido considerada uma criatura sem alma!...

Ora R. Pernoud observa que, entre os mais antigos santos, se encontram as mártires Inês, Cecília, Agueda, Luzia, Blandina ... Mais: Algumas mulheres (não necessariamente oriundas de famílias nobres) desempenharam notáveis funções na Igreja medieval. Assim certas abadessas eram senhoras feudais, cujos poderes eram respeitados como os de outros penhores; usavam báculo, como os bispos; não raro, administravam vastos territórios com cidades e paróquias. Tenha-se em vista, por exemplo, a abadessa Heloísa, do Mosteiro do Paráclito, no século XII: além de exercer amplas funções administrativas, conhecia o grego e o hebraico, que ela ensinava às monjas.

Outro caso merece especial registro: o pregador de penitência Roberto de Arbrissel (+ 1117) conseguiu levar tanta gente à conversão que houve por bem fundar a Ordem de Fontevrault em 1100/1101, com base na Regra de S. Bento. Esta Ordem distinguiu-se pela penitência severa e pelos “mosteiros duplos”: entre um cenóbio de homens e outro de mulheres achava-se a Igreja, único lugar em que monges e monjas se podiam encontrar. Ora a direção suprema desses mosteiros duplos competia, em honra da Santa Mãe de Deus, à abadessa de Fontevrault: esta devia ser viúva, tendo feito a experiência do casamento!

Sabe-se também que havia na Idade Média Religiosas muito instruídas. Assim, por exemplo, a mais conhecida enciclopédia do século XII é da autoria da abadessa Herrade de Landsberg; tem por título Hortus deliciarum (jardim de delícias) e nela os eruditos hauriam os ensinamentos mais corretos sobre o avanço das técnicas em sua época. Poder-se-ia dizer o mesmo com respeito às obras de Santa Hildegardis de Bingen. Outra monja, Gertrudes de Helfta, no século XIII, conta-nos como se sentiu feliz ao passar do estado de “gramaticista” ao de “teóloga”! Pode-se mesmo dizer que entrar para o mosteiro era o caminho normal das jovens que desejassem desenvolver seus conhecimentos além do nível comum.

De resto, observe-se que a Idade Média se encerra com a figura de Joana D’Arc (+ 1431), jovem que, nos séculos seguintes, jamais teria conseguido obter a audiência e suscitar a confiança que lhe foram outorgadas no século XV.

No fim da Idade Média e depois, os legisladores foram retirando à mulher tudo o que lhe conferia alguma autonomia ou instrução. A mulher foi excluída da vida eclesiástica e da vida intelectual. O movimento se precipitou quando no começo do século XVI foi reconhecido ao rei Francisco I da França (1515-1547) o direito de nomear abades e abadessas; inspiradas por critérios políticos, tais nomeações acarretaram a decadência de muitas casas religiosas.




2.3. Mães de família e camponesas

Através do documentário existente (cartulários, estatutos das cidades, documentos judiciários...), podem-se colher pormenores relativos à vida cotidiana da mulher medieval. É surpreendente o quadro que se delineia a partir da concatenação desses dados.

Assim, por exemplo, as mulheres votavam. Por ocasião dos Estados Gerais de 1308 as mulheres são explicitamente citadas entre as votantes em diversas partes do território francês, sem que isto venha apresentado como uso particular do lugar.

É conhecido o caso de Gaillardine de Fréchou, que, diante de um arrendamento proposto aos habitantes de Cauterets nos Pireneus pela abadia de Saint-Savin, foi a única a votar NÃO, quando todo o resto da população votou SIM.

Nas atas de tabeliães é muito freqüente ver uma mulher casada agir por si mesma: abre, por exemplo, uma loja ou uma venda, sem ser obrigada a apresentar autorização do marido.

Os registros de impostos, desde que foram conservados (como em Paris, a partir de fins do século XIII), mostram multidão de mulheres a exercer as funções de professora, médica, boticária, estucadora, tintureira, copista, miniaturista, encadernadora, etc.

Somente no fim do século XVI, por decreto do Parlamento francês datado de 1593, a mulher foi explicitamente afastada de toda função do Estado.

A influência crescente do Direito Romano finalmente confinou a mulher às suas tarefas peculiares de cuidar da casa e educar os filhos. No século XIX, mediante o Código de Napoleão, o processo de despojamento da mulher deu novo passo: deixou de ser reconhecida como senhora dos seus próprios bens, e, em casa mesmo, passou a exercer papal subalterno.

A reação a tal estado de coisas tem ocorrido nos últimos tempos, ... mas de maneira decepcionante, pois a mulher parece preocupada exclusivamente na conquista de equiparação ao homem: quer imitar o homem, exercer as mesmas funções que este, adotar os hábitos do seu parceiro, sem se questionar a respeito do que ela reproduz, ou sem pensar em salvar a sua própria identidade e originalidade! Ora isto prejudica não só a mulher, mas também a própria sociedade, pois esta precisa de valores peculiares da mulher e da feminilidade!

3. O servo da gleba

Tal tema é abordado no capítulo V, que traz o título “Rãs e Homens”. Fala-se da escravidão vigente na Idade Média, sem levar em conta que a escravidão existente no Império Romano foi desaparecendo a partir do século IV; cedeu a um regime diverso do da escravidão antiga. Infelizmente, foi restaurada no século XVI, nas colônias da América.

A instituição medieval do servo da gleba não pode ser comparada à escravatura dos tempos romanos e coloniais, pois ela respeitava o servo (servus)1 como pessoa, reconhecendo-lhe direitos. A origem de tal regime é a seguinte:

Na época das invasões bárbaras, muitos pequenos camponeses viam-se constantemente ameaçados em suas terras. Daí o contrato que faziam com grandes senhores aptos a defendê-los mediante tropas e armas. Os camponeses se obrigavam a morar na propriedade do senhor e a cultivá-la. Era-lhes proibido deixar a terra, como também era vetado ao Senhor expulsá-los.

Assim os pequenos lavradores usufruíam de certa segurança, num período de instabilidade; eram-lhes reconhecidos os direitos de se casar e fundar família, de transmitir a terra a seus filhos depois da morte, assim como os bens que pudessem adquirir ...

O senhor feudal tinha consequentemente suas obrigações para com o servo; não era proprietário no sentido do Direito Romano, que reconhecia aos senhores o direito de usar e abusar (ius utendi et abutendi). Donde se vê que o regime medieval diferia essencialmente da escravatura, que feria a dignidade da pessoa humana, pois o escravo era tratado como coisa, sujeita a ser comprada e vendida a critério do patrão.

O estudo dos cartulários e arquivos medievais empreendido por Jacques Broussard2 permitiu reconstruir a história de alguns servos da gleba, entre os quais Constant Le Roux, que passamos a apresentar:

Constant era servo do senhor de Chantoceaux (Anjou) nos últimos anos do século XI. Trabalhava com afinco. As Religiosas do mosteiro de Ronceray lhe confiaram a guarda de um celeiro perto da igreja de Saint-Evroult e de vinhedos no lugar chamado Doutre. Depois a condessa de Anjou o presenteou com outro celeiro, perto das muralhas de Angers.

As monjas de Rocenray, tendo recebido como legado uma casa, forno e vinhedos situados perto do celeiro de Constant, resolveram encarregá-lo do conjunto, a título de renda vitalícia; pouco depois, aumentaram-lhe o lote, juntando-lhe as terras do Espan. – Constant casou-se; cansado de ser trabalhador meeiro, acabou por fazer um acordo com as Religiosas, segundo o qual as terras lhe seriam arrendadas.

Aumentou ainda seu campo de trabalho, estendendo-o a um vinhedo em Beaument e duas jeiras de prado na Roche-de-Chanzé. Mais tarde, não tendo filhos, conseguiu das monjas que suas terras fossem herdadas por seu sobrinho Gauthier, ao passo que sua sobrinha Isolda se casaria com o guardador do celeiro da Abadia, Rohot.

Por fim, como acontecia não raro na época, Constant se fez monge na Abadia de Saint-Aubin e sua mulher entrou como religiosa na de Ronceray.

A pesquisa dos cartulários revela que o caso de Constant não foi isolado nem singular. Existe, por exemplo, uma certidão do fim do século XI (1089-1095) que refere como dois servos, chamados Auberede e Romelde, compraram sua liberdade em troca de uma casa que possuíam em Beauvrais, no lugar do mercado.

Este fato dá a ver que os servos tinham a possibilidade de possuir bens próprios. Compreende-se, porém, que a condição de servo da gleba, vantajosa na época de sua origem, se tenha defasado com o decorrer dos séculos.

O camponês podia considerar válido o fato de viver em propriedade da qual não o poderiam expulsar; mas, desde que encontrasse meios de garantir sua própria subsistência com autonomia, preferiria a plena liberdade; esta lhe permitira percorrer estradas e fazer comércio. Foi o que aconteceu principalmente na época da expansão urbana (século XI). Os cartulários apresentam numerosas certidões de libertação, que chegavam a beneficiar centenas de servos de uma só vez.

A propósito observa R. Pernoud:

“Tive ocasião de recolher as confidências de um velho operário agrícola a quem a Idade não permitia mais trabalhar e que ia acabar seus dias num asilo: “Trabalhei nesta terra toda a minha vida sem ter um metro quadrado de meu”. Comparando-o ao servo medieval, sua sorte pareceria infinitamente pior. Servo do senhor, em uma propriedade ele teria assegurado o direito de aí terminar a sua vida; nada lhe pertencia propriamente, mas o usufruto não lhe podia ser retirado ... Ele tinha com a terra a mesma relação que o próprio senhor: este nunca possuía a propriedade plena, como nós a entendemos atualmente ...; ele não pode vender ou alienar senão os bens secundários que recebeu por herança pessoal, mas sobre o bem de raiz só tem usufruto” (p. 71s).

Foi no século XVI que infelizmente se restaurou o regime da escravatura romana, que a Idade Média não conheceu, e que persistiu até o século passado apesar dos protestos de frades dominicanos como Bartolomeu de Las Casas e Vitória ... Vê-se, pois, que, sob o aspecto focalizado, a Idade Média está longe de ter sido obscurantista ... Vem agora a questão de




4. Heresias e Inquisição Medieval (“O Index Acusador”, c. VII),

O tribunal da Inquisição vem a ser outro motivo de acusação aos medievais.

Régine Pernoud, sem deixar de reconhecer fraquezas humanas então verificadas, põe em foco alguns pontos importantes para se avaliar o fato da Inquisição. Os medievais estimavam acima de tudo (ao menos em teoria) os valores da fé, colocando-os mesmo acima dos valores físicos.

Além disso, conjugavam entre si os valores profanos e os sagrados, de tal modo que os desvios doutrinários ganhavam extrema importância mesmo no andamento da vida civil. Por conseguinte, as heresias, na Idade Média, eram consideradas como ofensas não só a reta fé, mas também aos interesses da sociedade em geral.

Ora no século XI começou a aparecer no sul da França e no norte da Itália uma heresia dita dos cátaros (= puros), que professava o dualismo: o universo material seria obra de um Deus mau; somente os espíritos teriam sido criados por um Deus bom. Em conseqüência, condenavam tudo que se relaciona com a procriação, a começar pelo casamento; os mais autênticos dos cátaros viam no suicídio a perfeição suprema.

Os primeiros a combater a heresia cátara foram os príncipes, os nobres e o próprio povo fiel. Assim em 1022 o Rei Roberto, o Piedoso, mandou queimar em Orléans hereges. Em 1077 um herege professou seus erros diante do bispo de Cambraia; a multidão de populares então lançou-se sobre ele, sem esperar o julgamento; encerraram-no numa cabana, à qual atearam fogo! Em 1144 na cidade de Lião o povo quis punir violentamente um grupo de inovadores que aí se reunira; o clero, porém, os salvou, desejando a sua conversão, e não a sua morte. Entrementes as autoridades eclesiásticas limitavam-se a impor penas espirituais (excomunhão, interdito...) aos cátaros, pois até então nenhuma das muitas heresias conhecidas havia sido combatida por violência física. S. Bernardo (+ 1153) dizia: “Sejam os hereges conquistados não pelas armas, mas pelos argumentos” (In Cant. Serm. 64).

Era, porém, inevitável que os bispos tomassem parte na represália aos cátaros. Por isto em 1184 o Papa Lúcio III, em Verona, instituiu a Inquisição episcopal, que atribuía aos bispos a faculdade de inquirir os hereges nas paróquias suspeitas; ajudá-los-iam nessa tarefa os condes, barões e as demais autoridades civis. Em 1231 tal instituição se tornou mais ampla, pois o Papa Gregório IX confiou aos frades dominicanos a missão de Inquisidores; haveria doravante, para cada nação ou distrito inquisitorial, um Inquisidor-mor, que trabalharia com a assistência de numerosos oficiais subalternos, em geral independentemente do bispo em cuja diocese estivesse instalado.

Os efeitos da Inquisição tem sido descritos em termos imaginativos e exagerados ... Na verdade, as penas aplicadas eram a de prisão ou, com mais freqüência ainda, a condenação a peregrinações ou ao uso de uma cruz de fazenda pregada à roupa. Nos lugares onde se encontraram registros da Inquisição, verificou-se que não foram tão numerosas as execuções capitais como se poderia crer. Em Tolosa, por exemplo, de 1308 a 1323 o Inquisidor Bernardo de Gui proferiu 930 sentenças, das quais 42 eram capitais – o que eqüivale à proporção de 1/22. Régine Pernoud observa muito sabiamente que a Inquisição foi alimentada pela ingerência do poder civil em questões religiosas. Sem querer desculpar os clérigos que se hajam excedido na repressão da heresia, deve-se registrar a forte influência do poder régio na conduta severa dos tribunais da Inquisição.

“Era, talvez, inevitável que em qualquer momento fossem instituídos tribunais regulares, mas esses tribunais foram marcados por uma dureza particular, em razão do renascimento do Direito Romano: as constituições de Justiniano, realmente, mandavam condenar os hereges à morte. E é para fazê-lo reviver que Frederico II, tornado imperador da Alemanha, promulga, expressamente, a pena da fogueira hereges empedernidos. Assim se vê que a Inquisição, no que ela tem de mais é fruto de disposições tomadas, de início, por um imperador em quem se pode encontrar o protótipo do “monarca esclarecido”, apesar de ter sido, ele próprio, um cético e logo excomungado.

Resta notar que, adotando a pena de fogo e instituindo como procedimento legal o recurso ao “braço secular” para os relapsos, o Papa acentuava ainda o efeito da legislação imperial e reconhecia, oficialmente, os direitos do poder temporal na perseguição às heresias. Sempre sob a influência da Legislação imperial, a tortura seria autorizada, oficialmente, no começo do século XIII – desde que houvesse o aparecimento de provas” (p. 102).

Ora as concessões feitas pelos Papas aos reis voltaram-se contra a própria Igreja. Com efeito, nota R. Pernoud:

“Ora, todo este aparelhamento de legislação contra a heresia não demoraria em ser dirigido pelo próprio poder temporal contra o poder espiritual do Papa. Sob Filipe, o Belo, as acusações contra Bonifácio VIII, contra Bernard Saisset, contra os Templários, contra Guichard de Troyes apoiam-se neste poder reconhecido no rei para perseguir os hereges. Mais do que nunca, a confusão entre espiritual e temporal joga a favor deste último. Só precisamos recordar aqui as conseqüências mais graves: a Inquisição do século XVI, a partir deste momento só nas mãos dos reis e imperadores, iria fazer um número de vítimas sem comparação com as do século XIII. Na Espanha, chegar-se-á à utilização da Inquisição contra os judeus ou mouros, o que eqüivalia a deturpar por completo seus objetivos” (p. 102).




Régine Pernoud tem razão ao mostrar que a Inquisição não foi um tribunal meramente eclesiástico. Na verdade, ela teve origem por convergência do poder eclesiástico com o poder civil na repressão das heresias; mas nesta aliança o poder régio foi, aos poucos, sobrepujando o eclesiástico, chegando a manipular a Inquisição para atingir objetivos políticos.

A autora encerra o capítulo lembrando um fato de sua experiência:

“Em 1970, uma transmissão de televisão foi consagrada à Cruz Vermelha Internacional e as suas comissões de investigação nos campos de concentração. Seu representante foi interrogado por diversos interlocutores, entre eles um jornalista, que lhe propôs a seguinte pergunta: “Não podemos obrigar os países a aceitarem a comissão de investigação da Cruz Vermelha?”

E, como o representante da instituição destacasse que as comissões de investigação não dispunham de nenhum meio para que suas observações fossem registradas, observadas ou sancionadas, que antes essas próprias comissões não dispunham de nenhum direito de visita formalmente admitido ou reconhecido por todos, a mesma jornalista replicou: “Não se poderiam banir das nações civilizadas as que recusam as comissões de investigação?”

Escutando este diálogo, com referência à História, poder-se-ia dizer que, em sua indignação, por certo compreensível, esta jornalista acabava de inventar sucessivamente a Inquisição, a excomunhão e a interdição – porque ela as aplicava no domínio em que a concordância se faz unânime, o da proteção aos prisioneiros e internados políticos” (p. 107s).

Acrescenta, porém, R. Pernoud que não é necessário procurar comparações de tal tipo. Em nossos dias, observa a autora, aplica-se a Inquisição não aos delitos contra a fé, mas às dissidências em relação à opinião política predominante. “Todas as interdições, todos os castigos, todas as hecatombes parecem justificadas em nossos tempos para punir ou prevenir os desvios e erros quanto à linha política adotada pelos poderes em exercício. E, na maior parte dos casos, não basta banir quem sucumbe à heresia política; importa convencer. Por isto ocorrem as lavagens cerebrais e os internamentos intermináveis que esgotam, no homem, a capacidade de resistência interior” (p. 108).

E conclui a autora:

“Quando se pensa no desperdício insensato de vidas humanas ...pelo qual se consolidaram as revoluções sucessivas e o castigo dos delitos de opinião em nosso século XX, pode-se perguntar se ... a noção de progresso não se encontra posta em xeque. Para o historiador do ano 3.000, onde estará o fanatismo? Onde a opressão do homem pelo homem ? No século XIII ou no século XX?” (p. 108).

As ponderações de R. Pernoud merecem atenção... Se os medievais exorbitaram nas expressões do seu amor às verdades da fé, os contemporâneos que os criticam, não tem menos motivos para se horrorizar do que em nossos dias vem sendo cometido em nome dos interesses políticos.




5. A arte medieval

(c. II: “Deformados e Desajustados”)

O termo “Renascimento” (Rinascita, em italiano) foi utilizado, pela primeira vez, por Vasari em meados do século XVI. Significava que “as artes e as letras, que pareciam haver morrido no mesmo naufrágio que a sociedade romana, pareciam reflorescer e, depois de dez séculos de trevas, brilhar com novo fulgor” (Dictionnaire général des lettres, por Bachelet e Dezobry. Paris 1872).

Assim se manifestava um conceito pejorativo referente às artes e letras medievais. Estas nada mais teriam sido do que “deformações” e “falta de jeito”.

Ora tal juízo não leva em conta objetiva a realidade dos fatos. Com efeito,

- “o simples bom senso basta para fazer compreender que o Renascimento não teria sido possível se os textos antigos não houvessem sido conservados em manuscritos recopiados durante os séculos medievais” (p. 19)... “Para citar um exemplo, a biblioteca do Monte Saint-Michel, no século XII, continha textos de Catão, o Timeu de Platão (em tradução latina), diversas obras de Aristóteles, de Cícero, trechos de Virgílio e de Horácio” (ib).

- As artes renascentistas reproduziam e imitavam os modelos antigos numa atitude muito pouco criativa. Os antigos pareciam ter realizado obras perfeitas, atingindo a Beleza integral.

- Eis, porém, que no setor da arte a admiração nunca deve levar a repetir formalmente o que se admira; a imitação nunca pode ser transformada em lei.

“A visão clássica que se impôs ao Ocidente,... não admitia outro esquema, outro critério que não fosse a antigüidade clássica. Mais ima vez, presumir-se-ia que a Beleza perfeita tinha sido atingida durante o século de Péricles e que, por isso, quanto mais nos aproximássemos das obras daquela época, melhor atingiríamos a Perfeição” (p. 22).

Em contra-posição, observe-se que “o nome do poeta nos tempos feudais era trovador, o que encontra, encontrador, ou seja, inventor. O termo inventar adquire aqui sentido forte, ... Inventar é por em jogo, ao mesmo tempo, a imaginação e a busca, é o início de toda criação artísticas ou poética. Para as gerações de hoje, isto parece evidente. Resta saber que, durante quatro séculos, o postulado oposto é que se impunha com evidência semelhante” (p. 26).

A arte medieval, de modo geral, foi criativa. Basta lembrar as magníficas catedrais românicas e góticas que a caracterizavam... Mas é suficiente também apontar os manuscritos medievais: um simples mapa da época revela a capacidade de criação do artista (perfeição da escrita, distribuição de página, selo de autenticação...). Uma letra ornamentada (iluminura) manifesta outrossim a criatividade do desenhista...




6. Conclusão

O livro de Régine Pernoud, embora tenha antecessores, vem em hora oportuna provocar uma revisão do conceito comumente propagado de Idade Média.

Esta é mal entendida, em parte porque a historiografia é o setor do estudo em que mais dificilmente os pesquisadores mantêm neutralidade científica. A partir do século XVI certas correntes de pensamento anticatólicas e anticristãs tiveram interesse em denegrir a Idade Média. Esta difamação nem sempre foi objetiva (embora não fosse de todo injustificada, pois tudo o que é humano, é falho), mas baseou-se freqüentemente em preconceitos. Seria para desejar que os estudiosos contemporâneos se livrassem destes e procurassem apontar outrossim tudo que de grande, belo e nobre caracteriza a Idade Média.