ZP11030807 - 08-03-2011
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Artigo do cardeal Odilo Scherer
SÃO PAULO, terça-feira, 8 de março de 2011 (ZENIT.org)
- Apresentamos artigo do cardeal Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo,
sobre o tema da Campanha da Fraternidade da Igreja do Brasil. O texto
foi veiculado na edição desta semana do jornal “O São Paulo”.
* * *
CF 2011: Creio em Deus, Pai Criador
A
Campanha da Fraternidade de 2011 (CF-2011) propõe uma questão de
evidente atualidade: fraternidade e a vida no nosso Planeta. Nem é
preciso argumentar muito para justificar a escolha desse tema pela CNBB:
Já faz tempo que estudiosos estão alertando para o fenômeno do
aquecimento global e suas consequências para o clima e para o equilíbrio
ecológico.
As conferências mundiais sobre o clima, que congregam
as maiores autoridades científicas da área, deixam sempre mais evidente
que o sistema produtivo da economia moderna e contemporânea desencadeia
intervenções inadequadas do homem na natureza e se constitui numa ameaça
real para o equilíbrio ecológico e até mesmo para o futuro da vida na
terra. Em contraste com tais constatações, nas mesmas movimentadas
conferências sobre o clima, as principais autoridades políticas e
econômicas do planeta não conseguem chegar a um acordo sobre as medidas a
serem adotadas para sanar o problema e prevenir os riscos. É difícil
redimensionar o desenvolvimento econômico, quando a receita é renunciar a
certo padrão de consumo dos recursos naturais, que equivale à
depredação e depauperamento da natureza. Exigimos da natureza mais do
que ela pode oferecer, sem comprometer a sua sustentabilidade.
A
CF-2011 convida a encarar seriamente a responsabilidade humana em
relação ao futuro da vida no planeta Terra, o “ninho da vida” no
universo, a casa comum da grande e diversificada família humana. O Texto
Base, que apresenta a proposta da CF, traz argumentos e reflexões sobre
o fenômeno do aquecimento global e os motivos que deveriam levar todos a
pensar sobre o que é possível fazer e o que não se deveria fazer, para
evitar a deterioração do ambiente da vida na Terra. Argumentos bíblicos e
teológicos deveriam motivar os cristãos e todos os crentes em Deus a
uma verdadeira conversão nos modos de viver e de se relacionar com a
natureza, quando ficam comprometidas a qualidade da vida e a
fraternidade na família humana. Todos são convidados a se envolverem na
CF-2011.
Destaco dois motivos de fundo religioso, que deveriam
ser levados em conta por todas as pessoas de fé no tocante à questão
ecológica. Primeiramente, tratar bem a natureza e cuidar do pedaço do
planeta que ocupamos está implicado na nossa fé no Deus Criador.
Professamos a fé no Deus, Criador do Céu e da Terra, não importa como,
ou quando isso aconteceu. A ciência pode continuar a pesquisar sobre a
origem do universo e da vida na Terra e isso não contradiz a nossa fé no
Deus Criador. O certo é que não fomos nós que demos origem a toda essa
beleza e grandiosidade. Dizer que tudo isso surgiu por si mesmo é um
grande absurdo.
Mas também aprendemos da nossa fé que Deus fez o
homem à sua imagem e semelhança, confiando-lhe o cuidado do “jardim da
vida”. Embora pequeninos entre as criaturas do grande universo, somos
importantes e Deus nos trata com predileção especial. O poeta do Salmo
tem consciência disso, quando exclama, admirando o céu numa noite
estrelada: “Que é o homem, Senhor, para que dele te ocupes?! No entanto,
Tu o fizeste pouco menor que um deus... Tu o colocaste à frente da obra
de tuas mãos!” (cf Sl 8). Sim, Deus colocou o mundo à disposição do
homem; não para que acabe com ele, e sim, para que dele viva e usufrua,
mas também para que zele por ele, qual bom administrador. Cuidar bem da
natureza é sinal de fé e de gratidão para com o Deus Criador. Avançar
sobre a natureza com a vontade de possuir e dominar é cair novamente na
tentação de “ser deuses”, como Adão e Eva no paraíso (cf Gn 3). Quando o
homem resolve assumir o lugar de Deus, desprezando seu desígnio, a
desordem e o caos entram no mundo, com seus frutos de injustiça,
violência e morte.
O outro motivo, relacionado com o primeiro, é
de fundo ético e moral: Cuidar bem da Terra, nossa casa comum, é
questão de responsabilidade e solidariedade. Os bens da criação foram
colocados por Deus à disposição de todas as suas criaturas; descuidar da
natureza, ou estragá-la, é falta de respeito e de justiça para com o
próximo e para com as futuras gerações. Não somos os únicos a ocupar
esta casa, nem seremos os últimos; e é moralmente correto pensar nos
outros, quando nos relacionamos com a natureza. Não ficará bem deixar
atrás de nós um paraíso depredado, o mundo cheio de lixo, as terras
desertificadas, as águas contaminadas, o ar irrespirável, o equilíbrio
ecológico comprometido... A CF-2011 é um convite a refletir, para formar
uma consciência comum sobre nossa responsabilidade e para tomar
decisões eficazes sobre os cuidados que a Terra merece. É nossa casa
comum. E ainda será a casa dos que viverão depois de nós.
Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer
Arcebispo metropolitano de São Paulo
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