O carisma apostólico da Companhia não é um fato isolado na vida da Igreja. Faz parte de um movimento profundo do Espírito de Deus, que renova constantemente a vida da Igreja.
Podemos dividir a História da Companhia em duas grandes
épocas: 1) a Antiga Companhia e 2) a Companhia Restaurada.
1.
A
Companhia Antiga
(1540-1773)
1.1. Crescimento e Expansão
(1540-1687)
A Companhia de Jesus foi aprovada pelo Papa Paulo III, em
1540. Aquela época estava caracterizada por:
uma situação de divisão e conflito dentro da Igreja (a
Reforma Protestante);
a expansão das fronteiras geográficas, com a descoberta da
América e a abertura de novas rotas comerciais na Ásia;
uma autêntica revolução, no campo das ciências e das letras.
A Companhia antiga tentou dar uma resposta positiva a esses
desafios, atuando em quatro campos:
1.1.1. Serviço ao povo cristão na defesa e promoção da fé
A Igreja do século XVI, sacudida pela Reforma Protestante,
tomou consciência do abandono espiritual em que se encontrava o povo cristão.
Nesse contexto, os primeiros Jesuítas dedicaram-se aos ministérios sacerdotais
tradicionais (pregação, confissões, catequese...), junto com novas iniciativas
e estratégias pastorais: os Exercícios Espirituais, as Missões populares,
Associações de leigos (Congregações Marianas), e o uso do teatro na pregação,
liturgia e catequese.
1.1.2. Propagação da fé nos territórios de Missão
Aproveitando o esforço expansionista dos grandes impérios da
época (Espanha e Portugal), os Jesuítas estão presentes, desde a primeira hora,
nos novos mundos que se abrem à atividade missionária da época. São Francisco
Xavier percorre a Índia, Indonésia, Japão e chega às portas da China; Manoel da
Nóbrega e José de Anchieta ajudam a fundar as primeiras cidades do Brasil
(Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro); João Nunes Barreto e Andrés de Oviedo
empreendem a fracassada missão da Etiópia, etc. Acima das inevitáveis
ambigüidades, as missões dos Jesuítas impressionam pelo espírito de
inculturação (adaptação à cultura do povo a quem se dirigem). As Reduções do
Paraguai e a adoção dos ritos malabares e chineses são os exemplos mais
significativos.
1.1.3. A educação da juventude
Imprevista ao nascer a Companhia, a atividade educativa
tornou-se logo a principal tarefa dos Jesuítas. A gratuidade do ensino da
antiga Companhia favoreceu a expansão dos seus Colégios. Em 1556, à morte de
Santo Inácio, eram já 46. No final do século XVI, o número de Colégios
elevou-se a 372. A
experiência pedagógica dos Jesuítas sintetizou-se num conjunto de normas e
estratégias, chamado a "Ratio Studiorum" (Ordem dos Estudos), que
visa a formação integral do homem cristão, de acordo com a fé e a cultura
daquele tempo.
1.1.4. A ciência e a cultura
Os primeiros Jesuítas participaram ativamente do esforço de
renovação teológica da Igreja Católica, frente à Reforma Protestante. No
Concílio de Trento, destacaram-se dois companheiros de Santo Inácio (Laínez e
Salmerón). Desejando levar a fé a todos os campos do saber, os Jesuítas
dedicaram-se às mais diversas ciências e artes: Matemática, Física,
Astronomia... Entre os nomes de crateras da Lua há mais de 30 nomes de
Jesuítas. No campo do Direito, Suarez e seus discípulos desenvolveram a
doutrina da origem popular do poder. Na Arquitetura, destacaram-se muitos
Irmãos Jesuítas, combinando o estilo barroco da época com um estilo mais
funcional.
1.2. Crise e Supressão
(1687-1773)
A Companhia de Jesus nasceu em meio a uma situação de
conflito e nunca esteve alheia aos conflitos históricos. Seu fundador queria
que fosse um grupo móvel, disponível para acudir aos lugares em que a
necessidade fosse maior. Mas, entre todos os períodos de sua história, o mais
dramático foi o que terminou com a supressão da própria Companhia, em 1773,
pelo Papa Clemente XIV.
É difícil resumir o complexo de circunstâncias que levaram o
Papa àquela decisão extrema. Foi o desfecho de um longo processo de lutas e
sofrimentos, que poderíamos reduzir assim:
1.2.1. A luta contra o jansenismo
Jansen ou Jansênio foi um bispo belga que exerceu enorme
influência na França do século XVII. Seus seguidores (jansenistas) defendiam de
tal modo o papel da graça que chegavam a negar o livre arbítrio. O homem já
nascia predestinado à salvação ou à condenação. Na vida cristã eram rigoristas,
pregando uma religião de temor e de inflexível disciplina moral. Os Jesuítas
opuseram-se a tais idéias, ganhando a odiosidade dos jansenistas. O grande
pensador Pascal colocou-se do lado destes, nas célebres "Cartas
Provinciais", desmoralizando os Jesuítas. Não adiantou que a Igreja
colocasse o livro de Pascal no "Índice de Livros Proíbidos". Na
França da época, o gênio literário valia mais do que a autoridade de Roma. Os
Jesuítas ganharam fama de intrigantes, "hipócritas", donos de imensas
riquezas, etc.
1.2.2. O conflito com as monarquias absolutistas
No século XVIII, os Reis consideravam absoluto o poder do
Estado. Na França, o "galicanismo" defendia as liberdades da Igreja
Galicana, frente à autoridade do Papa. Os Jesuítas, fiéis defensores deste,
eram considerados como "obscurantistas" e "ultramontanos"
intolerantes. Um atentado contra o rei de Portugal, José I, foi a desculpa para
expulsar todos os Jesuítas de Portugal e suas colônias, incluindo o Brasil
(1761). A Companhia de Jesus foi expulsa também da França (1764) e da Espanha e
suas colônias (1767). A pressão da casa dos Bourbons, reinantes nesses países,
acabaram levando o Papa Clemente XIV a ceder. A Companhia de Jesus foi dissolvida
em todo o mundo, menos na Prússia e na Rússia Branca.
1.2.3. Conflitos dentro da própria Igreja
Nem todos compreendiam as tentativas de inculturação e
adaptação do Evangelho às culturas asiáticas, empreendidas por Jesuítas
competentes e corajosos, como Mateus Ricci (na China) e Roberto De Nobili (na
Índia). Os que não entendiam o cristianismo fora das normas culturais
ocidentais acusaram os Jesuítas de paganismo, idolatria e superstição. E o
Secretariado romano para a Propagação da Fé levou a sério tais acusações.
1.2.4. Os erros dos próprios Jesuítas
Alguns Jesuítas, vítimas de injustas perseguições, como
Antônio Vieira ou Gabriel Malagrida, no ambiente luso-brasileiro, são
considerados hoje grandes missionários. Outros Jesuítas, porém, contribuíram,
com seus erros, para desacreditar a Companhia. Por exemplo, Antoine Lavalette,
ecônomo da Missão da Martinica, metido a esperto em operações comerciais, que
terminaram endividando a Missão e a Companhia.
O Superior Geral da Companhia na época da extinção, Lourenço
Ricci, com 70 anos de idade, ficou preso no Castelo de Sant'Angelo. Antes de
morrer, dois anos depois, declarou solenemente que a Companhia de Jesus não
tinha dado motivo nem ocasião para sua supressão, e que ele pessoalmente não
dera o menor pretexto para ser preso e humilhado.
Os Noviços, Estudantes e Irmãos Jesuítas foram despedidos.
Aos Sacerdotes deu-se-lhes a escolher entre viver como Padres diocesanos ou
entrar em outras
Congregações religiosas.
2.
A
Companhia Restaurada (1814-1986)
A 7 de agosto de 1814, o Papa Pio VII restaurou a Companhia
em todo o mundo. O quadro histórico era bem diferente daquele de 1773. Napoleão
acabava de ser derrotado. O Papa retornava a Roma, depois de ter sido exilado
pelo Imperador francês. A velha Europa sonhava com voltar às antigas tradições,
depois da tormenta revolucionária. O renascimento da Companhia aconteceu num
contexto conservador e antiliberal.
2.1. O Século XIX
(até 1914)
A Companhia de Jesus no primeiro século da sua restauração:
reinicia as suas atividades educativas, embora sem a
originalidade da Companhia antiga;
desenvolve os grandes movimentos de piedade: os Exercícios
Espirituais divulgados entre o clero, religiosos e leigos; a devoção ao Sagrado
Coração de Jesus; o Apostolado da Oração; as Missões populares; as Congregações
Marianas;
insere-se na Pastoral Operária, embora com os métodos da
época, hoje considerados paternalistas (círculos operários, obras sociais,
escolas populares);
continua o esforço de pesquisa e publicação em todos os
campos das ciências e letras;
participa da nova atividade missionária da Igreja. Ao Brasil
chegam, a partir de 1842, Jesuítas espanhóis, italianos e alemães.
Na política do século passado, alternavam-se governos
conservadores e liberais. A maioria dos católicos identificavam sua fé com o
antigo regime (monárquico). Muitos Jesuítas participavam dessa mentalidade.
Assim, em época de governos conservadores, os Jesuítas eram chamados e
exaltados; mas quando os liberais subiam ao poder, os Jesuítas eram novamente
perseguidos e expulsos. Não deixa de ser uma ironia da História o fato de que a
maioria dos Jesuítas do século passado tivessem saudade do antigo regime, que
no século XVIII os tinha perseguido e dissolvido.
2.2. O Século XX
Durante o longo generalato do P. W. Ledochowski (1915-1942),
a Companhia cresceu em número de membros (até chegar a 26.000) e na qualidade
das suas obras (aos colégios unem-se numerosas Universidades, nos Estados
Unidos, América Latina e nas Missões). Neste período e no seguinte (P.
Janssens, 1946-1964), a Companhia acompanhou de perto os grandes conflitos
internacionais: duas guerras mundiais, a revolução russa e sua expansão nos
países da Europa oriental, que abalou dez Províncias ou vice-Províncias da
Companhia; o triunfo de Mao-Tsé-Tung, na China, arrasou a estrutura missionária
construída durante um século de trabalho; o nacionalismo dos povos da África e
Ásia, lutando contra as potências colonizadoras, cria dificuldades para os
missionários estrangeiros.
2.3. O Concílio Vaticano II
(de 1965 até o presente)
Alguns Jesuítas foram precursores no esforço de reconciliar
a fé cristã com o mundo contemporâneo. O P. Teilhard de Chardin intuiu e
defendeu que a idéia da evolução biológica, antes defendida apenas por cientistas
descrentes, era perfeitamente compatível com a fé na Criação. Mas os livros do
Pe. Teilhard só foram publicados e estimados depois de sua morte.
A Grande mudança de clima, na Igreja do nosso século,
aconteceu em torno do Concílio Vaticano II (1962-1965). Dele participaram
muitos Jesuítas, como bispos de regiões missionárias (uns 50) ou como teólogos
(alguns de grande prestígio, como Danielou, De Lubac, Karl Rahner). A
Congregação Geral 31a., levou à Companhia de Jesus este novo espírito eclesial.
Nela foi eleito superior geral o P. Pedro Arrupe, que governou a Companhia nos
anos difíceis do pós-Concílio. Durante seu generalato, o número de Jesuítas
diminuiu de 36.000 para 26.000.
Para enfrentar os desafios do nosso tempo, a Companhia tem
revitalizado os princípios espirituais das suas origens (prática dos Exercícios
Espirituais; criação de um Centro Inaciano de Espiritualidade, em Roma).
Seguindo o espírito do Concílio, tem prestado especial atenção aos problemas do
diálogo com o mundo (relação entre ciência e fé; estudo do ateísmo e
indiferença religiosa, a pedido do Papa Paulo VI). Querendo adaptar o seu
apostolado aos grandes problemas do mundo de hoje, a Companhia assume, hoje, o
compromisso com os pobres e a luta contra as estruturas injustas. Isso tem
atraído sobre muitos dos seus membros novas perseguições. Na América Latina,
diversos Jesuítas foram assassinados, por estarem levando à prática as opções
do Episcopado latino-americano, nas Conferências de Medellin (1968) e Puebla
(1979): João Bosco Penido Burnier (Brasil, 1976), Rutílio Grande (El Salvador,
1977), Luis Espinal (Bolívia, 1980), Carlos Alonso (Guatemala, 1981).
A Congregação Geral 32a. revisou, em 1975, a caminhada da
Companhia nestes anos do pós-Concílio, e enfatizou o objetivo prioritário da
Companhia: "Comprometer-se, sob o estandarte da Cruz, na luta crucial do
nosso tempo: a luta pela Fé e a luta pela Justiça, que a fé exige".
"Serviço da fé e promoção da justiça" é a expressão mais atual do
carisma inaciano.
2.4. A Companhia nos anos 80
A 7 de agosto de 1981, uma trombose cerebral incapacitou o
P. Pedro Arrupe de continuar à frente da Companhia. Dois meses depois, o Papa
João Paulo II nomeou o P. Paolo Dezza como Delegado Pontifício para o governo
provisório da Companhia, até a convocação de uma Congregação Geral, que
elegeria o novo Superior Geral. A intervenção do Papa no governo da Companhia
foi de caráter extraordinário. O Delegado Pontifício cumpriu sua tarefa com
muita discrição, convocando a Congregação Geral 33a. Reunida em Roma, nos meses
de setembro-outubro de 1983,
a Congregação aceitou a renúncia do P. Arrupe e elegeu
seu sucessor, P. Peter-Hans Kolvenbach, atual Superior Geral da Companhia.
O principal decreto da Congregação Geral 33a. intitulado
"Companheiros de Jesus, enviados ao mundo de hoje", está escrito
"sob o signo da continuidade e da esperança".
"Nos últimos anos surgiu em toda a Companhia uma nova
consciência da nossa vida religiosa. Os decretos das CC. GG. 31a. e 32a., bem
como os escritos do P. Arrupe, desenvolveram um ensinamento espiritual
solidamente baseado no Evangelho e nas fontes de nossa tradição, capaz de
responder aos desafios de nosso tempo. Esta renovação se manifesta sobretudo no
novo impulso dado aos Exercícios Espirituais e ao discernimento apostólico. O
compromisso pela fé e pela justiça, o serviço dos pobres e a participação em
sua vida constituíram-se em apelo a todo o corpo da Companhia para assumir um
modo de vida mais evangélico".
"Reconheçemos, por outro lado, deficiências na maneira
de viver a nossa vocação. As dificuldades resultam muitas vezes do excesso de
trabalho, da rotina na prática religiosa, da falta de dinamismo espiritual de
nossas comunidades. Tudo isso enfraquece o nosso relacionamento com Deus.
Importa, pois, redobrar os nossos esforços para perceber mais a fundo o sentido
de nossa vida, que consiste em buscar a maior glória de Deus e o serviço dos
homens". (CG 33a., decreto 1º, nº 10)
Um claro sinal de esperança é o aumento das vocações à
Companhia. No ano de 1972, havia, em toda a Companhia 706 Noviços; em 1985, os
Noviços eram 1154. Se o número de Padres e Irmãos formados ainda está
diminuindo, o número de Jesuítas em formação aumenta: de 1984 a 1985 houve um aumento
de 106 Noviços escolares e 15 Noviços coadjutores.
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