quinta-feira, 10 de março de 2011

Igreja em África: Sonhos para o séc. XXI


Por: JOHN MARY WALLIGO, Teólogo ugandês



Como sempre, no penúltimo domingo deste mês – no dia 24 de Outubro – celebramos o Dia Mundial das Missões. O Especial que se segue, dedicado à Igreja africana, procura rever as suas alegrias e angústias do passado, avaliar criticamente o presente e apresentar uma visão do futuro. Essa visão tem em conta dois pontos de viragem da História da África e da sua Igreja, a saber: o genocídio ruandês e o Sínodo Africano.

Dentro de três meses, começaremos oficialmente a celebração do Grande Jubileu do Ano 2000, em memória do nascimento de Jesus Cristo, o salvador e o libertador da humanidade, o Senhor do mundo e do cosmos. Há três anos que a Igreja Católica se prepara para este grande evento, através da renovação de si enquanto instituição e dos seus membros. Tem-no feito através de uma profunda reflexão sobre o que é que Jesus Cristo significa realmente para os cristãos, sobre o papel do Espírito nas suas vidas e sobre o impacte que o Deus de amor e misericórdia, o Pai de todos tem sobre a história humana.
Somos privilegiados em viver neste tempo especial. A transição do século XX para o século XXI deve ser para nós cristãos uma ocasião importante. O discurso de Pedro à multidão em Jerusalém no dia de Pentecostes aplica-se a nós que entramos nesta nova era. Citando o profeta Joel, ele diz: «Nos últimos dias – diz o Senhor – derramarei o Espírito sobre toda a criatura. Os vossos filhos e as vossas filhas hão-de profetizar; os vossos jovens terão visões, e os vossos velhos terão sonhos. Certamente, sobre os meus servos e as minhas servas derramarei o meu Espírito.» (Actos, 2, 17-18)
Este é um tempo apropriado para fazer uma análise crítica da presença do cristianismo em África durante estes dois mil anos e, em particular, durante este último século. É o tempo próprio para os cristãos africanos se sentarem à volta da tradicional fogueira ou debaixo das árvores, para partilharem histórias e experiências de vida sobre o que a mensagem cristã lhes deu e o que por ela fizeram durante o longo processo de relacionamento. Este é o tempo propício para avaliar o nosso passado, ver o que foi bem feito, o que se fez de errado e o que fica para ser feito na evangelização da África. Este é o tempo adequado para ter sonhos e novas visões para o futuro do cristianismo em África.

Alegrias e angústias passadas

A história do cristianismo africano durante os primeiros séculos é uma fonte de grandes alegrias, mas também de profundas angústias e amargas lições. O cristianismo floresceu na África do Norte, tendo como centros Alexandria e Cartago. A África produziu excelentes teólogos, intelectuais, santos e mártires, tanto homens como mulheres. O cristianismo difundiu-se na Etiópia e na Núbia, no coração do continente. A África produziu pelo menos três papas durante este período e introduziu na Igreja a vida monástica, que depressa se estendeu a leste e a ocidente. De facto, durante os primeiros séculos, a África contribuiu grandemente para o crescimento da doutrina e da moral cristãs.
Este primitivo cristianismo africano, todavia, não conseguiu resistir à ameaça islâmica. Aliás, foi totalmente varrido da zona norte do continente, excepto do Egipto, onde sobreviveu em alguns lugares. Até na Núbia, depois de um período florescente entre os séculos VIII e XIII, que culminou com a criação do reino cristão da Núbia, a fé desapareceu como resultado da invasão turca. A Igreja sobreviveu só na Etiópia, mas sem dinâmica missionária. As várias tentativas, ao longo dos séculos, para fazer reviver a cristandade primitiva no Norte de África fracassaram. A lição é clara: o que aconteceu uma vez pode acontecer de novo. A história, não obstante tudo, repete-se.
A segunda vaga de evangelização da África – a partir do século XV e tendo como objectivo levar a fé cristã aos territórios sub-sarianos – foi um fracasso maior que o anterior. Tendo chegado a Angola, a Moçambique, a Madagáscar, ao Reino do Congo, às principais ilhas da costa ocidental e oriental do continente, ela desapareceu, sem deixar marcas, no princípio do século XVIII. Apesar de numerosos africanos terem aceite a nova fé e muitos se terem tornado eles mesmos evangelizadores. De entre eles ficou famoso o príncipe Henrique, filho de Afonso, rei cristão do Congo, que foi consagrado bispo em Roma em 1521, tornando-se, assim, o primeiro bispo africano a sul do Sara.
As causas deste segundo desaparecimento do cristianismo foram bem analisadas pelos historiadores. As principais são duas. A primeira é que o cristianismo não podia coexistir com o abominável comércio de escravos. A segunda deve-se ao facto que o sistema do Padroado – pelo qual ao rei de Portugal era confiado pelo Papa a fundação e dotação de sedes episcopais, capelanias e conventos, e o direito de nomear párocos e cobrar as contribuições eclesiásticas – era caracterizado por uma rejeição obstinada dos missionários de outros países, que eram vistos como uma potencial ameaça para o império português. Daí que, cedo, a falta de pessoal missionário não permitiu continuar com o trabalho começado.
A lição que fica é importante: se, depois de 300 anos de evangelização, o cristianismo levado e tutelado pelo padroado português desapareceu, então nunca devemos tomar as coisas por adquiridas. O optimismo ingénuo não deve ter lugar no trabalho de evangelização.
O terceiro encontro de África com o Evangelho começou no século XIX e estendeu-se aos nossos dias. Alguém o definiu como «a época de conversão mais próspera em toda a história da Igreja». Muitos cristãos africanos, institutos missionários estrangeiros e a Igreja Católica como um todo estão muito satisfeitos com o que se conseguiu com esta nova tentativa de evangelização. Hoje, o continente conta com mais de 500 dioceses, muitas delas com bispos africanos. Padres, religiosos e religiosas africanos são aos milhares. Catequistas a tempo inteiro são mais de dez mil. Os baptizados são cerca de 110 milhões. Escolas, clínicas, projectos de desenvolvimento são numerosos. A teologia africana – nas suas várias correntes – avançou muito. O Vaticano II trouxe nova vida à Igreja africana; o Sínodo Africano de 1994 sugeriu novas iniciativas e direcções.
Ao mesmo tempo que temos o direito de estar contentes com tudo o que se conseguiu, cometeríamos um erro fatal se não reconhecêssemos os grandes problemas, preocupações e desafios que se põem ao cristianismo africano. Só uma análise crítica dos mesmos pode ajudar-nos a forjar uma nova visão para o século vindouro. A atitude correcta para celebrar o Jubileu 2000, consequentemente, não é nem uma complacência envaidecida nem um pessimismo desencorajante. Temos, efectivamente, motivos de júbilo, mas a situação presente força-nos a repensar todos os nossos planos.

Mensagem da vida

Na nossa avaliação do actual cristianismo africano, a ênfase deve ser posta na própria «mensagem da vida», nos evangelizadores, nos agentes pastorais e nos seus métodos e meios de evangelização. A natureza e profundidade da conversão e o impacte do cristianismo no mundo africano deve ser avaliado examinando a qualidade de vida dos africanos, a sua identidade e história, as suas culturas e religiões tradicionais, a sua moralidade e filosofia, a sua visão do mundo, as suas lutas de libertação e o seu contributo para o enriquecimento do cristianismo e da Igreja universal.
De entre as perguntas que devemos colocar ao fazermos esta avaliação e encontrarmos uma visão para o futuro, as seguintes merecem particular atenção: qual é a novidade particular que o cristianismo introduziu e desenvolveu em África durante os últimos dois mil anos e especialmente durante o século XX? Terá a vida dos cristãos africanos melhorado em relação à dos seus antepassados pré-cristãos? Terão conseguido tornar sua a mensagem do Evangelho e a Igreja, ou são as duas realidades ainda consideradas como «estrangeiras»? A maioria dos cristãos africanos aprecia a sua nova identidade ou considera-a como um peso insuportável? Terão os cristãos tido a liberdade suficiente para enriquecer a Igreja universal e a mensagem cristã, ou foram vistos sobretudo como meros receptores de um pacote comercial?
Neste contexto, é importante definir «missão». Por missão eu entendo o povo africano, os católicos africanos, possuidores da mensagem cristã. Quem são? Em que categorias podemos classificá-los? Quais são os seus actuais problemas e tensões? Quais são as formas da sua sistemática escravidão e exploração? Que ameaças e injustiças institucionalizadas ainda experimentam? Obviamente, nunca se deve generalizar. Os líderes eclesiais têm as suas alegrias e angústias. As famílias católicas, os sectores sociais vulneráveis, todo o Povo de Deus tem também as suas alegrias e angústias. Todo o Povo de Deus tem os seus medos e esperanças. Entre os baptizados há muitos com uma fé e convicção superficial. Muitos deles falharam em integrar o cristianismo com as exigências da sua religião e moralidade tradicionais e, por isso, conduzem uma existência «dualística». Outros, pelo contrário, fazem o seu melhor para serem simultânea e verdadeiramente africanos e cristãos. Qualquer visão do cristianismo em África deve tomar seriamente em consideração estas duas categorias de cristãos.

Tarefa inacabada

A primeira evangelização em África está longe de ter acabado. Na proclamação massiva da Boa Nova aos povos africanos durante este século, várias sociedades e inteiras áreas foram deixadas de lado, por uma razão ou por outra. No caso do Uganda, os Ik, povo das montanhas, no Karamoja, e os Bambuti da Província Ocidental foram negligenciados por causa das duras condições em que vivem. Em cada país africano há povos que foram ignorados pelos evangelizadores.
Ao mesmo tempo, muitas sociedades africanas resistiram à Boa Nova, principalmente porque era apresentada duma maneira irrelevante, senão mesmo perigosa para a maneira de viver do povo. Estas sociedades são sobretudo de cultura nómada e pastoril por natureza. Tais grupos étnicos incluem os Karimojong, os Turkana, os Masai e outros na África oriental. Gostam dos aspectos materiais da Igreja, mas a sua mensagem não os atrai. O modo como o cristianismo lhes foi – e ainda é – apresentado parece-lhes apropriado para povos sedentários e agrícolas, ou povos com uma «fraca» cultura tradicional. Por último, outras sociedades africanas ouviram a mensagem cristã, mas mantiveram-na o mais superficialmente possível, de modo que não penetra nas suas vidas reais, culturas e visões do mundo. Quando muito, são meros simpatizantes da Igreja.
Todos estes grupos humanos nos desafiam, como agentes da mensagem evangélica e, sobretudo, desafiam os nossos métodos pastorais. Esta tarefa incompleta da evangelização pede-nos uma nova visão, uma nova preparação de agentes pastorais e uma nova proclamação da mensagem da vida. Para fazê-lo de uma maneira aceitável, a Igreja africana precisa de maior liberdade do que tem tido até agora para pensar, planear e implementar a evangelização.
Mesmo onde o Evangelho chegou, a evangelização foi parcial. Em muitos lugares, ela concentrou-se meramente na libertação espiritual; noutros, dirigiu-se ao desenvolvimento humano e espiritual, mas deixou de fora a libertação mental; em muitos casos, esquivou-se completamente à libertação económica e política. Demasiadas vezes, a evangelização foi tímida a confrontar as muitas injustiças sociais, que ainda oprimem os sectores vulneráveis da sociedade. Houve acordos indignos e conspiração de silêncio. Em muitas ocasiões, a maneira como a mensagem cristã foi apresentada não deu a impressão clara de que era contra todos os tipos de servidão que ofendem a dignidade e os direitos humanos. Estes falhanços parciais reclamam uma mudança, uma nova ênfase, uma nova coragem. A visão que queremos ter para o século XXI deve ter em conta estes desafios.

Inculturação

Na exortação pós-sinodal - A Igreja em África - João Paulo II insiste na ideia que a inculturação é a chave para o cristianismo africano: «O Sínodo considera a inculturação uma prioridade e uma urgência na vida das Igrejas particulares, para a real radicação do Evangelho em África, uma exigência da evangelização, uma caminhada rumo a uma plena evangelização, um dos maiores desafios para a Igreja no continente ao avizinhar-se o terceiro milénio.» (A Igreja em África, 59)
Todavia, uma vez mais, a mensagem do Papa encontrou em muitos líderes eclesiais africanos ouvidos moucos. Muitos bispos e padres falam de inculturação, mas negam-na na prática. Ora, sem genuína, profunda e sapiente inculturação, os cristãos africanos nunca se apropriarão da fé. Se o cristianismo não se africanizar, o seu futuro, no longo andar, não pode ser totalmente garantido. A inculturação que «salvará» o cristianismo africano não pode ser superficial, a mera tradução da fé para a cultura, mas aquela que também começa na cultura e no contexto real e chega à fé, parte da injustiça para a libertação. O século vindouro deve ser visto nesta perspectiva. Requer-se coragem, liberdade de pensamento e participação activa de todos os cristãos africanos. Não haverá desculpa para a ignorância das realidades e exigências africanas. Devemos aceitar totalmente ou a responsabilidade pelo reforço do cristianismo através da inculturação ou pelo seu enfraquecimento pelo facto de não se atenderem os desafios que os cristãos enfrentam.

Libertação integral

A África, não obstante ser rica em humanidade, culturas e recursos naturais, tornou-se no século XX o continente mais pobre de todos. Frequentemente é referido como «o continente doente e sem futuro». Está a ser estrangulado por uma insuportável dívida externa, cuja amortização está a enriquecer diariamente as opulentas sociedades ocidentais. Está a ser dizimado pela epidemia da sida e por outras doenças, que já foram erradicadas em outras partes do mundo. É em África que o analfabetismo, a pobreza, a ignorância, a doença e a exploração podem ser testemunhadas no seu pior. A moralidade cristã e humana nunca poderão tolerar que menos de metade da população do mundo seja livre e viva abundantemente, enquanto a maior parte é escravizada pela pobreza, e não consegue satisfazer as necessidades básicas da vida. A libertação económica da África é o maior desafio para o cristianismo africano no século XXI. Os países ricos, de acordo com as exigências do jubileu bíblico, deviam cancelar a sua dívida externa. A solidariedade humana devia unir-se para eliminar a pobreza em África. A pregação cristã devia apontar claramente como prioridade o desenvolvimento ecodesfavorecidos deve tornar-se o âmago do cristianismo africano. A justiça social deve tornar-se a sua pedra-de-toque no novo século. Os cristãos africanos devem unir-se com todas as pessoas de boa vontade para conseguir a libertação política da África. É tempo de levantar-se e dizer não às guerras em África, não ao comércio de armamento, não ao genocídio, não às condições que causam milhões de refugiados, não à ditadura, não ao abuso de poder e não à exploração do Povo de Deus. O que a África precisa e requer é paz para todos, justiça para todos, democracia para todos e desenvolvimento para todos. A Igreja em África tem um mandato claro para ser um verdadeiro agente de libertação e para dizer, juntamente com todo o Povo de Deus, não a tudo o que torna o continente escravo, pobre e repudiado.
Esta visão deve tornar-se parte integral da experiência cristã em África. Ela tem que imbuir as mentes e os corações de todos os agentes pastorais e dos líderes eclesiais. Sem esta tomada de posição, o cristianismo e a Igreja perderão a sua credibilidade no continente. O manifesto de Jesus Cristo, tal como é apresentado em Lucas 4,18-19, deve tornar-se a bandeira do cristianismo africano no século XXI: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor.»

Uma Igreja adulta

Um sonho pode, obviamente, ser pura fantasia; uma visão o mero resultado de uma alucinação. Há, todavia, condições para que um sonho seja realístico e para que uma visão seja verdadeiramente inspiradora. Relativamente à Igreja africana do terceiro milénio, as condições são três: que possa auto-sustentar-se, ser auto-suficiente a nível ministerial e seja missionária.
Já em meados do século XIX, Henry Venn, da Sociedade da Igreja Missionária, se referiu a estas três condições indispensáveis para que uma Igreja local o fosse realmente. Infelizmente, uma fraca teologia da Igreja e da missão contribui para deixar a Igreja africana ao nível de «missão», em vez de levá-la ao pleno estatuto de Igreja local, que é: uma Igreja capaz de agir e tomar decisões por si; capaz de servir o seu próprio povo através de ministros surgidos no seu seio; capaz de recolher entre os seus fiéis dinheiro suficiente para continuar o seu trabalho; e preparada para se abrir ao resto do mundo com verdadeiro espírito missionário.
Não seria preciso afirmar que a aceitação destes desafios nunca deve pôr em causa a universalidade da fé cristã, nem dos evangelizadores. Mas também é verdade que só sendo uma Igreja autenticamente local e continental a Igreja Católica africana será capaz de cumprir o mandato de se evangelizar a si e aos outros continentes.
Em síntese, esta é a visão que tenho para a Igreja africana do próximo século. Estou consciente de que não está completa. Cada um deve acrescentar-lhe qualquer coisa. Todavia, estou convencido que só a partir desta visão – ou de uma que se lhe assemelhe – podemos planear o nosso futuro e escolher os meios correctos para a implementar com esperança e entusiasmo.
O meu apelo dirige-se a cada Igreja local em África para que tenha tempo de sonhar, ter visões e ter ideais para o futuro. Repito: nós os cristãos africanos temos boas razões para celebrarmos o Grande Jubileu em acção de graças pelo que recebemos nos últimos dois mil anos, especialmente no século XX. Mas o nosso principal cuidado deve ser fazer uma avaliação crítica do passado e do presente e planear esta visão da nossa futura Igreja. Enquanto recordamos com gratidão todos os homens e mulheres que fizeram do cristianismo africano o que ele é, devemos fixar-nos a preparar os futuros agentes pastorais, que terão o grande dever de melhorar o que temos e realizar esta visão da Igreja que queremos no século XXI.



A Igreja como família de Deus

Os bispos presentes no Sínodo não se limitaram a falar da inculturação, mas também a aplicaram concretamente, assumindo o conceito da Igreja família de Deus como a ideia-chave para o futuro da evangelização da África. O Papa confirmou-o plenamente: «A imagem acentua a atenção pelo outro, a solidariedade, as calorosas relações de acolhimento, de diálogo e de mútua confiança. A nova evangelização tenderá, portanto, a edificar a Igreja como família.» (Igreja em África, 63).
As razões que explicam a escolha dos bispos são muitas e podem ser encontradas nas «propostas» finais que apresentaram ao Papa. Os bispos enumeraram os desafios à África de hoje e à sua Igreja e também sugeriram respostas.
- Necessidade urgente de unidade e solidariedade entre os africanos, qualquer que seja a sua identidade étnica, filiação religiosa e pensamento ideológico – Unidade e solidariedade é o que a Igreja africana deve sublinhar.
- A construção das nações é um processo difícil em todo o continente – A Igreja deve envolver-se completamente na sua construção.
- A falta de cooperação entre os vários povos africanos é escandalosa, ainda que a família africana os englobe a todos – A Igreja, como família de Deus, deve esforçar-se por unir e não por dividir.
- A religião tradicional africana é ainda forte em África – A Igreja Católica deve tratá-la com grande respeito e estima e empenhar-se num diálogo sereno com ela.
- O Islão é uma das maiores religiões africanas – A Igreja deve encontrar maneiras de com ele conviver pacífica e amigavelmente.
- Muitas denominações protestantes estão presentes em África – O catolicismo africano deve estabelecer com elas laços ecuménicos.
- Muitos católicos não tomam parte activa na vida da sua Igreja. Mas, na família africana, todos participam – Deve haver diálogo a todos os níveis dentro da Igreja, entre bispos, conferências episcopais e a Sé Apostólica e, também dentro de uma Igreja particular, entre bispos, o presbitério, pessoas consagradas, agentes pastorais e leigos, de modo a alimentar uma solidariedade pastoral orgânica e um verdadeiro espírito de responsabilidade conjunta.
Eis, portanto, a visão. A visão de uma Igreja «família de Deus», fundada no diálogo, colaboração, comunicação, justiça e paz. A visão de uma Igreja que tudo abraça e inclui, em que cada qual tem lugar, é bem recebido e tem alguma coisa para dar. É, de facto,  um sonho. Que devemos não só acalentar mas fazer o possível para torná-lo uma realidade. Será o maior contributo que a Igreja africana pode oferecer a toda a Igreja.




Esperar contra todas as esperanças

A África tem à sua frente um acesso difícil ao terceiro milénio. Parece ser o continente perdedor, pouco interessante como parceiro económico. Hoje, os olhares fixam-se de preferência no Leste europeu. Os preços das matérias-primas africanas caem, enquanto o preço dos produtos manufacturados na Europa aumenta.
Nesta contingência, as igrejas em África têm como papel não apenas «salvar as almas» mas também demarcar com clareza a dimensão terrena da salvação. Não podem unicamente falar do amor de Deus mas também tornar possível a sua experiência, fazendo tudo ao seu alcance para que todos os seres humanos possam viver em dignidade, da mesma forma que Jesus fez.
Nas cartas pastorais, os bispos e as conferências episcopais denunciam os abusos dos políticos. Mas, para além disto, têm a oportunidade de, nas longas e atraentes liturgias dominicais, exortarem os fiéis à reconciliação concreta, à solidariedade fora do seu clã e das restritas iniciativas de ajuda interpessoal.
Espera-se que os africanos não percam, apesar das dificuldades, a sua inata alegria de viver. Que possam resistir à escassez provisória, na expectativa da plenitude de vida que Deus lhes prometeu, sem renunciar à esperança. Porque a esperança não morre enquanto a própria pessoa for esperança.

WALBERT BUHLMANN, Missionário capuchinho

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