quarta-feira, 2 de março de 2011

Que relação existe entre religião e sistema artístico?

ZP11030109 - 01-03-2011
Permalink: http://www.zenit.org/article-27385?l=portuguese
Por Rodolfo Papa*
ROMA, terça-feira, 1º de março de 2011 (ZENIT.org) - Com a expressão "sistema artístico" compreendo o total de princípios e regras que são necessários em um sistema de signos, articulando o significado. Por exemplo, são sistemas artísticos distintos o sistema figurativo, o sistema não-figurativo e o anicônico. Com "religião" quero dizer qualquer credo, de todos os tempos e lugares.
Questionar-se sobre a relação entre as religiões e os sistemas artísticos pode abrir um vasto leque de opções, organizadas segundo reflexões acerca de aspectos inusitados da arte, da sua história, das suas teorias e, finalmente, também na arte sacra enquanto tal. A pergunta inicial se concretiza em uma pergunta posterior: o vínculo entre religiões e sistemas artísticos é imprescindível? Existe uma espécie de relação de reciprocidade biunívoca entre um mundo de crenças e o mundo dos signos do qual é expressão?
Tais reflexões podem ser feitas tendo em conta a história dos povos, das suas religiões e das suas expressões artísticas, indagando com sensibilidade antropológico-cultural, estando atentos não somente ao mero registro dos fatos, mas buscando vínculos e motivações. No curto espaço da minha intervenção, vou buscar formas de coletar algum indício deste processo histórico-artístico-cultural, propondo alguns pensamentos úteis para uma teorização mais abrangente e sistemática.
Algumas relações entre religião e arte são muito populares, podem até mesmo servir como pontos de referência paradigmáticos. Por exemplo, é bem conhecida a relação entre o aniconismo e o islamismo, motivado pela necessidade teológica de não ter representações figurativas no complexo sistema de decoração simbólica de locais sagrados. Outra bem conhecida e estudada é a proibição da representação antropomórfica na tradição judaica, que está em clara relação com um sistema teórico que desenvolveu, no curso da história milenar do povo hebreu, múltiplas possibilidades simbólicas através de signos abstratos ou decorativos, capazes de traduzir em arte um mundo de sabedoria, como no caso das decorações têxteis dos tapetes sefarditas.
Portanto, o monoteísmo judaico e o monoteísmo islâmico oferecem uma escolha clara de sistemas essencialmente não-figurativos. Muito interessante é a análise das expressões artísticas das populações que praticavam - e ainda praticam - cultos naturalistas, panteístas, já que se destaca, nos produtos artesanais dessas culturas, um sistema de signos recorrente, ou seja, uma ampla gama de sinais zoomórficos, fitomórficos e principalmente informais e abstratos de tipo geométrico ou amorfo; este uso de um vocabulário mais amplo de signos, mas em que todos tendem a um sistema de geometrização ou estilização, nos ajuda a compreender como este imenso vocabulário de signos, formas e composições tem uma relação profunda com o mundo denso dos espíritos e seres mais ou menos demoníacos que tem lugar na dimensão cultural e cultual desses povos. A antropologia cultural e a história da arte, trabalhando em conjunto, revelam um mundo de artefatos que vão desde simples utensílios domésticos aos verdadeiros e próprios instrumentos do culto, cheio de sinais apotropaicos, atribuídos a espíritos positivos ou negativos que presidem ou protegem um lugar, uma atividade ou uma determinada ação humana.
Aprofundando no estudo, este tipo de sistema representativo talvez seja um dos mais difundidos no mundo e esteja cronologicamente entre os primeiros que apareceram no vasto mundo de expressão artística. Aqui encontramos, de fato, expressão, em uma classificação sumária dos achados arqueológicos que abrangem múltiplas dimensões culturais, de muitos exemplos. Um sentido difundido da sacralidade, que coincide com o mundo natural e se esconde e expressa nas forças da natureza, dando origem, portanto, a visões cosmológicas nas quais prevalece a simbologia geométrica e o sinal abstrato. Muito diferente é a situação da mitologia politeísta dos gregos antigos, em que os deuses, ainda que adaptados aos elementos da natureza, eram representados como verdadeiras e próprias personificações da forma humana. O antropomorfismo religioso de tal declínio produziu um sistema de signos particularmente envolvido na representação da figura humana. O deus grego do mar tem um corpo humano, não é o espírito do rio: portanto, requer um sistema de signos para se expressar. O politeísmo dos gregos e outros politeísmos da antiguidade criaram sistemas artísticos em sua maioria figurativos.
Finalmente, é um caso particular, uma exceção que leva ao seu cumprimento e à maturidade plena de signos figurativos, o monoteísmo cristão. O mistério da transcendência de Deus é iluminado pelo mistério da Encarnação: Deus se faz homem e revela que só Deus é Uno e Trino, e que no rosto de Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, vê-se o rosto do Pai. A arte cristã é então dedicada a observar um rosto e reproduzi-lo. A opção para o sistema figurativo torna-se inevitável: a dimensão histórica da vida de Jesus, e depois da vida de seus discípulos, dos seus apóstolos, da sua Igreja, impõe um sistema figurativo e narrativo.
Mas não faltam, desde o início, as tentações anicônicas, o medo de sujar a transcendência com a figuração; a resposta definitiva a estes temores está no decreto sulle immagini, do Concílio de Niceia II, mas, sobretudo, na segurança de uma ininterrupta tradição bimilenar que levou ao seu cume o sistema figurativo, aperfeiçoando a expressão para torná-lo adequado para representar a visão da realidade criada e redimida, em que a beleza natural é um signo e expressão da beleza infinita de Deus. O vínculo entre as religiões e os sistemas artísticos se mostra sólido e profundo, vivo e fecundo; cada sistema de signos expressa um total de crenças, uma visão religiosa do cosmos e do homem. E existe também, de forma recíproca, um vínculo forte e indissolúvel entre o signo e a ideia religiosa, entre o sistema artístico e o mundo religioso que o produziu.
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* Rodolfo Papa é historiador de arte, professor de história das teorias estéticas na Universidade Urbaniana, em Roma e presidente da Accademia Urbana delle Arti; pintor, autor de ciclos pictóricos de arte sacra em várias basílicas e catedrais; especialista em Leonardo Da Vinci e Caravaggio, além de autor de livros e colaborador de revistas.

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