sexta-feira, 11 de março de 2011

Rasgando a fantasia - A crise na Líbia expõe o governo patético de Barack Obama


Vamos a um texto longo, para tirar a ferrugem do Carnaval e para que nos dispamos, de vez, das fantasias?
Na entrevista concedida à VEJA desta semana (ver abaixo), Walter Williams, professor de economia da Universidade George Manson, afirma que Barack Obama será, na melhor das hipóteses, “um desastre igual ao de Jimmy Carter”. Como discordar? Carter perdeu o Irã para os aiatolás, não sem antes puxar o tapete do xá Reza Pahlevi, um aliado. Obama perdeu o Egito sabe-se lá para quem, não sem antes puxar o tapete de Hosni Mubarak, um aliado. A vitória do extremismo islâmico no Irã mudou para pior o mapa político do Oriente Médio. As revoltas de agora no mundo árabe, querem os otimistas, trazem o vento fresco da democracia. Será? Em todo caso, rezemos para Alá para que os tiranos muçulmanos não cheguem à conclusão de que, entre a hostilidade e a aliança com o Ocidente, melhor a primeira do que a segunda. A exceção foi Saddam Hussein — na origem, de todo modo, era um “ditador amigo”. Volto a Saddam daqui a pouco.
Obama e seus bravos — Hillary Clinton não tem se mostrado menos despreparada para o cargo — não tinham noção do vespeiro em que mexiam quando deixaram claro, na primeira semana da ocupação da praça Tahir, que Mubarak já era carta fora do baralho. A “revolta árabe”, conduzida pela rede TV Al Jazeera — não pelo Facebook ou pelo Twitter —, espalhou-se, preservando, curiosamente, o governo antiamericano da Síria ou o enclave terrorista de Gaza. Nesses lugares, as respectivas populações parecem mais satisfeitas com suas muitas misérias: miséria democrática, miséria material, miséria moral… Estranho, não? Nem tanto!
O ditador da Tunísia correu. O ditador do Egito correu. Os demais ditadores, acossados , tentam, inutilmente, acenar com concessões. Obama, pateticamente, feito uma barata tonta, luta para capturar a agenda de um lado e de outro, buscando evidenciar que está no controle do processo. A verdade dramática é que o homem mais poderoso da Terra foi surpreendido pela revolta, o que é uma nota adicional da qualidade de seu governo.  Ocorre que ao menos um assassino contumaz decidiu mudar o script: justamente Muamar Kadafi, que já foi considerado o inimigo nº 1 do Ocidente. Isso foi lá nos tempos do, vá lá, “terrorismo romântico”, em que um ou dois vagabundos podiam fazer suas bravatas, muitas vezes homicidas. O jihadismo foi buscar no passado o seu futuro: transformou a ação terrorista em indústria. Uma coisa ao menos pode-se dizer de sucessivos governos americanos: à diferença de Lula com Ahmadinejad, não é de graça que têm seus ditadores de estimação; eles valem, em muitos casos, o petróleo e, em todos os casos, o combate ao terrorismo.
Aqui uma nota à margem antes que prossiga: querem alguns que pouco adianta os EUA se alinharem com governos como os do Egito, Líbia (sim, Kadafi havia saído da lista negra) ou Iêmen se esses países continuam a ser celeiros de terroristas. O argumento parece bom, mas é uma bobagem lógica: se, com combate efetivo ao terror, ainda há o fornecimento da mão-de-obra jihadista, é de se perguntar como seria sem esse enfrentamento. Eu sei que é chato escrever assim, mas, a essa altura, nada a perder senão alguns leitores inocentes: NÃO PERGUNTE POR QUEM OS EUA APÓIAM TANTOS DITADORES ÁRABES; ELES OS APÓIAM POR VOCÊ TAMBÉM!!! Desde que você seja alguém interessado em combater o terror, é claro. É evidente que houve erros brutais nessa relação ao longo dos anos. Mas uma coisa é certa: governo nenhum, desde que o mundo é mundo, deixa o aliado pelo caminho sem desdobramentos trágicos. Como lembra certo chiste, o chato das conseqüências é que elas vêm sempre depois…
O que fazer?
A Líbia é uma dessas conseqüências. Obama se pergunta agora o que fazer e, bem, ele não tem a menor idéia. Mas não está menos perdido do que boa parte dos analistas políticos mundo afora, os do Brasil incluídos. Volto a Saddam Hussein, conforme o prometido, para explicitar as minhas preocupações e o sentido deste texto. Boa parte das pessoas que condenaram e condenam ainda a guerra do Iraque o faz na presunção de que Saddam não representava risco nenhum para o mundo. Ao contrário até, dizem esses, ele não tinha as tais armas de destruição em massa e era inimigo (havia sido ao menos) dos jihadistas e, adicionalmente, do Irã — que hoje assombra o mundo com a perspectiva da bomba atômica. Assim, o “satã” George W. Bush fez, sustentam, uma guerra assentado em falsos motivos, a um custo astronômico, metendo-se na realidade interna do Iraque, com a hipocrisia suplementar de afirmar que levava democracia àquele país — democracia que, insistem, não se exporta.
Bem, eu não pertenço a esta maioria — já escrevi muito a respeito — e acho que Saddam deveria, sim, ter sido apeado. Se ele não tinha as armas que dizia ter, deveria ter bravateado menos, mas não vou me ater a essa lateralidade agora. Qual a diferença entre Saddam Hussein e Muamar Kadafi? Como e que se pode ser radicalmente contrário à guerra do Iraque e defender, agora, uma intervenção de forças estrangeiras na Líbia, ainda que feita no ambiente da Otan e com o apoio da ONU? A única razão por que Bush foi, então, criticado foi por ter agido sem o beneplácito — mas também sem o veto (mente-se muito sobre um veto que não existiu) — do Conselho de Segurança das Nações Unidas? Ora…
Todas as razões humanitárias — TODAS, SEM EXCEÇÃO! — que justificam uma possível intervenção na Líbia estavam dadas no Iraque com mais intensidade, com uma fartura de mortos. Saddam tratava seus inimigos a bala ou gás. Sim, é verdade: ele o fez contra iranianos, como aliado do Ocidente — recebeu armas também de Grã-Bretanha e França, não só dos EUA —, mas também contra a população do próprio país, como sabem os curdos. Para o seu próprio povo, não custa notar, Kadafi chega a ser ameno perto de Saddam. Hoje, a exemplo do Iraque ocupado por George W. Bush, a Líbia não representa mais um perigo para o mundo. O tirano havia renunciado às chamadas armas de destruição em massa e a seu programa nuclear.
Estou contra?
Estaria eu contra a ocupação da Líbia ou à tal zona de exclusão aérea, que corresponde a uma declaração de guerra? Eu não! Convivo muito bem com as minhas escolhas. Posso apoiar a intervenção americana na Líbia sem corar. Quem não poderia fazê-lo são aqueles que consideram criminosa a intervenção no Iraque e que agora clamam por ela em nome dos direitos humanos. Seriam os “direitos humanos” dos iraquianos esmagados por Saddam menos respeitáveis do que os dos líbios? Não posso crer. São países muito diferentes, sei disso. Mas os americanos encontrariam, obviamente, resistência de boa parte da população. Trata-se de uma distorção estúpida acreditar que só meia-dúzia de mercenários e uma pequena fatia das Forças Armadas mantêm Kadafi no controle de parte do país. ISSO É COISA DO JORNALISMO FACEBOOK!!! Ainda que isto nos ofenda, o fato é que o ditador conta com o apoio de parcela considerável da população.
Assim, que fique claro: por mim, faz-se a tal intervenção humanitária. A questão virá logo depois, na hora do bate-papo: “Leve-me a seu líder!” Quem é o líder? Será possível chegar lá, dar uma coça no coronel e cair fora? Acho que não. Vencer as forças líbias leais a Kadafi é fácil — como foi fácil bater os aliados de Saddam, muito mais poderoso.  O problema está nas conseqüências. Uma das alternativas que se estudam é armar os insurgentes. Cá com os meus cabelos brancos (nem tantos assim, mas em maior número do que os de Sarney ou Kadafi…), não posso crer que se especula sobre tal alternativa em 2011: no passado, os EUA já armaram Saddam e o próprio Osama Bin Laden, não é mesmo? À época, pareceu uma boa idéia…
Então qual é o ponto?
O ponto é restabelecer um mínimo de objetividade nessa história. O governo Obama errou de novo quando supôs que Kadafi cairia em questão de horas. Como se vê, não é o caso. Erra quando chama de “população civil” uma “população civil de fuzis na mão”  — e alguns tanques das forças desertoras. Ainda que isto não esteja de acordo com a visão romântica das revoluções espontâneas by Facebook, a Líbia está vivendo uma guerra civil. É uma questão de fato, não de gosto.
O que resta agora aos EUA? O Egito deixará claro num futuro médio que “a” solução era um problema — vai demorar um pouco, e, por isso, não peço que acreditem em mim. Acho que a história dirá. Se não disser, erro com gosto porque será melhor para o mundo. No caso da Líbia, resta aos EUA o ruim e o pior. O ruim já está dado. Ainda que Kadafi viesse a vencer a guerra, como continuar no poder? Voltou a ser pária — desta feita, até entre os pares. E assim é pelos próprios “méritos”, não por responsabilidade de Obama. Mas não cumpria ao presidente americano, SOB NENHUMA HIPÓTESE, ter dado o ultimato: “Saia daí ou…” Ora, esse “ou”, agora, pedirá a intervenção se os insurgentes não vencerem sozinhos. Em nome mesmo do quê? Ah, sim: dos direitos humanos, da paz, da… Inventem aí algumas dezenas de razões pelas quais os americanos deveriam invadir todas as ditaduras muçulmanas — notem que escrevo “muçulmanas”, não “árabes”; é que incluo o Irã no grupo de países passíveis de intervenção, dado tal critério.
Uma coisa é derrubar um governante que está por um fio, batendo em retirada; outra, diferente, é depor alguém que corre o risco de ganhar a guerra, caracterizando uma clara intervenção, o que ajudará, como desaire adicional, a incendiar as massas em outros países, descontentes com seus respectivos ditadores: “Vá para a rua que o Obama garante!” Infelizmente, isso parece não funcionar na Síria, em  Gaza ou no Irã… “E o pior, Reinaldo?” Bem, o pior é ter de invadir a Líbia e continuar lá!
Obama é pateticamente despreparado. A Casa Branca é hoje um ajuntamento de saberetas buliçosos testando teses. Trata-se de um arremedo de governo que age em nome de supostos valores universais, mas que pode deixar o mundo à beira do caos em virtude desse despreparo. Alguns cretinos diziam até outro dia que estava tendo de se haver com a herança maldita (oh, sempre ela!) de Bush no Iraque e no Afeganistão e que era molestado, internamente, pela extrema direita republicana, que se opunha a seu programa de saúde… Bem, vocês conhecem a vocação dos “esquerdistas democráticos” para pichar a democracia. Pois bem: a crise de agora do Oriente Médio não deve nada ao passado; também não deriva da ação dos inimigos republicanos. Evidentemente, não se trata de uma criação do próprio Obama. O que importa é o modo como ele reagiu e tem reagido.
Trata-se de um governo sem eixo, refém da opinião pública e obcecado pelo propósito de não contrariar ninguém, o que o leva a não ter agenda. A maior máquina militar do planeta é hoje caudatária de movimentos nos países árabes cuja origem ignora. Se Kadafi esmaga a revolta, não poderá ficar no poder; e isso é um desastre. Se Kadafi cai sem a interferência americana, os EUA serão acusados de omissos e vistos como inimigo por parte da população, e isso é um desastre. Se Kadafi cai com a intervenção americana, ela terá de ser menos breve do que muitos gostariam,  e os americanos serão vistos como inimigos pela outra parte da população, e isso é um desastre.
Obama corre o risco de se tornar sócio da derrota da Kadafi e, obviamente, adversário de sua eventual, mas improvável, vitória. É preciso ser muito ruim para cair numa esparrela dessas. Nunca apostei em Obama, como sabem, mas, de algum modo, ele me surpreende: está abaixo das piores expectativas. As irresoluções e tolices de agora projetam um futuro sombrio para o Ocidente.E não pensem que também não estou na torcida pela primavera democrática dos países árabes. Eu também sou livre para torcer, como todo mundo.
Por Reinaldo Azevedo

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