O bom senso começa a chegar aos nossos jornais. Leiam editorial de hoje no Estadão:
Atoleiro na Líbia
Quando o Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas aprovou, na quinta-feira passada, o uso de “todas as medidas necessárias” para deter a matança na Líbia rebelada contra o coronel Muamar Kadafi, esperava-se o que na vida civil se chama processo e, em linguagem militar, escalada. O ponto de partida seria a interdição do espaço aéreo do país, para impedir que o ditador continuasse a usar a aviação para atacar a população das cidades tomadas pelos insurretos. Isso provavelmente incluiria neutralizar as bases de onde poderiam ser alvejadas as aeronaves estrangeiras incumbidas de impor a chamada zona de exclusão sobre o território líbio. A intensidade da ofensiva, a sua duração e os seus desdobramentos dependeriam da reação do regime.
Quando o Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas aprovou, na quinta-feira passada, o uso de “todas as medidas necessárias” para deter a matança na Líbia rebelada contra o coronel Muamar Kadafi, esperava-se o que na vida civil se chama processo e, em linguagem militar, escalada. O ponto de partida seria a interdição do espaço aéreo do país, para impedir que o ditador continuasse a usar a aviação para atacar a população das cidades tomadas pelos insurretos. Isso provavelmente incluiria neutralizar as bases de onde poderiam ser alvejadas as aeronaves estrangeiras incumbidas de impor a chamada zona de exclusão sobre o território líbio. A intensidade da ofensiva, a sua duração e os seus desdobramentos dependeriam da reação do regime.
Pelo
visto, porém, a coalizão que assumiu a empreitada de conter Kadafi,
capitaneada pelos Estados Unidos, França e Grã-Bretanha, resolveu
queimar etapas, antes mesmo de qualquer reação. Já no sábado, 20 caças
franceses atacaram as posições do governo nas vizinhanças de Benghazi, a
segunda maior cidade líbia e último reduto rebelde, enquanto navios
americanos e um submarino britânico disparavam, do alto-mar no
Mediterrâneo, mais de 100 mísseis de cruzeiro contra uma vintena de
alvos a oeste, incluindo Trípoli. No dia seguinte, o ataque mirou o
complexo de construções que abriga o QG de Kadafi, também na capital. As
autoridades líbias dizem que chegam a 64 o número das vítimas civis
das operações.
Quaisquer
que sejam as baixas entre a população do país e o efeito dos ataques
sobre o poderio militar do regime, os seus estilhaços políticos se
projetaram em várias direções. A Liga Árabe, cujo endosso à resolução
anti-Kadafi na ONU foi decisivo para a sua aprovação (o texto foi
oficialmente patrocinado pelo Líbano), considerou que os bombardeios
deturparam o sentido da iniciativa. “O que aconteceu na Líbia é
diferente do objetivo de impor uma zona de exclusão aérea”, observou o
secretário-geral da Liga, Amr Moussa. “O que queremos é proteger os
civis e não bombardear mais civis.” Essa preocupação foi o que levou o
Brasil a se abster no Conselho de Segurança, ao lado da Alemanha,
Índia, China e Rússia. O risco, argumentou a chefe da delegação
brasileira, Maria Luiza Viotti, é fazer “mais mal do que bem”.
Ela
falava da questão humanitária, mas a advertência se aplica à questão
essencial na Líbia: a permanência de Kadafi no poder. A rápida
propagação do movimento pela sua queda, abrindo mais uma festejada
frente democrática no mundo árabe, embaçou a visão do Ocidente para o
fato de não ser desprezível o apoio com o qual o ditador ainda conta. As
bombas podem ter sido recebidas com euforia por seus inimigos ilhados
em Benghazi, mas tendem a reforçar o moral dos muitos que lhe são
leais, a ponto de venerá-lo, e de afrouxar a oposição de outros tantos.
E não há hipótese de ele próprio renunciar para poupar vidas de
concidadãos imersos numa guerra civil ou manter a integridade do país.
Seria um erro tratar como meras bravatas a sua ameaça de uma “longa
guerra” com o Ocidente e o anúncio de que armará 1 milhão de líbios.
De
mais a mais, bombardeios aéreos decidem guerras, mas não ganham
guerras. Para isso, nada substitui tropas em terra - eventualidade
expressamente excluída na resolução sobre a Líbia. O documento tampouco
autoriza a remoção de Kadafi. Mas outra não é a intenção dos seus
patrocinadores. Isso vale para o exaltado presidente francês, Nicolas
Sarkozy, desejando apagar da memória do mundo não só os negócios
recentes com Kadafi, como o seu apoio até a 25.ª hora ao ditador
tunisiano, Ben Ali. E vale para o presidente americano, Barack Obama,
que relutou em liderar a guerra em curso não porque não queira ver o
líbio deposto, mas para poupar os Estados Unidos da ira da rua árabe.
Daí
Washington correr a anunciar que, em questão de dias, o comando das
operações na Líbia passará para uma coalizão franco-britânica ou para a
Otan, a aliança militar ocidental. Isso não fará secar o atoleiro em
que os aliados se enfiaram: não podem deixar Kadafi onde está e não
podem tirá-lo sem um ataque direto que faria da Líbia um novo - e
impensável - Iraque.
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