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Marcelo Gleiser
Dentro da sua validade, teorias funcionam bem; mas dizer que a ciência detém a verdade é demais
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EM SEU ENSAIO "Absence of
Mind", a romancista e ensaísta
americana Marilynne Robinson,
que venceu o prêmio Pulitzer por seu
romance "Gilead", critica cientistas
como Richard Dawkins e Steven Pinker por seus ataques à fé e à religião.
Robinson declara que a postura
desses cientistas é essencialmente
fundamentalista, baseada na doutrina do "cientismo", que prega que
a ciência é o único modelo explicativo válido. "As certezas que, juntas,
trivializam e menosprezam, precisam ser revisitadas", escreveu.
Eis, resumidamente, o argumento
de Robinson: não há dúvida de que
a ciência é uma belíssima construção intelectual, com inúmeros triunfos no decorrer dos últimos quatro
séculos. Porém, sua visão de mundo
é necessariamente incompleta.
Reduzir todo o conhecimento aos
métodos da ciência acaba por empobrecer a humanidade. Precisamos de diversidade cultural, e essa
diversidade inclui, entre outras, a
cultura das religiões.
O que faz com que cientistas tenham tanta confiança no seu saber?
Afinal, a prática da ciência apoia-se
em incertezas; uma teoria funciona
apenas dentro de seus limites de validade. Teorias são testadas
constantemente e seus limites são expostos. É justamente dos limites de
uma
teoria que surgem outras..
Portanto, para que a ciência
avance é necessário que ela falhe.
As verdades de hoje não serão as
mesmas de amanhã. Veja, por
exemplo, a noção de que a Terra é o
centro do cosmo, plenamente aceita
até o século 17. Claro, dentro de sua
validade, teorias funcionam extremamente bem e, dessa forma mais
restrita, podemos chamá-las de verdadeiras. Mas afirmar que a ciência
detém a verdade é ir longe demais.
Escrevo não como uma crítica à
ciência -isso seria contradizer a minha obra!-, mas como uma espécie
de toque de despertar aos que pregam a ciência como dona da verdade. É necessário ter mais cuidado.
Robinson examina vários casos,
expondo seus pontos fracos e os
abusos da retórica científica. Porém, ela não é imune aos abusos de
sua retórica. Por exemplo, ela critica
a análise de Steven Pinker sobre o
"Bom Selvagem": "Será que é razoável argumentar contra o mito do
Bom Selvagem baseando-se na cultura do século 20? O que nos parece
primitivismo pode ser algo bem diferente. Não posso deixar que uma
análise tão falha seja difundida".
Em 2006, Robinson publicou uma
resenha do livro de Dawkins, "Deus,
um Delírio", na qual critica o biólogo
duramente. Robinson acusa Dawkins de usar argumentos científicos
onde eles não são pertinentes. Por
exemplo, quando Dawkins critica a
ideia de que Deus é o criador do Universo, afirmando que a ideia não faz
sentido: como o Universo começou
simples, Deus não poderia ser complexo para conseguir criá-lo.
Dawkins conclui que Deus contradiz a teoria da evolução, pois já surge
complexo. Robinson contra-ataca dizendo que aplicar teorias científicas a
Deus não faz sentido. Mesmo sendo agnóstico, tenho de concordar com
ela.
Muito da ciência e da religião vem
da necessidade que temos de encontrar sentido e significado em nossas
vidas. Simpatizo com a necessidade
de humildade e autocrítica nas ciências defendida por Robinson. Espero, porém, a mesma atitude de líderes religiosos e teólogos.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "Criação Imperfeita"
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