ZP11040103 - 01-04-2011
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Dom Landel: Ocidente não soube intuir o mal-estar social
Por Mariaelena Finessi
RABAT, sexta-feira, 1º de abril de 2011 (ZENIT.org)
- Os bispos católicos do norte da África (Marrocos, Argélia, Tunísia,
Líbia), unem o apelo do Papa, lançado no último dia 27 de março, a uma
solução diplomática na Líbia, destacando que tal intervenção deve
"levar em consideração as aspirações à liberdade e à cidadania
responsável".
Dom Vincent Landel, arcebispo de Rabat e presidente
da Conferência Episcopal das Regiões do Norte de África (CERNA),
explica, nesta entrevista a ZENIT, como nasceu a revolução na terra de
Khadafi e as aspirações dos jovens, verdadeiros promotores da mudança.
Uma proposta, finalmente, para frear os enormes fluxos migratórios dos
últimos meses, agravados pelos acontecimentos do continente africano.
ZENIT: Muitos observadores falam de uma primavera do mundo árabe que pegou de surpresa o Ocidente. O que o senhor acha disso?
Dom
Landel: Eu acho que esta é realmente uma "primavera", porque é algo
que se vê que quer nascer. E como todo nascimento, surgem umas fases
que devem ser atravessadas e problemas que devem ser superados,
especialmente por aqueles que estão em dificuldade, porque eles nunca
tiveram a oportunidade de se expressar...
Embora não se possa
negar que o que está em jogo é o elemento político, a gota d'água em
tudo isso foi o mal-estar social. Foi uma surpresa que, nesta forte
expressão da vontade popular, os manifestantes não se tenham deixado
manipular por este ou aquele partido, seja político ou religioso. Eles
souberam ser vigilantes, passando por uma "purificação política e
social". Não se deixaram seduzir nem se venderam.
ZENIT: Por
trás destas insurreições está o povo, se não todo, pelo menos uma
categoria muito concreta de pessoas: os jovens, formados e
desempregados, frustrados, sem trabalho, sem casa, sem perspectivas.
Dom
Landel: É verdade, não é todo o povo, porque em cada país há pessoas
que se aproveitam do regime existente ou que não estão prontas para a
mudança. No entanto, o motivo dessas mudanças foi "o apelo à liberdade, à
dignidade, à justiça", de pessoas que, forçadas à submissão, decidiram
se tornar cidadãs responsáveis. Nunca houve um desejo de restrição
religiosa. São os jovens desempregados e formados, os representantes de
todos os excluídos da sociedade, que não têm emprego, habitação decente
e nem sempre têm uma boa educação. Assim também é a classe média, que,
embora tenha uma ocupação, não está no poder e vê seu futuro se
fechando no horizonte.
ZENIT: As relações entre cristãos e
muçulmanos: para o senhor, estão unidos na luta pela democracia e na
resolução das injustiças sociais?
Dom Landel: Do pouco que
sei sobre o Oriente Médio, essas "revoluções" não tocaram nunca a
esfera religiosa. Também no Egito vimos os jovens muçulmanos e cristãos
se manifestarem no mesmo lugar, orgulhosos da sua própria fé e da sua
cidadania. São os egípcios, portanto, em sua totalidade, os que
derrubaram o regime. Em muitos países ocidentais se tem medo, no
entanto, de que os partidos religiosos extremistas tomem o poder. Eu
realmente acho que os jovens não estão dispostos deixar que sua própria
revolução seja roubada. Talvez tenham sido "extremistas", mas quando
havia um regime autoritário. Nesta nova realidade, estão se tornando,
no entanto, muito mais moderados.
Em todo o Oriente Médio, a
pessoa é cristã e cidadã, com direitos e deveres iguais aos dos
muçulmanos e aos de outras pessoas de diferentes credos. No entanto,
nos países do Magrebe (Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos), os cristãos
são, de fato, "estrangeiros" e, portanto, não podem ser considerados
propriamente cidadãos. Além disso, os cristãos do Magrebe são uma
pequena minoria, que chega a estas terras apenas por um curto período
de tempo, por razões de trabalho ou estudo. Aqui, os cristãos estão
envolvidos no desenvolvimento do país, comprometidos com uma maior
justiça social: aspiram a um direito de cidadania democrática do qual
não podem desfrutar.
Dito isso, cada um do seu lugar, há um
respeito mútuo. E não serão estes acontecimentos que destruirão os
laços criados ao longo dos anos. E embora essa palavra tenha sido usada
em ambas as costas do Mediterrâneo, não falamos de "cruzada". É
verdade que, para um árabe, o ocidental é um cristão. E que, para um
ocidental, o árabe é necessariamente um muçulmano; no entanto, estes
são falsos atalhos. Não transformemos o que está acontecendo em uma
"guerra de religiões".
ZENIT: Estes acontecimentos levaram a
traslados de populações: de fato, a crise do mundo árabe acelerou o
processo de migração e mais de 8.500 pessoas desembarcaram na Itália,
em janeiro passado, enquanto outras se arriscam a não ser bem
recebidas. Que políticas migratórias - extremamente específicas e
realizáveis - o senhor sugeriria?
Dom Landel: É verdade,
especialmente no caso da Líbia, que, aqueles que tinham uma embaixada
de referência, retornaram ao próprio país; mas "os mais pobres dos
pobres", incluindo os etíopes, eritreus e os muitos subsaarianos se
encontram na Líbia, não por trabalho, mas por estarem em trânsito rumo à
Europa. E agora estão vagando pelas ruas, na esperança de encontrar um
contrabandista que lhes permita cruzar o mar.
ZENIT: A
intervenção dos ocidentais continua dividindo. As divisões no seio da
comunidade internacional continuam e, gostemos ou não - como o senhor
disse em um comunicado -, a guerra no Oriente Médio será sempre
percebida como uma "cruzada". De onde é preciso começar para dialogar e
tentar encontrar uma solução pacífica?
Dom Landel: Sim,
usamos o termo "cruzada" na declaração da Conferência Episcopal da
Região do Norte da África (CERNA), e fizemos isso porque ele foi usado
em ambas as costas do Mediterrâneo, mas nossa a intenção não é criar
uma questão de guerra de religião. Trata-se simplesmente de um apelo
urgente a uma maior liberdade, dignidade e justiça, a se tornarem
cidadãos responsáveis e não dirigidos. Mas, no nosso caso, quero
afirmar, na esteira do que o Santo Padre disse, que "a guerra não
resolve nada e, quando ela explode, é incontrolável como uma explosão de
um reator nuclear".
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