ZP11042402 - 24-04-2011
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Entrevista com o escritor Pe. Félix Phili
ROMA, domingo, 24 de abril de 2011 (ZENIT.org)
- A comunidade islâmica na Zâmbia é pequena, mas despertou atenção nas
últimas três décadas, segundo o professor Pe. Félix Phili, Missionário
da África, autor do livro Muslim Associations and Resurgence of Islam in Zambia.
No programa de televisão "Deus chora na Terra", da Catholic Radio and Television Network (CRTN), em colaboração com Ajuda à Igreja Necessitada, o Pe. Phili fala do livro e do Islã na Zâmbia.
- Pe. Félix, o que o levou a escrever este livro?
Pe.
Phili: Esse livro é um desenvolvimento da pesquisa que eu fiz para a
minha tese doutoral na Escola de Estudos Africano-Orientais. Eu
trabalhei muito com a comunidade muçulmana da Zâmbia para reunir a
informação, e prometi que devolveria essa ajuda para eles. Então escrevi
o livro e eles puderam ver o resultado desse trabalho.
- Qual foi a inspiração para o livro?
Pe.
Phili: A força que existe na comunidade muçulmana do nosso país. Pouco
antes de eu começar a pesquisa, existia muita preocupação e medo da
comunidade muçulmana, que não se baseava de verdade em informação
objetiva. As pessoas especulavam sobre o que tinham visto e eu vi nisso
um tema interessante para pesquisar, e também uma forma de apresentar um
conhecimento claro sobre o que realmente ocorria no país.
- Houve alguma pessoa ou acontecimento determinante?
Pe.
Phili: Não. Como parte da preparação, eu estudei com a intenção de
trabalhar com os muçulmanos do norte da África. Já tinha feito quatro
anos de trabalho missionário na Tunísia. Quando tive a oportunidade do
doutorado, comecei a pensar no tema que poderia trabalhar. Um amigo
falou: "Por que não o Islã na Zâmbia?". Para ser franco, eu me
surpreendi. Quase nem existem muçulmanos na Zâmbia, só uns poucos aqui e
ali, mas eles me disseram: "Sendo tão poucos, não sabemos muito sobre
eles, então seria bom que você pesquisasse".
- Seu livro se chama The Resurgence of Islam, mas o Islã é só 0,5% da população. Que ressurgimento é esse? É um crescimento do Islã?
Pe.
Phili: O termo foi escolhido de propósito e tem a ver com a história
dessa comunidade de fé. Na verdade, os muçulmanos chegaram ao país antes
que os cristãos, mas a presença deles só foi sentida de verdade nas
últimas três décadas. É um tipo de ressurgimento de uma comunidade que
já existe, que se torna presente de modo mais eficaz; há um novo
dinamismo dentro dessa comunidade. É isso o que eu quero dizer com
ressurgimento.
- Você disse que o Islã chegou à Zâmbia antes do cristianismo. De onde ele veio?
Pe.
Phili: Os primeiros muçulmanos eram comerciantes árabes. Depois de
muito tempo na costa leste da África, eles começaram a se aventurar mais
no interior do continente. Vieram a maioria como comerciantes. No
começo eles não estendiam o Islã em si, porque só faziam assentamentos
temporários. Mas depois, lentamente, alguns assentamentos foram ficando
permanentes, e eles construíram uma relação com os indígenas; havia
algumas poucas tribos que colaboravam estreitamente com eles; algumas
dessas tribos se converteram ao Islã. Foi o caso de boa parte do povo
Yao, do Malaui, que também é um fator de presença do Islã na Zâmbia. E
são essas duas as primeiras comunidades que fizeram o Islã vir para a
Zâmbia.
- O dinheiro para a construção de mesquitas, clínicas e
escolas, por exemplo, está vindo de pessoas da Zâmbia ou de outros
países árabes, ou de muçulmanos do exterior?
Pe. Phili: Não
temos evidências claras de que algum país muçulmano ou árabe em
particular esteja patrocinando o Islã na Zâmbia, a não ser, de modo
indireto, a Agência Muçulmana Africana. É uma ONG, que, de alguma forma,
ajuda por exemplo na construção de mesquitas, mas é mais no sentido de
coordenar a construção de edifícios religiosos do que de promover
diretamente a expansão do Islã. Dentro da comunidade asiática da Zâmbia,
que tem muito envolvimento com comércio, houve financiamento local de
algumas estruturas simples, principalmente nas áreas rurais. Também
existem alguns muçulmanos fora do país que dão assistência aqui dentro
da África. Essas famílias vêm para cá e promovem a construção de
orfanatos e a escavação de poços. Então há recursos que vêm de fora do
país, sim, mas não é de um modo coordenado, é espontâneo.
- O
trabalho assistencial é uma parte importante do Islã ou é um fenômeno
baseado nas organizações assistenciais cristãs? Parece um fenômeno
relativamente novo.
Pe. Phili: As duas coisas. Por um lado
existe o modelo cristão. A comunidade muçulmana se baseia de alguma
forma nesse modelo, mas a motivação mais profunda deles vem de algo que
existe dentro do próprio islã, através do que nós chamamos de sacat: todo muçulmano com certa renda deve pagar, em tese, uma certa quantidade...
- Como o conceito cristão tradicional da esmola?
Pe.
Phili: Parecido... Então isso levanta alguns recursos. Esses recursos
são para ajudar os membros mais pobres da comunidade e,
tradicionalmente, atendem as necessidades imediatas das pessoas, mas,
com o desenvolvimento geral da sociedade na Zâmbia, isso também foi se
transformando, proporcionando educação, saúde e desenvolvimento. Em
certo sentido, eles não apenas copiaram o nosso modelo, porque dentro do
sistema religioso deles existe essa possibilidade de reunir recursos,
parecida com o que os cristãos fizeram antes deles.
- Como os cristãos reagem a isso? Estão preocupados?
Pe.
Phili: A reação cristã foi meio que esquecer a história recente, a
vinda dos missionários cristãos ao país. Os missionários cristãos
fizeram o que agora os muçulmanos estão fazendo. Os tempos mudaram.
Houve muitas alegações contra a comunidade muçulmana, dizendo que agora
eles estão comprando conversões com incentivos materiais.
- Este é um argumento válido?
Padre
Phili: Em certo sentido é um argumento válido, mas como eu disse, os
tempos mudaram, e a comunidade muçulmana oferece os mesmos serviços que
os missionários cristãos ofereceram antes. A principal crítica a este
tipo de postura é que é uma maneira de se aproveitar dos pobres na
sociedade, porque as pessoas têm necessidades materiais. De algum modo,
indiretamente, a forma de oferecer-lhes os serviços faz com que as
pessoas sintam que há certas expectativas. Esta tem sido uma das
críticas contra a comunidade muçulmana – dizer que se aproveita dos
pobres da sociedade e, ao oferecer-lhes estes serviços, alcançar novos
convertidos.
- Isso implica a questão de que até que ponto é
válida esta opção de vida. Se se está em um momento de necessidade, até
que ponto entra de verdade a fé de uma pessoa?
Padre Phili:
Em certo sentido isso depende de cada indivíduo, porque, no geral, no
islã não há catecismo. Se se tem a oportunidade, pode-se preparar e
ensinar alguém o que é o islã, antes de se converter, mas na maioria dos
casos a conversão é mais ou menos instantânea. Aprende-se como ser
muçulmano só depois de se ter convertido. Também se dão conta de que a
ajuda que oferecida é mínima; em ocasiões se resume a um cobertor, por
exemplo – ainda que isso signifique muito para alguém da zona rural,
especialmente durante a estação fria –, mas logo se espera que, ao
participarem de modo contínuo dos encontros e se apresentarem como
muçulmanos, possam receber mais ajuda.
- Qual é a resposta dos cristãos de Zâmbia? Há preocupação de choques entre cristãos e muçulmanos?
Padre
Phili: Há uma inquietante associação com formas extremistas que estão
se dando em outros lugares. Nesse sentido, a comunidade cristã, a Igreja
católica em particular, tem expressado sua cautela ao dizer que o islã
torna-se visível e está crescendo.
- Como a Igreja católica tenta trabalhar com os muçulmanos?
Padre
Phili: Tem havido alguns esforços aqui e ali para chegar à comunidade
muçulmana. As comunidades muçulmanas locais em si, ao menos algumas
delas, estão muito abertas aos cristãos e à Igreja católica em
particular, mas até o momento não há verdadeiras estruturas permanentes
ou meios que coordenem uma colaboração estreita entre as duas
comunidades.
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Esta entrevista foi realizada por
Mark Riedemann para "Deus chora na terra", um programa rádio-televisivo
semanal produzido por ‘Catholic Radio and Television Network’, (CRTN),
em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.
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