domingo, 15 de maio de 2011

João Paulo II e a queda do Comunismo

 Quem matou o comunismo? A análise ocidental (e a de muitos comunistas) apontou as incapacidades econômicas dos estados marxista-leninistas. Num mundo definido por chips de silicone e cabos de fibra óptica, o comunismo – ficou demonstrado – simplesmente não poderia competir. O foco centrado nas causas econômicas do colapso sempre pareceu, no entanto, uma “resposta” estranhamente marxista para o quebra-cabeça. Felizmente, análises melhor formuladas, baseadas num maior entendimento da distribuição de papéis dos atores no absorvente drama do colapso marxista agora estão disponíveis. Que o papa João Paulo II teve um papel indispensável nessa mudança agora é algo amplamente reconhecido por vários historiadores (e atores) do final da Guerra Fria – dentre eles Mikhail Gorbachev. Mas, os termos em que deve ser entendido o papel do papa, esses provavelmente continuam controversos. O ex-repórter do Washington Post, Carl Bernstein, quem primeiro escreveu essa história para a revista Time e Marco Politi, o correspondente no Vaticano do diário italiano La Repubblica, afirmam vigorosamente (no livro His Holiness: John Paul II and the hidden history of our time, de 1996) que o papa foi um protagonista crucial na luta pela liberdade, e que a luta começou com a formação do Solidariedade, o sindicato polonês de oposição política e terminou com a implosão da União Soviética. Mas a leitura que fazem desses eventos se dá por meio de uma teoria da conspiração da história que obscurece, na mesma medida que ilumina, os muitos fatores que estiveram operantes nesse complexo processo histórico. Com isso, perde-se a originalidade de análise e de prescrição que João Paulo II aplicou no confronto com o totalitarismo. Karol Wojtyla trouxe uma formidável inteligência filosófica e teológica, bem como uma leitura distinta da história do século XX para a cátedra de São Pedro, no dia 16 de outubro de 1978. Como Wojtyla o entendeu, a divisão da Europa após a Conferência de Yalta em 1945 foi, antes de tudo, uma catástrofe moral, onde falsas concepções da pessoa humana, da comunidade humana e do destino do homem foram impostas pela força bruta nas culturas historicamente cristãs. O comunismo não é somente uma estupidez econômica e uma política brutal. Ele é, antes e acima de tudo, um falso humanismo. De fato, as tolices econômicas e a repressão política dos regimes comunistas foram expressões da falha mais fundamental na teoria comunista. Assim, o antídoto mais eficaz à toxina comunista, acreditava Wojtyla, estava na ordem das idéias e dos valores. Um verdadeiro humanismo, defendendo os direitos básicos do homem como atributos inalienáveis da personalidade humana, foi a arma com que se pôde oferecer melhor resistência ao comunismo. Para Wojtyla não havia tensão, mas ao contrário, havia uma profunda ligação entre esses clamores por direitos humanos e o Evangelho cristão. E, com base nessa convicção, como papa, lançou um desafio original e (conforme as coisas se revelavam) surpreendentemente eficaz àquilo que políticos e teóricos de relações internacionais há muito presumiam ser um dado: a divisão permanente da Europa e a hegemonia comunista ao leste do Rio Elba. Assim como Josef Stalin (1879-1953) questionou: “Quantas divisões tem o papa?”, João Paulo II mostrou ter algo mais potente: a capacidade de apelar para as consciências dos povos e das nações, a dignidade da pessoa humana e a vitalidade das antigas tradições culturais. Para aumentar o ódio da liderança soviética, o papa pôs em prática suas convicções dois anos antes da administração de Ronald Reagan (1911-2004) chegar ao poder em 1981. No entanto, a dupla Bernstein e Politi alega que o comunismo foi derrotado por uma “Aliança Sacra” secreta entre João Paulo II e o presidente Reagan durante uma audiência privada em junho de 1982, em Roma. Isso está totalmente fora de sincronismo histórico. As entrevistas dos autores com os antigos funcionários da administração Reagan e algumas descobertas úteis nos recém disponibilizados arquivos soviéticos acrescentaram detalhes interessantes à história dos anos oitenta, mas a forma com que contam a história é, muitas vezes, floreada. “Não há dúvida,” escrevem Bernstein e Politi em His Holiness, “que o papa deu a William Casey [ex diretor da CIA] sua bênção” após um encontro no início dos anos oitenta. Sem dúvida que o fez, mas isso é exatamente o que ele faz dezenas de vezes ao dia para aqueles com quem se encontra. Nossos autores acham “igualmente surpreendente” o fato “do diretor da CIA e o Sumo Pontífice terem mantido uma conversa altamente íntima e espiritual”. Mas porque isso deveria ser uma surpresa, já que todos sabiam do comprometimento com o ministério pastoral de João Paulo II, ao longo de cinqüenta anos, tanto com os pobres como com os poderosos? E depois há a descrição do papa como um elo da inteligência com o Embaixador americano dos Estados Unidos Vernon Walters em novembro de 1981: “‘O que é isso?’ perguntou o vigário de Cristo,” estudando uma fotografia. “‘Equipamento pesado, Santo Padre’ – veículos militares, transportes de pessoal, tanques, para o uso das forças de segurança polonesas”. Enquanto há, sem dúvida, um fascínio em imaginar João Paulo II debruçado sobre uma fotografia do satélite da inteligência com Walters, não há motivo para pensar naquilo que os autores hiperbolicamente descreveram como um “vaivém de alto nível de informações da inteligência” entre Washington e Roma, e como isso teve um impacto significativo na análise do papa – ou na abordagem da – luta pela liberdade na Europa centro-oriental. João Paulo II pensava sobre esses assuntos em termos um tanto diferentes dos empregados por diplomatas, oficiais militares e espiões. A hipótese da “Sacra Aliança” de Bernstein e Politi é, em suma, um exagero que distorce a singularidade da visão de Wojtyla às reviravoltas da história. Que o Vaticano e a Casa Branca tinham certos interesses em comum na Europa centro-oriental é sabido; que tanto o papa quanto o presidente americano suspeitavam (contra as admoestações dos conselheiros mais tradicionais) que o imperador comunista estava nu, parece claro; que a política dos Estados Unidos no governo Reagan e a “Ostpolitik” de João Paulo II se reforçavam mutuamente, parece que se depreende dos fatos. Mas isso não significa uma “Sacra Aliança”, no sentido de um esforço intimamente coordenado de derrubar o comunismo. A hipótese de Bernstein e Politi é, portanto, um lembrete interessante de que olhar para a história exclusivamente por intermédio de lentes político-econômicas, falha em captar a tessitura humana e moral dos grandes acontecimentos – uma advertência para qualquer um que tentar discernir os contornos de um século vindouro, onde as questões religiosas certamente terão um papel dominante. O autor, George Weigel é Senior Fellow do Ethics and Public Policy Center de Washington e o mais relevante biógrafo de João Paulo II. O artigo foi publicado originariamente na revista bimestral Religion & Liberty do Acton Institute, em janeiro-fevereiro de 1997. Tradução ao português pelo Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista.

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