sexta-feira, 29 de julho de 2011

Pio XII salvou 11.000 judeus romanos

ZP11072907 - 29-07-2011
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Dados publicados pela fundação Pave the Way

Por Jesús Colina
ROMA, sexta-feira, 29 de julho de 2011 (ZENIT.org) – Conforme documentação descoberta recentemente por historiadores, a ação direta do papa Pio XII salvou a vida de mais de 11.000 judeus em Roma durante a II Guerra Mundial.
O representante da fundação Pave the Way na Alemanha, o historiador e pesquisador Michael Hesemann, descobriu muitos documentos originais de grande importância ao pesquisar os arquivos da igreja de Santa Maria dell'Anima, a igreja nacional da Alemanha em Roma.
A Pave the Way, com sede nos Estados Unidos, fundada pelo judeu Gary Krupp, anunciou o achado em declaração enviada a ZENIT.
“Muitos criticaram Pio XII por guardar silêncio durante as prisões e quando os trens partiram de Roma com 1.007 judeus, que foram enviados para o campo de concentração de Auschwitz”, declarou Krupp. “Os críticos não reconhecem nem sequer a intervenção direta de Pio XII para dar fim às prisões, em 16 de outubro de 1943”.
“Novos achados provam que Pio XII agiu diretamente nos bastidores para impedir as prisões às 2 horas da tarde do mesmo dia em que elas começaram, mas não conseguiu deter o trem que tinha aquele destino tão cruel”, acrescentou.
Segundo um estudo recente do pesquisador Dominiek Oversteyns, havia em Roma 12.428 judeus no dia 16 de outubro de 1943.
“A ação direta do papa Pio XII salvou a vida de mais de 11.400 judeus”, explica Krupp. “Na manhã de 16 de outubro de 1943, quando o papa soube da prisão dos judeus, enviou imediatamente um protesto oficial vaticano ao embaixador alemão, que sabia que não teria resultado algum. O pontífice mandou então seu sobrinho, o príncipe Carlo Pacelli, até o bispo austríaco Alois Hudal, cabeça da igreja nacional alemã em Roma, que, conforme relatos, tinha boas relações com os nazistas. O príncipe Pacelli disse a Hudal que tinha sido enviado pelo papa e que Hudal devia escrever uma carta ao governador alemão de Roma, o general Stahel, pedindo que as prisões fossem canceladas”.
A carta do bispo Hudal ao Generale Stahel dizia: “Precisamente agora, uma fonte vaticana [...] me informou que nesta manhã começou a prisão dos judeus de nacionalidade italiana. No interesse de um diálogo pacífico entre o Vaticano e o comando militar alemão, peço-lhe urgentemente que dê ordem para parar imediatamente estas prisões em Roma e nas regiões circundantes. A reputação da Alemanha nos países estrangeiros exige esta medida, assim como o perigo de que o papa proteste abertamente”.
A carta foi entregue em mãos ao general Stahel por um emissário de confiança do papa Pio XII, o sacerdote alemão Pancratius Pfeiffer, superior geral da Sociedade do Divino Salvador, que conhecia Stahel pessoalmente.
Na manhã seguinte, o general respondeu ao telefone: “Transmiti imediatamente a questão à Gestapo local e a Himmler pessoalmente. E Himmler ordenou que, considerado o status especial de Roma, as prisões sejam interrompidas imediatamente”.
Estes fatos são confirmados também pelo testemunho obtido durante a pesquisa do relator da causa de beatificação de Pio XII, o padre jesuíta Peter Gumpel.
Gumpel declarou ter falado pessoalmente com o general Dietrich Beelitz, que era o oficial de ligação entre o escritório de Kesselring e o comando de Hitler. O general Beelitz ouviu a conversa telefônica entre Stahel e Himmler e confirmou que o general Stahel tinha usado com Himmler a ameaça de um fracasso militar se as prisões continuassem.
Institutos religiosos isentos de inspeções nazistas
Outro documento, “As ações para salvar inumeráveis pessoas da nação judaica”, afirma que o bispo Hudal conseguiu, através dos contatos com Stahel e com o coronel von Veltheim, que “550 instituições e colégios religiosos ficassem isentos de inspeções e visitas da polícia militar alemã”.
Só numa destas estruturas, o Instituto San Giuseppe, 80 judeus estavam escondidos.
A nota menciona também a participação “em grande medida” do príncipe Carlo Pacelli, sobrinho de Pio XII. “Os soldados alemães eram muito disciplinados e respeitavam a assinatura de um alto oficial alemão... Milhares de judeus locais em Roma, Assis, Loreto, Pádua e outras cidades foram salvos graças a esta declaração”.
Michael Hesemann afirma que é óbvio que qualquer protesto público do papa quando o trem partiu teria provocado o recomeço das prisões.
Ele ainda explica que a fundação Pave the Way tem no seu site a ordem original das SS de prender 8.000 judeus romanos, que deveriam ser enviados para o campo de trabalho de Mauthausen e ser retidos como reféns, e não para o campo de concentração de Auschwitz. Pode-se pensar que o Vaticano acreditasse em negociar a libertação deles.
Soube-se também que o Vaticano reconheceu que o bispo Hudal ajudou alguns criminosos de guerra nazistas a fugir da prisão no fim do conflito.
Por causa de sua postura política, o bispo era persona non grata no Vaticano, e foi repreendido por escrito pelo secretário de Estado vaticano, o cardeal Giovanni Battista Montini (futuro papa Paulo VI), por sugerir que o Vaticano ajudasse os nazistas a fugir.
Gary Krupp, diretor geral da Pave the Way, comentou que a fundação “investiu grandes recursos para obter e difundir publicamente todas estas informações para historiadores e peritos. Curiosamente, nenhum dos maiores críticos do papa Pio XII se deu ao trabalho de vir até os Arquivos Vaticanos abertos (e abertos completamente, desde 2006, até o ano de 1939) para fazer estudos originais. Também não consultaram o nosso site gratuito”.
Krupp afirma ter a sincera esperança de que os representantes dos peritos da comunidade judaica romana pesquisem o material original, que se encontra a poucos passos de sua casa.
“Creio que descobriram que mesma existência hoje da que o papa Pio XII chamava ‘esta vibrante comunidade’ deve-se aos esforços secretos deste papa para salvar cada vida”, disse. “Pio XII fez o que pôde, quando estava sob a ameaça de invasão, de morte, cercado por forças hostis e com espiões infiltrados”.
Elliot Hershberg, presidente da Pave the Way Foundation, acrescenta: “No serviço de nossa missão, nos empenhamos em tentar oferecer uma solução para esta controvérsia, que atinge mais de 1 bilhão de pessoas”.
“Temos usado nossos links internacionais para obter e inserir em nosso site 46.000 páginas de documentos originais, artigos originais, testemunhos oculares e entrevistas com especialistas para oferecer esta documentação pronta a historiadores e especialistas.”
“A publicidade internacional deste projeto tem levado, a cada semana, nova documentação, que mostra como estamos nos movendo para eliminar o bloqueio acadêmico que existe desde 1963.”

Tunísia: pós-revolução, travessia do deserto

ZP11072604 - 26-07-2011
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Arcebispo de Túnis fala da transição democrática depois de Ben Ali

Por Chiara Santomiero
TÚNIS, terça-feira, 26 de julho de 2011 (ZENIT.org) – “A revolução é a travessia do Mar Vermelho, a manifestação do desejo de liberdade, justiça e paz. O período pós-revolução é a travessia do deserto, um período longo e duro, caracterizado por recolher a própria história.”
Assim define a fase de transição que afeta a Tunísia Dom Maroun Lahham, arcebispo de Túnis.
Na carta pastoral “Faço novas todas as coisas”, distribuída no dia 24 de julho, Dom Lahham se detém na leitura dos recentes acontecimentos no país, do ponto de vista da Palavra de Deus.
Revolução de jasmim
No dia 14 de janeiro, a “Revolução de jasmim” – um protesto muito alimentado pelos jovens através da internet – levou ao fim o regime de Zine El Abidine Ben Ali, que durou 23 anos e se caracterizou pela corrupção e os abusos.
Desde então, iniciou no país um processo de democratização, guiado por governos de transição, que levará às primeiras eleições livres, no dia 23 de outubro, para a Assembleia constituinte, que deverá dar à Tunísia sua nova estrutura.
Um percurso não ausente de incertezas e protestos dos que cobram rapidez nas reformas, em virtude de uma fase de grande precariedade econômica do país, acentuada pelas repercussões da revolução sobre o turismo (que representa 8% do PIB) e o desemprego.
No dia 17 de julho, na cidade de Sidi Bouzid – a mesma onde o comerciante Mohamed Bouazizi tinha ateado fogo ao próprio corpo no dia 17 de dezembro, num ato que marcou o início dos protestos – morreu um jovem de 14 anos, Thabet Belkacem, atingido por um disparo de policiais durante uma manifestação.
O primeiro-ministro provisório, Beji Caid Essebsi, denunciou um plano de desestabilização por parte das forças contrárias à revolução e à redemocratização do país, assinalando aos partidos políticos confessionais e aos movimentos extremistas ligados a eles, que seriam conscientes de não poder enfrentar as eleições de outubro e estariam, assim, movendo-se para barrá-las, alimentando a violência nas ruas.
Nesse país, que busca uma nova definição, está também a comunidade católica tunisiana, pequena – 22 mil católicos em 10 milhões de habitantes –, mas viva e organizada em 11 paróquias, com 121 religiosas e 49 sacerdotes. Os católicos gerenciam 11 escolas, têm em suas salas 6 mil alunos muçulmanos e dão uma importante contribuição educativa para o futuro da Tunísia.
Nova realidade
“É necessário acolher esta realidade em sua novidade – escreve Dom Lahham – e viver com humildade a situação atual na Igreja”.
Humildade significa, entre outras coisas, “aceitar ser uma Igreja em uma sociedade muçulmana quase ao 100%” e, portanto, “viver a fé e testemunhar Jesus Cristo no seio de um povo não cristão”, além de “descobrir na vida deste povo e em suas tradições culturais e religiosas o dom que o próprio Deus lhes deu, para enriquecer nossa fé e a da nossa Igreja”.
Entre outras coisas, sobretudo nesta fase de transição democrática, oferece-se à Igreja Católica (quase em sua maioria composta de não tunisianos que em sua maioria são ocidentais) uma grande oportunidade: “além do respeito recíproco, ao diálogo da vida que é nosso pão cotidiano, temos a possibilidade, e talvez a missão, de servir de ponte entre estes dois mundos: o Magreb e o Ocidente”.
A propósito das tensões que atravessam o país, “uma coisa é a revolução – explica o bispo de Túnis – e outra é a democracia”. Uma fase constituinte, de fato, representa um gigantesco passo adiante nesta direção, mas estabelecer os valores da democracia custará gerações inteiras”.
“Durante décadas – assinala Dom Lahham – as pessoas tiveram medo das autoridades; agora são estas que temem a opinião pública. É um bem, portanto, que os jovens se manifestem”.
Se os tempos fixados para a transição democrática são ainda longos, é um tempo para sonhar com um espírito positivo e otimista, apesar das dificuldades.
É necessário que a Tunísia saiba resistir “às tentações do domínio, da posse e dos interesses pessoais”, para abrir as portas “à liberdade, ao respeito de todos em suas diferenças, ao sentido do serviço autêntico e sobretudo ao perdão dos erros do passado”.
Raízes religiosas
No que diz respeito à nova estrutura institucional, “nós somos a favor, certamente – afirma Dom Lahham –, da separação da mesquita do Estado”.
“Nós esperamos que a Tunísia possa encontrar um bom caminho para cada uma das aspirações espirituais e religiosas de seus cidadãos e de seus hóspedes”.
Espera-se também que o país saiba viver “ao mesmo tempo a transição democrática e a pertença ao mundo árabe muçulmano e que encontre o caminho para conciliar a fidelidade ao Deus único com os dons da modernidade”.
Desta modo, verdadeiramente, “a construção democrática representa a chegada à Terra prometida”.
Laboratório de democracia
Este momento histórico da Tunísia e a passagem a uma nova fase de definição institucional é o mesmo atravessado por outros países do norte da África e do Oriente Médio.
“A primavera árabe é real” – afirma Dom Lahham –. “Os países árabes estão vivendo, cada um em seu contexto particular, uma prometedora primavera”.
Esta primavera, segundo o arcebispo, floresce se estiver baseada na juventude, com suas reivindicações de liberdade, dignidade, transparência, justiça, igualdade, possibilidade de escolha pessoal.
“A Tunísia representa um laboratório de democracia para os países árabes: se o processo para a transição democrática chegar até aqui, o mesmo pode acontecer em outras partes e talvez mudar estruturas consolidadas nas relações internacionais.”
É necessário – convida o arcebispo – “ajudar a economia e erguer o turismo, que emprega 25% da população”.

O terrorismo do mal e do pecado: a tragédia na Noruega




27de julho de 2011 (Notícias Pró-Família) - A Noruega é um dos lugares mais belos da terra. Um paraíso nórdico de fiordes, litoral, geleiras e florestas. Os noruegueses têm merecidamente orgulho de sua sociedade pacífica e próspera.
Pois bem, hoje a Noruega está num estado de choque total e absoluto depois de um dos atos de terrorismo mais cruéis e a sangue frio desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 contra os EUA. Os noruegueses estão desesperadamente tentando explicar essa matança sem lógica. O assassino tem sido descrito como um extremista de direita, um cristão fundamentalista, um fanático anti-imigração e mentalmente doente. O mais provável, em minha opinião, é que ele seja um fascista.
Mas há duas razões básicas desse ato horrível que poucos na Noruega, ou no resto do mundo ocidental inclusive, reconhecerão: o mal e o pecado.
Entenda: a Noruega é um dos países mais seculares da Europa ocidental. Quase nada restou da fé cristã que no passado dominava o país.
Por isso, sem a compreensão cristã da natureza humana caída, o povo da Noruega fica apenas com o luto, mas sem uma explicação para o horror que lhes sobreveio.
Tudo o que posso pensar é numa visita que fiz a uma prisão de segurança máxima fora de Oslo na década de 1980. Conto-lhe esse caso no meu livro How Now Shall We Live? (Como viveremos agora?) Fui cumprimentado pela carcereira, que era psiquiatra. Ela me guiou num passeio pelo lugar, que parecia mais um laboratório do que uma prisão. Vimos tantos outros psiquiatras que perguntei à carcereira quantos dos presos ali eram casos de doença mental.
Ela respondeu: "Todos eles, é claro".
Fiquei espantado, e perguntei: "Verdade?"
"Veja bem", disse ela, "qualquer um que comete um crime violento tem obviamente um desequilíbrio mental".

Essa era a expressão máxima do modelo terapêutico. As pessoas, assim segue esse tipo de raciocínio, são basicamente boas, de modo que qualquer um que faça algo tão horrível quanto isso só pode ser doente mental. E a solução é terapia. É uma maneira tragicamente falha e inexata de ver a natureza humana. E, conforme fiquei sabendo apenas alguns dias mais tarde, é uma maneira muito perigosa.
Durante essa visita preguei o Evangelho aos presos. Eles estavam completamente insensíveis à mensagem. Mas quando eu estava indo embora, uma funcionária cristã da prisão veio até mim. Ela disse que havia orado para que alguém confrontasse os presos com a mensagem sobre pecado e salvação. Ela estava frustrada com o sistema prisional da Noruega, onde não havia nenhum conceito de responsabilidade pessoal. Portanto, não havia nenhuma razão para os presos buscarem uma transformação pessoal.
Alguns dias mais tarde, fiquei sabendo da notícia trágica: a jovem funcionária com quem eu havia conversado foi incumbida de escoltar um preso para fora da prisão para assistir a um filme como parte da terapia dele. No caminho de volta para a prisão, ele a matou.
A questão importante é esta: quando tentamos dar razões convincentes sobre o mal moral, fracassaremos em nossos esforços de reprimi-lo. Não podemos dar explicações sobre a conduta humana sem reconhecer que somos criaturas caídas propensas ao pecado.
Como um triste comentário final sobre a tragédia de Oslo, a sentença máxima que um criminoso pode receber na Noruega é 21 anos. Por isso, a não ser que ocorra algo fora do comum, o terrorista de Oslo estará de volta às ruas em 2032. Uma porta-voz da polícia de Oslo explicou desta forma: "O que o mundo precisa compreender sobre a Noruega é que esse incidente representa nossa perda da inocência, pois temos sido um país muito seguro de se viver, até agora". Ela então acrescentou: "Não existe nenhuma razão para se manter as pessoas a vida inteira na prisão".
Mas há e sempre haverá. Chama-se pecado.

***


por
Chuck Colson

Publicado com a permissão de Breakpoint

Traduzido por Julio Severo: http://www.juliosevero.com

Fonte: http://noticiasprofamilia.blogspot.com

Mundo sem armas nucleares é possível




Representante vaticano recorda doutrina sobre essas armas

KANSAS CITY, quarta-feira, 27 de julho de 2011 (ZENIT.org) - "Um mundo sem armas nucleares não só é possível, converteu-se em algo urgente", afirma um representante do Vaticano na ONU.

O arcebispo Francis Chullikatt fez essa afirmação há duas semanas, em Kansas City. Ele foi convidado pelo departamento diocesano de direitos humanos para dar uma visão geral da doutrina da Igreja sobre as armas nucleares.

Seu discurso formou parte do compromisso diocesano de educar o público sobre a doutrina da Igreja nessa matéria. É uma resposta contra o projeto de construção de uma planta de armas nucleares em Kansas City.

"Está-se dando uma nova atenção à matéria sem resolver o problema das 20.000 armas nucleares localizadas em 111 lugares, em 14 países", disse o prelado.

"Mais da metade da população mundial vive em um país que tem armas nucleares. A cada ano, as nações gastam 100 bilhões de dólares para manter e modernizar seus arsenais nucleares."

Dissuasão

Dom Chullikatt, que é indiano, recordou que os padres do Concílio Vaticano II, apesar de advogarem por uma proibição universal contra a guerra, "com a compreensão que tinham naquele momento", disseram que "o acúmulo de armas serviriam como dissuasão ante um possível ataque inimigo".

O Papa João Paulo II esclareceu em 1982, em um discurso à ONU, que "uma dissuasão baseada no equilíbrio, não certamente como um fim em si mas como uma etapa no caminho de um desarmamento progressivo, pode ainda ser julgada como moralmente aceitável".

"Essa declaração deixou claro que a dissuasão nuclear durante os anos da Guerra Fria só podia ser aceitável se conduzisse a um desarmamento progressivo. O que se pretendia, portanto, não era a dissuasão nuclear como uma política única e permanente", explica Dom Chullikatt. "Esta é a principal questão da dissuasão: a aceitação moral da Igreja esteve sempre condicionada ao avanço para sua eliminação".

Depois da Guerra Fria

Após a Guerra Fria, a pressão internacional aumentou para deter a proliferação de armas nucleares. Os esforços da Igreja também aumentaram, centrando-se "no desafio que consideramos como a institucionalização da dissuasão".

"A dissuasão não estava sendo considerada como uma medida provisória. Pelo contrário, os Estados com armas nucleares começaram a buscar uma vantagem nuclear, enfatizando que as armas nucleares eram fundamentais para suas doutrinas de segurança".

Tal era a situação que em 2005, quando as nações se reuniram para revisar o Tratado de Não-Proliferação, tal tratado estava à beira do colapso. Os compromissos do desarmamento foram ignorados e o próprio conceito da eliminação foi rejeitado pelos Estados com armas nucleares.

A Santa Sé reitero sua posição de que a dissuasão nunca foi aceita como medida permanente e foi tolerada só como um passo no caminho do desarmamento nuclear progressivo.

No ano seguinte, na mensagem para o Dia Mundial da Paz, Bento XVI recordou que "em uma guerra nuclear não haveria vencedores, só vítimas".

O Santo Padre observou também que o dinheiro gasto na manutenção e no desenvolvimento dos arsenais supera amplamente o dedicado a ajudar os povos.

O representante vaticano citou o Papa, que pediu "negociações para um desmantelamento progressivo e de mútuo acordo das armas nucleares" e, no ano passado, pediu aos delegados da Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear que "superem as cargas da história".

"A partir dessa doutrina, a Igreja sublinha sua cada vez maior aversão às armas nucleares", afirmou o arcebispo.

Esforço

Dom Chulikatt cobrou um maior esforço na eliminação das armas nucleares.

Ele lamentou que as negociações integrais solicitadas pelo Tribunal Internacional de Justiça não tenham começado. O tratado START, entre os EUA e a Rússia, só faz pequenas reduções e deixa intacto um amplo arsenal nuclear por ambas partes.

O prelado destacou como o secretário geral fez um apelo por uma nova convenção ou pelo fortalecimento mútuo de instrumentos para eliminar as armas nucleares, apoiado por instrumentos eficazes de verificação.

"A Santa Sé apoia este plano - disse - e advoga pela transparência, o desarmamento verificável, o desarmamento nuclear global e irreversível, e por abordar seriamente a questão das armas nucleares estratégicas, as táticas e os meios de desenvolvimento. A Igreja permanece totalmente comprometida nos esforços de ambos para deter a proliferação e avançar em um acordo internacional vinculante, ou um marco de acordos, para eliminar os arsenais existentes sob supervisão de uma efetiva verificação internacional."

"Visto de um ponto de vista jurídico, legal, político, de segurança e, além de tudo, moral, não há nenhuma justificativa para continuar mantendo armas nucleares", disse o arcebispo. "Este é o momento de começar a direcionar de maneira sistemática os requisitos para um mundo livre de armas nucleares".

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Certezas e incertezas da “Revolução do Jasmim” (2)

ZP11072104 - 21-07-2011
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Entrevista com arcebispo de Luxor, Dom Youannes Zacharia

CAIRO, quinta-feira, 21 de julho de 2011 (ZENIT.org) – A chamada “primavera árabe” ou “Revolução do Jasmim” uniu, na Praça Tahrir do Cairo, jovens muçulmanos e cristãos, mostrando a vontade de conviver em uma mesma nação.
No entanto, precisamente nestes últimos anos, foram testemunhas do aumento de atos de intolerância com relação aos cristãos, que provocaram preocupação no Ocidente, especialmente na Igreja, como se evidenciou durante o Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio, realizado em Roma em outubro de 2010.
Qual pode ser a contribuição dos cristãos para o futuro cenário político destes países? A esta e outras perguntas responde Dom Youannes Zacharia, bispo católico de Luxor, nesta segunda parte de uma ampla entrevista realizada pela equipe árabe de ZENIT.
A primeira parte foi publicada ontem e a terceira parte será publicada amanhã.
ZENIT: Nos últimos anos, foram observados casos sem precedentes de conversões forçadas ao Islã. Em sua opinião, trata-se de incidentes aleatórios ou de um plano metódico, levando em consideração que o grupo de idade que constitui o alvo é somente um – as mulheres jovens?
Dom Zacharia: Não acho que sejam incidentes casuais, mas que existem pessoas planejando e financiando esse tipo de incidentes e tirando proveito dos problemas emocionais, familiares e financeiros que essas moças coptas sofrem. Eles as ajudam a escapar das suas famílias e as convidam a converter-se ao Islã.
Cada família copta deveria cuidar dos seus filhos e filhas e a Igreja, neste período tão delicado, tem de intensificar sua atividade no aprofundamento da fé entre seus filhos, cuidando deles e trabalhando pelo seu bem.
ZENIT: De fato, a maioria dos coptas sonha com emigrar e deixar o Egito para evitar danos futuros, segundo sua visão... Como a Igreja Católica no Egito considera este assunto?
Dom Zacharia: Não são somente os coptas que sonham com emigrar e viajar para o exterior; também há irmãos muçulmanos e jovens de países do terceiro mundo que compartilham este sonho. A razão desta imigração não é somente escapar de uma realidade amarga em seus países, no âmbito político, econômico e de segurança, mas também buscar uma oportunidade de um futuro melhor para as suas vidas e para os seus filhos.
A Igreja Católica no Egito não incentiva os fiéis e emigrar, para poder preservar a presença cristã na terra egípcia e no Oriente Médio. Mas a Igreja deveria ter planos para os jovens, planos de oferecer trabalho e oportunidades de moradia, e que tenham como objetivo oferecer-lhes estabilidade e garantir seu próprio futuro e o dos seus filhos.
ZENIT: Muita gente considerou que o Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio seria uma esperança para os cristãos desse lugar, mas aparentemente ele só ofereceu recomendações teóricas. Qual foi o benefício desse Sínodo?
Dom Zacharia: O Sínodo dos Bispos para o Oriente Médio foi considerado um sucesso singular na história da Igreja do Leste. De fato, é a primeira vez que todos os bispos do Oriente Médio se reuniram com o Santo Padre em Roma para analisar as aspirações e os problemas da Igreja e dos cristãos do Oriente Médio.
O Sínodo foi precedido por intensos estudos e debates preparatórios, que aconteceram na maioria das arquidioceses, institutos, centros e ordens monásticas católicas do Oriente Médio. Muitas personalidades e comitês especializados nos assuntos das igrejas do Oriente Médio pertencentes à Igreja Católica participaram desses preparativos.
Durante o Sínodo, a mídia internacional se centrou nas notícias, história e assuntos da Igreja no Oriente Médio e nos problemas dos fiéis cristãos. Este fato é considerado um êxito do Sínodo, que debateu e se centrou na situação das Igrejas Orientais e nos problemas dos cristãos.
O Sínodo levou à publicação de alguns importantes documentos e recomendações. As igrejas e arquidioceses estudaram estes documentos e solicitaram a aplicação destas recomendações. Nossa Igreja no Egito imprimiu um livro que contém os estudos e debates sobre estas recomendações e atualmente se estuda este livro em cada diocese egípcia.
Atualmente, estamos esperando a exortação apostólica relacionada às igrejas do Oriente Médio, que o Santo Padre publicará em breve e que incluirá a publicação definitiva das recomendações do Sínodo, para trabalhar e servir de acordo com estas recomendações, implementando-as na missão da Igreja.
ZENIT: O que a Igreja Católica no Egito oferece aos leigos que querem aprofundar no seu papel na vida política e nos partidos, para que os coptas não sejam acusados de languidez?
Dom Zacharia: No passado, a Igreja Católica no Egito deve ter oferecido algo neste âmbito, devido às condições que impediam o trabalho. Agora, há muitos fóruns e reuniões que estão sendo realizados em todas as arquidioceses, ordens monásticas, institutos e escolas para educar os leigos e incentivá-los a unir-se à ação política.
A este respeito, há um trabalho sério e concreto, realizado pela Comissão de Justiça e Paz dos Patriarcas Católicos Egípcios e pela conferência episcopal.
ZENIT: Por que os coptas estão divididos no assunto da proteção internacional? Alguns deles a querem, apesar do fato de que não a pedem publicamente, enquanto outros o fazem. Como a Igreja Católica egípcia vê isso?
Dom Zacharia: Sem dúvida, os coptas que são indígenas e vivem em seu país sofrem problemas, dificuldades acumuladas ao longo dos séculos, e sentem que seus direitos são ignorados, que ninguém se preocupa por eles e que suas petições não são consideradas. Finalmente, alguns acreditam que a proteção internacional eliminará seus problemas e dificuldades. Mas eu acho que a proteção internacional, entendida como a dependência dos coptas das potências estrangeiras, não é o caminho para resolver os problemas dos coptas. Considero que o caminho correto para isso é a calma e o diálogo construtivo entre os cidadãos de uma mesma nação.
ZENIT: Como são suas relações no Sul do Egito com os muçulmanos moderados e os chefes dos movimentos liberais? Estes têm a mesma influência dos salafitas e os Irmãos Muçulmanos?
Dom Zacharia: Na minha época sacerdotal e de serviço episcopal, minha relação com os irmãos muçulmanos sempre foi boa.
Lembro-me de quando era pastor na cidade de Alfikriyah na província de Minya; lá, criei um albergue para crianças e muitas dessas crianças eram de famílias muçulmanas. Nunca discriminei entre uma criança muçulmana e uma cristã. Ainda hoje, tenho uma amizade pessoal com alguns dos responsáveis por essas crianças. Há um sentimento de cordialidade e de respeito mútuo entre nós; e quando visito a minha família em Abu Qarqas, muitos deles vão me ver. Para mim, é um grande prazer encontrar-me com meus filhos e filhas que estiveram lá e que, ao crescer, agora se encarregam de dirigi-lo. Alguns deles, quando vêm a Luxor a trabalho, me visitam especialmente. Com eles, recordo aqueles belos dias que passamos juntos.
Em minhas visitas pastorais às igrejas e paróquias da arquidiocese de Luxor, todos os paroquianos muçulmanos, ortodoxos e católicos me dão as boas-vindas, e quando visito as casas pertencentes às paróquias, dou prioridade às casas dos meus irmãos muçulmanos.
De fato, posso dizer que as relações entre os muçulmanos e os cristãos que moram e trabalham juntos nos povoados e em algumas cidades do Alto Egito são cordiais. E muitas pessoas que plantam as sementes da traição e da divisão vêm de fora dos povos ou das cidades, têm suas ideias fanáticas e trabalham na difusão do rancor, do ódio entre as pessoas do mesmo povoado cujos ancestrais viveram durante séculos em amor e paz, sem discriminações entre muçulmanos e cristãos.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Certezas e incertezas da "Revolução do Jasmim" (1)

ZP11072002 - 20-07-2011
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Entrevista com arcebispo de Luxor, Dom Youannes Zacharia

CAIRO, quarta-feira, 20 de julho de 2011 (ZENIT.org) – Seis meses depois da chamada "primavera árabe", que derrubou os antigos regimes dos países ribeirinhos do sul do Mediterrâneo, o que resta daquele movimento, saudado então com grande esperança?
A revolução na Praça Tahrir, no Cairo, não foi um ponto de chegada, mas de partida, e a estrada ainda é incerta: haverá um amadurecimento dessas sociedades ou a instabilidade social e política vai acabar com essas aspirações, permitindo a ascensão de grupos fundamentalistas?
Esta é a reflexão que Dom Youannes Zacharia, bispo católico de Luxor, oferece nesta entrevista de três partes, conduzida pela equipe árabe de ZENIT.
ZENIT:Acima de tudo e em geral, como o senhor descreveria a situação no Egito depois da revolução de 25 de janeiro?Qual é a sua influência, especialmente para a presença cristã?
Dom Zacharia: Primeiro, deixe-me expressar o meu agradecimento e profundo reconhecimento à equipe editora de ZENIT por todos os seus sacrifícios e seu trabalho duro para oferecer informação cristã de qualidade, especialmente através da sua edição em árabe e em outras línguas.
Em minha opinião, a situação no Egito, depois de 25 de janeiro, é escura. A estrada ainda não está clara e a viagem ainda é longa para chegar a um período de estabilidade e segurança.
Sim, a revolução foi bem sucedida na Praça da Libertação, no Cairo. Conseguiu derrubar o regime militar que governava o Egito desde a revolução de 23 de julho de 1952, libertando todos os egípcios, destruindo o muro de medo e eliminando-o de todos os corações egípcios. Encorajou-os a abandonar as suas atitudes negativas e a buscar participação na ação política. Mas o sucesso desta jovem revolução, graças a seus sacrifícios e mártires, ofereceu uma oportunidade de ouro para algumas forças políticas e comunidades religiosas que estavam proibidas e eram perseguidas sob o regime anterior; quebraram o silêncio e trabalharam duramente, aproveitando esta oportunidade para alcançar seus objetivos, tanto políticos como religiosos.
Quanto à presença de cristãos egípcios, percebi o fim do silêncio e da negatividade que caracterizavam muitos cristãos egípcios, especialmente depois da revolução de 23 de julho de 1952. A presença de cristãos egípcios na Praça da Libertação foi honesta, ativa e construtiva, especialmente a dos jovens cristãos. Até agora, sua participação nos acontecimentos atuais ainda está viva e eficaz, e sua presença em conferências nacionais e comitês populares reflete sua preocupação sobre os assuntos da nação, e que estão preparados para ajudar no seu desenvolvimento.
Espero que a presença dos cristãos egípcios seja caracterizada pela unidade, renuncie a divergências denominacionais e não seja isolada. Mas é preciso dialogar e cooperar com todas as forças políticas e religiosas presentes no panorama egípcio.
ZENIT:O aumento de movimentos radicais de vários partidos é uma realidade...Os coptas do Egito poderão se adaptar aos últimos acontecimentos?
Dom Zacharia: Após a revolução de 25 de janeiro, a volta à liberdade política no Egito e a queda do muro do medo, o cenário egípcio testemunhou o ressurgimento de muitas comunidades religiosas e de forças políticas que não eram reconhecidas pelo regime anterior, que nunca cooperou com elas e tentava eliminá-las.
Eu acho que essas comunidades religiosas e as forças políticas precisam de mais tempo e esforço para chegar a uma fase de maturidade política em todo o país, para serem capazes de aceitar os que são diferentes deles em matéria de religião, de opinião, crença e pensamento e, finalmente, cooperar com todos os egípcios, sem exceção, e trabalhar juntos para uma vida melhor e um novo estado desenvolvido.
Se estas comunidades religiosas e as forças políticas forem capazes de evoluir e aceitar os partidos diferentes deles em termos de religião e de pensamento, os coptas do Egito cooperarão e viverão juntos em paz.
ZENIT:Todo mundo está pedindo um estado civil, mas as estimativas no Egito dizem que está mais próximo de um estado religioso...Eminência, o que o senhor acha?
Dom Zacharia: A experiência do povo e a história da nação mostram que um estado religioso que acredita em uma determinada religião, credo ou doutrina está condenado ao fracasso, seja no Ocidente ou no Oriente.
Nos tempos modernos, vemos que, em todos os estados e cidades do mundo, no leste ou oeste, há muitas pessoas que têm diferentes religiões, crenças e doutrinas, mas procuram viver em paz e harmonia. Para a segurança da nação em que vivem, pedem a todos que respeitem a religião e a doutrina do outro e convidam todos os cidadãos a colaborar com os outros para o bem-estar da sociedade. Portanto, a criação de um estado religioso não cria a paz interna e nega os direitos legítimos do grupo que professa uma religião diferente da do Estado.
A este propósito, recordo o que Jesus disse: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é Deus", e me lembro também do slogan da revolução de 1919, quando os muçulmanos e coptas repetiam, gritando contra o colonizador inglês: "A religião é de Deus e a nação é para todos!", e pediam a criação de um estado civil que respeitasse os direitos de todos os cidadãos.
A doutrina religiosa e os pensamentos de fé em que as pessoas acreditam são muito importantes no que diz respeito às relações íntimas entre Deus e o homem, e entre este e seus semelhantes. Também têm muita força na vida cotidiana e social do homem. Quando a doutrina religiosa está longe da praga horrível do fanatismo, do ódio e da ignorância, é capaz de construir uma casa e plantar sementes de amor e paz. Finalmente, todos os egípcios têm de manter suas crenças, sejam eles muçulmanos ou cristãos, e construir relações cordiais com base no respeito mútuo, progredindo no diálogo e na cooperação construtiva para servir a sociedade e o país.
ZENIT:Sohag e Qena, as duas províncias mais próximas do senhor, testemunharam, nos últimos dois anos, o aumento de uma crise sem precedentes, que levou à morte de alguns coptas... Em sua opinião, quais são as verdadeiras razões deste aumento?
Dom Zacharia: Sim, ultimamente, estes eventos dolorosos entre muçulmanos e cristãos têm aumentado em todas as províncias e em todo o país, e os coptas têm sofrido muita dor e sacrifício, além da perda de vidas e bens. Penso que as razões são principalmente a ignorância, a pobreza e as doenças físicas e psicológicas que muitos dos cristãos egípcios e muçulmanos sofrem. Além disso, existem as tensões sectárias e desentendimentos criados pelo antigo regime em algumas cidades e em algumas partes do país. Além disso, não posso excluir algumas conspirações e razões internas e externas que buscam desestabilizar a situação interna e obter benefícios sectários.
ZENIT:O que os coptas pensam daqueles que falam da possibilidade de implementar a lei islâmica ou impor o sistema fiscal no novo Egito, ao se formar um governo islâmico?
Dom Zacharia: Não posso falar em nome dos coptas, mas posso dar minha opinião pessoal. Se os irmãos muçulmanos estão convencidos de que a implementação da lei islâmica é inevitável, eu não me importo, mas se for só para eles. Para os não-muçulmanos, deveria haver uma aplicação de suas leis e dos princípios de suas doutrinas.
No que diz respeito à imposição de um sistema tributário, há uma série de juízos interpretativos e estudos feitos por especialistas muçulmanos que rejeitam este sistema e argumentam que o imposto criado no começo da era islâmica buscava defender os não-muçulmanos. E em nossa era moderna, todos os cidadãos a defendem. O sistema de diferentes impostos e taxas de governo substituiu o sistema tributário. Eu acredito que este sistema não será imposto no Egito de forma alguma; e como cidadão cristão egípcio, rejeito categoricamente ser forçado pelo meu governo a pagar um imposto para poder preservar a minha religião.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Os países religiosos são pobres



Essa falácia já está na sua segunda edição. Durante muitos anos, num tempo a perder de vista, sem haver falsete no piscar dos olhos, se afirmava que os países de maioria protestante eram todos prósperos, e os de maioria católica eram inexoravelmente atrasados. Essa sentença levou tempo para ser desmontada. O perverso da afirmação consistia na insinuação de que ser católico seria sinônimo de atrasado, e ser protestante estaria garantido ser próspero. Isso levava à consideração de que Deus abençoava os protestantes, e entregava os católicos à sua própria sorte.

Portanto, a religião verdadeira seria a de linha protestante. Hoje nem os nossos irmãos evangélicos (como hoje os protestantes preferem ser chamados), seguem essa teoria absurda. Dentro dessa chave de leitura atualmente as religiões aprovadas por Deus seriam as do Japão, da China, e das  religiões dos tigres asiáticos. Porque por lá é que está o sumo do progresso... "Do trabalho de tuas mãos comerás" (Sl  128, 2). Só quem trabalha (com inteligência), é que pode "ver a prosperidade todos os dias"  (Sl 128, 5).

Nos dias atuais aparece uma teoria requentada. Agora o sucesso econômico tem outra causa. Está definitivamente garantido - dizem os fautores da nova teoria - que os países prósperos são geridos por povos sem religião, frios no fervor religioso, que "não vão à igreja". As populações piedosas, as que tem vida comunitária, estariam fadadas a patinar no atraso  e deglutir o pó que os países prósperos levantam. O ensinamento falso dessa afirmação está em dizer que os povos que se voltam para o alto, não tem iniciativa, são parcos de inteligência, e não acreditam em si. Portanto, fadados ao marasmo e à pobreza. Mas os agnósticos, não. Esses estariam com tudo, pois acreditam em si, e por isso são prósperos. Essa audácia se derruba com um simples exemplo que nos vem à mente, e que deleta essa torpe teoria. Vejam o país - ainda o mais próspero do planeta - a América do Norte. É um país, cujo povo é muito religioso, e tem alto índice de praticantes. E conheço também uma região do nosso Brasil, com várias cidades, umas próximas às outras. E aí se vê exatamente o contrário: as cidades muito religiosas são as mais progressistas. E as menos religiosas são as mais fraquinhas. É preciso buscar outra teoria melhor. Essa não pegou. Está eivada de fanatismo.

***
Dom Aloísio Roque Oppermann
arcebispo de Uberaba- MG




segunda-feira, 11 de julho de 2011

Caridade: coração da doutrina social da Igreja

ZP11071106 - 11-07-2011
Permalink: http://www.zenit.org/article-28438?l=portuguese
Livro explica a relação entre a caridade e a doutrina social

Por Antonio Gaspari
ROMA, segunda-feira, 11 de julho de 2011 (ZENIT.org) – A caridade é a chave de compreensão da doutrina social cristã, explica Dom Angelo Casile, diretor do Departamento nacional para os problemas sociais e o trabalho, da Conferência Episcopal Italiana.
Com um novo livro, La Carità al centro, (Tau editorial), Dom Casile ilustra as relações entre a prática da caridade e a doutrina social da Igreja. Ele concedeu esta entrevista a ZENIT.
- Por que um livro sobre a Doutrina Social da Igreja?
- Dom Casile: O sentido deste livro sobre a Doutrina Social da Igreja está num pensamento de Santo Agostinho. Alguns cristãos se lamentavam do momento histórico difícil que eles viviam, e Agostinho respondeu: “Vocês dizem: os tempos são maus; os tempos são pesados; os tempos são difíceis. Vivam bem e vocês mudarão os tempos” (Discurso 311, 8). Nós perguntamos: os tempos são maus ou os homens não estão à altura dos tempos? Eu tenho certeza de que se cada um de nós vivesse com a fidelidade e a valentia que nascem do Evangelho, o próprio testemunho de fé seria uma contribuição essencial para a mudança desse tempo difícil, cheio de cenários pouco confiáveis. Agora, a Doutrina Social da Igreja, que é simplesmente o Evangelho se encarnando na história de cada dia, conhecida, aprofundada e vivida, nos faz viver a bondade e a beleza da nossa fé todos os dias, e, assim, os tempos serão melhores. O texto, na primeira parte, tenta apresentar o caminho histórico da DSC, a partir da experiência viva de Jesus e da Igreja; na segunda parte, aprofunda alguns temas relevantes do anúncio cristão e da Doutrina Social da Igreja (pessoa, família, sociedade, trabalho); e na terceira parte, os percursos que combinam o Evangelho e a Doutrina Social da Igreja na sociedade.
- Conforme o seu livro, a história da caridade é a mesma da Doutrina Social da Igreja. O que isso quer dizer?
- Dom Casile: A caridade é o coração da fé cristã. Jesus, no fundo, recapitulou e cumpriu a Lei no mandamento do amor. Ele revelou, através do dom perfeito da sua própria vida, que salvar a vida é possível só quando nós a oferecemos, e que a verdadeira alegria está no dar-se. A caridade, então, não é uma simples ética do ser cristão, mas o único modo de concretizar na história e na sociedade essa fé que nós professamos. Este livro pretende, por isso, nos resumir a “história da caridade”, quer dizer, da Doutrina Social da Igreja, desde as suas raízes até os nossos dias. A encíclica Caritas in veritate, do papa Bento XVI, contém também afirmações precisas sobre a natureza da Doutrina Social da Igreja, definida como “'caritas in veritate in re sociali', anúncio da verdade do amor de Cristo na sociedade. Essa doutrina é serviço da caridade, mas na verdade” (nº5). Significa que a Doutrina Social da Igreja é, antes de tudo, um “elemento essencial de evangelização [...] É instrumento e fonte imprescindível para educar-se nela” (nº15), “está a serviço da verdade que liberta” para a “vida concreta sempre nova da sociedade dos homens e dos povos” (nº 9).
- O ponto mais polêmico da pastoral social tem a ver com a relação entre Doutrina e princípios não negociáveis. De que modo a defesa da vida, o apoio à família e a liberdade de educação têm a ver com a Doutrina Social?
- Dom Casile: Eu acho muito apropriadas as palavras de Dom Mariano Crociata, Secretário Geral da CEI, que escreveu o seguinte na apresentação da série “Teologia: fé, busca e vida”, da qual o texto faz parte: “A teologia não é um saber fechado em si mesmo, distante da história e dos temas concretos da vida, encastelado em fórmulas adaptadas só aos especialistas do setor. Pelo contrário, ela se fundamenta no dom da fé e se coloca, no interior da Igreja, a serviço da Igreja, como reflexão para favorecer o acolhimento na vida dos crentes e no seu contexto histórico e cultural”.
As palavras e as ações de Jesus, nos Evangelhos, constituem o paradigma da Doutrina Social da Igreja quando ela fala da sacralidade da pessoa, da sua natureza sociável e da relação da caridade e da verdade, da justiça e da paz, do valor e do significado do trabalho, da família e da vida, da economia e da política, da tutela da criação, do destino universal dos bens, do primado do reino de Deus a respeito de todas as realidades terrenas.
Sustentados pela graça do Evangelho e pelas reflexões da DSC, inclusive neste contexto de crise, não só econômica, nós salvamos o essencial e decidimos começar de Deus para renovar o homem através de um processo educativo profundo, que revele o homem para si mesmo. Através da Doutrina Social da Igreja, num laço fecundo de evangelização e de educação, a Igreja continua a obra do seu Mestre. Como afirma o cardeal Angelo Bagnasco, presidente da Conferência Episcopal Italiana, na Apresentação às Orientações Pastorais: “Anunciar a Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, significa levar a humanidade à plenitude, e, portanto, semear cultura e civilização. Não há nada, em nossa ação, que não tenha um importante valor educativo”.
A Caritas in veritate mostra a profunda unidade entre “a questão social” e “a questão antropológica”: “A questão social se tornou, radicalmente, uma questão antropológica” (nº75). A aparente contraposição entre as duas problemáticas se resolve a partir de outra questão, a “teológica”, ou seja, a primazia de Deus e do seu lugar no mundo. É o Evangelho que nos ajuda a encontrar a solução para a questão social, como já afirmava a Rerum novarum; que permite toda forma de desenvolvimento dos povos, como diz a Populorum Progressio; que garante à Igreja o direito de cidadania na sociedade, como explica a Centesimuns annus; que ajuda o homem a entender a si mesmo, chamar Deus de Pai e reconhecer em cada um dos homens o seu irmão, como deseja ardentemente a Caritas in veritate.
– Original e muito interessante é o capítulo que o senhor dedica ao trabalho, no qual explica a continuidade entre o trabalho de Deus e o trabalho do homem. Pode nos explicar este ponto de vista?
- Dom Casile: A Bíblia começa falando de Deus que trabalha e que cria o homem à sua imagem. Bento XVI nos recorda que: “O verdadeiro e único Deus é também o Criador. Deus trabalha; continua trabalhando em e sobre a história dos homens. Em Cristo, Ele entre como Pessoa no trabalho cansativo da história. ‘Meu Pai trabalha sempre e eu também’. O próprio Deus é o criador do mundo, e a criação não está ainda terminada” (Encontro com o mundo da cultura, Paris, 12 de setembro de 2008).
Através do trabalho, o homem realiza-se, já que o trabalho, para ser plenamente verdade, deve-nos falar mais além do homem e de sua dignidade, deve-nos falar também de Deus. De Deus que trabalha seis dias e no sétimo descansa, que celebra e se alegra, considerando bela a obra de suas mãos (Gn 2, 2); de Deus que se identificou, durante quase trinta anos de sua vida terrena, com o trabalho de carpinteiro de Nazaré (Mc 6,3); de Deus que redimiu o trabalho e chamou seus discípulos a segui-lo enquanto trabalhavam, convidando-os a se converter em pescadores de homens (Lc 5, 10); de Deus que “trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano” (Gaudium et spes, 22).
O trabalho é para todo homem uma vocação: a expressão, já usada pelo Papa Paulo VI na Populorum progressio, foi retomada por Bento XVI na forma “Todo trabalhador é um criador” (Caritas in Veritate, 41). É próprio da pessoa, por cujo bem a todo trabalhador é dada a oportunidade de dar sua própria contribuição, expressar a si mesmo, seu próprio talento, suas capacidades. É expressão da própria criatividade a imagem do Criador, de um Deus que “trabalha” na Criação e na Redenção.
- Seu livro conclui com a invocação de “viver a esperança como um dever cotidiano”. Como alimentar a esperança?
- Dom Casile: A escuta do Evangelho e a graça de poder vivê-lo a cada dia em nossas ocupações cotidianas, também no atual contexto de crise, faz florescer a esperança em nossos corações e nos permite viver na confiança em Deus. Jesus, falando dos últimos tempos (poderíamos definir como a “crise” do final do cosmos), descreve “sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, as nações ficarão angustiadas. apavoradas com o bramido do mar e das ondas. As pessoas vão desmaiar de medo”. Depois, dirigindo-se aos discípulos, afirma: “Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima” (Lc 21, 25-28). Só Deus, perante um cenário apocalíptico, pode nos convidar a estar serenos, a estar confiantes. Seguindo sua Palavra, compreendemos como o Senhor está sempre conosco, e enquanto por um lado nos adverte: “separados de mim, nada podem fazer” (Jo 15, 5), por outro nos anima: “eu estarei sempre com vocês até o fim do mundo” (Mt 28, 20).
Na noite e na escuridão da atual situação, nosso dever de cristãos que vivem nas cidades dos homens é anunciar e viver o Evangelho da esperança e da confiança no Senhor, que não nos abandona nunca. Vivamos nosso compromisso cotidiano seguindo o estilo de nosso Mestre, que nos convida a aprender dele, “manso e humilde de coração” (Mt 10, 16). Somos conscientes de que – segundo as palavras de São João Crisóstomo – “sendo cordeiros, venceremos e, ainda que estejamos cercados de muitos lobos, conseguiremos superá-los”. Mas se nos convertermos em lobos, seremos derrotados, porque estaremos privados da ajuda do pastor. Ele não apascenta lobos, mas cordeiros. Por isso irá e te deixará sozinho, porque o impede de manifestar sua potência (homilia sobre o evangelho de Mateus 33, 1-2).
Que o Senhor Jesus nos ajude a todos, unidos como sua Igreja, a realizar sua obra: viver bem nossa fé todos os dias, para que os tempos sejam melhores e demos Deus ao mundo na caridade e na verdade.

Sudão do Sul: paz e boa vontade, mas até quando?

ZP11071110 - 11-07-2011
Permalink: http://www.zenit.org/article-28442?l=portuguese
Ausência de desordens durante a independência do país

JUBA, segunda-feira, 11 de julho de 2011 (ZENIT.org) – O Sudão do Sul, 54º Estado africano, nascido em 9 de julho, está em festa pela proclamação da independência do Norte, mas a paz e a boa vontade deverão ser duradouras. Do contrário, a situação se tornará ainda mais difícil para um Estado já intensamente provado desde seus inícios pela pobreza e pela ausência de estruturas, além de um governo firme.
Segundo os bispos da região, ainda que prevaleça o otimismo, este poderia se converter em desastre se não forem enfrentados o quando antes os principais problemas da nova nação.
Dom Eduardo Hiiboro Kussala, bispo de Tombura-Yambio, definiu o último dia 9 como “um dia esplêndido na história do nosso povo”.
Referindo-se ao entusiasmo que se vivia na nova capital, Juba, e em sua diocese, na qual 65% da população é católica, afirmou que as pessoas estão muito otimistas e com grandes expectativas para o futuro.
“As celebrações foram levadas a cabo muito bem. O fato de que não tenha havido violências foi verdadeiramente uma bênção de Deus”, acrescentou.
No entanto, o prelado alertou sobre os problemas que deverá enfrentar, como as ondas de seca que ameaçam o cultivo da terra e milhares de pessoas procedentes dos campos de refugiados perto de Cartum, a capital do Sudão.
As preocupações do bispo recordam seus próprios comentários em uma carta pastoral difundida pouco antes da independência, na qual afirmava que o desafio é imenso.
Falando à Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), outro bispo sudanês, o auxiliar de Cartum, DomDaniel Adwok, advertiu sobre a crescente ameaça de conflito que afeta as regiões em litígio na fronteira entre o Sudão e o Sudão do Sul, como a de Abyei, rica em petróleo.
“Não acho que o Sul permanecerá inerte vendo seus antigos aliados passando calamidades e outras formas de sofrimento”, afirmou, recordando também a ameaça que representam cerca de 7 grupos milicianos, que poderiam trazer instabilidade.
“Muitos [no Norte] consideram o fato de que o Sudão do Sul tenha se tornado independente como uma espécie de libertação, ou seja, que Cartum agora pode fazer o que quer e seguir sua própria agenda, sem levar em consideração as necessidades muito diferentes do Sul.”
Ambos os bispos reafirmam a importância da colaboração com as organizações caritativas e de outro tipo para ajudar os dois países neste período de transição.

sábado, 9 de julho de 2011

Sudão do Sul: orgulhoso por ser nova nação

 
ZP11070808 - 08-07-2011
Permalink: http://www.zenit.org/article-28421?l=portuguese
Bispo de Rumbek destaca importância deste acontecimento histórico

ROMA, sexta-feira, 8 de julho de 2011 (ZENIT.org) – Um “caminho sereno” rumo à declaração de independência que amanhã, em Juba, tornará oficial o nascimento do 54º Estado africano, Sudão do Sul.
Apesar os duros enfrentamentos que no mês de junho devastaram o sul de Kordofan e os milhares de desalojados, privados de assistência adequada em Darfur e Abyei, Dom Cesare Mazzolari, bispo da diocese de Rumberk, tende a destacar a grande esperança e o entusiasmo vivido pelo povo do Sudão do Sul na véspera deste importante dia.
“O Sudão do Sul – afirma – está orgulhoso por ser uma nova nação e está preparado para conquistar sua própria identidade no mundo.”
De fato, 9 de julho de 2011 representa uma data histórica: nunca, desde a década de 60, ou seja, desde a época da descolonização do continente africano, foram colocadas em discussão as fronteiras traçadas pelos estados coloniais (exceto pela secessão da Eritreia da Etiópia, em 1993).
A independência do Sudão do Sul, que marca o fim do período de transição estabelecido nos acordos de paz de 2005 e que foi aprovada pelo referendo popular do último dia 9 de janeiro (que decretou, com 98,83% dos votos, a secessão do Norte do país), foi paga com outro tributo de sofrimento. Quase 50 anos de guerra, marcados pelas fases sanguinárias de 1955 a 1972 e de 1983 a 2005, dois milhões de mortos e quatro milhões de prófugos e deslocados.
Dom Mazzolari, há 30 anos em missão no Sudão, foi testemunha de grande parte deste processo, colocando-se ao lado dos mais pobres e esquecidos, lutando para que lhes chegasse a assistência sanitária e pelos programas de desenvolvimento que fazem parte dos direitos fundamentais da pessoa.
Este é um papel importante da Igreja a serviço de um povo que é o 150º (de 182) mais pobre da terra. “A Igreja – observa Dom Mazzolari na véspera da independência – perseverou na oração e na difusão da fé em Deus, incentivando o compromisso rumo à reconciliação, em uma região repleta de conflitos, divisões e problemas tribais.”
“A voz e o testemunho da Igreja – acrescenta o bispo de Rumbek – é clara e luminosa e, depois de muitos anos de sofrimento, o Senhor está se manifestando graças à semente da fé cristã, que está crescendo no Sudão do Sul.”
O Sudão, para o bispo comboniano, “precisa se entregar a um Deus que ama esse povo, enquanto a Igreja universal deve guiar as iniciativas de solidariedade para com o Sudão do Sul, para que o povo possa sentir-se parte da família global através de sinais de comunhão”.
Ainda que o território do emergente Sudão do Sul seja muito rico em água e petróleo, 90% da população vive com menos de 1 dólar ao dia, enquanto o analfabetismo dos adultos é de 84%. À taxa mais alta do mundo de mortalidade das mulheres no parto ou aos problemas durante a gravidez une-se a desnutrição de quase a metade da população infantil.
Hoje, o Sudão do Sul é uma região cujo sistema econômico deve ser reconstruído, a saúde e a educação devem ser refundadas e é preciso criar as infraestruturas necessárias para o desenvolvimento. Também o recurso do petróleo – que representa 98% do balanço estatal – tem de fazer contras com a falta de oleoductos e de refinarias.
“Precisaremos – explica Mazzolari – do apoio internacional sobretudo nos próximos anos, para tornar-nos membros da comunidade global.”
As celebrações oficiais da independência, informa uma nota da Coordenação de Entes Solidários em Rumbek, começarão amanhã, 9 de julho, às 10h, em Juba, no mausoléu de John Garang, político e guia do Exército Sudanês de Libertação Popular (SPLA) na 2ª Guerra Civil (1983-2005).
Além do presidente do Sul do Sudão, Salva Kiir Mayardit, de Cartum se unirá também Omar El-Bashir, atual presidente da República do Sudão. “A presença de El-Bashir – destaca a nota – é um sinal da vontade de diálogo e cooperação entre o Sudão e o Sudão do Sul.”
Como bênção à nação nascente, está previsto que, antes da proclamação da independência, representações cristãs e muçulmanas (o Sudão do Sul conta com quase 9 milhões de habitantes, a maioria composta por cristãos e animistas) se reunirão para um momento de oração comum.
À assinatura da constituição da República do Sudão do Sul por parte do presidente Salva Kiir, seguirão as intervenções das delegações internacionais. Entre elas, a Liga Árabe, expoentes do governo chinês, representantes da União Europeia e dos Estados Unidos, da presidência da União Africana e o secretário das Nações Unidas, Ban Ki Moon.
Depois dos momentos institucionais, a palavra será dada ao esporte. No dia seguinte, domingo 10 de julho, no Juba Footbal Stadium, a nova seleção de futebol do Sudão do Sul enfrentará a seleção do Quênia. Já no dia 11 de julho, o basquete representará as cores do 54º Estado africano, com a partida da Uganda contra o Juba Basketball Complex.

Ecologia e antropologia

09 de julho de 2011 | 0h 00


Dom Odilo P.Scherer - O Estado de S.Paulo
Preservar a natureza, respeitar os ecossistemas e não interferir indevidamente no delicado equilíbrio ambiental, para não comprometer a sobrevivência das espécies... Será apenas exaltação romântica de ambientalistas? Por certo, ninguém ousa mais afirmar isso; o desrespeito à natureza e uma relação inconsequente com o mundo que nos sustenta poderia custar caro. Também nós somos parte dessa natureza e dependemos dela.
Isso me faz refletir sobre a união estável entre pessoas do mesmo sexo, equiparada pelo Supremo Tribunal Federal à união estável entre pessoas de sexos diferentes. A decisão pôs ainda mais em evidência, na opinião pública, as temáticas de homossexualidade e gênero, em discussão um pouco por toda parte. Penso que isso requeira uma reflexão sobre a própria natureza do ser humano e sua sexualidade.
Parto da antropologia cristã, que procura compreender e explicar o ser humano à luz do desígnio de Deus sobre o homem e a mulher, perceptível pela inteligência a partir da natureza das coisas e da revelação divina, na Sagrada Escritura. O pensamento cristão reconhece dois gêneros complementares - masculino e feminino. O relato bíblico diz, de maneira poética, que Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança e constata: "Homem e mulher Deus os criou" (Gn 1,27). E Deus viu que assim estava bem, muito bom!
O homem não é, pois, fruto de uma evolução caótica ou de um voluntarismo volúvel, mas do desígnio divino, sábio e bom, perceptível na própria natureza humana: nas suas corporeidade, inteligência, vontade e capacidades espirituais, orientadas não apenas para a sobrevivência, mas também para a busca da verdade, do bem e da plenitude do viver. O homem é dotado de liberdade e tem a capacidade de discernir e de se decidir pelo bem, ou pelo mal. No exercício da liberdade, com responsabilidade, está uma das razões de sua dignidade e sua grandeza.
Nem somos, como cantava um de nossos poetas, "esta metamorfose ambulante", que segue vagando pela vida sem saber quem é, o que quer, para que vive, por que é aquilo que é; nem estamos presos a um determinismo cego, acorrentados aos acontecimentos e à ignorância sobre nós mesmos, sem que possamos ser senhores das nossas decisões e ações. Cabe-nos tomar conta de nós mesmos e viver de forma responsável, conforme a nossa natureza e a nossa dignidade.
Um aspecto importante desse viver conforme a nossa natureza e a nossa dignidade consiste em assumir a própria identidade sexual. Sobre isso há muita confusão na cultura atual: ao invés de ter a identidade sexual como um dado de natureza, com significado e valores próprios, tende-se a ver nela um fenômeno cultural volúvel, uma "construção subjetiva". Cada um lhe daria a orientação ditada pela vontade, pelos sentimentos e gostos pessoais. Nem mesmo a diferenciação sexual física entre o masculino e o feminino é levada a sério; seria apenas um "fato secundário", quase um adereço descartável no corpo humano, contando mais aquilo que o sujeito decide ser. Identidade sexual seria, pois, uma questão de opção.
Será que não estamos aqui diante de um tremendo equívoco, apoiado no pressuposto errôneo de que a "natureza humana" não é um dado real, mas algo projetado pelo sujeito, de dentro para fora de si? Nega-se à natureza humana a "objetividade" que se afirma e defende, com razão, para a natureza dos outros seres.
Uma consequência dessa confusão relativa à identidade sexual é o aumento de comportamentos pouco ou nada definidos, nem masculinos nem femininos. A "troca de sexo" parece um fato banal, apenas uma intervenção cirúrgica no corpo... Neste contexto, ser heterossexual, homem ou mulher, seria apenas uma entre várias possibilidades e opções quanto à identidade sexual. E se chama "casamento" a união entre pessoas do mesmo sexo! Diante da pressão das circunstâncias, questionar isso, quem ousaria? Seria politicamente incorreto!
Mas... perguntar é preciso! Assim está bem? Assim vai ficar bem? Que consequências isso terá para o futuro? A antropologia cristã afirma que a diferenciação sexual física tem um significado próprio, a ser levado plenamente a sério. A pretensão de mexer na harmonia entre os sexos e de submeter a identidade sexual ao arbítrio da vontade e dos sentimentos, tão influenciáveis por fatores culturais e dinâmicas socioeducativas (ou deseducativas...), é uma temeridade, que não promete bons frutos.
A Igreja Católica vê com preocupação a crescente distorção sobre a identidade sexual. Antes mesmo de ser uma questão moral, é um problema antropológico. A Igreja não incentiva, não apoia nem justifica nenhum tipo de violência e agressão contra homossexuais, ou quem quer que seja, mas convida a uma séria reflexão. Não é pensável que a natureza tenha errado ao moldar o ser humano como homem e mulher. Isso tem sentido e finalidade, que é preciso descobrir e acolher, em vez de banalizar.
A sexualidade qualifica todos os aspectos da pessoa humana, na sua unidade de alma e corpo, e diz respeito à afetividade, à capacidade de amar e procriar, de estabelecer vínculos serenos e altruístas com os demais. Cabe a cada homem e mulher reconhecer e aceitar a própria identidade sexual como um dom e uma missão; as diferenças físicas, morais e espirituais são voltadas para a complementaridade, um bem para as pessoas e para o fecundo convívio social.
O coração pode ser como um barco desatado: não comandado pela racionalidade, ele é arrastado pelas correntes oportunistas e se rebenta contra os rochedos... Não respeitar a natureza das coisas leva a desastres ambientais e compromete a sustentabilidade da vida.
E não é assim quando se trata da natureza humana?
CARDEAL ARCEBISPO DE SÃO PAULO

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Eusébio de Cesaréia

Por Bento XVI
Tradução: Zenit
Fonte: Vaticano/Zenit

Queridos irmãos e irmãs:
Na história do cristianismo antigo, é fundamental a distinção entre os primeiros três séculos e os sucessivos ao Concílio de Nicéia do ano 325, o primeiro ecumênico. Entre os dois períodos está a assim chamada «mudança de Constantino» e a paz da Igreja, assim como a figura de Eusébio, bispo de Cesaréia na Palestina.
Foi o expoente mais qualificado da cultura cristã de seu tempo, em contextos muito variados, da teologia à exegese, da história à erudição. Eusébio é conhecido sobretudo como o primeiro historiador do cristianismo, mas também como o filósofo maior da Igreja antiga.
Na Cesaréia, onde provavelmente nasceu em torno do ano 260, Orígenes se havia refugiado procedente da Alexandria, e lá havia fundado uma escola e uma ingente biblioteca. Precisamente com estes livros se teria formado, uma década depois, o jovem Eusébio. No ano 325, como bispo de Cesaréia, participou com um papel de protagonista no Concílio de Nicéia. Subscreveu o «Credo» e a afirmação da plena divindade do Filho de Deus, definido por este com «a mesma substância» do Pai («homooúsios tõ Patrí»). É praticamente o mesmo «Credo» que nós rezamos todos os domingos na santa liturgia.
Sincero admirador de Constantino, que havia dado paz à Igreja, Eusébio sentiu por ele estima e consideração. Celebrou o imperador, não só em suas obras, mas também em discursos oficiais, pronunciados no vigésimo e trigésimo aniversários de sua chegada ao trono, e depois de sua morte, ocorrida no ano 337. Dois ou três anos depois também morria Eusébio.
Estudioso incansável, em seus numerosos escritos, Eusébio busca refletir e fazer um balanço dos três séculos de cristianismo, três séculos vividos sob a perseguição, recorrendo em boa parte às fontes cristãs e pagãs conservadas sobretudo na grande biblioteca de Cesaréia. Deste modo, apesar da marca objetiva de suas obras apologéticas, exegéticas e doutrinais, a fama imperecedora de Eusébio continua estando ligada em primeiro lugar aos dez livros de sua «História eclesiástica». Foi o primeiro em escrever uma história da Igreja, que segue sendo fundamental graças às fontes que Eusébio põe à nossa disposição para sempre. Com esta «história» conseguiu salvar do esquecimento numerosos acontecimentos, personagens e obras literárias da Igreja antiga. Trata-se, portanto, de uma fonte primária para o conhecimento dos primeiros séculos do cristianismo.
Podemos nos perguntar como estruturou e com que intenções redigiu esta nova obra. Ao início do primeiro livro, o historiador apresenta os argumentos que pretende enfrentar em sua obra: «Eu me propus redigir as sucessões dos santos apóstolos desde nosso Salvador até nossos dias, quanto e quão grandes foram os acontecimentos segundo a história da Igreja e quem foi distinguido em seu governo e direção nas comunidades mais notáveis, inclusive também aqueles que, em cada geração, foram embaixadores da Palavra de Deus, seja por meio da escritura ou sem ela, e os que, impulsionados pelo desejo de inovação até o erro, anunciaram-se como promotores do falsamente chamado conhecimento, devorando assim o rebanho de Cristo como lobos rapazes… e também o número, o modo e o tempo dos pagãos que lutaram contra a palavra divina e a grandeza dos que em seu tempo atravessaram, por ela, à prova de sangue e tortura; assinalando também os martírios de nosso tempo e o auxílio benigno e favorável para com todos de nosso Salvador» (1, 1, 1-2).
Desta maneira, Eusébio envolve diferentes setores: a sucessão dos apóstolos, como estrutura da Igreja, a difusão da Mensagem, os erros, as perseguições por parte dos pagãos e os grandes testemunhos que constituem a luz desta «História». Em tudo isso, resplandecem a misericórdia e a benevolência do Salvador. Eusébio inaugura assim a historiografia eclesiástica, abarcando sua narração até o ano 324, ano no qual Constantino, depois da derrota de Licínio, foi aclamado como imperador único de Roma. Trata-se do ano precedente ao grande Concílio de Nicéia, que depois oferece a «summa» do que a Igreja — doutrinal, moral e inclusive juridicamente — havia aprendido nesses trezentos anos.
A reunião que acabamos de referir do primeiro livro da «História eclesiástica» contém uma repetição que certamente é intencional. Em poucas linhas, repete o título cristológico de «Salvador», e faz referência explícita à «sua misericórdia» e à «sua benevolência». Podemos compreender assim a perspectiva fundamental da historiografia de Eusébio: é uma história «cristocêntrica», na qual se revela progressivamente o mistério do amor de Deus pelos homens. Com genuína surpresa, Eusébio reconhece que «de todos os homens de seu tempo e dos que existiram até hoje em toda a terra, só Ele é chamado e confessado como Cristo [ou seja, 'Messias' e 'Salvador do mundo'], e todos dão testemunho d’Ele com este nome, seguidores, em toda a terra; é honrado como rei, é contemplado como sendo superior a um profeta e é glorificado como o verdadeiro e único sumo sacerdote de Deus; e, acima de tudo isso, é adorado como Deus por ser o Logos pré-existente, anterior a todos os séculos, e tendo recebido do Pai a honra de ser objeto de veneração. E o mais singular de tudo é que nós, que estamos consagrados a Ele, não honramos com a voz ou com os sons de nossas palavras, mas com uma completa disposição da alma, chegando inclusive a preferir o martírio por sua causa à nossa própria vida» (1, 3, 19-20).
Deste modo, aparece em primeiro lugar outra característica que será uma constante na antiga historiografia eclesiástica: a «intenção moral» que preside a narração. A análise histórica nunca é um fim em si mesmo; não só busca conhecer o passado, mas aponta com decisão à conversão, e a um autêntico testemunho de vida cristã por parte dos fiéis. É uma guia para nós mesmos.
Desta maneira, Eusébio interpela vivamente os fiéis de todos os tempos sobre sua maneira de enfrentar as vicissitudes da história, e da Igreja em particular. Interpela também a nós: qual é nossa atitude ante as vicissitudes da Igreja? É a atitude de quem se interessa por simples curiosidade, buscando o sensacionalismo e o escândalo a toda custa? Ou é mais a atitude cheia de amor e aberta ao mistério de quem sabe pela fé que pode perceber na história da Igreja os sinais do amor de Deus e as grandes obras da salvação por ele realizadas?
Se esta é nossa atitude, temos que sentir-nos interpelados para oferecer uma resposta mais coerente e generosa, um testemunho mais cristão de vida, para deixar os sinais do amor de Deus também às futuras gerações.
«Há um mistério», não se cansava de repetir esse eminente estudioso dos Padres, o Pe. Jean Daniélou: «Há um conteúdo escondido na história… O mistério é o das obras de Deus, que constituem no tempo a realidade autêntica, escondida detrás das aparências… Mas esta história que Deus realiza pelo homem, não a realiza sem Ele. Ficar na contemplação das ‘grandes coisas’ de Deus significaria ver só um aspecto das coisas. Ante elas está a resposta» («Ensaio sobre o mistério da história», «Saggio sul mistero della storia», Brescia 1963, p. 182).
Muitos séculos depois, também hoje Eusébio de Cesaréia nos convida a surpreender-nos ao contemplar na história as grandes obras de Deus pela salvação dos homens. E com a mesma energia, ele nos convida à conversão da vida. De fato, ante um Deus que nos amou assim, não podemos permanecer insensíveis. A instância própria do amor é que toda a vida se oriente à imitação do Amado. Façamos tudo o que estiver a nosso alcance para deixar em nossa vida um traço transparente do amor de Deus.

domingo, 3 de julho de 2011

O Regime Militar de 64 é a muleta moral dos intelectuais — eles o acusam de todos os crimes para melhor acobertarem os próprios

José Maria e Silva

“A revolução é biófila, é criadora de vida, ainda que, para criá-la, seja obrigada a deter vidas que proíbem a vida.”
Paulo Freire, em Pedagogia do Oprimido, defendendo os fuzilamentos sumários comandados por Che Guevara e Fidel Castro
Com quantas vidas se faz uma ditadura? Na belíssima novela de John Boyne, O Menino do Pijama Listrado, essa pergunta é respondida pelo espanto de Bruno, um menino de nove anos. Sempre que ele se surpreende com o mundo do Fúria à sua volta, seus olhos se arregalam, sua boca faz o formato de um O e seus braços caem ao longo do corpo. A obra, uma elegia à inocência da vida que não sabe da morte, deveria ser lida — e meditada — pelos 3.949 intelectuais que, até agora, assinaram um manifesto contra a Folha de S. Paulo, repudiando o editorial “Limites a Chávez”, publicado em 17 de fevereiro último, no qual a ditadura militar brasileira é indiretamente chamada de “ditabranda”. O Menino do Pijama Listrado (o livro, não vi o filme) demonstra, metaforicamente, a abissal diferença entre um regime autoritário (circunscrito à esfera política) e um regime totalitário (que permeia todas as instâncias sociais).
As primeiras reações ao editorial da Folha partiram da socióloga Maria Victória Benevides, professora da Faculdade de Educação da USP, e do advogado Fábio Konder Comparato, professor aposentado pela mesma instituição. Esquecendo-se que a universidade que representam arrasta até hoje um cadáver insepulto (o do estudante de medicina morto num trote em 1999), Benevides e Comparato encenaram uma indignação que jamais sentiram diante das quase 100 mil mortes perpetradas pela Trindade Cubana (Fidel, Guevara e Raúl Castro) — 17 mil na boca dos fuzis, em execuções sumárias, e 80 mil nos dentes dos tubarões, em fuga para os Estados Unidos. Como a Folha de S. Paulo chamou a atenção para essa dúbia moral de Benevides e Comparato, lembrando que eles jamais protestaram contra a ditadura cubana, os dois intocáveis uspianos se sentiram feridos e, em resposta, fizeram o que os intelectuais de esquerda mais sabem fazer quando são pegos sem argumentos — conclamaram o rebanho para um manifesto.
O inefável Antonio Candido, decano dos intelectuais de esquerda, encabeça o repúdio à Folha, que também conta com figuras como o indefectível Emir Sader, intelectual que, diante de Che Guevara, cai de joelhos por terra, parafraseando a missa: “Guevara, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e serei salvo”. Quem duvida que Emir Sader é capaz dessa oração diante do guerrilheiro argentino, leia o que ele escreveu num artigo publicado em Carta Maior: “Não vou gastar palavras inúteis para falar do Che. Basta reproduzir algumas das suas frases, que selecionei para o livro Sem Perder a Ternura”. Também diante de Marx e Fidel, Sader emudece: “O que falar de Marx que permaneça à sua altura? O que escrever sobre Fidel?”
Se o ensino superior no Brasil, público e privado, não fosse mero aparelho ideológico da esquerda, Emir Sader jamais teria virado doutor em ciência política pela USP e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de orientador de teses e dissertações. Sem dúvida, estaria até hoje tentando passar no vestibular e sendo reprovado sempre, por não ter argumentos para retratar personagens da história. Que universidade isenta aceitaria um aluno que, ao ouvir falar de Marx, Guevara e Fidel, não fosse capaz de articular uma só palavra e se comportasse feito os silvícolas do Anhangüera, embriagado pelo álcool incandescente da revolução? Já imaginaram se um intelectual de “direita” dissesse não ter palavras diante de Karl Popper? Seria acusado de ignorante e charlatão. Emir Sader é um paradigma da universidade brasileira. Ele é a prova cabal de que, por trás da cantilena de “produção do conhecimento”, o que há nos mestrados e doutorados do país é uma usina de produção de marxismo e derivados.
Estou plenamente convicto de que a universidade brasileira não é solução para nada — ela é parte essencial do problema. As principais mazelas do Brasil são fomentadas artificialmente pela universidade, que, desde a década de 50, na ânsia de criar um novo mundo, especializou-se em destruir o existente. Isso fica muito claro quando se estuda a origem social dos guerrilheiros que pegaram em armas contra o regime militar. Eles vieram, em sua maioria, das universidades. Não tinham o menor apoio popular. Como é que o povo podia apoiar um bando de tresloucados que, de arma em punho, pregavam a derrubada de uma ditadura imaginária? Porque até o final de 1968, com a edição do AI-5, só havia ditadura na imaginação dos universitários.
Foi exatamente durante os propalados “Anos de Chumbo” que o Brasil viveu uma das maiores efervescências culturais de sua história, com os festivais, a imprensa alternativa, a Tropicália, o Cinema Novo, Chico e Vandré, Caetano e Gil. Ao contrário de Cuba, onde Chico Buarque seria fuzilado ou condenado a 20 anos de prisão se falasse mal de Fidel Castro, no Brasil, o máximo que lhe aconteceu foi ser admoestado pelos militares, o que lhe garante até hoje uma conta bancária maior do que seu indiscutível talento. Num ambiente assim, existe alguma razão plausível para se pegar em arma ou até para se perpetrarem atentados terroristas, como fizeram muitos grupos guerrilheiros? Obviamente, não. Em toda guerra, os primeiros sacrificados são os inocentes, portanto, a opção pela luta armada para derrubar um regime só se justifica quando esse regime é sanguinário e opressivo, incidindo sobre toda a vida social e não apenas sobre a esfera política. Era o que acontecia na terra do Menino do Pijama Listrado, daí o Levante do Beco de Varsóvia, em 1943, quando judeus desesperados — não tendo senão uma morte horrenda como alternativa — preferiram abreviar a vida numa luta suicida contra as tropas nazistas.
Mas esse não era o caso do Brasil dos militares. Aqui, os guerrilheiros eram homens e mulheres bem nascidos que, por puro espírito de aventura, jogavam fora o futuro como médicos, engenheiros e advogados e se arvoravam a libertadores da pátria, sem notar que a maioria esmagadora da população — provavelmente mais de 90 por cento — não se sentia oprimida nem pedia para ser libertada. Pelo contrário, o regime instalado em 1964 teve forte apoio popular e quando começou a ser repudiado nas urnas, em 1974, com a expressiva vitória do velho MDB, esse repúdio era mais de caráter econômico que político. A inflação estava recomeçando e os pobres votaram contra a “carestia”, que é como chamavam a inflação na época.
Já escrevi repetidas vezes, mas a ocasião me obriga a escrever de novo: quem acha que no Brasil houve uma ditadura sanguinária, totalitária, nos moldes nazistas (é essa a visão que se tem dos militares nas escolas) deve ler Pedagogia do Oprimido, o panfleto de auto-ajuda marxista do pedagogo Paulo Freire. Esse livro — que faz uma defesa explícita da luta armada e santifica Che Guevara, Fidel Castro e Mao Tsé-Tung — foi publicado em pleno ano de 1970, no Rio de Janeiro, pela Editora Paz e Terra, ligada aos padres da Teologia da Libertação. Em 1981, Pedagogia do Oprimido já estava na 10ª edição. Um verdadeiro best-seller, levando em conta que não é um livro comercial e o Brasil tinha muito menos estudantes universitários do que tem hoje. Ora, se o regime militar foi o período “mais sombrio da nossa história”, como dizem os intelectuais de esquerda, como se explica o sucesso editorial de uma obra que o combatia? Em Havana seria possível publicar um livro do gênero contra Fidel Castro, o santo fardado de Buarques e Sáderes?
Mas nem é preciso recorrer à ditadura cubana para demonstrar que os intelectuais brasileiros mentem descaradamente quando dizem que o regime militar de 64 foi uma ditadura sanguinária. A própria história recente do Brasil — contada mentirosamente por eles — mostra a contradição em que incorrem. É só comparar a “Revolução de 30” com a “Ditadura Militar” (ponho as expressões entre aspas para remeter ao modo como os dois períodos costumam ser chamados nos livros de história). Qual a diferença entre os dois períodos? A rigor, nenhuma. Salvo o fato de que Getúlio Vargas era um ditador civil, obviamente apoiado por militares, porque toda ditadura precisa de armas.
Sob o ponto de vista da repressão, Vargas foi muito pior do que os militares. O seu período, sim, foi literalmente “anos de chumbo”. Enquanto os militares procuraram preservar as instituições, garantindo eleições legislativas e a independência do Judiciário, Vargas centralizou todos os poderes em suas mãos, destituindo governadores e nomeando interventores em seu lugar. São Paulo se rebelou, na chamada Revolução Constitucionalista de 32, e Vargas bombardeou o Estado — o episódio mais sangrento da história brasileira no século passado, apesar de ofuscado pela preferência dos intelectuais pela Guerrilha do Araguaia. Todavia, mesmo quem não pegava em armas, não ficava ileso. O escritor Graciliano Ramos, individualista nato, incapaz de arregimentar qualquer movimento político, acabou sendo preso durante quase um ano, num presídio comum, sem julgamento. Seu único crime: escrever o romance São Bernardo, entre outros escritos tidos como comunistas. Bem que merecia, mas não teve indenização alguma pelo arbítrio de que foi vítima. Ao contrário dos fanfarrões que pegaram em armas contra os militares, o Velho Graça tinha vergonha na cara.
Se a sanguinária ditadura de Getúlio Vargas merece, nos livros de história, o epíteto de “Revolução de 30” (justificadamente, por sinal), por que os governos militares não podem ser chamados de “Revolução de 64”, levando em conta que também mudaram a face do Brasil? Vargas já era ditador desde o início de seu governo, antes mesmo da implantação do Estado Novo, em 1937, quando a tresloucada Intentona Comunista de 35 levou ao recrudescimento do regime. Já os militares só foram verdadeiramente ditadores a partir de 12 de dezembro de 1968, quando editaram o AI-5, obrigados pelos atos de terror da esquerda armada, treinada e financiada por Fidel Castro e abençoada por intelectuais como Paulo Freire. Mesmo assim, foi uma ditadura cirúrgica, circunscrita aos inimigos declarados do regime. Tanto que não chegou a matar nem 500 pessoas, como reconhecem os próprios autores de esquerda nos balanços que fizeram do período. As vítimas inocentes, em sua maioria, tombaram por terem sido usadas como escudo pelos adversários do regime.
Um dos argumentos de Maria Victoria Benevides para criticar o editorial da Folha é que não se mede ditadura com estatísticas: “Quando se trata de violação de direitos humanos, a medida é uma só: a dignidade de cada um e de todos, sem comparar ‘importâncias’ e estatísticas”. Em artigo publicado, na terça-feira, 24, o jornalista Fernando de Barros e Silva, editor de Brasil da Folha, corrobora a tese da socióloga: “Algumas matam mais, outras menos, mas toda ditadura é igualmente repugnante. Devemos agora contar cadáveres para medir níveis de afabilidade ou criar algum ranking entre regimes bárbaros?” Claro que devemos — respondo eu. Todo crime só se iguala em repugnância para aquele que é sua vítima, mas para quem o analisa de fora, especialmente se esse alguém for um historiador, há uma enorme diferença entre matar 100 pessoas ou matar 100 mil. Se Hitler tivesse matado apenas uma centena de judeus, o nazismo seria a encarnação do mal no imaginário do mundo contemporâneo?
Só não vê que ditadura também se mede com estatísticas aqueles que têm medo dos números. Ao ver que nenhuma ditadura capitalista até hoje conseguiu igualar os mais de 100 milhões de mortos do comunismo no mundo, a esquerda inventou esse argumento falacioso de que uma só morte perpetrada por uma ditadura diminui toda a humanidade, como se o homem-massa da revolução marxista tivesse lugar na poesia metafísica de John Donne. Justamente a esquerda, que não faz conta do individuo de carne e osso, só da massa de manobra da revolução. O regime militar não apenas matou muito menos gente do que outros regimes autoritários — também foi capaz de criar um modelo de ditadura que deveria ser exportado. Toda ditadura costuma ser encarnada por um homem só, que se torna escravo do poder que concentra, perdendo inclusive os freios morais. Daí a profusão de ditadores sádicos, pessoalmente sedentos de sangue humano.
No Brasil isso não ocorreu. Os militares criaram uma espécie de ditadura institucional, em que o poder não era encarnado por nenhum homem, mas pela instituição — as Forças Armadas. Nem o principio federativo foi quebrado num primeiro momento, como ocorreu de imediato com a ditadura de Getúlio Vargas. Antes do recrudescimento da luta armada, ainda houve eleição para governadores e, mesmo depois que elas foram suspensas, o legislativo continuou funcionando. Essa quase normalidade institucional propiciou até o surgimento e fortalecimento de uma oposição que jamais houvera em toda a história do Brasil — a oposição institucional, criada e mantida pelas próprias entranhas do Estado.
Boa parte do chamado movimento social — que hoje alimenta o PT e demais partidos de esquerda — começou a ser construído graças a esse processo de institucionalização do país gestado pelos militares. Começando pelas próprias universidades federais — cobras a quem os militares deram asas. A Reforma Universitária feita pelos militares em 1968 profissionalizou o ensino superior no país, instituindo antigas reivindicações da própria comunidade acadêmica, como dedicação exclusiva de docentes, introdução de vestibular unificado e implantação de mestrados e doutorados. Valendo-se dessa estrutura, os intelectuais de esquerda se infiltraram nas universidades e, a partir delas, forjaram em todo o país um movimento social de proveta, destinado não a resolver problemas, mas a fomentá-los.
Um exemplo são os quase 50 mil homicídios que ocorrem anualmente no país. Eles decorrem, em grande parte, da irresponsabilidade doentia dos intelectuais brasileiros, que, à força de pressionar o Congresso Nacional, levaram à completa lassidão das leis penais, hoje irreversível, já que a mentalidade pueril da esquerda parece ter contaminado até os ministros do Supremo. Não é a toa que o ministro Gilmar Mendes deixa entrever que, a qualquer momento, pode soltar nas ruas 189 mil dos cerca de 440 mil presos do país, muitos deles homicidas e estupradores. Aí, sim, teremos um verdadeiro genocídio da população indefesa, em parte porque a esquerda, com o objetivo de demonizar os militares, transformou o falacioso conceito de direitos humanos num dogma divino. Como se vê, a criminalização paranóica dos militares só atende a um objetivo — esconder que os intelectuais de esquerda forjaram um país muito pior que o deles.
Publicado no Jornal Opção, de Goiânia, em 1º de março de 2009.

Os índios americanos realmente eram ambientalistas?

por , sexta-feira, 18 de abril de 2008


Indio americano.jpgA história tradicional é familiar aos alunos: Os índios americanos possuíam uma profunda afinidade espiritual com a natureza e eram surpreendentemente cuidadosos com o bem estar ambiental.
Segundo um livro popular publicado pelo Instituto Smithsonian em 1991, "A América-pré-colombiana era ainda o Éden original, um imaculado reino natural. Os nativos passavam desapercebidos na paisagem, vivendo como elementos naturais da ecoesféra. Seu mundo, o Novo Mundo de Colombo, era um mundo onde as intervenções humanas eram quase imperceptíveis".
Esta lição nada sutíl tenta nos ensinar que, se queremos prevenir uma catástrofe ambiental, nós temos que retomar a sabedoria indígena perdida.
Como sempre, a história real é mais complicada, menos caricaturizável e muito mais interessante.
Em seu livro de 1992 Earth in the Balance, o então senador Al Gore citou um discurso do século XIX do Chefe Seattle, patriarca dos índios Duwamish e Suquamishde Puget Sound, como evidência da preocupação dos índios com a natureza. Este discurso, que fala de absolutamente tudo no mundo natural, incluindo todos os insetos e folhas, como sendo sagrados para Seattle e seu povo, foi feito para ajudar na concretização da imagem que representa os índios americanos como os primeiros ambientalistas.
O problema para Gore é que esta versão do discurso que ele cita é uma invenção, escrita no começo da década de 70 pelo roteirista Ted Perry. (Perry, diga-se a seu favor, tentou sem sucesso revelar publicamente que ele inventou o discurso). Mesmo assim, sua influência foi suficiente para sua obra se tornar à base de "Brother Eagle, Sister Sky", um livro infantil que alcançou a quinta posição na lista de livros mais vendidos do New York Times em 1992.
Versões anteriores do discurso, também citadas pelos ambientalistas, são duvidosas por razões intrínsecas.  Mas especialistas dizem que a intenção do Chefe Seattle é clara, e que ele não estava dizendo que "todas as coisas", perceptíveis e não-perceptíveis, eram "sagradas" para seu povo, ou que toda a terra em todo lugar tinha um mesmo apelo afetivo para eles. "O discurso de Seattle foi feito como sendo uma parte de um argumento pelo direito do povo Suquamish e Duamish de continuar a visitar seus locais de sepultamento tradicionais após a venda dessas terras a colonos brancos," explica William Abruzzi do Colégio Muhlenburg. "Esta terra específica era sagrada para Seattle e seu povo porque seus ancestrais estavam enterrados ali, e não porque terra, como um conceito abstrato, era sagrada para todos os índios". Escrevendo no American Indian Quartely, Denise Low explica do mesmo modo que "a pródiga descrição da natureza é secundária" para o propósito do argumento do Chefe Seattle, e que ele estava dizendo apenas que "terra é sagrada por causa de ligações religiosas com os ancestrais."
Ambientalistas que têm cultivado o mito do índio ambiental que manteve seu ambiente em condição primorosamente imaculada por causa de uma devoção profundamente espiritual com o mundo natural, o fizeram não por algum interesse particular nos índios americanos, nas variações entre eles ou em seus reais registros de interações com o ambiente. Ao invés disso, a intenção é exibir o índio ambientalista para propósitos de propaganda e usá-lo como um contraponto à sociedade industrial.
O verdadeiro registro da relação dos índios com o meio-ambiente era variado, e eu dou os detalhes no meu novo livro, "33 Questions About American History You're Not Supposed to Ask" (33 Questões Sobre a História Americana Que Você não Deveria Perguntar). Entre outras coisas, eles aplicavam um método de agricultura que consistia em "talhar e queimar", destruíam florestas e pastos e eliminavam populações inteiras de animais (pois acreditavam na hipótese que os animais abatidos numa caçada seriam ressuscitados em quantidades maiores ainda).
Por outro lado, os índios freqüentemente tiveram sucesso em ser bons administradores do ambiente - mas não da maneira que as pessoas geralmente supõem.
Apesar de ouvirmos com freqüência que os índios não sabiam nada sobre propriedade privada, suas reais visões sobre propriedade variaram através do tempo, local e tribo. Quando terra e caça eram abundantes, não é de se surpreender que as pessoas empregavam pouco esforço em definir e fazer cumprir direitos de propriedade. Mas quando essas coisas se tornavam mais escassas, os índios reconheciam o valor de se determinar direitos de propriedade em (por exemplo) caça e pesca.
33Questions.jpgEm outras palavras, os índios americanos eram seres humanos que respondiam aos incentivos que encontravam, e não bonecos de cartolina para serem explorados por ambientalistas ou qualquer outro programa político.
Em algumas tribos, eram designadas áreas exclusivas de caça às famílias e aos grupos baseados em clãs, o que significava que eles tinham um interesse pessoal na preservação, i.e., em não caçar excessivamente e em certificar-se que animais suficientes restariam para se reproduzir para os anos futuros. Deste modo eles tinham um incentivo para não permitir que pessoas de outras famílias e clãs caçassem em suas terras. No noroeste da costa do Pacífico, índios determinaram direitos exclusivos de pesca que concediam um tipo similar de administração: ao invés de pescar todo o salmão, alguns eram deixados para trás, com um olho no futuro. Brancos que depois estabeleceram controle sobre os recursos de salmão, infelizmente negligenciaram esta importante lição indígena.
Nem os próprios índios se lembraram sempre desta lição. Considere os Arapahoes e Shoshones da Reserva Wind River no Wyoming, que recentemente (e com a ajuda de jipes e rifles poderosos) exterminaram completamente populações animais . O que teria acontecido com sua profunda afinidade espiritual com a natureza?
De fato, este é o resultado previsível de se dizer que a vida selvagem pertence a todos. Não há incentivo para manter estoques para o futuro, já que qualquer coisa que poderia ser preservada será simplesmente morta por alguma outra pessoa. Sem direitos de propriedade sobre a caça, não há maneiras (e nem incentivos) de alguém prevenir tal comportamento predatório de curto prazo. É por isso que as tribos indígenas estabeleciam estes direitos exclusivos - este era o melhor modo de preservar espécies animais e precaver-se para o futuro.
Digam, esta sabedoria indígena não merece ser repetida?

Tradução de Fernando Fiori Chiocca