segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O político católico, laicismo e cristianismo

ZP11013002 - 30-01-2011
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Por Dom Giampaolo Crepaldi*
ROMA, domingo, 30 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) - Para o político católico, o laicismo é um valor adquirido que deve ser defendido. Isto significa que a esfera política é independente da eclesiástica, que a política e a religião pertencem a âmbitos diferentes.
O cristianismo contribuiu bastante para o estabelecimento do laicismo autêntico. O cristianismo não é uma religião fundamentalista. O texto sagrado em que ele se inspira não deve ser lido ao pé da letra, e sim interpretado; a autoridade universal do Papa libera os cristãos das excessivas sujeições políticas nacionais; Deus confiou a construção do mundo à livre e responsável participação do homem. Não significa que a sociedade e a política sejam totalmente alheias à religião cristã, que não tenham nada a ver com ela. A sociedade precisa da religião de maneira concreta para manter um nível sadio de laicismo.
O cristianismo colabora com este objetivo, porque não impede a sociedade de ser legitimamente autônoma e ao mesmo tempo a sustenta e ilumina com sua própria mensagem religiosa. Poderíamos até dizer que o cristianismo a impulsiona a ser ela mesma, por explicitar a sua plena vocação e pedir-lhe o máximo das suas capacidades, sem se fechar em si mesma.
A sociedade que fecha as portas para a religião e para o cristianismo fecha portas para si mesma: ela não permite que as pessoas e as relações sociais respirem, sufocando as suas possibilidades com uma suposta autossuficiência. O cristianismo não teme enfrentamentos com outras religiões neste ponto: é no Deus feito homem que reside a valorização máxima da dimensão humana, familiar, social e ao mesmo tempo a sua total iluminação por Deus. Quando a razão política teme o cristianismo, é porque já decidiu optar pela própria autossuficiência, fechando-se para uma mensagem que na verdade a valorizaria.
Tende-se hoje a considerar que o laicismo é a neutralidade do espaço público aos absolutos religiosos. Um espaço em que os absolutos religiosos não deveriam intervir por dois motivos: primeiro, porque numa democracia não haveria espaço para os absolutos; segundo, porque os absolutos religiosos seriam irracionais, ao passo que o espaço público deveria alimentar-se de um discurso racional. Ocorre que este espaço permaneceria vazio, e nesse vazio haveria lugar para novos absolutos inimigos do homem, para novos deuses.
Mas examinemos antes os dois princípios vistos até agora: a democracia é incompatível com os princípios absolutos? A religião é irracional? Não é verdade que a democracia pressuponha o relativismo moral e religioso, nem é verdade que os princípios absolutos sejam necessariamente violentos e opressivos. Mas poderíamos dizer o contrário: a falta de referências absolutas gera uma luta de todos contra todos, onde tem razão quem é mais forte. A democracia também se arrisca a reduzir-se à força da maioria. Por isso existe a necessidade de que os cidadãos acreditem em princípios absolutos, como por exemplo a dignidade de cada pessoa humana, a liberdade, a justiça, etc. Por outro lado, a democracia se torna apenas um procedimento, mas estes podem mudar facilmente se não estão repletos do que é substancial.
A substância da democracia não é o procedimento, mas a dignidade da pessoa, que deveria ser considerada um valor absoluto. E como pode ser considerada um valor absoluto se não se baseia em Deus? Como bem observou Tocqueville a respeito da jovem democracia americana, a religião está estreitamente conectada com a liberdade, e a liberdade pode diminuir inclusive nos regimes democráticos.
Passamos ao segundo ponto: a religião é irracional? Não há dúvida de que existem formas de religião irracionais, total ou parcialmente. Mas não é o caso do cristianismo.
Existem as religiões do mito, que entendem a divindade como uma união de forças obscuras e indecifráveis, arbitrárias e estranhas, que a religião tenta tornar suas aliadas. Há também as religiões do Logos, como a judaico-cristã, que crê num Deus que é Verdade e Amor.
Esta religião é razoável e não contradiz nenhuma verdade racional; antes, vincula-se a elas complementando-as, e não exige do homem a renúncia a tudo o que o torna verdadeiramente homem, para ser cristão. Não é aceitável, portanto, a idéia de que a religião, seja qual for, é, pela sua natureza, irracional. Isto certamente não vale para o cristianismo. Apesar disso, muitos entendem o laicismo como neutralidade, como uma expulsão da religião do espaço público. A ideia de eliminar a celebração do Natal, de impedir a exposição de símbolos religiosos em espaços públicos, de proibir a ação missionária que divulga aos outros a própria fé, são algumas expressões dessa visão do laicismo como espaço neutro, o que é visto especialmente no modelo francês. Nestes casos não se demonstra absolutamente a mencionada neutralidade.
Uma parede sem um crucifixo não é neutra: é uma parede sem crucifixo. Um espaço público sem Deus não é neutro: ele não tem Deus. O estado que impede a toda religião manifestar-se em público, talvez com a desculpa de defender a liberdade de religião, não é neutro, porque se posiciona a favor do laicismo ou do ateísmo e assume a responsabilidade de relegar a religião ao âmbito privado. Em muitos casos, nasce a religião do estado, a religião da antirreligião.
Entre a presença ou ausência de Deus no espaço público não há meio termo; não há neutralidade. Eliminar a Deus do espaço público significa construir um mundo sem Deus. Qualquer um diferencia um laicismo forte de um laicismo fraco. O primeiro se limitaria a admitir no espaço público todas as opções, compreendida a não religiosa; a segunda admite também formas de oposição à religião. Mas esta diferenciação não convence, porque um mundo sem Deus já é um mundo contra Deus. Excluir a Deus, mesmo que Ele não seja combatido, significa construir um mundo sem referências a Ele.
Por este motivo, o político católico não pode admitir nem colaborar com o laicismo entendido como neutralidade, porque isto significa dar espaço a uma nova razão do estado que, prejudicando a religião, prejudicará a si mesma. O político católico se oporá a esta visão, seja por razões religiosas, das quais ele não pode separar-se, seja por razões políticas, para impedir que nasça uma nova religião do estado prejudicial à liberdade das pessoas.
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*Dom Giampaolo Crepaldi é arcebispo de Trieste, presidente da Comissão "Caritas in Veritate" do Conselho das Conferências Episcopais da Europa (CCEE) e presidente do Observatório Internacional "Cardeal Van Thuan" sobre a Doutrina Social da Igreja.

O Comunismo não desapareceu só mudou de modelo (neomarxismo)

Neomarxismo


Poderia-se objetar que com a “Perestroika”, a caída do muro de Berlim e a abertura do Leste Europeu, o comunismo já foi superado. De fato, os paises satélites do Pacto de Vasorvia foram libertados da dominação soviética e conta hoje com estruturas democráticas; a cortina de ferro caiu e as duas Alemanhas foram reunificadas. O sistema econômico do comunismo caiu e foi substituído por sistemas orientados à economia social de mercado ocidental.

Todavia, o comunismo é um principio que, enquanto tal, pode ser realizado de modos distintos, conforme as distintas características dos diversos períodos históricos. Ainda mais, sua ação se adapta de modo necessário às condições históricas objetivas e subjetivas. Portanto, se bem que o comunismo bolchevique despencou, o comunismo mantém uma vigência histórica, hoje qualificada como “neocomunismo” ou “neosocialismo”.

Desta forma, o modelo de insurreição bolchevique foi descartado para definir e assumir um modelo distinto, mais complexo e mais profundo, pois compromete orgânica e integralmente as consciências das pessoas. De fato, a estratégia de ação política direta deu origem estratégia de ação indireta, fundada em um processo de revolução cultural.

Foi Karl Marx quem estabeleceu o principio materialista dialético segundo o qual a infraestrutura (economia/matéria) determina a superestrutura (cultural/espírito) razão pela qual revolução devia ser realizada pelo proletariado contra a burguesia, ou seja, “de baixo para cima”.

Em seu afã de realizar a revolução mundial e observando as dificuldades que enfrentou o processo revolucionário na Rússia, Antonio Gramsci, Secretario Geral do Partido Comunista Italiano (PCI), aprofundou o principio do materialismo dialético e adaptou o comunismo à realidade do Ocidente. Gramsci desenvolveu então o conceito de “hegemonia ideológica” consignando que:

“O movimento entre infra e superestrutura é de caráter dialético, ou seja, se a infraestrutura material determina a superestrutura ideológica, política, cultural e moral, esta superestrutura a sua vez pode ter vida própria e atuar sobre a infraestrutura”.

Gramsci, partindo de tal premissa, estabeleceu um modelo revolucionário segundo o qual a hegemonia cultural é a base da revolução comunista, significando com isto que esta depende da capacidade que as forças revolucionarias adquirem para controlar os meios que permitem dirigir a consciência e conduta social. É por tal causa que o processo revolucionário se faz sutil, gradual, e progressivo. Tendo presente que Vladimir Llich Ulianov, aliás Lênin, concebeu a revolução como um “processo de transpasse de poder” que pode ser realizado tanto de maneira sangrenta como incruenta, Gramsci procede a realizar a revolução de modo invertido, ou seja, “de cima para baixo” , da superestrutura para a infraestrutura. Uma revolução entendida assim se realizará através da intervenção e transformação ideológica da cultura, e consiste em modificar de maneira imperceptível o modo de pensar e sentir das pessoas para, por extensão, terminar modificando final e totalmente o sistema social e político.

A estratégia disposta pelo pensador marxista Antonio Gramsci foi projetada pela chamada Escola de Frankfurt, originalmente fundada em 1923 como “Instituto para o Novo Marxismo” e logo denominado “ Instituto para a Investigação Social” (Instituí für Sozialforschung) para encobrir seu claro sentido político.

É por isso que, mediando Georges Lukács, Max Horkheimcr, Theodor Adorno, Wílhelm Reich, Erich Fromm, Jean Paul Sartre, Herbert Marcuse, Jürgen Habermas, etc., se formula a doutrina do "neocomunismo" e a partir dela a esquerda elabora um programa concreto de ação estruturalista que consegue uma decisiva influencia em distintos campos do pensamento, na psicologia (Lacan), na educação (Piaget) e na etnologia (Levi Strauss), entre outros. Foram basicamente estas elaborações ideológicas que ativaram e sustentaram o processo revolucionário dos anos sessenta, sendo particularmente efetivas entre os estudantes das universidades da França e Alemanha. Assim mesmo, estas idéias também seriam a base do chamado “eurocomunismo” como do “neosocialismo” desenvolvendo em distintas extensões durante os anos oitenta e noventa.

O principio constitutivo desta crença radica no materialismo refinado (matéria incriada e viva) que nega a existência de um principio anterior e superior ao homem, qualquer que ele seja. Este sistema de pensamento se define a si mesmo como uma crença que explicitamente nega a existência de um Deus criador, que rechaça a existência da alma humana e, portanto, de toda essência e toda transcendência do ser. Afirma, pois, a soberania do homem, no entanto este não é senão uma concreção existencial fragmentária da matéria em fluxo.

Se impõe um sistema cultural multicuturalista baseado em um relativismo absoluto, no qual implica a negação da existência de verdades absolutas de validez universal.

Friedrich Engels mesmo já o antecipava: “ Para a filosofia dialética não existe nada definitivo, absoluto”. Agora, um dirigente político proclama: “Não há verdades absolutas de nenhum tipo”.

Assumindo tais premissas, como se manifesta concretamente este novo tipo de ação revolucionária?

A aplicação deste sistema filosófico-politico procura gerar um animo hostil contra todo tipo de autoridade, expressando-se isto numa conduta de deliberada resistência e rebeldia perante a crença em Deus; contra a instituição da Santa Igreja, cuja reputação se degrada sistematicamente; contra o Estado, cuja autoridade se denigre constantemente; contra a ordem na família, onde se mina a autoridade dos pais; contra a ordem na escola, onde se limita a autoridade dos professores; e, em definitivo, contra toda forma de hierarquia e ordem na vida social.

Perante a ausência de um ser superior, semelhante quebra da ordem natural conduz a uma completa perda de princípios e valores originais fundamentais, o qual gera um radical decaimento na moral. Sob pretexto de educar num uso mais responsável das forças prócriativas, se desencadeiam as paixões dos meninos e adolescentes através de uma educação sexual estatal nos colégios. Através dos meios de comunicação se derrubam todos os tabus, corrompendo o ideal da santa pureza, da inocência e da virgindade, dando origem a um ambiente de impureza onipresente. Assim se aplica em nossa época, ao pé da terra, a estratégia lançada por Lênin e comprimida na seguinte frase muitas vezes citada:

“Se queremos aniquilar uma nação, devemos aniquilar antes sua moral. Logo, esta nação cairá em nosso regaço como fruto maduro. [...] Interessa a juventude na sexualidade e apoderareis dela sem dificuldade.”

Se dissolve a instituição da família com a legalização do divorcio. Assim, se promove tanto o trabalho da mulher para apartá-la do lar como da assistência na jornada completa dos filhos ao colégio. A razão disso a evidenciou claramente Olaf Scholz, então Secretario Geral do Partido Socialista da Alemanha (SPD) quando se referindo à jornada escolar completa – à qual estima insuficiente – e aos pré-escolares e maternais, sustem:

“Queremos alcançar com isso uma revolução cultural. [...] Queremos conquistar o espaço aéreo sobre as camas dos filhos”.

Para impedir a existência de famílias numerosas se implantam programas de controle de natalidade. Neste mesmo sentido, também se promove o matrimonio entre pessoas do mesmo sexo, concedendo-lhes inclusive o direito de adoção de menores.

Afim de provocar uma desestruturação do sistema social, se introduz um igualitarismo radical projetado na teoria do gênero segundo a qual o ser humano é determinado exclusivamente pela coletividade e por sua natureza masculina e feminina. Esta idéia se reflete também em um feminismo extremo.

Enfim, o neocomunismo proclama o ‘decaimento’ do homem em termos de que é agora ele, por si e diante de si, quem domina seu corpo e determina seu destino. Assim, dando conta de uma contradição fundamental, por uma parte rechaça a pena de morte ao negar qualquer autoridade o direito de determinar sobre a vida do homem mas, por outra, sem mais, reclama o irrestrito direito praticar o aborto e a eutanásia.

Seguindo o principio marxista de “revolução permanente” e o principio leninista de “revolução ininterrupta” e indicando que o “grande salto não é econômico [...] senão político-cultural” o neosocialismo sentencia explicitamente:
Tempos de cruzada. Sem prazos, a meta é transformar na raiz a mentalidade”.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Pedagogia de esquerda


GRAMSCI, TRABALHO E EDUCAÇÃO.
No Brasil dos anos 1970, emerge uma moda gramsciana, pois esta teoria remeteria a uma guerra de posição, já que os movimentos comunistas tradicionais (PCB) e radicais (Luta Armada) – guerra de movimento – haviam fracassado. Gramsci aparece como um revolucionário moderado, mas adequado à situação de “abertura gradual” e conservadora no Brasil (cf. Nosella, 1992). Ele emerge em conjunto com o movimento de luta democratizante, sendo o ícone da guerra de posição, a luta anti-hegemônica, da disputas pelos pequenos espaços na sociedade civil.
Gramsci torna-se paradigmático na pedagogia brasileira através do surgimento da pedagogia histórico-crítica, que tem como principal teórico e fundador o Professor Demerval Saviani, que lança suas bases nos artigos que depois foram reunidos no livro Escola e Democracia (2008). Esta corrente pedagógica influencia a maioria dos trabalhos teóricos de orientação marxista, atualmente, no Brasil.
Nosella, em um artigo recente, relembra as discussões do período de formação da corrente pedagógica aqui referida:
Teoricamente, o debate dos educadores encontrou nos escritos de Antonio Gramsci um grande alento. Presenciamos a uma verdadeira “gramscimania”, isto é, a uma excepcional difusão dos escritos desse intelectual marxista italiano. Calcula-se que mais de 40% das dissertações e teses de pós-graduação em educação, produzidas na década, citavam Gramsci como principal referência teórica. Suas frases eram citadas, em epígrafe, nos projetos ou nas propostas de política educacional de várias secretarias de Educação, estaduais e municipais. O nome de Gramsci era citado com grande freqüência nos congressos e nas reuniões das várias associações científicas e sindicais dos educadores. A literatura sobre ele e dele era sempre bem-vinda e até mesmo bem vendida.
Excertos de um artigo escrito por um professor marxista,2010. 

Comento:
Engana-se quem pensa que a crise do bloco socialista e o fim deste sistema no Leste europeu e em diversos países, o fim da URSS e da Guerra Fria nos anos 1980 e 1990 fizeram desaparecer as ideologias marxistas. A falta de liberdade e as crises econômicas provocaram manifestações populares e a derrocada dos regimes socialistas, a transição nestes países para a democracia e a economia de mercado, mas os textos acima deixam bem claro que as ideologias marxistas continuam hegemônicas como critério de análises das ciências sociais nas universidades.
Com a baixa do marxismo-leninismo, as vertentes do chamado marxismo cultural, construído por teóricos como Gramsci, Lukács e pelos membros da Escola de Frankfurt (Herbert Marcuse, Walter Benjamin, Adorno e outros) a partir das décadas de 1920 ganharam força após os anos 1970 e passaram a ter grande influência nas universidades. Vale dizer que continuam fiéis aos princípios marxistas como o materialismo histórico e a luta de classes, mas apregoam uma revolução cultural, não armada, definida como "guerra de posição" pelo próprio Gramsci, através da conquista de espaços nas universidades e na mídia para transformar a mentalidade ocidental, acusada de alienação pelos seus três pilares  fundamentais: Cristianismo, Direito Romano e cultura clássica.
No caso do texto citado fica bem claro esta influência na Pedagogia, mostrando a hegemonia da esquerda também nos que pensam a educação no Brasil. Esta é a Pedagogia que orienta a formação de professores no país, a elaboração de livros didáticos, as questões de vestibulares e os Parâmetros Curriculares Nacionais, que se baseiam no relativismo cultural, multiculturalismo, laicismo e materialismo. É aí que se fundamentam as hostilidades contra a Igreja e seus valores, pois que são contrários a tal mentalidade. Por isso é que a Igreja é ridicularizada e a tal pedagogia tradicional, muito influenciada pelos princípios cristãos, citada como retrógrada, ultrapassada e até prejudicial para a aprendizagem. 

Professor Faria

Pedagogia Católica X Pedagogia Liberal


O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova de 1932, de certa forma representou um rompimento com a Pedagogia Católica, chamada Clássica ou Tradicional. O Escolanovismo inspirado no pedagogo norte-americano Dewey e originário dos países protestantes inseriu no Brasil uma nova mentalidade educacional, laicista, ignorando o aspecto sobrenatural do ser humano e de caráter pragmática e utilitarista. O manifesto foi criticado pelos intelectuais católicos, taxado de socialista, comunizante.
A década de 1920 no Brasil foi marcada pelo embate entre estas duas visões pedagógicas: Católica e Liberal. Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Celina Padilha e tantos outros estiveram a frente do escolanovismo. Em congressos, reuniões, revistas e outros meios divulgaram amplamente tais concepções, defendendo transformações no sistema educacional brasileiro. Na realidade, desde a Proclamação da República do Brasil, em 1889, de inspiração Positivista, a Igreja foi separada do Estado e o ensino religioso retirado das escolas públicas. Intelectuais católicos como Jackson de Figueiredo, Alceu Amoroso Lima, Padre Leonel Franca e Padre Álvaro Negromonte, guiados pelo Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme, foram ardorosos defensores da Pedagogia Católica, que mesmo aceitando princípios da Escola Nova, pregavam a recristianização do país através dos valores cristãos. E frente aos princípios positivistas, ao cientificismo, materialismo e laicismo que se apregoavam no Brasil a Igreja Católica reagiu. Foi criado na década de 1920 o Centro Dom Vital, a Revista A Ordem e a Associação de Universitários Católicos, para cooptar, congregar intelectuais católicos e divulgar a doutrina cristã, recatolizar as elites, ressacralizar o Estado, devolvendo a Igreja o seu papel na condução dos destinos nacionais.
A Pedagogia Liberal tinha como pontos essenciais o laicismo, o pragmatismo e a ênfase do papel do Estado na educação. Foi amplamente acusada pelos católicos de postular o bem do Estado e aniquilar a personalidade individual, de propagar uma educação sem a influência da religião num país de imensa maioria católica, de colocar nas inovações metodológicas um fim em si mesmas e de abrir espaço para o socialismo materialista.
A Pedagogia Católica, fundamentada na Ratio Studiorum dos Jesuítas, (documento de 1599 que reunia normas, princípios e ações educacionais, que nortearam a educação brasileira por tantos séculos) e na Encíclica Divinis Illius Magistri do Papa Pio XI, de 1929, sustentava que a verdadeira educação só podia ser católica, pois considera o ser humano na sua integridade, material e espiritual. E a família deve ter a proeminência na educação, por direito natural. A Igreja recebeu concessão divina para ensinar e o Estado por último, respeitando os limites da família e da Igreja. Era preciso recuperar a influência da Igreja na vida pública e a primeira bandeira de luta era a introdução do ensino religioso nas escolas. Cultura geral, valores cristãos conciliados com progresso científico, novos métodos sem abandonar o ensino da doutrina cristã, formação do homem educado, bom cidadão e bom cristão, formação moral e intelectual e moral rigorosa dos professores, a integração entre fé, ciência, razão e espiritualidade eram portanto os pontos fundamentais da Pedagogia Católica.
Na década de 1930, por pressões e influências dos intelectuais católicos e seus canais de representação, algumas vitórias foram obtidas pela Pedagogia Católica. Além das organizações católicas citadas, surgiram outras, O Instituto Católico de Estudos Superiores, a Confederação Nacional de Operários Católicos, a Confederação de Imprensa Católica, a Associação de Livrarias Católicas, a Juventude Universitária Católica, a Ação Católica, organização laica de prestígio nacional. Em 1931 numa clara aproximação Igreja-Estado foi inaugurada a estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. A Constituição de 1934 reintroduziu o ensino religioso nas escolas públicas, representando o fim de 40 anos de laicização nesta área. E a Igreja teve o reconhecimento quase oficial do governo Vargas. Estas iniciativas culminaram na criação da PUC do Rio de Janeiro em 1941, idealizada por Alceu Amoroso Lima e intelectuais católicos ligados aos diversos organismos citados. Por outro lado, os escolanovistas ocuparam cargos burocráticos no governo e seus princípios educacionais foram aos poucos implantados na educação brasileira, dando a ela uma afeição  não cristã, ou anticristã, especialmente nas universidades.

Professor Faria

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O Pensamento de Jackson de Figueiredo (1999)


Andre Stangl
VIDA E OBRA
O filósofo sergipano, Jackson de Figueiredo*, trilhou o caminho da polêmica, sua filosofia foi sua luta pela revitalização da fé. Nascido em 09 de Outubro de1891, estudou entre 1904 e 1908 no colégio protestante Americano e no Ateneu Sergipano. Em 1908, passa a estudar em Maceió no Liceu Alagoano e publica seu primeiro livro de poesia – “Bater de Asas”. Em 1909, já matriculado na Faculdade de Direito, passa a viver em Salvador. Nesta época envolve-se com o grupo estudantil Nova Cruzada que promove algumas reuniões literárias e alguns atos públicos, como sua famosa polêmica com a polícia no Teatro Politeama e uma tentativa de expulsão dos jesuítas portugueses. Também nesta época conhece o escritor baiano Xavier Marques, sobre quem, mais tarde, Jackson escreveria seu terceiro livro – “Xavier Marques” (1913). Antes, ainda publica mais um livro de poesias “Zíngaro” (1910) e em 1918 publica outro: “Crepúsculo Interior”, neste à influência boêmia de Baudelaire e Antero de Quental, soma-se a influência agônica de Nietzsche e Pascal. Influências estas, vindas, de sua amizade com Pedro Kilkerry, poeta que seria redescoberto na década de 70 pelos concretistas, irmãos Campos.
Conclui o curso de Direito em 1913 e no ano seguinte se muda para o Rio de Janeiro. Em 1915 escreve um ensaio sobre o poeta sergipano Garcia Rosa e conhece o filósofo cearense Farias Brito que marcará profundamente seu formação intelectual e espiritual, e, no ano seguinte casará com a cunhada deste. Em 1919 conhece Alceu Amoroso Lima (o Tristão de Athayde ou Dr. Alceu) com quem inicia intensa correspondência, nesta época integra-se na vida sacramental da Igreja.
Em 21 publica “Humilhados e Luminosos”, dedicado a seu amigo Kilkerry e edita a revista A Ordem, em seguida funda o Centro Dom Vital, estas duas ferramentas acentuam sua fase mais polêmica, seus artigos também são publicados na Imprensa, Gazeta de Notícias e O Jornal; o material depois será reunido e publicado nas coletâneas: Em Defesa de Sergipe (1918), Boa Imprensa (1919), Do Nacionalismo na Hora Presente (1921), Afirmações (1921), A Reação do Bom Senso (1922), Literatura Reacionária (1924) e A Coluna de Fogo (1925). Ainda publica dois estudos literários: Auta de Souza (1924) e Durval de Morais e os Poetas de Nossa Senhora (1925).
Morre em 4 de Novembro de 1928, afogado na Barra da Tijuca, na Gruta da Imprensa, pescando num domingo de sol maravilhoso, diante do filho e de um amigo. Deixa duas obras póstumas: Aevum (1932) que significa “o tempo dos anjos”, um romance semi-autobiográfico e Correspondências (1946) que reúne as cartas que escreveu a Alceu entre outros. Sua obra filosófica, propriamente dita, se resume a três livros: Algumas Reflexões Sôbre a Filosofia de Farias Brito (1916), A Questão Social na Filosofia de Farias Brito (1919), e, seu principal livro, Pascal e a Inquietação Moderna (1922).
FILOSOFIA E VIDA
O pensamento de Jackson e sua conversão ao catolicismo estão imbricados à sua juventude boêmia e poética, niilista e anarquista. Nesta época era a poesia que lhe servia de linguagem, e para seus pensamentos de então, o mundo parecia um triste caos. Em uma entrevista Alceu Amoroso da Lima, comenta:
“não saber exatamente a linha anarquista adotada por Jackson, mas conta que um amigo comum lhe disse certa ocasião que encontrou Jackson e este carregava um livro chamado The Unique Man and his Own, de Max Stirner, ‘que foi um anarquista violento’ (…) Jackson era portador de um nacionalismo intrínseco, violento, bravo…”[1].
Era a época do “mal-do-século”, Freud e Nietzsche; a rebordosa da culpa cristã importando-se e sofrendo pelo ‘porque’ das coisas. Era o choque entre o poder do indivíduo e a felicidade da coletividade:
“Quem me dera ser nuvem, quem me dera/Ser qualquer coisa, indiferente mesmo…/Ser pedra, pó ou flor da primavera,/Não cogitar do fim e andar a esmo…”[2].
No Brasil o desesperança elegeu o Materialismo do Positivismo e do Comunismo, preocupava a Jackson que o fim da transcendência matasse a esperança, pois o legado do cristianismo estava sufocado pela arte. Os modernistas ironizaram e relativizavam o Positivismo e o Catolicismo abrindo o diálogo com as tradições populares de origem africana e indígena: antropofagia e mestiçagem (Oswlad de Andrade, Mário de Andrade, Gilberto Freire, etc.). O Catolicismo brasileiro ainda estava enfraquecido após a nuvem negra do romantismo (Junqueira Freire, Álvares de Azevedo, Castro Alves, etc.). O niilismo nietzscheano era a única forma ocidental e racional de chegar a Deus, só que o matava para isso; a frase “Deus está morto”, fala de um Deus que existiu.
O romantismo niilista de Jackson negava o racionalismo, o paradoxo, o individualismo, o ego, o livre arbítrio. Após a conversão suas posições não mudam, mas a forma de expor seu pensamento muda; abraçando o dogma católico, Jackson continuava negando o egocentrismo de sua época, como diz no prefácio a “Cartas à Gente Nova” (1924), de Nestor Vítor:
“troquei toda veleiadde de construir por mim só ou com ajuda deste ou daquele grande espírito uma filosofia da ação. Preferi ser o humilde soldado que sou da Igreja Católica, e me sinto tão orgulhoso disto como se fora um rei”[3]
Jackson era antimodernista e contra o liberalismo, anti-democrático e hierárquico, converteu-se por pragmatismo, a ciência lhe parecia perigosa e a fé, para ele, não precisava de adornos humanos, a qualidade da moral está na ação e não na justificativa racional da ação. O Comunismo queria paz através da guerra, o Positivismo queria ordem através do progresso, o Catolicismo, para Jackson, deveria lutar (guerra) pela lei (ordem) divina onde a paz seria o supremo progresso. Jackson achava que “o mal-do século” era fruto da pretensão racional e a felicidade só seria encontrada quando a mente descansasse.
“não acredito numa ciência sobre a essência de Deus. Penso, como Jacobi, que o que imaginamos conhecer do infinito não tem ‘logicamnete’ nenhum valor”[4].
Segundo Guilhermo Francovivh, Jackson foi uma das mais fortes oposições ao intelectualismo no pensamento brasileiro. Podemos dizer que seu pragmatismo católico de inspiração pascalina e profundamente nacionalista, defendia a essência religiosa da alma brasileira da desilusão importada de alguns de nossos acadêmicos. Em “Algumas Reflexões Sobre a Filosofia de Farias Brito”, Jackson desafiava o pensamento relativista da época, de forma apaixonada e pouco metódica, mas mesmo assim erudita. Foi somente em “Pascal e a Inquietação Moderna” que teve o tempo suficiente para burilar sua crítica à modernidade:
“A liberdade humana tal como na obra de Pascal fica reduzida teoricamente a quase nada, mas esta mesma teoria reserva um cantinho de onde jorra a luz de uma outra realidade, amoral, cuja força toda reside no amor…”[5].
A força da argumentação de Jackson estava em demonstrar como o extremo da dúvida pode gerar a certeza tranquila da fé, ou seja da angústia de Pascal vem a força de sua esperança.
“Pascal é apontado como o avô gigante dos modernos individualistas. Mas é preciso não esquecer que ele, se o foi, pelo menos, deu ao individualismo uma solução digna do homem como ser moral, isto é: fazer-se consciente para negar-se a si mesmo, reconhecendo que é muito em face do universo, e nada diante de Deus. O individualismo será, assim, a demonstração por absurdo dos verdadeiros fins da nossa vida: conhecimento e caridade, de que a religião é a prática mais alta. O homem, queira ou não queira, é um escravo da lógica”[6].
Alceu Amaroso Lima foi provalvelmente o mais importante e conhecido intelectual da renovação católica, e, após a morte de Jackson assume a liderança do Centro Dom Vital. Ele sempre que falava de seu longo processo de conversão, citava as cartas que trocou com Jackson e o papel que elas tiveram no sentido de lhe provocar uma reação (depois foram publicadas como Correspondências). Alceu, que também foi um dos mais conhecidos críticos literários do país, era em tudo oposto a Jackson, carioca, praieiro, modernista e portanto “levado naturalmente a indiferença”; enquanto Jackson era nordestino, sertanejo e reacionário, “um homem do sim e do não, pronto a morrer por seus ideais”[7]. As cartas começaram superficiais, discutiam ‘politicagem’, mas logo ficou claro que precisavam ir além:
“então nossas cartas se voltaram para a razão de ser da vida, as origens do mundo, a existência ou não de Deus, o papel da Igreja, as posições políticas como consequência de posições filosóficas e as posições filosóficas como consequência de posições transcendentais, isto é, religiosas”[8].
Alceu considerava a conversão, de Jackson, violenta, diferente da sua que foi lenta; a de Jackson foi fruto da agonia:
“Só compreendo completamente meu cristianismo quando estou só. Principio por ter então uma grande pena de mim (….), e acabo por ter pena de todos nós, pobres homens, divididos, vaidosos da divisão, amantes do próprio orgulho e, todos, como dizia o velho Machado, todos afinal…. pontuais na sepultura….”[9].
A obra de Jackson, a primeira vista parece incoerente e de fato algumas contradições e exageros recheiam suas páginas, mas se na forma existem hesitações o mesmo não se pode dizer quanto ao alvo de suas críticas: o egoísmo moderno que em nome de uma fraca razão fecha os olhos e ignora o sofrimento alheio. Então porque, Jackson assume posições tão anti-revolucionarias, porque uma “coluna de fogo” que preservasse Brasil dos ‘destrutivos’ ideais revolucionários? Segundo Jackson, a mudança deveria ser nas consciências, pois em nada mudaria o mundo, se o reconhecimento do princípio gerador de tudo ainda fosse uma polêmica. A diferença entre aceitar a crença no dogma católico ou aceitar a crença científica, é o fundo moral sobre o qual se projetam nossas ações. O receio de Jackson quanto ao comunismo da época estava na confusão moral de seus adeptos, se olharmos prospectivamente a crítica de Gabeira nos anos 70 ao sectarismo dos militantes, ajuda nos a entender a posição de Jackson. De resto, se considerarmos que o Dr. Alceu, o principal continuador do trabalho ‘apostólico’ de Jackson, futuramente irá identificar-se com a Teologia da Libertação, assim, o próprio Jackson, tivesse sobrevivido, talvez também se juntasse a essa cruzada. Quem sabe?
BIBLIOGRAFIA
FIGUEIREDO, Jackson de. Trechos escolhidos. Rio de Janeiro: AGIR, 1958.
FRANCOVICH, G. Filósofos Brasileiros. Rio de Janeiro: Presença, 1979.
LIMA, Alceu Amoroso. Memorando dos 90. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
Notas
[1] LIMA, 1984:426
[2] FIGUEIREDO, 1958:10
[3] Ibid. p.6
[4] FRANCOVICH, 1979:80.
[5] FIGUEIREDO, 1958:45
[6] Ibid. 46
[7] LIMA, 1984:359
[8] Ibid. p. 360
[9] FIGUEIREDO, 1958:101
*Jackson era irmão de meu avó Rubens de Figueiredo.

Síntese do livro “A grande mentira”, do general Agnaldo Del Nero Augusto

Introdução
Diz um provérbio citado por Alexandre Solzhenitsyn no início do livro Arquipélago Gulag “Não se deve remexer no passado! Aquele que recorda o passado perde um olho”. Mas o provérbio tem um complemento: “Aquele que o esquece perde os dois”. Vamos remexer. Enquanto tivermos um olho seremos capazes de obter a conformidade entre o sujeito (inteligência) e o objeto (fatos ou situações). Só assim chegaremos à verdade, que consiste na perfeita conformidade da inteligência com o objeto.
Por outro lado, Jean Brunhes ensina que, por um estranho abuso de palavras, fala-se na veracidade de um fato. Um fato possui dimensões, cor, duração, mas não a verdade. Verdade (ou não) será a percepção que temos do fato, assim como mais ou menos justo pode ser o juízo que sobre ele formamos.
Estes ensinamentos podem servir como introdução às considerações que são tecidas a seguir, sobre os fatos em torno da ditadura militar que durou 21 anos.
O tema volta ao palco dos debates, e traz um fato recente: a destruição de arquivos do regime militar, descobertos na Base Aérea de Salvador.
As forças armadas brasileiras sempre combateram o totalitarismo, fosse de esquerda ou de direita. Participaram da II Guerra Mundial, onde tiveram papel de destaque, principalmente na tomada de Monte Castelo. Combateram o comunismo e o venceram em todas as ocasiões em que este tentou tomar o poder.
Porém, tais fatos são deturpados pela história, na medida em que esta é construída de forma unilateral pelos derrotados, com suas versões distorcidas dos fatos.
No Brasil, a ditadura militar foi o coroamento do enfrentamento, em três ocasiões, da tentativa de tomada do poder pelos comunistas. Todas foram impedidas pelas Forças Armadas, que livraram a população brasileira dos horrores do totalitarismo comunista, um dos mais bárbaros registrados pela História.
A primeira tentativa (Intentona Comunista – 1935)
Em março de 1919 foi realizado em Moscou o Congresso de Fundação da III Internacional, que ficaria conhecida como Internacional Comunista, ou IC. A finalidade era unificar e orientar o processo revolucionário mundial. Incentivava a criação de partidos comunistas em todos os países, partidos esses que ficariam subordinados ao PC russo. Lenin acreditava que a revolução russa era o primeiro passo para a adoção do internacionalismo proletário.
Em março de 1922 foi fundado o Partido Comunista – seção Brasileira da Internacional Comunista (PC-SBIC), registrado legalmente como entidade civil. Três meses depois, foi colocado na ilegalidade em decorrência do estado de sítio resultante da revolta tenentista.
Na década de 30 o Brasil vivia uma intensa agitação política. Julio Prestes, governador de São Paulo, era apoiado para a presidência da república. Getúlio Vargas, governador do Rio Grande do Sul, e Antonio Carlos de Andrade, de Minas Gerais, também aspiravam à sucessão presidencial. Os entendimentos políticos levaram à união em torno do nome de Vargas, e surgiu a Aliança Liberal.
Nessa época, Luiz Carlos Prestes, um respeitado líder tenentista, estava exilado na Argentina. Prestes não apoiou Getulio Vargas, porque não acreditava nas possibilidades da revolução apregoada pelos aliancistas, especialmente por Antonio Carlos, que afirmara: “Façamos a revolução, antes que o povo a faça”.
Em abril de 1935 Luiz Carlos Prestes voltou para o Brasil, acompanhado de Olga Benário, comunista alemã que tinha a missão de ser sua sombra, controlá-lo e protegê-lo.
Em 1934 o PC-SBIC mudara o nome para Partido Comunista do Brasil (Seção da IC), que passou a pregar a luta antifascista, organizada como uma “frente popular contra os integralistas”. Em 1935 foi fundada a Aliança Nacional Libertadora, que chegou a ter mais de cem mil militantes. Porém, o caráter marxista-leninista da Aliança logo a jogou na ilegalidade, decretada pelo governo Vargas. A Aliança passou a atuar na absoluta clandestinidade. Nesse mesmo ano aconteceu a Intentona Comunista, com combates confusos e mal liderados, em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Houve, por parte dos insurretos, tiroteios desordenados, assassinatos covardes e saques a estabelecimentos comerciais e bancários.
A Intentona previa a insurreição nas capitais, porém, ficou restrita a essas três cidades, fracassando no mesmo dia.
Prestes estava em segurança no seu QG, porém, a derrota e a prisão de líderes comunistas desestruturaram o partido, ao qual foram imputados vários assassinatos, inclusive de correligionários acusados de traição.
O Brasil vencera a primeira tentativa de instauração do comunismo.
A segunda tentativa - Revolução de 1964
Em 1941 as tropas nazistas invadiram a Rússia, mudando radicalmente o mapa político do mundo. Stalin se apressou em ganhar o apoio das democracias ocidentais contra o nazismo. O PCB apoiou incondicionalmente o governo Vargas nessa luta. Ao final da II Guerra, o governo Vargas decretou a anistia e legalizou todos os partidos políticos. Prestes foi anistiado. Em 1946 teve início a chamada Guerra Fria. A Rússia dominara mais de uma dezena de países do Leste Europeu e continuava apoiando os movimentos revolucionários em todo o mundo. O Brasil rompeu relações diplomáticas com a Rússia e cassou o registro do PCB, que caiu mais uma vez na ilegalidade. Porém, sua estrutura não foi tocada.
Em 1950, o PCB lançou o Manifesto de Agosto, que defendia a revolução como a única solução viável e progressista dos problemas brasileiros, defendendo a luta armada. Porém, apesar desse manifesto, a classe operária votou mais uma vez em Getúlio Vargas, que suicidou em 1954.
Nessa época, em muitas universidades ocidentais predominava uma visão social esquerdista, sendo que grande parte do Terceiro Mundo aclamava o modelo soviético como a estrada para a justiça social. Muitos intelectuais se declaravam marxistas. Essa situação, porém, era apenas uma conseqüência de anos de propaganda calcada na Grande Mentira. Assim, a conjuntura era altamente favorável ao comunismo, o que provocou uma expansão dramática do comunismo. No final da década de 1950, o comunismo já aportara na América com a vitória da revolução cubana.
Entretanto, o mundo estava dividido pelo jogo de poder entre as duas superpotências, Estados Unidos e União Soviética, a chamada Guerra Fria. Nesse jogo, o Brasil despertou o interesse das grandes potências. Sendo um país de dimensões imensas, fronteiriço com quase todos os países da América Latina, seria também um elemento estratégico no cenário mundial, fazendo pender o fiel da balança estratégica para o lado desejado.
Em agosto de 1961, o Presidente Jânio Quadros renunciou. Deveria assumir João Goulart, contra o que se insurgiram os ministros militares, por considerarem que Jango apoiava o comunismo internacional. Assumiu Ranieri Mazzilli, então presidente da Câmara dos Deputados. Leonel Brizola lançou um movimento legalista – a “campanha da legalidade” - pela posse de Jango, seu cunhado. O impasse terminou no Congresso, que aprovou a Emenda Parlamentarista, dando posse a João Goulart.
Segundo Gorender, “finalmente ocupava a presidência da República um político ao qual o PCB tinha acesso direto e que poderia considerar aliado”.
Outras organizações de esquerda começaram a surgir, divergindo da linha política do PCB, tais como os trotskistas (que chegaram a criar várias organizações filiadas à Quarta Internacional, algumas ligadas a J.J. Posadas, porém sem maior expressão), a POLOP (Organização Revolucionária Marxista Política Operária), que defendia a implantação imediata do socialismo, ao contrário do PCB, que havia optado pelo chamado “etapismo”, com uma primeira etapa democrático-burguesa para cooptar a burguesia nacionalista, e somente depois seria desencadeada a revolução socialista, a AP (Ação Popular, uma criação da esquerda católica mas com grande influência maoísta), a Frente de Libertação Nacional (lançada por Leonel Brizola e Mauro Borges (então Governador de Goiás), um mês após a posse de Goulart, enfatizava a ação exploradora do capital estrangeiro e a necessidade de nacionalização de empresas e da reforma agrária) e o Master (Movimento dos Agricultores sem Terra).
Enquanto isso, Goulart governava o país de uma forma pendular, ora pendia para o lado dos comunistas, ora para o lado dos conservadores. O país vivia agitações e greves nos grandes centros industriais. O sistema presidencialista foi restaurado no início de 1963. Porém as greves continuaram, sendo difícil calcular os prejuízos de toda ordem que ocasionaram ao país. Jango continuou governando de forma pendular. Em setembro de 1963, tudo indicava que o país caminhava para uma revolução de esquerda, principalmente com a rebelião dos sargentos de Brasília. Estes, liderados pelo sargento da Força Aérea Antonio Prestes de Paula, apossaram-se do Ministério da Marinha, da Base Aérea, da Área Alfa, do Aeroporto civil, da Estação rodoviária e da Rádio Nacional. Prenderam um ministro e o presidente da Câmara Federal. Porém, o movimento foi debelado e os seus líderes foram presos. Houve apenas um confronto do qual resultaram um marinheiro morto e dois feridos. Porém, um clima “pré-golpe de estado” foi se definindo, objetivando derrubar as instituições democráticas, supostamente lideradas pelo próprio João Goulart, que buscou o apoio das forças sindicais, agarrando-se às reformas de base como tábua de salvação, o que subverteria de vez todo o país.
No início de março de 1964, a conturbada situação nacional exigia medidas drásticas para solução da crise. Jango e o PCB mantinham entendimentos constantes. No dia 13, um comício realizado no Rio de Janeiro, ficou conhecido como o Comício das Reformas, realizado com recursos das empresas estatais e dos sindicatos. Mais de cem mil pessoas participaram, pedindo reformas, legalização do PCB e entrega de armas ao povo para a luta. No palanque, Jango, Arraes e Brizola. Parecia que Jango levava a melhor. Porém, na mesma noite, o Rio de Janeiro se iluminou de velas nas janelas, em demonstração do descontentamento de grande parte da população com os rumos que tomava a situação nacional, principalmente devido à impressionante demonstração de força, o tom radical dos discursos de Arraes e Brizola e a profusão de cartazes com a foice e o martelo.
No dia 19 aconteceu a primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu oitocentas mil pessoas, em oposição ao comício do dia 13.
Em 20 de março, AMFNB (Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil) reuniu-se, declarando um motim. Seus dirigentes foram todos presos por ordem do Ministro da Marinha. No dia 26, os marinheiros amotinados fizeram exigências para o fim do movimento, entre as quais o seu reconhecimento legal. O ministro da marinha destacou um grupo de fuzileiros navais para prender os amotinados.
O CGT expediu um aviso de estado de alerta, denunciando o golpe da elite da marinha contra o povo, contra as reformas e contra o Presidente da República. Brizola apoiou o movimento dos marinheiros e fuzileiros navais.
Na manhã do dia 27, a Marinha soube que havia outros movimentos rebeldes em alguns navios da esquadra. No dia 29, centenas de oficiais da Marinha reuniram-se, em flagrante protesto contra a quebra da disciplina e da hierarquia. Ninguém mais aceitava os desmandos do presidente que, à surdina, preparava um golpe esquerdista, com início previsto para primeiro de maio.
De contatos entre o General Castello Branco, Chefe do Estado Maior do Exército, com outros oficiais generais, formou-se um grupo que passaria a ter importante papel no preparo da contra-revolução. As Forças Armadas estavam divididas, tanto que, no comício do dia 13, Jango foi prestigiado pela presença dos três ministros militares.
No dia 30 de março, finalmente desencadeou-se a contra-revolução, que inicialmente estava marcada para o dia 2 de abril. Tropas sediadas em Minas Gerais se dirigiram ao Rio de Janeiro, e se encontraram com as tropas do I Exército, que pretendiam barrar as forças atacantes. O confronto foi esgotado em diálogos de persuasão e em gestos de confraternização. No eixo Rio – São Paulo, confrontos semelhantes ocorreram. Na tarde de 1º de abril, tudo estava terminado. Ruíra o dispositivo militar do presidente. Ninguém se moveu nem esboçou resistência em defesa de Goulart. No dia 2 de abril, mais de um milhão de pessoas lotaram as ruas e praças do Rio de Janeiro, para comemorar a vitória da democracia sobre o comunismo. Foi a segunda vitória sobre a tentativa de tomada de poder pelos comunistas.
(*) Livro publicado pela Biblioteca do Exército Editora, RJ, 2001, recomendado pelo FDR no tema “Movimento Cívico-Patriótico de 1964”.
VALTER MARTINS DE TOLEDO
Magistrado aposentado e Membro da Academia de Cultura de Curitiba

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Joana d’Arc, exemplo para políticos, segundo Papa

ZP11012608 - 26-01-2011
Permalink: http://www.zenit.org/article-27095?l=portuguese



“Encontrou a força para amar a Igreja até o fim, mesmo no momento da condenação”

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 26 de janeiro de 2011 (ZENIT.org) - A vida heroica e a trágica morte de Santa Joana D'Arc são um exemplo para os cristãos, especialmente para aqueles engajados na política.
Isto foi afirmado hoje pelo Papa Bento XVI em sua catequese, dentro do ciclo dedicado às santas mulheres da Idade Média, e que hoje quis dedicar a Joana, "a donzela", a jovem heroína francesa que foi executada na fogueira por seus inimigos políticos.
Joana (1412-1431), originária da aldeia de Domrémy, recebeu uma série de revelações divinas sobre a missão que deveria cumprir, libertando seu povo do domínio inglês, no contexto da Guerra dos Cem Anos.
Com apenas 17 anos, ela liderou os exércitos franceses a várias vitórias, principalmente ao levantamento do Cerco de Orléans (1429), que ajudou a restaurar o trono de Charles VII.
Capturada pelos ingleses, abandonada por seus aliados e com um tribunal eclesiástico manipulado por interesses políticos, Joana foi acusada de heresia e condenada à fogueira, onde morreu com apenas 19 anos.
Reabilitada 25 anos mais tarde pelo Papa espanhol Calisto III, foi canonizada em 1920, por Bento XV. Sua figura teve um grande impacto sobre escritores como Charles Péguy, e uma profunda influência sobre outra grande santa francesa, Teresa de Lisieux.
O Papa quis destacar dois aspectos da vida da santa francesa, como exemplos para os cristãos de hoje. Por um lado, sua ação política; por outro, seu amor pela Igreja.
Ambos, segundo o Pontífice, estão enraizadas no amor profundo de Joana por Jesus Cristo: "o Nome de Jesus, invocado pela nossa santa até os últimos momentos da sua vida terrena, foi como a respiração da sua alma, como o bater do seu coração, o centro de toda a sua vida".
Esta santa, explicou o Papa, "compreendeu que o Amor abraça toda a realidade de Deus e do homem, do céu e da terra, da Igreja e do mundo. Jesus esteve sempre em primeiro lugar durante toda a sua vida, segundo sua belíssima afirmação: ‘Nosso Senhor é o primeiro a ser servido'".
Joana concebia Jesus como o "Rei do céu e da terra", e em seu estandarte "pintou a imagem de ‘Nosso Senhor, que sustenta o mundo', um ícone de sua missão política".
Portanto, sublinhou o Papa, "a libertação do seu povo é uma obra de justiça humana, que Joana cumpre na caridade, por amor a Jesus".
"Sua vida é um belo exemplo de santidade para os leigos que trabalham na política, especialmente nas situações mais difíceis", acrescentou.
Por outro lado, Bento XVI quis destacar da santa seu amor pela Igreja, apesar do trágico final devido às intrigas das quais participaram os teólogos e prelados que contribuíram para sua injusta condenação.
Em Jesus, afirma o Papa, "Joana contempla também a realidade da Igreja, a ‘Igreja triunfante' do céu e a ‘Igreja militante' da terra".
"Em suas palavras, ‘de Jesus Cristo e da Igreja eu penso que são um só'. Esta afirmação, citada no Catecismo da Igreja Católica, tem um caráter verdadeiramente heroico no contexto do Processo de Condenação, na frente de seus juízes, homens da Igreja, que a perseguiram e condenaram."
"No amor de Jesus, Joana encontrou a força para amar a Igreja até o fim, mesmo no momento da condenação", sublinhou o Papa.
Para o Pontífice, Joana d'Arc é uma das "figuras mais características dessas ‘mulheres fortes' que, no final da Idade Média, carregaram sem medo a grande luz do Evangelho nas complexas vicissitudes da história".

O homem do papa

As memórias do cardeal Agostino Casaroli são
a prova de que marxismo não rima com cristianismo

Mario Sabino
Durante a Guerra Fria, a Igreja Católica comeu o pão que o diabo amassou na metade da Europa dominada pelos comunistas. Lastreados no ateísmo da ideologia marxista, os regimes satélites da União Soviética tentaram destruir uma instituição que representava um foco de resistência dentro da Cortina de Ferro. Além de restringir o direito à liberdade de culto (violência que atingiu todas as religiões), seus líderes prenderam e confinabam padres e bispos, fecharam seminários, confiscaram mosteiros e aterrorizaram integrantes de organizações laicas ligadas à Igreja. De 1945 ao final dos anos 50, o Vaticano assistiu impotente às perseguições promovidas pelos comunistas na Polônia, Checoslováquia, Hungria, Romênia, Alemanha Oriental, Iugoslávia e Bulgária. Só no início da década de 60, quando as relações entre Estados Unidos e União Soviética começaram a degelar, é que se abriram brechas para intervenções da cúpula católica no Leste Europeu.
Nesse contexto cheio de sombras, o cardeal italiano Agostino Casaroli ajudou a acender as primeiras faíscas de esperança. Ele foi o Henry Kissinger de três pontífices: João XXIII, Paulo VI e João Paulo II. Na linha de frente de extenuantes negociações com os comunistas, reconquistou metro a metro territórios ao inimigo – façanha que talvez divisões militares não fossem capazes de realizar, se o papa as tivesse. Antes de morrer, em 1998, aos 83 anos, Casaroli deixou um manuscrito no qual relata sua riquíssima experiência diplomática. Dele se originou Il Martirio della Pazienza – La Santa Sede e i Paesi Comunisti (O Martírio da Paciência – A Santa Sé e os Países Comunistas), recém-publicado na Itália pela editora Einaudi.
Comunista embriagado – É um livro que merece ser lido em especial pelo pessoal da batina que insiste em militar nas hostes da esquerda. Ele coloca por terra a idéia de que Casaroli era simpático ao comunismo, como decerto também acreditam os padres de passeata brasileiros. O cardeal tinha perfeitamente claro que cristianismo e marxismo eram antípodas, impossíveis de ser conciliados, já que no programa do segundo estava prevista a destruição do primeiro. A sua atitude para com os regimes filossoviéticos – "abominável desolação", escreveu – não era de transigência, mas de paciência. Como fica evidente na obra, sua tática era recuar um passo para caminhar dois, muitas vezes dando a impressão de que fazia o jogo de Moscou. Exemplo disso é um episódio ocorrido em 1973, quando o papa Paulo VI (aconselhado por Casaroli, embora este não o diga explicitamente) aposentou o então primaz da Hungria, cardeal Joszef Mindszenty, símbolo da resistência católica. O ato de força, que causou comoção na época, afrouxou as tensas relações entre o Vaticano e o governo húngaro, levando à reconstrução de importantes dioceses naquele país.
Não era raro que o cardeal cumprisse missões secretas no Leste Europeu. Certa vez, na embaixada americana em Budapeste, ele travou um diálogo com Mindszenty dentro de um cubículo cujas paredes eram forradas de material à prova de escuta eletrônica. Em outra ocasião, encontrou-se com uma alta autoridade eclesiástica da Checoslováquia num hotel fuleiro, onde ambos conversaram por intermédio de bilhetes. No livro, Casaroli também menciona casos como o do monsenhor checo Stepan Trochta, que morreu de ataque cardíaco depois de ser ameaçado durante seis horas por um dirigente comunista embriagado. Il Martirio della Pazienza trata de momentos dramáticos, mas o tom é sempre sereno, bem ao estilo discreto de seu autor. "Há quem goste de tocar trompas. Eu me limito a soar o violino", disse Casaroli, quando era secretário de Estado de João Paulo II. É de violinistas que o mundo precisa.
 

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A obra de Max Weber, por Otto Maria Carpeaux


Artigo foi publicado no 'Suplemento Literário' de 14 de abril de 1962


A inauguração do Instituto de Sociologia da Univeridade de Munique trouxe à tona o autor de 'A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo' e motivou a publicação, à época, do artigo de Carpeaux no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo.
Otto Maria Carpeaux
No Instituto de Sociologia da Universidade de Munique acaba de ser inaugurado o Arquivo Max Weber, em que, além de documentos e manuscritos, serão conservados os livros e estudos que se escreveram sobre o grande erudito: até agora, aproximadamente, 3.500.
Um orgão tão responsavel e tão insular como o
"Times Literary Supplement" chamou-o, há pouco, de "a maior figura da sociologia do seculo XX".
Raymond Aron e Lorenzo Giusso dedicaram-lhe livros. O Fundo de Cultura Economica divulgou-lhe as obras no mundo de linguas ibericas. No Brasil, toda pessoa medianamente culta conhece o nome de Max Weber, pelo menos aqueles estudos que fundaram uma nova disciplina cientifica: estudando a influencia da ética protestante ou, mais exatamente, da ética calvinista sobre a formação da mentalidade capitalista, essa tese, embora muito discutida, é sua maior gloria e é o grande desmentido contra a idolatria da especialização: pois nunca teria nascido, se o economista e sociologo Weber, no ambiente estreito de uma cidadezinha universitaria alemã, não tivesse frequentado seus colegas da Faculdade de Teologia que ensinavam e estudavam a historia moderna da Igreja.
Mas tudo que Weber escreveu, continha germes e sugestões para outros estudos, de importancia muito grande, sempre maior do que aparentavam ser os assuntos. Seu primeiro trabalho, de 1891, sobre a historia da estrutura agraria do antigo Imperio Romano, esclareceu o papel historico do latifundio. Conquistou a catedra em Friburg com um estudo sobre a situação dos trabalhadores rurais na Alemanha oriental, então dominada pelos "junkers" prussianos. Combinou, em 1903, os dois assuntos, escrevendo um famoso verbete de enciclopedia sobre "Estrutura agraria na Antiguidade", responsabilizando o latifundio pelo declinio e pela catastrofe da civilização antiga, terminando com uma sombria perspectiva para o futuro da Prussia latifundiaria de 1908. Também foi Weber o unico sociologo ocidental que se dignou de estudar a revolução russa de 1905: todo o mundo considerava-a então como a derrota de uma revolução socialista; mas o professor de Freiburg explicou-a como o fracasso de uma revolução burguesa, acreditando que esse fracasso causaria a transição direta da Russia, do feudalismo ao socialismo, sem fase burguesa.
Durante a primeira guerra mundial, entre 1914 e 1918, estendeu Weber seus estudos sobre sociologia da religião ao mundo não-cristão. Escreveu sobre religião e sociologia do Islão, da China e do judaismo; mas, sobretudo, os famosos artigos sobre Amos, Hosea, Isaías, Jeremias, os profetas do judaismo antigo. Até então, esses profetas eram considerados como individualistas religiosos, que libertaram o judaismo do monopolio dos sacerdotes do Templo, preparando a transformação da religião nacional dos hebreus em religião nacional dos hebreus em religião universal. Mas Weber demonstrou que os profetas não pensavam na salvação individual das almas, e, sim, na salvação da nação ameaçada. Lutaram contra a burocracia do templo e contra a monarquia, já de prestigio decadente, para que a nação sobrevivesse às suas instituições obsoletas. - Foram estas as ultimas pedras para o grandioso monumento científico que Weber deixou. Depois da catastrofe de 1918, já professor em Munique, dedicou-se, episodicamente, a atividades politicas, contribuindo para o estabelecimento do parlamentarismo na Republica de Weimar. A morte prematura, em 1920, poupou-lhe amargas decepções.
Ainda não se aludiu, nestas linhas, à idéia determinante de Weber, quase um princípio de filosofia da história moderna: esta é caracterizada pela progressiva racionalização de todos os setores da vida. O Estado e o pensamento politico, a Administração e a Justiça, o Direito e as teorias e praticas economicas libertam-se, há 5 ou mesmo 6 seculos, cada vez mais, de mitologias, filosofemas, tabus de toda a especie, para reconhecer como supremo criterio só a eficiencia: é a racionalização da vida ocidental. O mesmo "trend" verifica-se na evolução das ciencias, pela exclusão gradual dos julgamentos de valor, oriundos de preconceitos tradicionais ou de fonte emocional. O testamento de Weber são as duas grandes conferencias muniquenses de 1920, "Politica e profissão" e "Ciencia como profissão", nas quais proclamou a objetividade total da ciencia e, portanto, sua independencia da politica que, por difinição, nunca pôde ser objetiva. Os valores, sendo elementos subjetivos, não devem entrar no estudo cientifico de problemas nem nos seus resultados. Mas Weber sabe que os valores subjetivos aceitos pelo estudioso têm determinada função psicologica: são eles que inspiram ao pesquisador a escolha dos seus temas. Têm função seletiva. Essa tese autoriza a pergunta seguinte: - quais foram os valores subjetivos que determinaram, para Max Weber, a seleção dos seus temas de estudo? Em toda a imensa bibliografia sobre o sociologo, só duas vezes - por Christoph Steding (1832) e por Wolfgang Mommsen (1959) - foi levantada aquela pergunta. Responderam, partindo de pontos de vista muito diferentes, chegando no entanto ao mesmo resultado: foram valores da vida politica; daquela politica que Weber quis tão radicalmente excluir da ciencia objetiva.
Filho da burguesia capitalista e industrial da Renania, e dedicando-se, como especialista, ao estado de problemas economicos, seria de supor-se que estes monopolizassem a atenção de Weber. Mas não aconteceu assim. Na mocidade recusou os mais vantajosos convites para entrar na direção de grandes trustes; mais, dos estudos especificamente economicos.
A inedita relação que Weber conseguiu estabelecer entre os ensinamentos morais do protestantismo calvinista e o estilo de vida do capitalismo, manda pensar em inspiração religiosa, talvez subconsciente; pois Weber era livre-pensador, descrente, mas filho de gerações de burgueses calvinistas. Mas a analise das suas reações revela logo que a inspiração não era de natureza religiosa e, sim, politica.
A burguesia calvinista renana, que tinha construido a grande industria da Alemanha ocidental é pequena minoria num país meio luterano e meio catolico. Seu destino foi o caso extremo do destino da burguesia alemã do seculo XIX em geral: ficou com liberdade para fazer seus grandes negocios, mas também ficou excluida da direção politica do país, confiada no rei da Prussia, quase absoluto, aos seus aristocratas prussianos, aos seus oficiais aristocraticos, à sua burocracia de juristas. Não foi possível organizar uma oposição eficiente. Os catolicos alemães, no seculo XIX, fecharam-se num "ghetto", não querendo participar de uma civilização predominantemente protestante. O luteranismo retirou-se para a pequena burguesia e para o Leste agrario, pois a etica luterana paternalista, é incompativel com a grande industria e com a comercialização; o estudo da diferença essencial entre essa etica e a do calvinismo é mesmo um dos meritos de Weber e do seu amigo Troeltsch. O proletariado? Como filho da grande burguesia industrial, Weber se preocupa mais com os sofrimentos dos trabalhadores rurais do que com as esperanças dos trabalhadores urbanos. Seu grande trabalho sobre a influencia da etica calvinista na mentalidade capitalista é vigoroso desmentido ao materialismo historico que explicara, ao contrario, pelo capitalismo as mudanças da mentalidade religiosa; o proprio Weber definiu esse seu trabalho como exemplo de "antimarxismo positivo"; naturalmente num outro nivel do que a antimarxismo barato e ignorante dos maccarthystas de hoje. Weber só quis demonstrar que "o espirito é mais poderoso que a natureza" (inclusive as forças inconscientes da economia). Nesse sentido, o trabalho de Weber sobre etica calvinista e mentalidade capitalista é o ato pelo qual a burguesia alemã conquistou a consciencia das suas origens e do seu destino. Mas essa classe, rica, culta e consciente, estava excluida do poder pelo imperador Guilherme II e seus aristocratas e burocratas e os latifundiarios da Alemanha oriental.
Eis os "valores seletivos" que inspiraram a Max Weber seus temas de estudo. Seus trabalhos sobre o operariado rural da Alemanha oriental atingem diretamente o inimigo agrario, o "junker" prussiano. Os estudos, aparentemente historicos, sobre o declinio da civilização antiga e a derrota do Imperio Romano pela força autodestruidora do latifundio predizem desastre semelhante ao Imperio da aristocracia latifundiaria prussiana; são de natureza complementar os artigos sobre o fracasso da revolução russa de 1905. Enfim, a guerra de 1914 e a direção incompetente dessa guerra pelas classes dominantes da Alemanha confirmaram as previsões do sociologo.
Fiel à sua convicção de que "a ciencia (social) tem a função de fazer compreender fatos incomodos", Weber começou a fazer oposição ao Kaiser. A censura não conseguiu impedir essa oposição. Nenhum evasionismo obrigou o sociologo a entrincheirar-se atrás de estudos historicos, cheios de alusões à atualidade. De sua livre vontade escolheu, durante os anos de guerra, o estudo dos profetas do judaismo antigo. Esses profetas lutaram contra uma monarquia impotente e contra os sacerdotes profissionais, especie de burocracia do Templo; assim como Weber lutou contra o imperador Guilherme II e sua burocracia administrativa e militar. Os profetas, conforme Weber, não se preocupavam com a salvação das almas individuais, mas da nação ameaçada. O sociologo também se preocupou, naqueles anos, só com o futuro da nação alemã em face da derrota iminente. Ao monarquismo decadente opôs a perspectiva de lideres saidos do povo e legitimados pela sua vocação, o "charisma"; e à burocracia opôs a reivindicação do regime parlamentarista, o regime proprio da burguesia, o triunfo da racionalização enfim também na politica.
Pela derrota de 1918, a monarquia foi abolida. A Republica de Weimar iniciou a experiencia parlamentarista. Weber morreu logo depois, em 1920. Não viveu, para assistir ao espectaculo de forças irracionalistas se apoderarem das suas esperanças. A preocupação exclusiva pelo futuro da nação virou nacionalismo fanatico. A substituição da monarquia pela liderança, "charismatica" degenerou em culto ao "Fuehrer". O fim eram as ruinas da Alemanha destruida e depois, sua reconstrução meramente economica.
Mas - "o espirito é mais poderoso que a natureza". Depois de tudo, a lição de Weber sobre a objetividade da ciencia venceu. Em meio das ruinas materiais do nazismo e das ruinas espirituais do "milagre economico" fica em pé o monumento de Max Weber: sua Obra.

Para entender o Gramscismo

Gramscismo

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Antonio Gramsci: novas táticas adicionadas aos velhos métodos comunistas de tomada do poder.

O socialismo proposto por Gramsci não passa pelos proletários e camponeses, e sim pela cultura e pelo efeito multiplicador dos meios de comunicação, buscando, através de métodos persuasivos, mudar a mentalidade vigente em uma sociedade.

O pensamento de Gramsci
por Carlos I.S. Azambuja em 28 de abril de 2005

© 2005 MidiaSemMascara.org

O italiano Antonio Gramsci, um dos fundadores do Partido Comunista Italiano, foi o primeiro teórico marxista a compreender que a revolução na Europa Ocidental teria que se desviar muito do rumo seguido pelos bolcheviques russos. Nesse sentido, ofereceu um novo “Que Fazer” ao Ocidente desenvolvido. Aquilo que ele chamou de “sociedade civil” – rede de instituições educativas, religiosas e culturais que disseminam modos de pensar – era, na Rússia, incapaz de fornecer uma doutrinação moral e intelectual de caráter unitário, uma vez que o Estado czarista fundamentava-se na ignorância, na apatia e na repressão, e não no consentimento voluntário dos súditos. Na ausência de uma articulação complexa da “sociedade civil” em condições de absorver a insatisfação, a única defesa da velha ordem era constituída pelo aparelho do Estado, que Gramsci denomina de “sociedade política”. O conjunto difuso da “sociedade civil”, que propaga a ideologia da classe dominante, não existia na Rússia.

Segundo Gramsci, o objetivo da batalha pela mudança é conquistar, um após outro, todos os instrumentos de difusão ideológica (escolas, universidades, editoras, meios de comunicação social e sindicatos), uma vez que os principais confrontos ocorrem na esfera cultural e não nas fábricas, nas ruas ou nos quartéis.

Dessa forma, Gramsci abandonou a generalizada tese marxista de uma crise catastrófica que permitiria, como um relâmpago, uma bem sucedida intervenção de uma vanguarda revolucionária organizada. Ou seja, uma intervenção do Partido. Para ele, nem a mais severa recessão do capitalismo levaria à revolução, como não a induziria nenhuma crise econômica, a menos que, antes, tenha havido uma preparação ideológica.

Segundo a linguagem colorida de Gramsci, o proletariado precisa transformar-se em força cultural e política dirigente dentro de um sistema de alianças, antes de atrever-se a atacar o poder do Estado-burguês. E o Partido deve adaptar sua tática a esses preceitos, sem receio de parecer que não é revolucionário.

Lênin sustentava que a revolução deveria começar pela tomada do Estado para, a partir daí, transformar a sociedade. Gramsci inverteu esses termos: a revolução deveria começar pela transformação da sociedade, privando a classe dominante da direção da “sociedade civil” e, só então, atacar o poder do Estado. Sem essa prévia “revolução do espírito”, toda e qualquer vitória comunista seria efêmera.

Para tanto, Gramsci definiu a sociedade como “um complexo sistema de relações ideais e culturais” onde a batalha deveria ser travada no plano das idéias religiosas, filosóficas, científicas, artísticas, etc. Por essa razão, a caminhada ao socialismo proposta por Gramsci não passava pelos proletários de Marx e Lênin e nem pelos camponeses de Mao-Tsetung, e sim pelos intelectuais, pela classe média, pelos estudantes, pela cultura, pela educação e pelo efeito multiplicador dos meios de comunicação social, buscando, através de métodos persuasivos, sugestivos ou compulsivos, mudar a mentalidade, desvinculando-a do sistema de valores tradicionais, para implantar os valores ateus e materialistas.

O comunismo de Gramsci é a “versão ocidental” do comunismo, e ao proclamar o diálogo e aceitar o debate, próprios dos sistemas verdadeiramente democráticos, trabalha sobre todas as formas de expressão cultural, atuando sob a cobertura do pluralismo, com a contribuição de todos aqueles que por compartilhar a ideologia marxista, por snobismo, por conveniência ou por negligência, se somam voluntária ou involuntariamente a essa nova expressão do “frentismo”, chamando “fascistas” ou “retrógados” aqueles que se opõem a essa forma de pensar e atuar.

Nessa confusão de idéias, chega-se a substituir a contradição hegeliana de “burguês – proletário” (tese e antítese) pela de “fascista – anti-fascista”. O inimigo não é patrão e sim o fascista. Assim surge o mito do fascismo, que nada tem a ver com o fascismo histórico, sem dúvida questionável.

Quem quer que defenda os valores tradicionais da cultural ocidental é tachado de “fascista” e considerado genericamente como “um mal”. O grande erro dos comunistas, segundo Gramsci, foi o de crer que o Estado se reduz a um simples aparato político. Na verdade, o Estado atua não apenas com a ajuda do seu aparato político, como também por meio de uma ideologia que descansa em valores admitidos que a maioria dos membros da sociedade têm como supostos. A referida ideologia engloba a cultura, as idéias, as tradições e até o sentido comum. Em todos esses campos atua um poder no qual também se apóia o Estado: o poder cultural.

A necessidade de uma reforma intelectual e moral para lograr uma mudança de mentalidade nas sociedades ocidentais que foram constituídas por convicções, critérios, normas, crenças, pautas, segundo a concepção cristã da vida, é de suma importância para o triunfo da revolução mundial.

Porém, nesse propósito de formação de uma nova consciência proletária, o gramscismo encontra um obstáculo: a religião. De acordo com os estudos de Gramsci, a Igreja Católica, encarada como inimiga irreconciliável do comunismo, utiliza elementos fundamentais e comuns na sociedade, chegando a toda população, tanto urbana como rural. O catolicismo, segundo Gramsci, é uma doutrina geral simplificada a fim de ser entendida por todos. Analisando esse fato, Gramsci chegou à conclusão que uma das chaves da sobrevivência do catolicismo ao longo dos séculos foi o fato de que em seu seio conviveram harmonicamente humildes e elites, sentenciando que “a Igreja romana sempre foi a mais tenaz em impedir que oficialmente se formem duas religiões: a dos intelectuais e a das almas simples”.

Concluiu que é a Igreja Católica que inspira a formação desse sentido comum cristão e, por conseguinte, era preciso erradicá-lo mediante uma ação não violenta já que essa via seria repelida pelas sociedades ocidentais, onde influi e gravita o consenso e a vontade das maiorias. Gramsci afirmou que “os elementos principais do sentido comum são ministrados pelas religiões e, por isso, a relação entre o sentido comum e a religião é muito mais íntima do que a relação entre o sentido comum e os sistemas filosóficos dos intelectuais”. “Então - prossegue Gramsci – todo o movimento cultural que tenda a substituir o sentido comum e as velhas concepções do mundo deve repetir incansavelmente os próprios argumentos, variando suas ‘formas’”.

Dessa forma, as novas concepções se difundem utilizando sofismas, dando novas interpretações a fatos históricos e chegando a parafrasear o Evangelho em alguns casos, mostrando distintos “ensinamentos” de determinadas passagens bíblicas, tal como a expulsão dos mercadores do Templo de Deus, utilizando-os como argumentos para justificar a violência e fortalecer a imagem do “Cristo guerrilheiro”, criada pelos “cristãos revolucionários”.

Essas concepções, porém, não deverão ser apresentadas em formas puras, uma vez que o povo não as aceita na medida que provoquem uma mudança traumática. Para isso, devem ser apresentadas como combinações, explorando “a crise intelectual e a perda da fé na concepção que se deseja mudar”.

Por isso, diz Gramsci, não se deve enfrentar frontalmente a Igreja Católica, e sim criar os enfrentamentos em seu seio. Enfrentamentos que não sejam apresentados como provocados por causas exógenas e sim endógenas.

Acrescente-se que o marxismo de Gramsci se apresenta como uma interpretação “filosófica” distinta do marxismo conhecido. Não há filosofia e práxis; existe uma igualdade entre pensamento e ação ao ponto em que tudo é considerado ação. Em conseqüência, a “filosofia da práxis” deve ser elaborada partindo de uma equivalência entre filosofia e política, e deverá ser construída como ciência da história, posto que filosofia e história são indissociáveis. Diz Gramsci que “a filosofia da práxis supera as precedentes, por isso é original, especialmente porque abre uma via completamente nova, ou seja, renova totalmente o modo de conceber a filosofia mesma”.

Quanto ao papel dos intelectuais, ele deixa claro que a tarefa de agente da mudança na nova concepção de mundo não pode ser desenvolvida pelos intelectuais burgueses, considerados “o elo mais débil do bloco burguês”. Devem surgir “novos” intelectuais da massa do povo. Dessa forma, a tarefa a ser desenvolvida por essa “nova” elite será a de formar uma vontade coletiva e lograr a reforma moral e intelectual, agregando que uma reforma cultural que eleve os extratos submersos da sociedade não pode ocorrer sem uma prévia reforma econômica e uma mudança na sua posição social. Por isso, afirmou que “uma reforma intelectual e moral tem que ser vinculada forçosamente a um programa de reforma econômica”

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Pedagogia dos Jesuitas


A Companhia dos Jesuítas, fundada por Santo Inácio de Oyola, teve um impacte significativo nas escolas europeias durante os séculos XVI, XVII e XVIII, estando, ainda hoje, presente no ideário pedagógico de muitas escolas ligadas à Igreja Católica. Há dois acontecimentos que marcam o princípio e a decadência da pedagogia dos jesuítas: a inauguração do colégio de Mesina, em 1548, e o fecho do colégio de Clermont, em 1762. Durante esses dois séculos, temos ainda a considerar a expansão da pedagogia dos jesuítas pela América Latina e pela Ásia, conduzida por importante figuras missionárias, de que o português, Padre António Vieira, é o maior exemplo.
A pedagogia dos jesuítas é inseparável do ambiente cultural da contra reforma e do percurso espiritual de Inácio de Loyola (1491-1556). A passagem de Loyola pelas Universidades de Alcalá, Salamanca e Paris deram-lhe a conhecer a necessidade de a ordem por ele fundada centrar o esforço de evangelização na criação de escolas católicas em todo o lado onde a ortodoxia estivesse em perigo ou a ignorância da fé católica fosse um facto.
A estada de Loyola na Universidade de Paris, onde o movimento reformista era forte e se fazia sentir a influência ideológica de Calvino, levou o fundador dos jesuítas a meter mãos á obra na criação de uma rede de instituições educativas capazes de combaterem o novo movimento, pugnando, em contrapartida, por uma reconciliação entre o pensamento de Erasmo e a filosofia de S. Tomás de Aquino. Após a sua passagem por Paris, Loyola conseguiu que o Papa Paulo III aprovasse, em 1541, a regra de quarenta e nove pontos que previa a constituição de seminários, chamados colégios, nas cidades que possuíssem universidades e onde os futuros jesuítas seriam formados. A partir de 1540, Inácio de Loyola começou a enviar, para a Universidade de Paris, os primeiros dirigentes da Companhia recém-criada e que iriam ser os futuros directores dos colégios a criar. E os primeiros colégios abriram as portas, entre 1541 e 1546, em Lisboa, Pádua, Coimbra, Lovaina e Colónia.
À medida que o protestantismo alastrava a sua influência pela Europa, mais sentido ia ganhando a frase do Padre Bonifácio: "a educação das crianças é a renovação do mundo". Um momento importante na expansão dos colégios jesuítas foi "a criação, em 1550, do colégio romano, cujo primeiro reitor foi o padre Pelletier. Tal colégio chegará a ser, não somente o que Paris foi para a primeira geração de jesuítas - a escola normal onde se formaram os futuros professores -, e ainda mais: o centro onde desembocam, para serem submetidas a uma confrontação fecunda, todas as experiências instituídas nas diferentes casas da ordem" (1).
A partir daqui, estava lançada uma semente que iria estar na base do sucesso educativo e cultural dos jesuítas durante dois séculos. "No final do pontificado de Gregório XIII (1585), os jesuítas já possuíam, em França, quinze colégios com muitos alunos: 1300 alunos em Paris (1581), 1500 em Billom (1581), 800 em Dôle (1585). Pese embora os esforços dos protestantes que tinham criado, na Segunda metade do século XVI, os colégios de Metz, Chatillon, Montargis, Montpellier, Tours, La Rochelle, Castres, Montbéliard, Montauban, Orthez, Pau, Niort, Nérac e Bergerac, a balança começava a inclinar-se a favor dos jesuítas" (2).
A expansão dos colégios foi tão grande que, em 1626, já havia 444 colégios espalhados pela Europa. Antes de morrer, Loyola escreveu uma carta ao rei Filipe II, dando conta do reconhecimento da importância dos colégios jesuítas: "vê-se diariamente quanto é difícil aos que envelheceram no vício e nos maus costumes converterem-se num novo homem e consagrarem-se a Deus, e até que ponto todo o bem da cristandade e da sociedade depende de uma boa educação da juventude; esta macia como a cera, recebe a impressão da forma que se quer. Mas, como para procurá-la se encontram muito poucos professores virtuosos e letrados que sigam o exemplo da doutrina, a Companhia, com o zelo que Cristo nosso Redentor nos inspirou, resolveu assumir essa parte menos honrosa mas não menos frutuosa, da instrução das crianças e dos jovens. Assim, entre os outros ofícios que exerce, não é o menor dos seus deveres manter colégios nos quais, não somente os seus, mas também os de fora, recebam gratuitamente, os conhecimentos necessários a um cristão, as ciências humanas, dos rudimentos da gramática até às mais altas faculdades, segundo os recursos que podem oferecer os distintos colégios".
A organização pedagógica dos colégios jesuítas foi influenciada pela cultura barroca. Ordem, disciplina e método constituíam as três características predominantes da pedagogia dos jesuítas. A gramática, a filosofia, a lógica, a teologia ocupavam lugar central no plano de estudos. A metodologia mais vulgar consistia numa subtil mistura de exposições do professor, leitura de textos, exercícios e disputas orais.
As famílias delegavam os seus poderes nos responsáveis pelos colégios: "pelo facto de levarem os seus filhos aos jesuítas, um pai de família compromete-se a aceitar os princípios e a disciplina do colégio. No que se refere ao internato, os jesuítas esforçar-se-ão até onde for possível para oferecer aos educandos uma atmosfera familiar e alegre; mas exercerão sobre a criança a autoridade do pai ausente. Encarregados pelos pais de darem aos alunos uma educação cristã, não toleram que esse fim seja comprometido pela dissolução - facto frequente na época - em certos ambientes aristocráticos. Assim, não queriam ver degradar-se, no curso das suas vocações, pela preguiça e má conduta, os bons costumes que souberam inculcar nos jovens. Muito generosos na liberdade concedida aos alunos no
interior do colégio (um dia de descanso por semana, dois recreios de uma hora depois das refeições, muitas distracções, jogos, desportos, conferências, teatro), reduziam ao mínimo o tempo passado fora do colégio. As férias anuais duravam um mês no Verão...Até os alunos externos eram objecto de uma vigilância discreta: deviam abster-se de participarem na vida mundana, e as famílias que esquecessem os seus compromissos eram advertidas com severidade" (3).
A disciplina era entendida como uma forma de envolvimento de todo o colégio num ambiente de respeito, ordem e hierarquia. Na base da disciplina, estava o regulamento do colégio, onde se estipulavam, com rigor, a missão, os objectivos, os direitos e os deveres. No topo da hierarquia estava o reitor, eleito pelos professores mais antigos. De seguida, vinha o perfeito dos estudos, em cujos ombros caía a responsabilidade pela inspecção do ensino, a socialização dos novos professores e a supervisão do trabalho dos professores. Por último, em cada classe havia um professor principal que seria o responsável pelos estudos de cada aluno, assumindo-se como um amigo de cada aluno, cheio de compreensão e de autoridade. Com um ambiente tão ordeiro e respeitador da hierarquia, não admira que os colégios jesuítas raramente recorressem aos castigos. Em contrapartida, a pedagogia dos jesuítas fazia apelo aos reforços positivos, nomeadamente os quadros de honra e às competições académicas.
O plano de estudos dos colégios jesuítas eram muito completos. A forte componente académica era complementada como uma igualmente forte componente recreativa e desportiva. Os jesuítas centravam o currículo numa formação académica, baseada no estudo dos clássicos. Nos primeiros anos de escolaridade, a ênfase era colocada no domínio da língua materna, da gramática e da escrita e só depois os alunos eram iniciados no estudo de um leque de disciplinas que incluía a filosofia, a teologia, a matemática, o latim, o grego, as ciências da natureza, a história e a geografia. "O que os jesuítas procuram alcançar, à saída do colégio, é formar jovens cultos, que possuíssem aquilo que Montaigne e Pascal chamavam de arte de dissertar, isto é, fossem capazes de um discurso brilhante e conciso acerca dos temas da condição humana...Os jovens formados desta maneira na cultura geral, através de um sólido ensino secundário, ficam aptos para entrar nas universidades e para prosseguir carreiras" (4).
O latim era, na época da contra reforma, a língua franca da Europa. Como língua erudita, tinha, na época, uma função idêntica á que o inglês tem hoje. Não admira, por isso, que o latim fosse a língua utilizada a partir do ensino secundário no estudo de todas as disciplinas. Devido à divisão da classe em decúrias, o jovem decurião recitava, todas as manhãs, a lição aos restantes companheiros. Durante esse tempo, o professor concluía a correcção das cópias. A aula começava com um ditado. Depois o professor fazia uma
prelecção com base num texto. De seguida, os melhores alunos faziam, para os colegas, a mesma prelecção.
A gramática tinha um lugar especial no plano de estudos, uma vez que os jesuítas pretendiam formar jovens eloquentes e capazes de escrever bem. Um bom conhecimento de gramática constituía a base dos conhecimentos superiores de retórica. A formação literária do jovem assentava na leitura dos grandes autores, com particular destaque para os gregos e os romanos. No final do ensino secundário, era dada uma grande importância ao estudo da retórica e da poética de Aristóteles. "Por último, como a retórica devia desembocar no mundo, o seu ensino acolhia a erudição cada vez mais copiosa sobre a história política e social dos povos, dos autores com verdadeira autoridade e de todas as ciências, mas sem esquecer a capacidade dos alunos" (5).
A prelecção (praelectio) era o exercício fundamental que coroava o estudo da gramática. Com a prelecção, o aluno mostrava dominar a complexidade da explicação literária. "Antes de tudo era necessário situar o texto (argumentum); depois, mediante uma explicação de palavras, precisa, profunda e reduzida, devia referir-se às expressões mais notáveis e difíceis (explanatio). Depois vinha a análise prpriamente técnica do texto, de acordo com as regras da retórica, da poética e da gramática (rethorica); depois, a elucidação histórica, geográfica e científica dos factos (eruditio). Por último, a transposição da exégesis literária do que o ramalhete espiritual constitui na meditação religiosa, a apreciação geral do trecho escolhido, mediante um cotejo com os demais textos do mesmo autor ou com o grandes modelos de Cícero (latinitas)" (6).
A pedagogia dos jesuítas partilhava com a cultura barroca o apreço pela teatralidade e pela realização cénica: "cada classe estava dividida em duas fracções, romanos e cartagineses: os melhores alunos estavam investidos com a magistratura soberana; outros postos menos importantes constituíam, dentro dos dois grupos, um valoroso estado maior que tomava parte na disciplina da classe (recordemos os decuriões). Em cada fracção os alunos estavam hierarquizados em ordem decrescente. Cada um deles tinha na coluna da outra fracção um homólogo de igual força, o seu émulo. Era o seu adversário oficial, cujas faltas e inexactidões deviam ser denunciadas. Assim, segundo os alunos de uma das duas fracções ganhasse ou não aos seus émulos, uma das partes era proclamada vencedora ou vencida e saía da luta coberta de honra ou de vergonha. Este método tinha como resultado eficaz manter a emulação, não só entre os melhores alunos, mas também entre os últimos da classe, porque a vitória sobre o émulo inimigo ou um desafio vitorioso com um companheiro melhor situado, podia levar a uma vantagem visível na classificação geral" (7).
A filosofia ocupava um espaço importante no plano de estudos do ensino secundário. Os estóicos, em particular Séneca e Cícero, Tomás de Aquino e, em lugar cimeiro, Aristóteles, eram os autores
mais apreciados. O estudo da Lógica, da Metafísica, da Alma e da Ètica de Aristóteles ocupavam grande parte do tempo do estudante de Filosofia. O ensino da Filosofia era simples e eficaz: consistia na leitura e na explicação dos textos dos filósofos. Era dado um grande realce à compreensão filológica dos textos e á realização de disputas sobre as teses dos autores.
O ensino da História dava uma grande importância à Antiguidade Grega e Latina. Apesar da erudição ser um objectivo importante a perseguir, havia uma preocupação de conhecer e comentar as obras dos grandes autores, conhecidos como grandes historiadores da antiguidade greco-romana, nomeadamente Heródoto, Tucídides, Tito Lívio, Floro, Valério Máximo e Salústio. A metodologia utilizada não se distancia da metodologia das restantes disciplinas: havia uma explicação dos autores (lectio), seguida de comentários e disputas.
As ciências físicas e matemáticas não tinham o mesmo espaço no plano de estudos que o latim, o grego, a gramática, a retórica, a história e a filosofia. A física era estudada a partir das obras dos autores clássicos, como se fosse uma filosofia natural ligada á história do pensamento grego. A Física e os tratados Do Céu e Dos Meteoros, de Aristóteles, ocupavam um lugar importante, sobretudo através do estudos dos comentários à obra do estagirita.
Vejamos, por último, os cuidados na formação dos professores.
Santo Inácio de Loyola teve sempre uma grande preocupação com a formação académica dos membros da Companhia de Jesus. Ao princípio, resolveu o problema enviando os jesuítas para a Universidade de Paris que ele conhecia bem por tê-la frequentado. À medida que a Companhia de Jesus se ia expandindo, apostou na criação de universidades na Europa central. Os jesuítas formados nessas universidades estiveram na base da criação de muitas centenas de colégios. Em 1579, havia 144 colégios jesuítas e em 1749, eram 669.
A Companhia de Jesus encarou de frente o problema da formação contínua dos professores destes colégios, com a criação de uma publicação, intitulada o Diário, onde eram publicados artigos em defesa da ortodoxia pedagógica, filosófica e teológica. Publicaram, nessa publicação, como membros correspondentes, alguns dos melhores intelectuais da Europa daquele tempo.
Notas
1) Mesnard, P. (1992). "La Pedagogia dos Jesuítas", in Jean Château. Los Grandes Pedagogos. México: Fondo de Cultura Económica, p. 61
2) Idem, p. 62
3) Ibid., p.67-68
4) Ibid., p. 70

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Laicidade (ou laicismo)

Multiculturalismo(s): identidade cultural é opressão individual


Na ressaca dos atentados de Julho no Reino Unido[1], e num momento em que o Canadá esteve prestes a reconhecer tribunais arbitrais que aplicariam a chária, verifica-se um questionamento crescente e inevitável do multiculturalismo, uma palavra usada em pelo menos três sentidos diferentes que convém distinguir.

Na verdade, alguns dos que mais veementemente afirmam «rejeitar o multiculturalismo» são fascistas mais ou menos envergonhados que pretendem aproveitar-se do fanatismo de uma minoria entre os muçulmanos e dos actos terroristas de meia dúzia para promoverem um programa político de uniformização «racial» (no caso dos racistas) ou religiosa (no caso dos clericalistas), que avançaria pela exclusão política e social dos imigrantes. A crítica que fazem do fascismo islâmico é portanto meramente oportunista e releva de intenções tão fascistas (ou clericalistas) como as dos jihadistas. Estas pessoas, quando rejeitam o «multiculturalismo», referem-se a um facto social (a presença de imigrantes e a consequente diversidade cultural) que revitaliza as sociedades e as regenera demograficamente.
Numa segunda acepção, fala-se em «multiculturalismo» para descrever um discurso baseado na ideia de que os valores éticos ou mesmo os direitos políticos só podem ser criticados a partir «de dentro» de cada cultura, e portanto por «pessoas dessa cultura». Esta corrente de pensamento defende o máximo de tolerância (no limite, a indiferença) por qualquer prática apresentada com uma caução cultural ou religiosa, designadamente os casamentos forçados ou, em Portugal, a excisão do clitóris. Esta corrente aprisiona os indivíduos à sua identidade cultural ou religiosa de origem, e negligencia todos aqueles que desejam abandonar, em parte ou mesmo no todo, a religião ou cultura em que foram educados. Pior ainda, entrega a definição dessa religião ou cultura aos seus puristas, ou seja, aos mais integristas (Salman Rushdie acusa disto mesmo o governo britânico[2]). Os produtores desta linha de pensamento são sobretudo académicos e educadores, tão intoxicados de pós-modernismo que são incapazes de olhar para um indivíduo sem verem a «identidade cultural» ou «identidade religiosa» que esse indivíduo adquiriu acidentalmente. E no entanto, por detrás desses efeitos da educação todos temos os mesmos instintos e necessidades.
Finalmente, a palavra «multiculturalismo» é ainda usada para designar os modelos políticos comunitaristas, em que os cidadãos não são tratados como indivíduos iguais em direitos e deveres e destinados a conviver uns com os outros, mas sim como membros de «comunidades culturais» com direitos distintos, condenadas a coexistirem separadamente. Evidentemente, estas políticas legitimam-se com o discurso criticado no parágrafo anterior. A Holanda e o Reino Unido são exemplos (imperfeitos) de multiculturalismo de Estado, que em ambos os casos foi o sucessor histórico do multiconfessionalismo. Refira-se, concretamente, os tribunais arbitrais islâmicos que há pouco estiveram em discussão no Canadá, o financiamento público de escolas privadas confessionais (protestantes, católicas, judaicas, muçulmanas) ou a indiferença perante o elogio da violência feito por alguns imãs. Existe um sector importante da esquerda contemporânea que é politicamente comunitarista, mas alguma direita (mais religiosa ou mais identitária-racista, conforme os casos) está também interessada no separatismo étnico-religioso que lhe conforta os preconceitos e lhe afasta da frente os indesejáveis.
Felizmente, o debate sobre os multiculturalismos está a conduzir muitos à conclusão de que, nestes tempos conturbados, só a laicidade à francesa, com a sua separação clara entre uma esfera pública neutral e uma esfera privada onde se pratica facultativamente a religião, e também com a sua igualdade de direitos e deveres entre cidadãos independentemente da religião, poderá responder ao desafio que a integração dos muçulmanos representa. É esse o argumento apresentado por Gilles Kepel[3], e Salman Rushdie[4] já concluiu o mesmo. Convém aqui esclarecer que, ao contrário de um fantasma habitualmente evocado, não deve ser considerada racista toda e qualquer crítica de culturas e religiões minoritárias ou o conferir direitos e deveres iguais a todos os cidadãos, mas que pelo contrário deve ser considerado racista tratar os cidadãos diferenciadamente em função das suas pertenças religiosas, atribuir-lhes direitos diferentes (que inexoravelmente separam e discriminam as minorias) ou ainda ser complacente com discursos fascizantes[5].
No momento actual, é necessário recordar ao mundo que o muçulmano que abandona a sua religião não é nem uma anomalia estatística nem um traidor à sua comunidade. É um indivíduo que exerce a sua liberdade de pensamento. E apenas uma República laica lhe permitirá seguir o seu caminho, livre da opressão identitária e dos mulás que o tentam instrumentalizar.
Ricardo Gaio Alves