domingo, 26 de junho de 2011

A consciência moral da Europa

ZP11062307 - 23-06-2011
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Apelo do Papa a um Ocidente que parou de se amar

MADRI, quinta-feira, 23 de junho de 2011 (ZENIT.org) - Bento XVI acaba de visitar a Croácia, país de quase 5 milhões de habitantes, 89% dos quais são católicos. Antes, em 11 de abril, ao receber o novo embaixador croata, o Papa tinha ressaltado as “raízes cristãs” do país. E disse que a entrada croata na União Europeia deveria acontecer “com total respeito pela sua cultura e pela sua vida religiosa”. Por que esta advertência?
A resposta foi dada em 4 de junho, primeiro dia da visita papal à capital Zagreb, diante de ampla representação do mundo político, acadêmico, cultural e diplomático da Croácia. O papa voltou ao tema, agora a partir do humanismo de base católica, que foca “a consciência do ser humano, sua abertura transcendente e ao mesmo tempo sua realidade histórica, capaz de inspirar projetos políticos diversificados, mas convergentes, na construção de uma democracia substancial, baseada nos valores éticos arraigados na própria natureza humana".
Era uma reivindicação da consciência “objetiva”, baseada na busca da verdade. Sua advertência foi clara. Relegar a religião e a moral ao mundo instável da subjetividade seria um passo atrás, que levaria a Europa à involução.
Reflito brevemente sobre esta sentença dura, do ponto de vista jurídico. De acordo com uma visão difundida da lei, sua origem tenderia a residir exclusivamente na chamada “consciência comum da sociedade”, manifestada normalmente na vontade geral, reflexo dessa ambígua expressão que é a opinião pública. Quando, através do mecanismo parlamentar, ela toma forma de lei, o positivismo legalista a reforça com este duplo postulado: “A lei é todo o direito; a lei é toda direito”. Por cima dessa “comum opinião” não cabe a referência a uma consciência moral superior. Uma consciência construída sobre a verdade e sobre os valores que dela derivam.
Diante desta visão estreita, o foco clássico da justiça pensa que, na sociedade democrática, além da lei positiva, existem outras instâncias jurídicas; e que, para que o direito realize a verdadeira justiça, não basta que a lei tenha sido aprovada pela maioria: é necessário que ela concorde com padrões objetivos de justiça. Faz algumas semanas, nesta mesma seção de ZENIT, elogiamos os julgamentos de Nuremberg contra o nazismo. É claro que naqueles processos houve irregularidades. Entre outras, o fato de terem participado entre os julgadores alguns representantes da União Soviética, que também cometera crimes contra a humanidade. Mas, ao rejeitar a tese da obediência à lei nacional-socialista e às autoridades quando exigem ações contrárias à lei objetiva, Nuremberg fez verdadeira justiça. Potencializou a função ética que na teoria clássica corresponde à consciência pessoal. Uma justiça que nem sempre achava precedente nas leis positivas, mas sim naquele direito escrito na consciência de todo homem. Ou seja, demonstrou que a cultura democrática ocidental se fundamenta em valores jurídicos radicais, que estão acima de eventuais maiorias ou imposições plebiscitárias. Esses valores jurídicos radicais são “a consciência moral” a que o papa aludiu na Croácia.
Hoje está sendo reinventada uma espécie de consciência civil, desgalhada demais do seu tronco original. Ao se tornar o Estado uma espécie de terra de ninguém, pronta para ser colonizada por qualquer ideologia com vocação de “religião”, a sociedade civil, uma vez ideologicamente colonizada, se torna refratária a toda outra influência e se transforma em intolerante. A afirmação de que o relativismo é consubstancial à democracia supõe uma visão pessimista diante das possibilidades reais da pervivência do sistema.
Alguns anos atrás, o próprio cardeal Ratzinger, num debate com o presidente do senado italiano, Marcello Pera, atribuía os elementos da atual crise europeia a estes fatores: paralisia das forças espirituais, envelhecimento demográfico, destruição da consciência moral, banalização da dimensão religiosa do homem. Em contraste com outras culturas —outras religiões—, o Ocidente renuncia à defesa da verdade, que está nas suas raízes cristãs. Em suma: “Aqui há um ódio do Ocidente contra si mesmo, que é estranho e que só pode ser considerado como patológico. O Ocidente tenta, de maneira louvável, se abrir, cheio de compreensão, a valores externos, mas parou de amar a si mesmo. Da sua própria história ele vê somente o que é execrável e destrutivo, e já não está em situação de perceber o que tem de grande e de puro”.
Hoje, Bento XVI volta a insistir na necessidade de um redescobrimento da consciência moral da Europa. Um lugar “de escuta da verdade e do bem, lugar da responsabilidade perante Deus e os irmãos em humanidade, que é a força mais forte contra qualquer ditadura”.
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Rafael Navarro-Valls é catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri e secretário geral da Real Academia de Jurisprudência e Legislação da Espanha.

Corrupção e martírio na história do Vietnã

ZP11062602 - 26-06-2011
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O diretor da AsiaNews fala sobre tolerância e violência

ROMA, domingo, 26 de junho de 2011 (ZENIT.org) - A liberdade religiosa tem aumentado um pouco no Vietnã, mas ainda depende do capricho do governo. Mais do que falar em liberdade religiosa, afirma o padre Bernardo Cervellera, teríamos que falar de “uma certa tolerância religiosa”.
O diretor da AsiaNews dá entrevista ao programa Deus chora na Terra, da Catholic Radio and Television Network (CRTN), em colaboração com Ajuda à Igreja que Sofre.
- 10% da população do Vietnã é católica. As coisas melhoraram, mas a liberdade religiosa no Vietnã de hoje é possível mesmo?
- Padre Cervellera: Melhorou um pouco, sim. Por exemplo, os seminários, que antes tinham um limite, um número fixo de candidatos, agora foram abertos, e nós temos muitas vocações. Também existe uma certa tolerância do governo, com o atendimento médico que é feito pelas irmãs, por exemplo, e com a educação nas creches, essas coisas. Eu diria tolerância, não permissão. Mas de alguma forma existe mais liberdade, só que todas essas liberdades dependem da boa vontade do governo, que às vezes vai permitir e às vezes não vai.
- Ainda existe violência contra os cristãos?
- Padre Cervellera: Em algumas regiões, como o norte, e nas tribos das montanhas, ainda existe violência. Em Sung La e em outras dioceses, e em outras cidades menores, vilarejos, os católicos não podem celebrar missa no natal nem na páscoa, e é proibido ter catequese e ensinar a fé para os filhos, porque o governo local não permite nenhuma expressão de fé. Na prática, eles querem destruir a fé católica.
- Como o senhor consegue essas informações?
- Padre Cervellera: A nossa informação vem de fontes de fora do Vietnã. É muito perigoso para eles mandar essa informação. Várias dioceses do Vietnã também tiveram a coragem de publicar notícias e discursos dos bispos nos sites deles, análises e críticas de algumas violações da liberdade religiosa. Essas páginas também nos proporcionam informação.
- O senhor escreve na AsiaNews que a violência anticatólica é uma consequência da corrupção.
- Padre Cervellera: A maior parte da violência contra a Igreja católica no Vietnã atual é resultado de suborno e da corrupção do partido comunista. O Vietnã está em transição. Antes dessa transição, existia uma economia comunista centralizada. Agora eles estão avançando para uma economia capitalista, e muitos do partido comunista estão assumindo o controle, virando proprietários de imóveis que pertenciam às igrejas, ou de templos budistas e edifícios de outras religiões. É ilegal, porque a lei do Vietnã determina que todos esses edifícios e terras que foram desapropriados da Igreja ou de outros donos têm que se devolvidos quando as propriedades deixarem de ser usadas pelo Estado. Esses membros do partido estão ficando com essas propriedades e fazendo centros turísticos, villas, que depois eles vendem no mercado imobiliário vietnamita, que está crescendo bastante. A Igreja tenta reclamar. Aconteceu em Hanoi, Saigon, Vinh, em muitos lugares, e os católicos têm razão de reclamar. Mas a resposta do regime comunista tem sido violenta. Eles prendem os católicos que exigem de volta essas propriedades. Ou agridem, espancam. Um padre foi jogado do segundo andar de um prédio e outro apanhou até ficar em coma. Existe violência, sim, e é uma forma de amordaçar os direitos dos católicos.
- Os católicos vietnamitas precisam de orações...
- Padre Cervellera: Toda a Igreja perseguida precisa. Ninguém resiste ao sofrimento sem a força da oração. E outra reflexão interessante, o Vietnã virou um país com cada vez mais relações comerciais internacionais, e elas têm que ser uma via para transmitir a importância dos direitos humanos e o respeito pela liberdade religiosa. Até os negócios vão melhorar, porque, se a liberdade religiosa não existe, os outros aspectos dos direitos humanos, como a liberdade de empreender, também ficam em perigo.
- É o martírio que faz a Igreja crescer com tanta rapidez?
- Padre Cervellera: Eu acho que sim. O Vietnã, junto com a China, é uma das Igrejas mais perseguidas da Ásia, pelo menos nos últimos séculos. Nos séculos XVIII e XIX nós tivemos uns 200.000 mártires vietnamitas. Isso é semente para uma nova vida da Igreja. E outra coisa que eu acho que faz a Igreja no Vietnã ser tão forte é a unidade.
- A unidade vem de onde?
- Padre Cervellera: A unidade vem da educação que os jesuítas deram e das testemunhas da Igreja diante do povo do Vietnã, ao longo da história da Igreja no Vietnã. Hoje o povo tem mais confiança nas personalidades da Igreja do que nos funcionários do governo.
- Uma dessas grandes testemunhas foi o cardeal François-Xavier Nguyen Van Thuan. O senhor pode nos falar dele?
- Padre Cervellera: Claro! Ele é uma das personalidades mais importantes do Vietnã contemporâneo. François-Xavier Nguyen Van Thuan era sacerdote e foi nomeado bispo uns meses antes que o Vietnã do Norte invadisse o Vietnã do Sul. Ele era o bispo auxiliar de Saigon naquela época. O cardeal Van Thuan deu tudo, tudo, a serviço das pessoas no sul: ele ajudou os pobres, as crianças, ajudou na educação, na construção das casas...
- Por que acabou então na prisão?
- Padre Cervellera: Foi preso, em primeiro lugar, porque era parente do último presidente do Vietnã do Sul e, em segundo lugar, porque era bispo. Era um defensor apaixonado de seu povo e o povo o seguia. Por isso foi preso durante 13 anos, dos quais 9 passou em confinamento solitário.
- Que impressão lhe causou quando o conheceu?
- Padre Cervellera: Era muito tranquilo. Eu o conheci em Roma. Se não recordo mal, o Vaticano obteve sua libertação com a condição imposta pelo governo do Vietnã de que nunca voltaria ao país. Encontrei-me com ele quando era secretário do Conselho Pontifício Justiça e Paz. Era, como diria, muito calmo, mas com um olhar profundo e sempre muito comprometido com o Vietnã. Reunia-se com refugiados aqui na Itália ou com pessoas que vinha de todas as partes do mundo para visitá-lo. Sempre estava trabalhando e sempre apoiando a Igreja no Vietnã, com uma calma muito peculiar, como se dissesse: “Sabemos que Cristo sempre sairá vitorioso. Não há pressa nem angústia”.
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Esta entrevista foi realizada por Marie-Pauline Meyer para "Deus chora na terra", um programa rádio-televisivo semanal produzido por ‘Catholic Radio and Television Network', (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt.

Situação crítica nas fronteiras do Sudão

ZP11062605 - 26-06-2011
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Bispo adverte que Cartum e SPLA lutam pelas regiões limítrofes

KOENIGSTEIN, domingo, 26 de junho de 2011 (ZENIT.org) - Um bispo sudanês adverte sobre um novo genocídio no Sudão, enquanto a população da fronteira do sul de Kordofan foge em busca de segurança.
Poucas semanas antes da separação do Sul do Sudão do seu vizinho do Norte, a região que está entre os dois é foco de conflitos.
Dom Macram Max Gassis, de El Obeid, falou na semana passada com a associação caritativa internacional Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), afirmando que milhares de pessoas estão fugindo do estado fronteiriço do Sul, onde a situação “é extremamente crítica, sobretudo na capital, Kadugli”.
Entre as populações mais atingidas estão os nuba, muçulmanos e cristãos, explicou Dom Gassis. A região do Sul de Kordofan faz parte da diocese do bispo de El Obeid, que se estende sobretudo pela metade setentrional do Sudão.
O conflito no Sul de Kordofan se remonta ao início deste mês, quando Kadugli foi atacada pelo exército do Norte; um pastor protestante foi assassinado.
Na última quinta-feira, o exército do Norte do Sudão e o Sudanese People's Liberation Army (Exército Popular de Libertação do Sudão – SPLA) começaram as negociações.
O Sul de Kordofan, junto a Abyei e Blue Nile, é uma das três regiões entre o Norte e o Sul cujo status está ainda por ser confirmado.
No referendo de janeiro, o Sul do Sudão votou, com uma esmagante maioria, pela independência do Norte, e se tornará oficialmente uma nação independente em 9 de julho.

domingo, 12 de junho de 2011

Atacar a Igreja é rentável, mesmo sem fundamento

ZP11061203 - 12-06-2011
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Novo livro aborda acusações comuns contra a Igreja

Por padre John Flynn, L. C.
ROMA, domingo, 12 de junho de 2011 (ZENIT.org) - Talvez o anticatolicismo seja o último preconceito aceitável na sociedade atual, mas o escritor e jornalista canadense Michael Coren não acha que ele deva ser aceito tão facilmente.
Em seu livro Why Catholics Are Right (Por que os católicos estão certos), publicado em inglês pela McClelland and Stewart e sem tradução em português até agora, ele analisa as críticas mais comuns contra a Igreja. Coren, de família laica e filho de pai judeu, tornou-se católico depois dos vinte anos de idade.
Ser judeu o ajudou na carreira, mas, como ele conta na introdução do livro, a fé católica lhe causou a perda de dois postos de trabalho e muitas portas fechadas nos meios de comunicação.
Ele encara depois um tema que preferiria não ter que abordar: o escândalo dos abusos do clero. Reconhece o imenso dano causado a muitas pessoas, mas também sustenta que algumas críticas foram além do que seria justificável.
“Os abusos não dizem nada sobre o catolicismo”, insiste Coren. Os críticos ansiosos por demonstrar que os abusos são vinculados às estruturas ou aos ensinamentos da Igreja ignoram o fato de que também ocorrem abusos em outras igrejas e religiões com a mesma freqüencia ou até mais.
“Como resultado das lições do escândalo, a Igreja católica é agora um dos lugares mais seguros para os jovens”, afirma Coren. Esses fatos deveriam levar a uma condenação dos abusos, mas não a uma condenação da Igreja, conclui o escritor.
Outro capítulo se ocupa de acontecimentos históricos como as cruzadas e a inquisição. É verdade que a Igreja nem sempre agiu da melhor maneira, admite ele, mas, em geral, ela sempre esteve eticamente à frente do seu tempo e se manteve como uma força para o bem, argumenta.
As cruzadas
Coren precisa que a Terra Santa era cristã e, posteriormente, foi invadida pelos muçulmanos. Segundo ele, é um erro considerar as cruzadas como uma espécie de imperialismo ou colonialismo. Ao contrário, muitas famílias nobres foram à bancarrota com os gastos de armar um cavaleiro e mantê-lo com seu séquito nas cruzadas.
Estudos modernos desmentem que a maioria dos cruzados eram filhos de famílias pobres em busca de butim. Pelo contrário, tratava-se normalmente da elite da cavalaria europeia, explica o autor.
Nos territórios conquistados pelas cruzadas, a população muçulmana pôde seguir a vida normal e não houve nenhuma tentativa séria de convertê-la ao cristianismo.
"As cruzadas não foram o momento mais bonito da história cristã, é claro, mas também não foram as caricaturas infantis da consciência pesada ocidental moderna, nem a paranóia contemporânea muçulmana", responde.
Quanto à inquisição, ele afirma que a premissa subjacente é que os católicos são maus e que só a Igreja poderia organizar algo tão horrível como a inquisição. “Isto é simplesmente ridículo”, afirma Coren. Para começar, foram assassinados mais homens e mulheres em poucas semanas da ateia Revolução Francesa do que durante um século de inquisição. Também houve inquisições em vários países protestantes, voltadas principalmente contra os suspeitos de bruxaria.
Tortura
O objetivo da inquisição era combater os erros doutrinais e as heresias, explica Coren. Existia a tortura, mas aplicada quase sempre pelas autoridades laicas. A inquisição não a usava nem mais nem menos do que o resto dos órgãos judiciais da época, acrescenta.
A maior parte das críticas se concentra na inquisição espanhola. Coren se pergunta por que se prestou tão pouca atenção aos massacres e à tortura realizados contra muitos católicos na Inglaterra de Henrique VIII e da Rainha Elisabete I.
É verdade que os papas apoiaram inicialmente a inquisição espanhola, mas ela se tornou rapidamente um órgão do estado e da monarquia. Depois da derrota final dos muçulmanos na Espanha, um grande número deles e de judeus se converteu ao catolicismo. Muitas conversões foram genuínas, mas, sendo vantajoso política e economicamente dizer-se católico, outras muitas “conversões” não passaram de fachada. A inquisição, então, investigou a autenticidade dos conversos.
Houve abusos, afirma Coren, mas a Espanha não sofreu as sangrentas guerras de religião que afetaram muitos outros países europeus, por exemplo. Segundo ele, a Inquisição passou despercebida até meados do século XIX, quando escritores anticatólicos a utilizaram e distorceram para atacar a Igreja.
Outra crítica frequente à Igreja tem a ver com sua riqueza.
É verdade que existe uma grande quantidade de riquezas no Vaticano, em seus museus abertos a todos. A Igreja preservou essas obras de arte durante séculos e as guarda como patrimônio da humanidade, observa o autor.
A possibilidade da venda dessas obras de arte e de dar o dinheiro aos pobres seria apenas um ato isolado, cujos benefícios materiais acabariam rapidamente, sem resolver nada do problema da pobreza no mundo. Já a conservação dos tesouros artísticos para o futuro os mantém à disposição de todos, em vez de encerrá-los em coleções privadas. Além disso, prossegue Coren, a Igreja católica constrói e gerencia hospitais e escolas e toca um número imenso de obras de caridade no mundo inteiro.
Vida e sexualidade
Outro dos capítulos do livro explora os temas da vida e da sexualidade. A Igreja é objeto de ataques constantes por causa da sua postura em temas que vão do aborto aos preservativos e anticoncepcionais.
A postura da Igreja não se baseia apenas em crenças morais, mas também na ciência e nos direitos humanos, defende Coren.
Ele assinala que a afirmação de que existe uma nova vida desde o momento da concepção tem um sólido fundamento biológico. O feto é uma vida humana diferente e como tal deveria ter o direito de existir. Apesar disso, nos últimos anos, os pró-vida foram tachados frequentemente de extremistas fanáticos.
Por outro lado, ainda que a sociedade contemporânea se considere mais progressista e tolerante que qualquer outra do passado, as pessoas com deficiência no ventre materno são assassinadas deliberadamente.
Quando se trata da postura da Igreja a respeito da utilização para pesquisa de células-tronco embrionárias, isso é utilizado por seus oponentes para acusá-la de ser um obstáculo à cura de enfermidades que poderiam ser vencidas em um futuro próximo.
A verdade é, no entanto, que não houve êxito algum com as células-tronco embrionárias, em contraste com os êxitos obtidos com células-tronco de adultos, algo que a Igreja não se opõe, aponta Coren.
Quanto ao tema dos preservativos e dos anticonceptivos, a Igreja adverte há décadas que sua disponibilidade seria prejudicial para a sociedade. De fato, Coren assinala que, desde a advertência, tem havido um aumento constante das enfermidades de transmissão sexual, do divórcio, das rupturas familiares, e a sexualidade passou a se converter em muitos casos de uma ato de amor para uma mera troca de fluidos corporais.
Difamar a Igreja e Bento XVI por se opor ao uso de preservativos no esforço por controlar a Aids/SIDA é outro caso mais de injustiça, afirma Coren. Confiar no uso de preservativos simplesmente não tem funcionado na África. Pelo contrário, os programas baseados na abstinência e na fidelidade têm tido grande êxito.
O livro de Coren trata muitos outros temas e não desperdiça oportunidades de defender a Igreja contra o que considera de ataques mal informados. Seria uma útil ajuda para quem está interessado em responder aos ataques tão frequentes contra a Igreja.
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Na internet:
"Why Catholics Are Right": www.amazon.com/Why-Catholics-Right-Michael-Coren/dp/0771023219/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1306609817&sr=8-1

Bento XVI ao mundo da política e cultura

ZP11060502 - 05-06-2011
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Discurso no Teatro nacional de Zagreb

ZAGREB, sábado, 4 de junho de 2011 (ZENIT.org) - Apresentamos o discurso que Bento XVI pronunciou no Teatro nacional de Zagreb, na tarde desse sábado, no encontro com expoentes da sociedade civil, do mundo político, acadêmico, cultural e empresarial, com o corpo diplomático e com os líderes religiosos.
* * *
Senhor Presidente,
Senhores Cardeais,
Ilustres Senhores e Senhoras,
Amados irmãos e irmãs!
Estou muito feliz por poder começar a minha visita encontrando-vos, a vós que representais âmbitos qualificados da sociedade croata e o Corpo Diplomático. Dirijo a minha saudação cordial a cada um de vós pessoalmente e também às realidades vitais a que pertenceis: às comunidades religiosas, às instituições políticas, científicas e culturais, aos sectores artístico, económico e desportivo. Agradeço sentidamente a Mons. Puljić e ao Prof. Zurak as amáveis palavras que me dirigiram, bem como aos artistas que me acolheram com a linguagem universal da música. A dimensão da universalidade, que caracteriza a arte e a cultura, é conatural de um modo particular ao cristianismo e à Igreja Católica. Cristo é plenamente homem, e tudo aquilo que é humano encontra n’Ele e na sua Palavra plenitude de vida e de significado.
Este Teatro esplêndido é um lugar simbólico, que exprime a vossa identidade nacional e cultural. O facto de vos poder encontrar aqui, todos juntos, é mais um motivo de alegria do espírito, porque a Igreja é um mistério de comunhão e rejubila sempre com a comunhão na riqueza das diversidades. A participação dos Representantes das outras Igrejas e Comunidades cristãs, bem como das religiões hebraica e muçulmana, contribui para nos lembrar que a religião não é uma realidade aparte relativamente à sociedade: pelo contrário, é uma sua componente conatural, que evoca constantemente a dimensão vertical, a escuta de Deus como condição para a busca do bem comum, da justiça e da reconciliação na verdade. A religião coloca o homem em relação com Deus, Criador e Pai de todos, e, por conseguinte, deve ser uma força de paz. As religiões sempre se devem purificar segundo esta sua verdadeira essência, para corresponderem à sua genuína missão.
E aqui queria introduzir o tema central desta minha breve reflexão: a consciência. Transversal aos diferentes campos onde estais empenhados, este tema é fundamental para uma sociedade livre e justa, tanto a nível nacional como supranacional. Aqui penso naturalmente na Europa, de que a Croácia faz parte desde sempre no plano histórico-cultural, ao passo que, no plano político-institucional, está em vias de entrar na União. Pois bem, as grandes conquistas da idade moderna, ou seja, o reconhecimento e a garantia da liberdade de consciência, dos direitos humanos, da liberdade da ciência e, consequentemente, de uma sociedade livre, há que confirmá-las e desenvolvê-las mas mantendo a racionalidade e a liberdade abertas ao seu fundamento transcendente, para evitar que tais conquistas se auto-destruam, como infelizmente temos de constatar em não poucos casos. A qualidade da vida social e civil, a qualidade da democracia dependem em grande parte deste ponto «crítico» que é a consciência, de como a mesma é entendida e de quanto se investe na sua formação. Se a consciência se reduz, segundo o pensamento moderno predominante, ao âmbito da subjectividade, para o qual se relegam a religião e a moral, a crise do Ocidente não tem remédio e a Europa está destinada à involução. Pelo contrário, se a consciência é descoberta novamente como lugar da escuta da verdade e do bem, lugar da responsabilidade diante de Deus e dos irmãos em humanidade – que é a força contra toda a ditadura – então há esperança para o futuro.
Estou grato ao Prof. Zurak por ter lembrado as raízes cristãs de numerosas instituições culturais e científicas deste país, como aliás aconteceu em todo o continente europeu. O lembrar estas origens é necessário inclusive para a verdade histórica, mas é importante saber lê-las em profundidade a fim de que possam animar também os dias de hoje. Por outras palavras, é decisivo captar o dinamismo que está dentro do acontecimento, por exemplo, da criação duma universidade, ou dum movimento artístico, ou dum hospital. É preciso compreender o porquê e o como de isso ter acontecido, para se valorizar nos dias de hoje tal dinamismo, que é uma realidade espiritual que se torna cultural e, consequentemente, social. Na base de tudo, encontram-se homens e mulheres, encontram-se pessoas, consciências, movidas pela força da verdade e do bem. Foram citados alguns dos filhos ilustres desta terra. Gostaria de deter-me no Padre jesuíta Ruđer Josip Bošković, que nasceu em Dubrovnik há trezentos anos, no dia 18 de Maio de 1711. Ele personifica muito bem o consórcio feliz entre a fé e a ciência, que se estimulam reciprocamente a uma pesquisa ao mesmo tempo aberta, diversificada e capaz de síntese. A sua obra mais importante, Theoria philosophiae naturalis, publicada em Viena e depois em Veneza a meados do século XVIII, tem um subtítulo muito significativo: redacta ad unicam legem virium in natura existentium, ou seja, «segundo a única lei das forças existentes na natureza». Em Bošković, temos a análise, o estudo de múltiplos ramos do saber, mas temos também a paixão pela unidade. E isto é típico da cultura católica. Por isso, é sinal de esperança a fundação de uma Universidade Católica na Croácia. Espero que esta contribua para criar unidade entre os diversos âmbitos da cultura contemporânea, os valores e a identidade do vosso povo, dando continuidade à fecunda contribuição da Igreja para a história da nobre Nação croata. Voltando ao Padre Bošković, dizem os peritos que a sua teoria da «continuidade», válida tanto nas ciências naturais como na geometria, concorda magnificamente com algumas das grandes descobertas da física contemporânea. Que podemos dizer? Prestemos homenagem ao croata ilustre, mas também ao jesuíta autêntico; prestemos homenagem ao cultor da verdade que está bem ciente de quanto esta o supere, mas sabe também, à luz da verdade, empenhar profundamente os recursos da razão que o próprio Deus lhe concedeu.
Contudo, para além da homenagem, é preciso aproveitar o método, a abertura mental destes grandes homens. Voltemos, pois, à consciência como chave mestra para a elaboração cultural e a construção do bem comum. É na formação das consciências que a Igreja oferece à sociedade a sua contribuição mais específica e preciosa. Uma contribuição que começa na família e que encontra um reforço importante na paróquia, onde as crianças e adolescentes e, depois, os jovens aprendem a aprofundar as Sagradas Escrituras, que são o «grande códice» da cultura europeia; e, ao mesmo tempo, aprendem o sentido da comunidade fundada no dom: não no interesse económico ou na ideologia, mas no amor, que é «a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira» (Caritas in veritate, 1). Aprendida na infância e na adolescência, esta lógica da gratuidade é, depois, vivida nos diversos âmbitos, no jogo e no desporto, nas relações interpessoais, na arte, no serviço voluntário aos pobres e aos doentes, e, uma vez assimilada, pode-se concretizar nos âmbitos mais complexos da política e da economia, colaborando para uma polis que seja acolhedora e hospitaleira, e que ao mesmo tempo não seja vazia, nem falsamente neutra, mas rica de conteúdos humanos, com uma forte consistência ética. É aqui que os christifideles laici estão chamados a fazer render generosamente a sua formação, guiados pelos princípios da Doutrina Social da Igreja, por uma autêntica laicidade, a justiça social, a defesa da vida e da família, a liberdade religiosa e educativa.
Ilustres amigos, a vossa presença e a tradição cultural croata sugeriram-me estas breves reflexões. Deixo-vo-las como sinal da minha estima e sobretudo da vontade que tem a Igreja de caminhar com a luz do Evangelho no meio deste povo. Agradeço-vos pela vossa atenção e de coração abençoo a todos vós, os vossos entes queridos e as vossas actividades!
[©Libreria Editrice Vaticana]

A crítica de Freud à religião - entrevista com Hans Zirker


“Enquanto o homem se mantém fiel a Deus, Freud o vê sujeito à imaturidade, à consciência ilusória e à neurose coletiva”. Essas são as palavras do filósofo e teólogo alemão Hans Zirker em entrevista exclusiva à IHU On-Line. Zirker ainda acrescentou que Freud ”procura compreender o homem e sua cultura tão radicalmente pela lei natural, e o estimula a uma condução tão autônoma da vida, que mais ou menos todas as religiões devem parecer-lhe como sistemas de um pensamento não-esclarecido e de uma dependência imatura”.
Hans Zirker é professor emérito de Teologia Católica e Didática na Universidade Duisburg-Essen. A entrevista que segue foi concedida por e-mail.


IHU On-Line - Qual a posição de Freud ante as religiões, sobretudo a cristã?
Hans Zirker - Freud dirige-se, em primeira linha, contra as religiões monoteístas, nas quais ele fala de Deus como “Pai”, são objetivadas a fé judaica e a fé cristã (ao islã é estranha esta imagem de Deus); em que ele critica a autoridade religiosamente imposta, todas as três religiões se devem ver atingidas. Com boas razões, porém, Freud agride de maneira bastante geral “a religião” no singular. Ele procura compreender o homem e sua cultura tão radicalmente pela lei natural e o estimula a uma condução tão autônoma da vida, que mais ou menos todas as religiões devem parecer-lhe como sistemas de um pensamento não-esclarecido e de uma dependência imatura. Freud vê o fim ideal de todo o conhecimento na limitação em torno daquilo que pode ser cientificamente demonstrado. E ele sabia que ele próprio ainda não atingira este fim com sua psicanálise, e ele também não nutria a esperança de que os homens em sua maioria jamais alcançassem este fim. Apesar disso, para ele, o pensamento religioso perdera indiscutivelmente sua validade.

IHU On-Line - Sob que pontos de vista a crítica de Freud se dirige de maneira mais dura contra a religião?
Hans Zirker - Freud acusa a religião de três grandes males principalmente: Em primeiro lugar, ele vê que nela os homens são mantidos na imaturidade. As crianças, quando se sentem desamparadas e com medo, buscam nos pais abrigo e proteção. Deles esperam amparo e cuidado. Elas ainda não são responsáveis por si próprias, mas são conduzidas. Mas, o que nos primeiros anos de vida é natural, bom e necessário, não deveria permanecer quando as pessoas se tornam adultas. Elas devem poder libertar-se dos progenitores e tornar-se autônomas, se não quiserem falhar em sua vida. Elas devem aprender a superar sozinhas os medos e as necessidades, onde estas puderem ser superadas e, onde isso não for possível, a suportá-las. A isso, segundo Freud, se contrapõe a religião: ela propõe Deus como aquele que aparentemente faculta aos homens que eles possam permanecer como crianças e não precisem tornar-se adultos. Na realidade, porém, – segundo a convicção de Freud – a religião não pode ajudá-los. Perigos e miséria não são por ela afastados, porém surgem tanto mais dura e perfidamente.
Em segundo lugar, a religião significa para Freud o mais extremo domínio do pensamento desejoso. Que tenhamos sonhos, saudades e desejos é novamente natural, bom e necessário. Mas nós também devemos poder reconhecer a realidade que se lhes contrapõe. Não só é pernicioso, mas também indigno anestesiar-se de tal maneira que já não se percebam as próprias condições e relações. Isso, no entanto, o fazem, segundo Freud, pessoas religiosas. Elas imaginam coisas divinas, para não precisar posicionar-se ante seu mundo. Elas se entregam à ilusão, elas recorrem à religião como a um ópio.
Em terceiro lugar, Freud vê na religião uma ordem cultural imposta que se equipara a uma enfermidade psíquica, a uma neurose. Muitas vezes, quando se sentem sobrecarregadas, as pessoas procuram uma proteção perigosa: elas atribuem, de maneira exagerada, um lugar estável às coisas que as circundam, submetem-se, em sua conduta, a regras estranhas, parecendo aos seus concidadãos estranhos ou até perturbados. Eles o fazem por não ter aprendido a entender-se razoavelmente com seu mundo. Elas necessitam de seguranças adicionais. Com isso, porém, eles estreitam violentamente seu espaço vital e suas possibilidades vitais. Sua capacidade de conduzir-se significativamente entre outras pessoas e comunicar-se racionalmente com elas, se reduz e são elas que mais sofrem com isso. A inquietude que as conduz não pode ser afastada dessa maneira, mas até ainda aumenta.
Programa saudável
O que, na vida individual, se manifesta dessa forma como enfermidade, vê Freud realizado cultural e coletivamente na religião. Também ela circunda e concretiza a vida com ritos, para afastar experiências caóticas por meio de uma ordem sagrada. Ela zela angustiadamente pelo exato cumprimento das cerimônias, para que nada apareça perturbado. No entanto, com isso, segundo Freud, ela não obtém estabilidade psíquica, porém escrúpulo, nem obtém segurança, porém temores acrescidos. Diante destes três aspectos da religião Freud concebe sua crítica como programa saudável. As pessoas devem, enquanto isso for possível, ser transpostas à condição de aceitarem a si próprias e seu mundo assim como eles o são. Elas devem ser capacitadas a aceitar a verdade e renunciar às ilusões, para, desta forma finalmente, conquistar saúde espiritual e psíquica.
IHU On-Line – O senhor crê que Freud era ateu?
Hans Zirker - Segundo sua própria compreensão, Freud certamente era ateu, porque, como homem se mantém fiel a Deus, Freud o vê sujeito à imaturidade, à consciência ilusória e à neurose coletiva. Ele não admite que a fé em Deus também possa capacitar o homem a tornar-se maduro, a superar ilusões e afastar uma conduta angustiada. Prestar-se-ia pouco serviço à compreensão da crítica psicanalítica da religião, caso realmente se quisesse interpretar Freud, em algum “sentido mais profundo”, como um homem que acreditava em Deus. Já em sua etimologia, porém, o conceito “ateísta” [ateu: em alemão ‘A-theist’ - BD] tem sentido meramente negativo. Por isso, este conceito não faz suficiente justiça a Freud. Em primeira linha e em ultima análise Freud é “humanista”. A controvérsia com ele também deve, por isso, ser conduzida principalmente em torno da compreensão do ser humano, e não com relação a Deus.
IHU On-Line – Como pode a teologia contribuir para a compreensão da psicanálise?
Hans Zirker - A psicanálise é um procedimento direcionado para o autoconhecimento e a estabilização, possivelmente para a cura do ser humano. Ela ultrapassa amplamente a crítica de Freud à religião e, em seu todo, não pode ser fixada na discussão da religião. De sua parte, a teologia não pode pretender estar também amplamente disponível para questões de psicanálise. Aqui é adequada uma atitude de reserva. Mas, a teologia deve, em todo o caso, refletir sobre o modo pelo qual ela quer abordar a crítica da religião proposta por Freud. Não seria suficiente que ela procurasse ver quais os representantes da psicanálise que reconhecem mais valor e validade à religião.
Quatro pontos a serem levados em consideração
Em primeiro lugar, a teologia deve levar a sério a crítica de Freud. Há suficientes provas de que determinados estilos de educação religiosa são predominantemente direcionados para a obediência e promovem a imaturidade; de que, com a religião, pode ser apoiado o poder e ser desviado o olhar de situações escandalosamente injustas; que sob influências religiosas há pessoas que adoecem, etc. Isso também não pode ser contestado com a alegação de que, nestes casos, sequer se trata propriamente de religião, porém de degenerescências e perversões da religião. Este argumento seria demasiado simplório. Não, a própria religião é algo ambivalente. Ela não cai do céu como dom de Deus, mas também é sempre cultura humana. E assim ela também contém comprometedoras possibilidades. Só se poderia discutir, se seria conveniente reduzi-las, como o fez Freud, às suas conseqüências malsãs.
Em segundo lugar, a teologia pode apelar precisamente a Freud, quando ela admoesta à precaução em face do juízo crítico, pois, para a psicanálise, Freud exige uma conduta comunicativa: o médico ou psicólogo não deveria antecipar-se com seu próprio julgamento à concepção do outro, ao qual quer ajudar, não deveria bloquear com suas próprias hipóteses a autocompreensão do outro, porém abrir caminho a percepções que possam ser convincentes para ambos os lados. Esta exigência também pode ser transposta para o trato com religião e pessoas crentes. Uma crítica que sabe de antemão como se encontra a fé religiosa, ela própria viola o método analítico exigido e não palmilha o penoso caminho do entendimento comum para uma compreensão, quanto possível, comum.
Em terceiro lugar, a teologia pode contribuir para uma compreensão diferenciada da experiência. Quando Freud fala “da realidade” com a qual é preciso relacionar-se, ele pensa numa grandeza aparentemente inquestionável. No entanto, a “realidade” não pode ser estabelecida tão univocamente, ela não pode ser entendida tão “objetivamente” como Freud o pensava numa determinada tradição científica. O que vale como “experiência” e “realidade”, já é amplamente condicionado historicamente, cunhado culturalmente e também dependente de caminhos e concepções pessoais de vida.
Finalmente, e em quarto lugar, a crítica da religião e a religião, a psicanálise e a teologia devem entender-se sobre qual o significado que, na vida humana, também na religião, se atribui às necessidades, desejos e esperanças. Elas não podem ser contrapostas às experiências, como se ambos os lados fossem algo totalmente distinto e não tivessem nada a ver reciprocamente. Saudades não só podem reprimir experiências, como também despertar sensibilidade para elas. As experiências nem sempre devem contrapor-se aos desejos e esperanças, mas também podem fortalecê-los.
IHU On-Line – Na visão da psicanálise, qual a distinção entre crença e fé? Poderia a distinção entre crença e fé contribuir ao entendimento pela psicanálise?
Hans Zirker - A distinção entre fé e crença aponta para o fato de que uma religião historicamente dada e institucionalmente formulada sempre se refere a uma convicção responsavelmente assumida e vivida. Caso contrário, religião e fé tornam-se mero costume exterior ou dever imposto. Somente em experiências conquistadas pela crença se pode confirmar a fé. Por sua vez, a crença pessoal também se refere sempre a uma fé formulada, porque, caso contrário, ela não teria um lugar histórico e social; sem uma linguagem comum ela não poderia ser comunicada e não poderia confirmar-se numa vida comunitária.
Por isso a distinção, mas também a relação entre crença e fé é do maior significado para uma psicanálise que não recusa, de antemão, qualquer valor à religião.
IHU On-Line – Que contribuição a psicanálise de Freud pode dar à compreensão da fé?
Hans Zirker – Com base nos precedentes pontos de vista, já deveria ter ficado claro quão importante é, para a autocompreensão religiosa, a crítica psicanalítica da religião, feita por Freud. Exige-se a análise e a discussão desta crítica não só para a auto-afirmação religiosa, mas também, em primeira linha, para o esclarecimento da consciência religiosa. Esta é aguçada pela psicanálise a reconhecer os perigos que se encontram na própria religião (imaturidade, ofuscamento da realidade e autoritarismo).
Por essa razão, a religião e a teologia também são direcionadas pela psicanálise a verem quão significativas são a necessidade, a saudade e o desejo para a força de atração da religião. Contra a perspectiva de Freud, esta percepção pode ser um enriquecimento religioso.
Religião e fé
Já que a religião e a fé não podem jamais ser asseguradas com procedimentos científicos e, apesar de todas as experiências, também são conduzidas por desejos e saudades, elas também terão sempre objeções contra si. A inquietude espiritual que parte da crítica da religião permanecerá como algo fundamental. Mas, entre pessoas de boa vontade e esclarecidas dever-se-iam esperar pelo menos duas coisas: os crentes entre elas deveriam ter consciência de que suas convicções, que lhes são pessoalmente confiáveis, podem ser rejeitadas por outros com respeitáveis razões. E os seus críticos, apesar de seus argumentos contrários, deveriam poder dispor-se a uma respeitosa percepção da religião e da fé.

Freud, Nietzsche e Bento XVI


[i]Artigo publicado no Jornal Folha da Manhã em 01/02/2006.[/i]

O Apóstolo São João resume o mau espírito do mundo nas três concupiscências, a da carne, que é a sensualidade, a dos olhos, que é a ganância de possuir, e a do próprio eu, a soberba. O Papa João Paulo II fez um paralelo entre essas concupiscências e três pensadores influentes da civilização moderna: Freud para a primeira concupiscência, Marx para a segunda e Nietzsche para a terceira.


     Na tentativa de solucionar o problema da busca da felicidade pessoal, Freud apresenta uma perspectiva pessimista, considerando impossível que o Eros (amor-prazer) domine seu inimigo o Tánatos (morte – impulso para a destruição). As conseqüências são, exteriormente, a guerra com os outros ou, interiormente, o sentimento de culpa e uma profunda ansiedade. Crise sem solução.


     Nietzsche, após ter renegado o pessimismo de Schopenhauer e se convertido ao Iluminismo, atacou o cristianismo e a moral cristã, aos quais opôs o culto de Dionísio. Achava que o cristianismo era contra o amor e a alegria de viver. Lamentavelmente, Nietzsche morreu louco.


     O Papa Bento XVI acaba de lançar a sua primeira Carta Encíclica “Deus é amor”, dedicada a mostrar como o cristianismo não reprime o amor, mas o eleva, dando a solução cristã que esses pensadores não tinham conseguido achar.


     O Papa explica as três palavras gregas que significam “amor”: “éros”, “philia” e “ágape”, acrescentando que no Novo Testamento “a marginalização da palavra eros, juntamente com a nova visão do amor que se exprime através da palavra agape, denota sem dúvida, na novidade do cristianismo, algo de essencial e próprio relativamente à compreensão do amor. Na crítica ao cristianismo que se foi desenvolvendo com radicalismo crescente a partir do iluminismo, esta novidade foi avaliada de forma absolutamente negativa. Segundo Friedrich Nietzsche, o cristianismo teria dado veneno a beber ao eros, que, embora não tivesse morrido, daí teria recebido o impulso para degenerar em vício”.


     Bento XVI responde assim a uma das objeções mais comuns apresentadas à Igreja. “Com os seus mandamentos e proibições — pergunta o Papa —, a Igreja não nos torna porventura amarga a coisa mais bela da vida?”. E dando-nos Cristo como exemplo, o Papa nos ensina em que consiste o verdadeiro amor-caridade, palavra que resume toda a mensagem do Evangelho.



Dom Fernando Arêas Rifan
Bisbo Titular de Cedamusa
Administrador Apostólico da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

Um aspecto do freudismo


Roland Dalbier, num livro que se tornou clássico (O Método Psicanalítico e a Doutrina de Freud, tr. José Leme Lopes, Agir) começar por uma distinção entre a parte científica e experimental da descoberta de Freud, e a parte filosófico-doutrinária, que não chega a ser uma filosofia por sua espantosa falta de coesão racional, mas que os chamados "ortodoxos" (como se houvesse na ciência lugar para ortodoxia!) acompanham com religiosa fidelidade. "O freudismo — diz o mesmo Dalbier — é uma dogmática."
Na verdade Freud pretendeu filosofar. Malgrado suas repetidas declarações em contrário, onde até se advinha um certo desprezo pelas especulações metafísicas, Freud fez metafísica. E nessa parte de sua obra revelou uma incapacidade que muitas vezes tangencia o domínio da vulgar inépcia.
Consideremos, por exemplo, o processo da "sublimação" pelo qual a energia sexual desviada dos obstáculos da censura se manifestaria disfarçada, transformada em atividades psíquicas superiores chamadas culturais ou espirituais. O mestre vienense, depois de ter descoberto os jogos de força que explica os tiques e os atos falhados, pretende estender o diagrama até a zona dos mais altos feitos humanos, como se houvesse homogeneidade de natureza e de causas entre o homem que coça o bigode e o homem que compõe os concertos de Brandenburgo. O pensamento de Freud, nesse capítulo, não tem a tranqüila nitidez que se encontrará mais tarde entre os discípulos ortodoxos. É sempre assim. O gênio que tem o vigor para descobrir coisas até então escondidas, e que se entrega à tentação das generalizações grandiosas, salva-se pela incoerência. Corrige-se. Hesita. Desdiz-se. Mas o medíocre que o segue não tem a mesma sensibilidade: seu vigor consiste em ser coerente e nítido no erro. O medíocre tem a capacidade de ser lógico no desacerto, o brio de ser fiel ao disparate. Assim são os marxistas e freudianos ortodoxos. Mas aqui, sem intenção de cultivar paradoxos, eu direi que os seguidores medíocres são sempre os que têm razão, isto é, são os que interpretam melhor os erros do mestre, forçando-os até as últimas conseqüências.
O pensamento de Freud, dissemos, é hesitante no que concerne ao mecanismo da sublimação, mas através das reprises e das ressalvas, subsiste o bastante para nos autorizar a dizer que ele considerava homogêneas com o instinto sexual as manifestações psíquicas superiores. Se em algumas passagens o processo é descrito como uma ativação ou estimulação de funções psíquicas pré-existentes, noutros lugares, mais brutalmente, o processo é apresentado como se a energia primitiva engendrasse, sob disfarce, as formas de atividade superiores. No livro em que estuda as reminiscências infantis de Leonardo Da Vinci, diz assim: "A observação da vida cotidiana nos mostra que a maioria dos homens consegue derivar partes consideráveis de suas forças instintivas sexuais em favor de sua atividade profissional. O instinto sexual se presta muito para essas contribuições, pois é dotado da faculdade de sublimação, isto é, capaz de abandonar seu fim imediato em favor de outros fins não sexuais e eventualmente mais elevados no conceito dos homens". (Un souvenir d´enfance de Léonard De Vinci, trad. M. Bonaparte, pg. 52).
A parte por mim sublinhada mostra que Freud quer evitar o julgamento de valor deixando-o por conta do consenso. Não é ele, cientista, psicólogo, que reconhece a superioridade real, a superioridade metafísica daqueles fins, são os homens, é a cultura, será até, digamos assim, a força de um preconceito que estabelece a tal superioridade. Com essa pequena cautela o psicólogo tem as mãos livres para homogeneizar o efeito com a causa.
É aliás inerente ao pensamento freudiano a idéia de um abismo entre a manifestação das coisas, visível ao homem comum, e a fisionomia das causas, visíveis somente para os doutos. O mundo dos fenômenos é um mundo de disfarces onde nada é o que parece ser.
Todo analitismo, ou toda investigação polarizada pela hipertrofia das causas materiais, chegará a esta mesma óbvia conclusão: há entre a fisionomia do todo e os aspectos das partes uma diferença prodigiosa. O físico dirá — como já disse o Edington — que sua mesa só é mesa, sólida, estável, para o olho vulgar. Para o cientista ela é uma nuvem de elétrons e prótons. A idéia de chocar o senso-comum e de mostrar que a face dos fenômenos tem uma epiderme diferente dos nervos e ossos que a sustentam não é de Freud, nem é nova. Em geral, todos os cientistas, e principalmente os tolos, gostam muito de chocar o senso-comum com a exibição das vísceras dos fenômenos. Em Freud, porém, o vezo tem significação mais profunda e revela o pessimismo radical de sua metafísica disfarçada também, já que tudo é disfarçado. Em Freud eu diria que há uma exorbitação do erro nominalista que trouxe a cisão entre a inteligência e o ser. O ser, para o psicólogo vienense, é algo que tem um novo transcendental de perfídia e de deslealdade. É essencialmente enganador.
Mas o que mais espanta na filosofia freudiana é a grosseria com que é tratada a noção de causa. O exemplo da sublimação é frisante. Se a observação dos fatos demonstra, no campo do microscópio psicanalista, a presença de matizes, de lembranças marcadas de sexualidade, o psicólogo, com imperdoável precipitação, afirma a causalidade. Um estudante de filosofia de alguma universidade do século XIII que ouvisse tal raciocínio, piscaria o olho para o colega próximo e diria: "cum hoc ergo propter hoc".
Com isto, logo por causa disto, é o que traduz essa fórmula cunhada para denunciar o erro elementar de julgamento que confunde concomitância com causa.
Todos os casos que ilustram o fenômeno da sublimação só provam que o homem tem a capacidade de elevar o potencial, o nível ontológico de uma experiência primitiva e que a manifestação em nível elevado traz certas marcas do nível inferior. E daí? Concluirei que o maior sai do menor, ou que um ser possa sozinho por sua própria capacidade potencial, galgar o nível entitativo superior? "Nada pode passar da potência ao ato, a não ser por algo que já seja em ato", murmuraria ao nosso ouvido, e em latim, o estudante medieval.
Os mesmos fenômenos descritos por Freud seriam salvos com uma explicação infinitamente mais lógica: o que se passa na sublimação é um processo de erguimento ontológico, um processo de espiritualização semelhante àquele que no dinamismo do conhecimento, por ação do intelecto agente, espiritualiza o conteúdo da imagem dotando-a de inteligibilidade e de universalidade. Como empirista, Freud não podia atinar com esse processo de espiritualização promovida por energias espirituais em ato e capazes de produzir a elevação da experiência primitiva. Situa-se pois em pólo oposto a causa verdadeira do processo, e não é de admirar que no resultado da sublimação subsista o gosto, a cor da matéria in-formada. Basta dizer que a energia transformadora é sexuada e não sexual, uma vez que provém de um espírito vivendo em condição carnal. Salva-se assim o fenômeno sem ser preciso agredir o bom-senso e assassinar a razão.
("Diário de Notícias", 27/05/1956)

O pessimismo de Freud


Referi-me, em artigo anterior, ao pessimismo intelectual, inerente ao analismo e à hipertrofia da investigação das causas materiais, que levava Freud a ver o mundo psíquico como um mecanismo de disfarces e de ilusionismos. Na extensão de sua concepção construiríamos uma metafísica em que o ser, em vez de ser objeto adequado à inteligência, é o enganador, o despistador. Teríamos uma espécie de deslealdade metafísica do ser, e um novo transcendental de perfídia. Daí não é de admirar que o genial investigador, de tanto considerar os fenômenos, tenha perdido a lucidez de ver as naturezas; e por isso não saiba mais distinguir a anormalidade da normalidade. Tratando das aberrações sexuais, eis o que conclui Freud: “Somos levados, diante dessa freqüência da perversão, a admitir que a disposição para a perversidade não é rara e excepcional, mas é parte integrante da constituição normal”. (Introduction à la Psychanalyse, p.424).

A primeira coisa que choca nesse trecho é a impropriedade dos termos. Se ele conclui que tais ou quais fenômenos, pela freqüência com que ocorrem, devem ser considerados normais, como se explica que ainda os chamem de perversões? A segunda coisa que produz espanto é o conceito que esse médico tem da normalidade. Normal, na sua definição, é aquilo que ocorre freqüentemente. Então, se houver uma epidemia que atinja a quase totalidade de uma população, os médicos poderão ficar em casa descansando, porque todos estão normais. Ou deverão talvez procurar os poucos não atingidos pela peste normalizadora para providenciar o enquadramento deles na norma fornecida pelas estatísticas. Já abordei esse problema, há tempo, a propósito de certos sociólogos que, seguindo as lições de Durkeim (Les Régles de la Methode Sociologique), definiam como normal aquilo que mais freqüentemente ocorre. Há erros filosóficos que se explicam pela sutileza dos elementos postos em equação; mas este é tão grosseiro, tão prodigiosamente estúpido que só se explica por uma colossal obliteração da inteligência, ou por uma espécie de fatalidade que leva os homens mais inteligentes a pagar um tributo à burrice universal. Disse atrás que esses analisadores, atentos demais aos fenômenos, não vêem as naturezas. O conceito de normalidade é correlato ao de natureza. Só posso saber, de uma coisa, que está em condições normais quando sei o que ela é. As essências entretanto não se concretizam, não existem em estado puro. Inseridas nas outras existências, sujeitas aos choques, às interseções, elas nos aparecem machucadas, feridas, amassadas. Na medida que sofrem esses acidentes que lhes subtraem alguma perfeição devida à sua natureza, as coisas se afastam da normalidade. A anormalidade é, portanto, definida pela presença de um mal físico ou moral que desfalca uma perfeição exigida por natureza. No compacto universo criado, a anormalidade pode ser muito mais freqüente do que a normalidade. Há mais automóveis arranhados do que ilesos; há mais dentaduras incompletas que perfeitas. E assim, não será por via estatística que poderemos decidir a questão. Nem sempre o cientista está habilitado a se pronunciar sobre a normalidade em que se acha uma coisa, porque nem sempre sabe defini-la, ou nem sempre vê a sua essência. Num caso desses pode lançar mão do que os filósofos chamam “abstração total”, e que consiste na consulta da coleção de coisas da mesma espécie; para ter uma descrição mediana que toma provisoriamente o lugar da definição. Mas tem a obrigação de saber que não pode generalizar esse critério. Na maioria dos casos não podemos dizer que a estatura de um homem é anormal, a não ser por uma comparação com o valor médio. Mas é evidente que o médico, diante de uma apendicite supurada ou de um câncer, não seguirá esse mesmo critério. Como também eu sei que devo procurar um lanterneiro ainda que todos os sociólogos da escola de Durkeim me provem que o automóvel-médio no Rio de Janeiro tem um ou dois pára-lamas amassados.

Se eu me convencesse de que é impossível conhecer uma natureza para poder formar juízo do estado em que tal natureza se concretiza, então, por amor à propriedade do termo e à lógica, eu deixaria de usar as expressões “normal” e “anormal”, substituindo-as por “encontradiço” e “raro”. E, se fosse médico, fecharia o consultório.

É triste ter de repetir coisas tão óbvias. Mas o mundo é assim, cheio de anormalidades. No caso de Freud, dirão que não se pode incriminar o psiquiatra por suas deficiências filosóficas. É exato. Talvez seja mais justo incriminar os filósofos que possuíam a melhor tradição, os mais sólidos critérios, a mais gloriosa herança intelectual, e que, por uma terrível mediocridade, não conseguiram dar o tom à cultura contemporânea. Há, entretanto, um mínimo de bom senso e de saúde de espírito que podemos reclamar em qualquer cientista, e que falta de um modo impressionante em Sigmund Freud.

Atrás daquele erro filosófico, e daquela impropriedade de termos, escondem-se complexos de um radical e profundo pessimismo. Freud pertence a uma família espiritual que traz na alma um certo rancor do ser, um pessimismo infeccioso que vê o mal nas essências, ou que, por fim, já não vê o mal onde ele existe. Se tudo é perversão, alegremo-nos com riso amarelo, e cantemos o cântico novo que anuncia a extinção da secular e incômoda diferença entre o bem e o mal, entre o mórbido e o saudável, entre o reto e o torto. Neurotics, be glad! Amanhã ou depois, pela generalização crescente, será a vez de se alegrarem os homossexuais. E desde já podem aprontar o foguetório de ingresso na normalidade os peculatários, os aproveitadores do poder, os funcionários que ganham pelo que não fazem, porque o padrão de comportamento deles, pela freqüência, está se tornando “parte integrante da constituição normal” de nosso país.
 
("Diário de Notícias", 3 de junho de 1956)

Por que Freud rejeitou Deus? - Entrevista Ana-Maria Rizzuto


No livro Por que Freud rejeitou Deus ? a psicanalista Ana Maria Rizzuto interpreta elementos contidos na teoria freudiana e em seu desenvolvimento para mostrar as razões que fizeram de Freud um opositor ferrenho da religiosidade e suas instituições. Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Ana diz que “circunstâncias pessoais da vida de Freud, durante seu crescimento, não lhe permitiram a experiência da sensação de proteção”. Ana-Maria Rizzuto é psicanalista latino-americana radicada nos Estados Unidos. Trabalha criticamente as teorias de Sigmund Freud. 
IHU On-Line – Por que Freud rejeitou Deus?
Ana-Maria Rizzuto – Circunstâncias pessoais da vida de Freud, durante seu crescimento, não lhe permitiram a experiência da sensação de proteção. Seus primeiros anos de vida foram marcados por mortes significativas: seu avô paterno, seu tio e seu irmão Julius. A última morte marcou a experiência psíquica de Freud para toda a vida. Ele teve outras perdas: sua babá, a quem foi superapegado, desapareceu de sua vida sem dar notícia. Freud, quando era pequeno, saiu de sua cidade natal, e seu pai perdeu o emprego. Depois, entrou para a escola pública, e pegaram seu tio favorito contrabandeando, prenderam-no e julgaram-no. Em suma, nenhum dos adultos com os quais Freud precisou contar foram capazes de oferecer-lhe proteção e segurança. Eles falharam com Freud de uma maneira ou de outra. Meus estudos mostram que crianças precisam de modelos de confiança e figuras adultas para dar forma a uma representação de Deus que seja acreditável. Freud não teve essa experiência. Ele sentiu que tinha que tomar conta dele mesmo, sozinho. Para ele, em suas palavras, “não há nenhuma Providência” para prestar atenção nele. Como cientista, ele acreditou apenas nos métodos científicos que implica que tudo que não é provado cientificamente não existe. Esse segundo fator contribuiu para consolidar sua descrença na existência divina.
IHU On-Line – Qual a imagem que Freud tinha de Deus?
Ana-Maria Rizzuto – Eu não analisei Freud. Minha resposta não vem da exploração de sua mente, mas dos acessos indiretos que tive a seus escritos. De sua experiência, Freud concluiu que Deus descrito pela religião como uma divindade que nos protege, não existe. Na consciência dele, a representação de Deus clamava por um aspecto de proteção. A experiência emocional de Freud indicava para ele que nenhuma das figuras paternas nem os adultos de sua vida foram capazes de protegê-lo das perdas profundas e do sofrimento. Ele não teve experiências para formar sua crença na representação da providência e proteção de Deus.
IHU On-Line - Quem é Deus para Freud? Como definir Deus pelo olhar da psicanálise?
Ana-Maria Rizzuto – Freud demonstrou com material clínico que Deus e a opinião religiosa eram formadas como resultado da transformação das representações paternas, assim como no complexo de Édipo. Tal conclusão foi a mais significativa contribuição de Freud para a psicologia da religião. Pesquisas no mundo todo confirmaram as conclusões de Freud. Para Freud, Deus é construído sobre a representação do pai. Ele dizia que Deus é “uma exaltação do pai”, “uma sublimação do pai”, “um substituto do pai”, “uma cópia do pai” e finalmente que “Deus é o pai”. Freud negligenciou examinar o significado da mãe na formação da representação de Deus. Psicanálise é uma disciplina empírica e teórica. Sua metodologia não permite nenhuma conclusão sobre a existência de alguma divindade, pois tal divindade não pode ser sujeitada à pesquisa empírica. Apesar de tudo, psicanalistas observam que as pessoas acreditam em Deus ou que elas rejeitam Deus. Isso significa que elas têm uma representação de Deus que foi formada em suas mentes durante seu processo de crescimento. Acreditando ou não, a real existência de Deus não faz parte da psicanálise. E isso está diretamente relacionado com a qualidade das nossas relações emocionais com nossos pais, adultos e figuras religiosas.
IHU On-Line - Deus e Freud estão em campos opostos?
Ana-Maria Rizzuto – Não. Freud elucidou as Escolas de Psicologia da crença em Deus e a elaboração psíquica da representação da divindade. Freud, o homem, poderia não acreditar por causa de suas próprias experiências, cultura e circunstâncias científicas. Ele foi convencido de que a religião era essencialmente uma defesa baseada na projeção da figura paterna dentro de uma proteção e providência de Deus. Ele acreditou que a ciência poderia ajudar seres humanos a desistir da religião e renunciar ao desejo por proteção, como ele escreveu em The Future of an Illusion. Nas últimas décadas, a psicanálise aceitou e ampliou as dinâmicas freudianas no entendimento da formação da representação de Deus e aceitou que crença e necessidades espirituais são componentes significativos dos seres humanos.
(Fonte: http://www.unisinos.br/ihu)

sábado, 11 de junho de 2011

Discurso do Papa a seis novos embaixadores

ZP11060906 - 09-06-2011
Permalink: http://www.zenit.org/article-28180?l=portuguese
“A técnica que domina o homem o priva da sua humanidade”, adverte

CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 9 de junho de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos, a seguir, o discurso que Bento XVI dirigiu hoje aos novos embaixadores da Moldávia, Guiné Equatorial, Belize, República Árabe da Síria, Gana e Nova Zelândia, ao recebê-los em audiência no Vaticano por ocasião da apresentação das suas cartas credenciais.
***
Senhora e senhores embaixadores:
Recebo-vos com alegria nesta manhã, no Palácio Apostólico, para a apresentação das cartas que vos acreditam como embaixadores extraordinários e plenipotenciários dos vossos respectivos países ante a Santa Sé: Moldávia, Guiné Equatorial, Belize, República Árabe da Síria, Gana e Nova Zelândia. Agradeço-vos pelas amáveis palavras que me dirigistes da parte dos vossos respectivos Chefes de Estado. Por gentileza, transmiti-lhes minha cordial saudação e meus votos respeitosos pelas suas pessoas e pela alta missão que cumprem ao serviço dos seus países e do seu povo. Também desejo saudar, através de vós, todas as autoridades civis e religiosas das vossas nações, assim como ao conjunto dos vossos compatriotas. Minhas orações e meus pensamentos se dirigem também, naturalmente, às comunidades católicas presentes em vossos países.
Como tive a oportunidade de encontrar-me com cada um de vós de maneira particular, desejo agora falar-vos de maneira mais ampla. O primeiro semestre deste ano esteve marcado por inúmeras tragédias que atingiram a natureza, a tecnologia e as pessoas. A magnitude dessas catástrofes nos interroga. O homem é o primeiro, é bom recordar isso. O homem, a quem Deus confiou a boa gestão da natureza, não pode ser dominado pela tecnologia e tornar-se seu súdito. Esta consciência deve levar os Estados a refletirem juntos sobre o futuro a curto prazo do planeta, frente às suas responsabilidades sobre a nossa vida e a tecnologia. A ecologia humana é uma necessidade imperativa. Adotar em tudo uma maneira de viver respeitosa do ambiente e apoiar a pesquisa e a exploração de energias limpas que preservem o patrimônio da criação e não sejam perigosas para o homem devem ser prioridades políticas e econômicas. Neste sentido, é necessário revisar totalmente nosso enfoque da natureza. Esta não é unicamente um espaço por explorar ou lúdico. É o lugar de nascimento do homem, sua “casa”, por assim dizer. É essencial para nós. A mudança de mentalidade neste âmbito, ainda com as contradições que carrega, deve permitir chegar rapidamente à arte de viver juntos, que respeite a aliança entre o homem e a natureza, sem a qual a família humana corre o risco de desaparecer. Deve ser realizada, portanto, uma reflexão séria e devem ser propostas soluções precisas e viáveis. O conjunto dos governantes deve se comprometer a proteger a natureza e a ajudar a que desempenhe sua função essencial na sobrevivência da humanidade. Nas Nações Unidas me parece que são o marco adequado desta reflexão, que não deverá se obstaculizar por interesses políticos e econômicos cegamente partidários, para dar prioridade à solidariedade sobre o interesse particular.
Convém também perguntar-se sobre o justo lugar da técnica. As proezas das quais é capaz caminham lado a lado com desastres sociais e ecológicos. Ao ampliar-se o aspecto relacional do trabalho no planeta, a técnica imprime à globalização um ritmo especialmente acelerado. No entanto, a base do dinamismo do progresso corresponde ao homem que trabalha e não à tecnologia, que não é mais que uma criação humana. Apostar tudo nela ou acreditar que é o único agente de progresso ou de felicidade entranha uma coisificação do homem que conduz à cegueira e à miséria quando ele mesmo lhe atribui e delega a ela poderes que não tem. Basta constatar os “estragos” do progresso e os perigos que apresenta à humanidade uma técnica todo-poderosa e finalmente não controlada. A técnica que domina o homem o priva da sua humanidade. O orgulho que gera faz nascer em nossas sociedades um economicismo intratável e certo hedonismo que determina os comportamentos de maneira subjetiva e egoísta. O enfraquecimento da primazia do humano entranha uma confusão existencial e uma perda do sentido da vida. Porque a visão do homem e das coisas sem referência à transcendência desarraiga o homem da terra e, mais fundamentalmente, empobrece a própria identidade. É, portanto, urgente chegar a conjugar a técnica com uma forte dimensão ética, já que a capacidade que o homem tem de transformar e, de certa forma, de criar o mundo através do seu trabalho se baseia sempre no primeiro dom original das coisas, realizado por Deus (João Paulo II, Centesimus annus, 37). A técnica deve ajudar a natureza a prosperar na linha querida pelo Criador. Trabalhando assim, o pesquisador e o cientista aderem ao desígnio de Deus, que quis que o homem seja o cume e o gestor da criação. As soluções baseadas neste fundamento protegerão a vida do homem e sua vulnerabilidade, assim como os direitos das gerações presentes e as vindouras. E a humanidade poderá continuar beneficiando-se do progresso que o homem, pela sua inteligência, consegue realizar.
Conscientes do risco que a humanidade corre frente a uma técnica vista como uma “resposta” mais eficiente que a vontade política ou o paciente esforço educativo por civilizar os costumes, os governantes devem promover um humanismo respeitoso da dimensão espiritual e religiosa do homem. Porque a dignidade da pessoa humana não varia com a flutuação das opiniões. Respeitar sua aspiração à justiça e à paz permite a construção de uma sociedade que promove a si mesma, quando apoia a família ou rejeita, por exemplo, a primazia exclusiva das finanças. Um país vive da plenitude da vida dos cidadãos que o compõem, cada um sendo consciente das suas próprias responsabilidades e podendo fazer valer suas próprias convicções. Por outro lado, a tensão natural ao verdadeiro e ao bem é fonte de um dinamismo que gera a vontade de colaborar para realizar o bem comum. Assim, a vida social pode se enriquecer constantemente, integrando a diversidade cultural e religiosa através da partilha de valores, fonte de fraternidade e de comunhão. A vida em sociedade deve ser considerada, antes de tudo, como uma realidade de ordem espiritual, e os responsáveis políticos têm a missão de guiar os povos rumo à harmonia humana e à sabedoria tão desejadas, que devem culminar na liberdade religiosa, autêntico rosto da paz.
Ao começar vossa missão ante a Santa Sé, eu vos asseguro, excelências, que encontrareis sempre em meus colaboradores a escuta atenta e a ajuda que podeis necessitar. Sobre vós, vossas famílias, os membros das vossas missões diplomáticas e sobre todas as nações que representais, invoco a abundância das bênçãos divinas.
[Tradução: Aline Banchieri.

A guerra da China contra as mulheres e meninas

ZP11060807 - 08-06-2011
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Promotora dos EUA lidera movimento contra a política do filho único

Por Edward Pentin
ROMA, quarta-feira, 8 de junho de 2011 (ZENIT.org) - “A política chinesa do filho único provoca mais violência contra as mulheres e meninas do que qualquer outra política no mundo; mais do que qualquer outra política oficial na história do mundo”.
São palavras acaloradas de Reggie Littlejohn, uma promotora dos EUA que fundou a Women's Rights Without Frontiers – uma coalizão internacional contra o aborto forçado e a escravidão sexual na China.
Californiana que na juventude trabalhou com a Madre Teresa nos bairros pobres de Calcutá, Littlejohn entrou na política representando refugiados chineses que pediam asilo político nos Estados Unidos em 1990.
“Primeiro eles foram perseguidos por ser cristãos e depois esterilizados à força”, conta. “Isso abriu dois mundos novos para mim”.
Falando com ZENIT em visita recente a Roma, Littlejohn resumiu a política do único filho como “a guerra da China contra mulheres e meninas”.
Os abortos obrigatórios para as mulheres que violam a política são comuns no país e chegam a ser feitos até os noves meses de gravidez. “Há mulheres que morrem junto com os bebês”.
A brutalidade do aborto forçado não é a única violação aos direitos humanos da “política de planejamento familiar”.
Acontece um “generocídio” devido à preferência tradicional chinesa pelos meninos, sendo as meninas objeto desproporcionado de aborto, abandono e infanticídio. Uma das consequências é a escravidão sexual: a eliminação de meninas levou a um aumento do tráfico de mulheres dos países vizinhos, já que há 37 milhões de homens a mais que as mulheres na China.
Esta política também pode ser a causa do alto índice de suicídios femininos na China. A Organização Mundial da Saúde informa que a China é o país com a porcentagem de suicídios femininos mais alta do mundo, com aproximadamente 500 mulheres por dia acabando com a própria vida.
As vítimas não são só as mulheres e as meninas. De acordo com muitas histórias filtradas fora da China, o governo também aplica uma variedade de métodos impiedosos contra os membros da família para forçá-los a obedecer à política de controle.
“As táticas usadas são absolutamente aterradoras”, disse Littlejohn. Lembrando um incidente documentado em março deste ano, ela conta que os funcionários do planejamento familiar foram até a casa de um jovem para esterilizar sua irmã à força.
“Como ela não estava em casa, começaram a bater no pai dela. Quando o homem tentou defender o pai, um dos funcionários pegou uma faca e o apunhalou duas vezes no coração. O homem morreu. Isto é assassinato!”.
Mas o assassino não foi preso e, apesar de a família estar tentado denunciar a história, os meios de comunicação se recusam a divulgá-la.
“Os funcionários do planejamento familiar estão acima da lei, podem fazer qualquer cosa e sair impunes”, disse Littlejohn. “O que eles estão fazendo é aterrorizar a população”.
As estatísticas relacionadas com a política do filho único são assombrosas. Desde que ela começou, em 1979, as autoridades informam que evitaram 400 milhões de vidas.
O governo diz também que 13 milhões de abortos são feitos a cada ano: 1.458 abortos por hora, ou, como Littlejohn afirmou, “um massacre como o da Praça da Paz Celestial a cada hora”.
“O irônico é que a China instituiu esta política do filho único por razões econômicas”, explicou Littlejohn. “Mas ela virou uma sentença de morte econômica para a China”.
Ela dá razões para isto. A primeira é a disparidade de sexos: 37 milhões de homens a mais, o que gera o tráfico humano entre a China e os países próximos e a decorrente escravidão sexual.
A segunda razão é que a China sofrerá o envelhecimento da população sem ter jovens para sustentá-la. Esse “tsunami senior”, como Littlejohn o chama, ocorrerá por volta de 2030.
“Eles não têm previdência social e, que eu saiba, também não têm nenhum plano para a situação dessa população de idosos”.
Littlejohn teme que, assim como forçaram o aborto no começo da vida, eles “forçarão o final da vida quando sofrerem esse tsunami senior”.
Ela destaca que os chineses têm uma cultura de respeito pelos anciãos, mas se pergunta se o apoio à eutanásia não ganhará terreno quando os resultados da política demográfica se mostrarem.
“Não tem sentido continuar com a política do filho único. Então por que eles continuam? Para mim, a razão não é tanto de controle da população, mas de controle social”.
Mantendo o rumo
As autoridades chinesas afirmam que a política será mantida pelo menos até 2015, embora recentemente tenham insinuado a permissão para dois filhos.
Mas Littlejohn acha que o aborto forçado, a esterilização e o infanticídio continuarão. É provável que a demografia da nação também não melhore.
Uma política de dois filhos já é permitida nas zonas rurais e entre as minorias se o primeiro a nascer é uma menina, mas pouco foi feito para evitar a difusão do aborto de meninas num país que tem preferência cultural pelos garotos.
Apesar da difusão da violência e do trauma infringidos pelas autoridades, os governos ocidentais têm feito pouquíssimo para pressionar a China.
“Este deveria ser o tema mais importante para os ativistas pró-direitos humanos”, ela considera.
Littlejohn conta que a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, tem “falado muito” sobre o aborto forçado na China. Mas isso não se traduz em nenhuma ação concreta ainda. Littlejohn crê que os governos não querem arriscar, “porque devem muito dinheiro para a China”.
Por outro lado, ela comenta que os Estados Unidos e a ONU estão ajudando a financiar a política chinesa através da UNFPA (United Nations Family Planning Fund) assim como da IPPF (International Planned Parenthood Federation), e da Marie Stopes International.
Ela conta que essas organizações são “provedoras de abortos” operativos na China e que, apesar dos EUA terem cortado os fundos dirigidos à UNFPA em 2001 – porque se comprovou a cumplicidade com a política do filho único – restaurou-se novamente o destino de verbas em 2009, pelo Departamento de Estado americano.
Neste link, pode-se ver um breve vídeo realizado por Women’s Rights Without Frontiers sobre a política do filho único: www.youtube.com/watch?v=JjtuBcJUsjY
Já aqui se pode assinar uma petição internacional contra o aborto forçado e a escravidão sexual na China: www.womensrightswithoutfrontiers.org/index.php?nav=sign_our_petition

Papa pede “revisão total” do enfoque sobre a natureza

ZP11060908 - 09-06-2011
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A ecologia humana é “uma necessidade imperativa”, afirma a embaixadores

CIDADE DO VATICANO, quinta-feira, 9 de junho de 2011 (ZENIT.org) - Bento XVI reafirmou nesta quinta-feira a “necessidade imperativa” de estabelecer a “ecologia humana”.
Segundo o pontífice, as prioridades políticas e econômicas devem ser “adotar em tudo uma maneira de viver respeitosa com o entorno e apoiar a pesquisa e o uso de energias limpas, que preservem o patrimônio da criação e não sejam perigosas para o homem”.
O Papa dirigiu-se em discurso a seis novos embaixadores que apresentavam suas credenciais no Vaticano hoje, de: Moldávia, Guiné Equatorial, Belize, Síria, Gana e Nova Zelândia.
O Papa falou da ecologia no discurso geral lido aos embaixadores, apesar de ter entregue a cada um deles um discurso específico sobre a realidade dos países representados.
Bento XVI afirmou que é necessário “revisar totalmente nosso enfoque da natureza”. “Esta não é unicamente um espaço a se explorar, ou lúdico. É o lugar de nascimento do homem, sua ‘casa’, por assim dizer. É essencial para nós”.
“A mudança de mentalidade neste âmbito, ainda com as contradições que carrega, deve permitir chegar rapidamente à arte de viver juntos, que respeite a aliança entre o homem e a natureza, sem a qual a família humana corre o risco de desaparecer.”
“Deve ser realizada, portanto, uma reflexão séria e devem ser propostas soluções precisas e viáveis. O conjunto dos governantes deve se comprometer a proteger a natureza e a ajudar a que desempenhe sua função essencial na sobrevivência da humanidade.”
O Papa indicou a ONU como “o marco adequado desta reflexão, que não deverá se obstaculizar por interesses políticos e econômicos cegamente partidários, para dar prioridade à solidariedade sobre o interesse particular”.
Bento XVI falou ainda sobre o “justo lugar da técnica” na atividade humana.
“A base do dinamismo do progresso corresponde ao homem que trabalha e não à tecnologia, que não é mais que uma criação humana.”
Apostar tudo na técnica e na tecnologia, ou acreditar que são o único agente do progresso ou da felicidade, implica uma “coisificação do homem, que conduz à cegueira e à miséria”.
“A técnica que domina o homem o priva da sua humanidade. O orgulho que gera faz nascer em nossas sociedades um economicismo intratável e certo hedonismo que determina os comportamentos.”
Segundo o Papa, o enfraquecimento da primazia do humano traz consigo uma confusão existencial e uma perda do sentido da vida.
“Porque a visão do homem e das coisas sem referência à transcendência desarraiga o homem da terra e, mais fundamentalmente, empobrece a própria identidade.”
“É, portanto, urgente chegar a conjugar a técnica com uma forte dimensão ética”, disse.
“A técnica deve ajudar a natureza a prosperar na linha querida pelo Criador. Trabalhando assim, o pesquisador e o cientista aderem ao desígnio de Deus, que quis que o homem seja o cume e o gestor da criação.“
“As soluções baseadas neste fundamento protegerão a vida do homem e sua vulnerabilidade, assim como os direitos das gerações presentes e as vindouras. E a humanidade poderá continuar beneficiando-se do progresso que o homem, pela sua inteligência, consegue realizar”, afirmou o Papa.
Bento XVI pediu que todos trabalhem na promoção de um humanismo respeitoso da dimensão espiritual e religiosa do homem.
“Porque a dignidade da pessoa humana não varia com a flutuação das opiniões. Respeitar sua aspiração à justiça e à paz permite a construção de uma sociedade que promove a si mesma, quando apoia a família ou rejeita, por exemplo, a primazia exclusiva das finanças”, disse.

“Ecologia humana” é base do desenvolvimento

ZP11061002 - 10-06-2011
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Bento XVI recebe o novo embaixador da Nova Zelândia

CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 10 de junho de 2011 (ZENIT.org) – O Papa Bento XVI desejou que a Nova Zelândia se envolva no desenvolvimento de “uma ecologia autenticamente humana”, no discurso dirigido ao novo embaixador desse país, George Robert Furness Troup, ao aceitar suas cartas credenciais ontem.
Devido à sua posição geográfica, a Nova Zelândia “pode assistir ao desenvolvimento de países menores, mais distantes e com menos recursos”, que a concebem “como fonte de assistência, incentivo e apoio para poder desenvolver suas próprias instituições”.
Isso, indicou, faz que o país tenha “uma responsabilidade moral concreta”, ao ser “chamado a usar sua posição de influência para a paz e a estabilidade da região, fomentar as instituições democráticas estáveis e maduras e a promoção de autênticos direitos humanos, bem como o desenvolvimento econômico sustentável”.
O desejo de desenvolvimento, reconheceu Bento XVI, “levanta uma série de desafios importantes com relação ao meio ambiente, alguns com sérias consequências para o bem-estar das pessoas e seus meios de vida, especialmente para os pobres”.
Neste contexto, incentivou “o trabalho que se está fazendo para promover modelos de desenvolvimento, tanto no interior como no exterior do país, que reflitam uma verdadeira ecologia humana, uma economia sustentável e que cumpram com nosso dever de protetores da criação”.
O Papa quis analisar o papel da Igreja Católica na nova Zelândia, sublinhando que ela “se esforça no desempenho da sua função para tecer juntos uma sociedade verdadeiramente multicultural, com um sentido de respeito mútuo, com um propósito e uma solidariedade compartilhados, para a paz e a prosperidade de todos”.
A Igreja “deseja servir ao bem comum, oferecendo a sabedoria moral e espiritual da fé nas questões éticas atuais importantes”.
O Pontífice sublinhou também que a Santa Sé busca “a promoção dos valores universais que estão baseados na mensagem do Evangelho: a dignidade que Deus dá a cada homem e mulher, a unidade da família humana e a necessidade de justiça e solidariedade para governar as relações entre os indivíduos, comunidades e nações”.
Estes valores, observou, “estão profundamente inscritos na cultura que deu vida às instituições políticas e legais da Nova Zelândia, herança cuja 'pedra angular' são os direitos de liberdade religiosa e liberdade de culto, para benefício de todos”.
“Estes direitos consagrados nas tradições legais, dos quais são herdeiros, são próprios de cada pessoa, porque são inerentes à humanidade que é comum a todos nós”, sublinhou.
“Através da promoção destas liberdades, a sociedade está melhor preparada para responder aos profundos desafios políticos e sociais de uma maneira que concorde com as aspirações mais profundas da humanidade.”
o Papa expressou, finalmente, sua solidariedade “para com aqueles que estão sofrendo ainda as consequências do devastador terremoto que atingiu Christchurch no último dia 22 de fevereiro”, afirmando que “a impressionante fonte de generosidade e os inúmeros atos de caridade e de bondade que se viram no foco do desastre contribuirão, em grande parte, para enfrentar os desafios morais e materiais desta atual e imensa tarefa”.

domingo, 5 de junho de 2011

Entrevista - Willian Waak - Camaradas

por MARTHA MENDONÇA E ELISA MARTINS
Época
Em Camaradas o autor William Waack expõe os resultados da pesquisa que realizou nos arquivos secretos da ex-União Soviética revelando, pela primeira vez, textos de preciosos documentos encontrados em Moscou e extratos de depoimentos de antigos militantes comunistas, capazes de esclarecerem inúmeras questões até hoje obscuras quanto ao frustrado levante de 1935.
''OLGA NÃO TINHA SAÍDA''

Autor do livro-reportagem Camaradas, romântico da revolucionária nasceu de propaganda jornalista diz que o mito

Profissão:
Jornalista, é correspondente da Rede Globo em Nova York

Experiência:
Cobriu oito guerras, entre elas a do Golfo, e morou em Berlim
ÉPOCA - Que Olga você conheceu em suas pesquisas?
William Waack - Uma profissional do serviço secreto militar soviético, treinada para obedecer em qualquer circunstância, sem jamais duvidar dos chefes e da linha estabelecida pelo Partido, disciplinada, mas sem interesse por assuntos teóricos, que ao chegar ao Brasil perdeu o foco da missão. O trágico em Olga é que ela não tinha saída.

ÉPOCA - Como assim?
Waack - A verdadeira dimensão trágica da figura de Olga é o fato de ela ter sido vítima de dois totalitarismos. Foi liquidada por um deles, o nazista, enquanto todos os seus companheiros de luta no Brasil, que sobreviveram à aventura de Prestes e conseguiram voltar a Moscou, foram destruídos pelo outro totalitarismo, o comunista - foram executados na Rússia antes ainda do assassinato de Olga. Mas não era um aspecto que interessava à máquina propagandística do PC da Alemanha Oriental, que iniciou o culto ao mito de Olga no final da década de 50, suprimindo partes de sua real história. O mesmo ocorreu no livro lançado no Brasil por Fernando Morais, que, na verdade, tem boa parte compilada da primeira biografia de Olga feita pela alemã Ruth Werner, a pedido do PC alemão, em 1962. Trabalhos que não contam a realidade.

ÉPOCA - Pelo que pesquisou, do que mais não se fala?
Waack - Um detalhe fundamental: o fato de que a mãe de Prestes pediu várias vezes às autoridades soviéticas que tentassem trocar Olga por prisioneiros dos soviéticos. Era impossível que isso acontecesse, pois, naquele momento, pouco antes da Segunda Guerra Mundial, os soviéticos estavam entregando à Gestapo militantes alemães que se refugiaram em Moscou. Uma dessas pessoas, aliás, foi a última a ver Olga viva no campo de concentração. Era Margareth Buber-Neuman, uma colega dela de militância, alemã e judia, que chegou a ser preparada para ir ao Brasil, mas foi presa com o marido em Moscou e entregue à Gestapo.
ÉPOCA - Isso tira de Olga e Prestes o romantismo, a luta por ideais?
Waack - Prestes e Olga eram, antes de mais nada, soldados do Partido, e a esses soldados não se admitiam crises de consciência. Dou um exemplo: entre a derrota do levante de novembro de 1935 e a prisão dos dois, no início de 1936, Prestes mandou matar a namorada do secretário-geral do PCB, Elza, uma moça inocente e ingênua de 18 anos, que foi estrangulada por militantes do partido. Ele suspeitava, erroneamente, que Elza fosse informante da polícia. E Olga não se opôs à decisão, segundo o agente soviético no Rio que chefiava o esquema clandestino.

Não havia nada de romântico ali.