sexta-feira, 30 de setembro de 2011

ONU deve defender claramente a liberdade religiosa

Cristãos são o grupo religioso mais perseguido pela sua fé NOVA YORK, quinta-feira, 29 de setembro de 2011 (ZENIT.org) - O respeito à liberdade religiosa de todas as pessoas é um dos três grandes desafios, junto ao da gestão da crise humanitária e da crise econômica, que a comunidade internacional deve enfrentar hoje. Quem sublinhou isso foi Dom Dominique Mamberti, secretário da Santa Sé para as Relações com os Estados, em seu discurso na 66ª Assembleia Geral da ONU. O respeito à liberdade religiosa, disse o representante vaticano, "é o caminho fundamental para a construção da paz, o reconhecimento da dignidade humana e a proteção dos direitos do homem". No entanto, advertiu, "as situações nas quais o direito à liberdade religiosa é lesionado ou negado aos crentes das diferentes religiões são, infelizmente, numerosas". "Observa-se ainda um aumento da intolerância por motivos religiosos e se constata que os cristãos são atualmente o grupo religioso que sofre o maior número de perseguições devido à sua fé", lamentou o prelado. Neste sentido, Dom Mamberti sublinhou, diante da assembleia, que a falta de respeito à liberdade religiosa "representa uma ameaça para a segurança e a paz e impede a realização de um autêntico desenvolvimento humano integral". Proteger as minorias O prelado destacou a situação das minorias religiosas em alguns países. "O peso particular de uma religião determinada em uma nação não deveria jamais implicar que os cidadãos pertencentes a outras confissões fossem discriminados na vida social ou, pior ainda, se tolerasse a violência contra eles", afirmou. Sobretudo, quis chamar a atenção sobre a perseguição que as minorias cristãs padecem, sublinhando que os cristãos "são cidadãos com o mesmo título que os outros, ligados à sua pátria e fiéis a todos os seus deveres nacionais". "É normal que possam gozar de todos os direitos de cidadania, de liberdade de consciência e de culto, de liberdade no campo do ensino e da educação e no uso dos meios de comunicação social", acrescentou. Por isso, recordou a preocupação da Santa Sé "para que se adotem medidas eficazes para a proteção das minorias religiosas, lá onde elas são ameaçadas, com o fim de que, acima de tudo, os crentes de todas as confissões possam viver em segurança e continuar oferecendo sua contribuição à sociedade da qual somos membros". O bispo afirmou a importância de que o compromisso comum de reconhecer e de promover a liberdade religiosa "seja favorecido por um diálogo inter-religioso sincero, promovido e posto em prática pelos representantes das diferentes confissões religiosas e apoiado pelos governos e pelas instâncias internacionais". Secularismo Por outro lado, afirmou, "há países nos quais, ainda que se conceda muita importância ao pluralismo e à tolerância, paradoxalmente se tende a considerar a religião como um fator estranho à sociedade moderna", ou inclusive "considerá-la como desestabilizador, buscando, por diversos meios, marginalizá-la e impedir-lhe toda influência na vida social". "Como pode ser negada a contribuição das grandes religiões do mundo para o desenvolvimento da civilização?", perguntou à assembleia. Neste sentido, indicou que "as comunidades cristãs, com seus patrimônios de valores e de princípios, contribuíram fortemente para a conscientização das pessoas e dos povos com relação à sua própria identidade e dignidade, assim como para a conquista das instituições do Estado de direito e para a afirmação dos direitos do homem e dos seus correspondentes deveres". Por isso, concluiu afirmando a importância de que "os crentes, hoje como ontem, se sintam livres para oferecer sua contribuição para a promoção de um ordenamento justo das realidades humanas, não somente mediante um compromisso responsável no âmbito civil, econômico e político, mas também mediante o testemunho da sua caridade e da sua fé".

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

As 17 citações centrais da visita de Bento XVI à Alemanha

ZP11092801 - 28-09-2011 Permalink: http://www.zenit.org/article-28949?l=portuguese Reflexões para não esquecer ROMA, quarta-feira, 28 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos, a seguir, uma seleção de 17 das frases mais significativas pronunciadas pelo Papa Bento XVI durante a sua viagem à Alemanha, recopiladas pelo blog Il Sismógrafo (http://ilsismografo.blogspot.com). * * * Liberdade e solidariedade 1. A liberdade precisa duma ligação primordial a uma instância superior. O facto de haver valores que não são de modo algum manipuláveis, é a verdadeira garantia da nossa liberdade. O homem que se sente vinculado à verdade e ao bem, estará imediatamente de acordo com isto: a liberdade só se desenvolve na responsabilidade face a um bem maior. Um tal bem só existe para todos juntos; por conseguinte, devo interessar-me sempre também dos meus vizinhos. A liberdade não pode ser vivida na ausência de relações.Na convivência humana, a liberdade não é possível sem a solidariedade. Aquilo que faço a dano dos outros, não é liberdade, mas uma ação culpável que prejudica aos outros e deste modo, no fim de contas, também a mim mesmo. Só usando também as minhas forças para o bem dos outros é que posso verdadeiramente realizar-me como pessoa livre. E isto vale não só no âmbito privado mas também na sociedade. Berlim, 22 de setembro de 2011. Direito razão e natura 2. Servir o direito e combater o domínio da injustiça é e permanece a tarefa fundamental do político. Num momento histórico em que o homem adquiriu um poder até agora impensável, esta tarefa torna-se particularmente urgente(…)Foi na base da convicção sobre a existência de um Deus criador que se desenvolveram a ideia dos direitos humanos, a ideia da igualdade de todos os homens perante a lei, o conhecimento da inviolabilidade da dignidade humana em cada pessoa e a consciência da responsabilidade dos homens pelo seu agir. Estes conhecimentos da razão constituem a nossa memória cultural. Ignorá-la ou considerá-la como mero passado seria uma amputação da nossa cultura no seu todo e privá-la-ia da sua integralidade. A cultura da Europa nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma, do encontro entre a fé no Deus de Israel, a razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de Roma. Este tríplice encontro forma a identidade íntima da Europa. Na consciência da responsabilidade do homem diante de Deus e no reconhecimento da dignidade inviolável do homem, de cada homem, este encontro fixou critérios do direito, cuja defesa é nossa tarefa neste momento histórico. Berlim, 22 de setembro de 2011. O horror nacional-socialista 3. Neste lugar, é igualmente necessário trazer à memória o pogrom da «noite dos cristais», de 9 para 10 de Novembro de 1938. Poucas foram as pessoas que perceberam toda a dimensão daquele acto de desprezo humano como o percebeu o arcipreste da Catedral de Berlim, Bernhard Lichtenberg, que, do púlpito da Catedral de Santa Edvige, gritou: «Fora o Templo está em chamas; também isso é uma casa de Deus». O regime de terror do nacional-socialismo baseava-se num mito racista, do qual fazia parte a rejeição do Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, do Deus de Jesus Cristo e das pessoas que acreditavam n’Ele. (...) A mensagem de esperança, que os livros da Bíblia hebraica e do Antigo Testamento cristão transmitem, foi assimilada e desenvolvida de modo diverso por judeus e cristãos. «Depois de séculos de contraposição, reconhecemos como nossa tarefa fazer com que estes dois modos de nova leitura dos escritos bíblicos – o cristão e o judaico – dialoguem entre si, para se compreender retamente a vontade e a Palavra de Deus» (Jesus de Nazaré – Parte II: Da Entrada em Jerusalém até à Ressurreição, p. 38). Numa sociedade cada vez mais secularizada, este diálogo deve reforçar a esperança comum em Deus. Sem tal esperança, a sociedade perde a sua humanidade. Berlim, 22 de setembro de 2011. Permanecer em Cristo 4. Alguns olham para Igreja, detendo-se no seu aspecto exterior. Então ela aparece-lhes apenas como uma das muitas organizações presentes numa sociedade democrática; e, segundo as normas e leis desta, se deve depois avaliar e tratar inclusive uma figura tão difícil de compreender como é a «Igreja». Se depois se vem juntar ainda a experiência dolorosa de que, na Igreja, há peixes bons e maus, trigo e joio, e se o olhar se fixa nas realidades negativas, então nunca mais se desvenda o mistério grande e belo da Igreja. (…)Permanecer em Cristo significa, como já vimos, permanecer na Igreja. A comunidade inteira dos crentes está firmemente unida em Cristo, a videira. Em Cristo, todos nós estamos conjuntamente unidos. Nesta comunidade, Ele sustenta-nos e, ao mesmo tempo, todos os membros se sustentam uns aos outros. Juntos resistimos às tempestades e oferecemos proteção uns aos outros. Não cremos sozinhos, cremos com toda a Igreja. Berlim, 22 de setembro de 2011. A dimensão pública da religião 5. Muitos muçulmanos atribuem grande importância à dimensão religiosa. Às vezes, isto é interpretado como uma provocação, numa sociedade que tende a marginalizar este aspecto ou, quando muito, admiti-lo na esfera das opções privadas dos indivíduos. A Igreja Católica empenha-se, firmemente, para que seja dado o justo reconhecimento à dimensão pública da pertença religiosa. Trata-se de uma exigência que não se torna irrelevante pelo facto de aparecer no contexto duma sociedade maioritariamente pluralista. Nisso, há que estar atento para que se mantenha sempre o respeito do outro. Este respeito recíproco cresce somente na base de um entendimento sobre alguns valores inalienáveis, próprios da natureza humana, sobretudo a dignidade inviolável de cada pessoa como criatura de Deus. Tal entendimento não limita a expressão das diversas religiões; pelo contrário, permite a cada um testemunhar e propor aquilo em que crê, não se subtraindo ao confronto com o outro. Berlim, 22 de setembro de 2011. As coisas importantes para o verdadeiro ecumenismo 6. A coisa mais necessária para o ecumenismo é primariamente que, sob a pressão da secularização, não percamos, quase sem dar por isso, as grandes coisas que temos em comum, que por si mesmas nos tornam cristãos e que nos ficaram como dom e tarefa. O erro do período confessional foi ter visto, na maior parte das coisas, apenas aquilo que separa, e não ter percebido de modo existencial o que temos em comum nas grandes diretrizes da Sagrada Escritura e nas profissões de fé do cristianismo antigo. Para mim, isto constitui o grande progresso ecumênico dos últimos decênios: termo-nos dado conta desta comunhão e, no rezar e cantar juntos, no compromisso comum em prol da ética cristã face ao mundo, no testemunho comum do Deus de Jesus Cristo neste mundo, reconhecermos tal comunhão como o nosso comum e imorredouro alicerce.É certo que o perigo de a perder não é irreal. Erfurt, 23 de setembro de 2011. O ecumenismo não se baseia em vantagens e desvantagens 7. Nas vésperas da minha visita, falou-se diversas vezes de um dom ecumênico do hóspede que se esperava da visita em questão. Não é preciso especificar os dons mencionados em tal contexto. A propósito, quero dizer que isto – como na maioria dos casos se apresentava – constitui um equívoco político da fé e do ecumenismo. Quando um Chefe de Estado visita um país amigo, geralmente a sua vinda é antecedida por contatos das devidas instâncias que preparam a estipulação de um ou mesmo vários acordos entre os dois Estados: ponderando vantagens e desvantagens chega-se a um compromisso que, em última análise, aparece vantajoso para ambas as partes, de tal modo que depois o tratado pode ser assinado. Mas a fé dos cristãos não se baseia numa ponderação das nossas vantagens e desvantagens. Uma fé construída por nós próprios não tem valor. A fé não é algo que nós esquadrinhamos e concordamos. Erfurt, 23 de setembro de 2011. No coração de Maria 8. Uma particularidade da imagem miraculosa de Etzelsbach é a posição do Crucificado. Na maior parte das representações da Pietà, Jesus morto jaz com a cabeça virada para a esquerda. Deste modo, o observador pode ver a ferida no lado do Crucificado; aqui em Etzelsbach, ao contrário, a ferida está escondida, justamente porque o cadáver está virado para o outro lado. Parece-me que, em tal representação, se esconde um profundo significado, que só se desvenda numa atenta contemplação: na imagem miraculosa de Etzelsbach, os corações de Jesus e da sua Mãe estão voltados um para o outro; estão junto um do outro. Trocam entre si o seu amor. Sabemos que o coração é também o órgão de uma sensibilidade mais delicada pelo outro, bem como o órgão da compaixão íntima. No coração de Maria, há o espaço para o amor que o seu divino Filho quer dar ao mundo. Erfurt - Etzelsbach, 23 de setembro de 2011. Crer junto aos outros 9. Essencialmente, a fé é sempre também um acreditar junto com os outros. Ninguém pode crer sozinho. Recebemos a fé, diz-nos Paulo, através da escuta. E a escuta é um processo que requer o estar juntos de modo espiritual e físico. Somente na grande comunhão dos fiéis de todos os tempos que encontraram a Cristo e foram encontrados por Ele, posso crer. O fato de poder crer devo-o, antes de mais nada, a Deus que Se dirige a mim e, por assim dizer, «acende» a minha fé. Mas, de um modo muito concreto, devo a minha fé àqueles que vivem ao meu redor e que acreditaram antes de mim e acreditam juntamente comigo. Este grande «com», sem o qual não pode haver qualquer fé pessoal, é a Igreja. E esta Igreja não se detém diante das fronteiras dos países; demonstra-o as nacionalidades dos Santos que mencionei: Hungria, Inglaterra, Irlanda e Itália. Daqui se vê como é importante a permuta espiritual, que se dilata através da Igreja inteira. Sim, para o desenvolvimento da Igreja no nosso País foi, e continua a ser, fundamental que acreditemos juntos em todos os Continentes e aprendamos uns dos outros a acreditar. Se nos abrirmos à fé integral ao longo de toda a história e nos seus testemunhos em toda a Igreja, então a fé católica tem um futuro, mesmo como força pública na Alemanha. Ao mesmo tempo as figuras dos Santos, de que falei, mostram-nos a grande fecundidade de uma vida com Deus, a fecundidade deste amor radical a Deus e ao próximo. Os Santos, mesmo onde são poucos, mudam o mundo. Erfurt, 23 de setembro de 2011. Deus e o futuro do homem 10. «Onde há Deus, há futuro»: assim diz o lema destas jornadas. Como Sucessor do Apóstolo Pedro, a quem o Senhor – no Cenáculo – precisamente deu o encargo de confirmar os irmãos (cf. Lc 22, 32), de boa vontade vim ter convosco, nesta bela cidade, para rezarmos juntos, proclamar a palavra de Deus e celebrarmos juntos a Eucaristia. Peço a vossa oração para que estes dias sejam frutuosos, para que Deus confirme a nossa fé, revigore a nossa esperança e aumente o nosso amor. Oxalá nos tornemos de novo, nestes dias, cientes de quanto Deus nos ama e que Ele é verdadeiramente bom. E assim, devemos ser colmados pela confiança de que Ele é bom para connosco, que tem um poder benévolo e que Ele nos leva, com tudo o que faz mover o nosso coração e é importante para nós, nas suas mãos. E queremos nos colocar conscientemente nas suas mãos. N’Ele, o nosso futuro está assegurado; Ele dá sentido à nossa vida e pode levá-la à plenitude. Que o Senhor vos acompanhe na paz e torne a nós todos mensageiros da sua paz! Freiburg, 24 de setembro de 2011. Ortodoxos: nossa proximidade 11. Sinto grande alegria por nos encontrarmos hoje aqui juntos. De coração vos agradeço a todos pela presença e a possibilidade desta partilha amiga. De modo particular, agradeço-lhe, caro Metropolita Augoustinos, pelas suas palavras profundas. Chamou-me a atenção particularmente o que o senhor disse sobre a Mãe de Deus e sobre os Santos que abraçam e unem todos os séculos. E, neste contexto, apraz-me repetir aqui o que disse noutro lugar: sem dúvida, de entre as Igrejas e as Comunidades cristãs, a Ortodoxia é teologicamente a que está mais próxima de nós; católicos e ortodoxos conservaram a mesma estrutura da Igreja dos primórdios. Neste sentido, todos nós somos «Igreja dos primórdios», que entretanto está sempre presente e sempre é nova. E deste modo, não obstante as dificuldades que de um ponto de vista humano não cessam de aparecer, ousamos esperar que não esteja demasiado longe o dia em que poderemos de novo celebrar juntos a Eucaristia (cf. Luz do Mundo. Uma conversa com Peter Seewald, pp. 91-92).Com interesse e simpatia, a Igreja Católica – e eu pessoalmente – acompanhamos o desenvolvimento das comunidades ortodoxas na Europa ocidental, que têm registado um crescimento notável. Freiburg, 24 de setembro de 2011. Conjugar fé e razão 12. A preparação para o sacerdócio, o caminho para ele requer, antes de mais, também o estudo. Não se trata de uma eventualidade académica que se deu na Igreja ocidental, mas é algo de essencial. Todos conhecemos estas palavras de São Pedro: «Estai sempre prontos a dar, em resposta a todo aquele que vo-lo peça, o logos da vossa fé» (cf. 1 Ped 3, 15). Hoje, o nosso mundo é um mundo racionalista e condicionado pelo carácter científico, embora este seja muitas vezes só aparente. Mas este espírito científico de querer compreender, explicar, de poder saber, da rejeição de tudo o que não seja racional é predominante no nosso tempo. Nisto há também algo de grande, apesar de frequentemente se esconder por detrás muita presunção e insensatez. A fé não é um mundo paralelo do sentimento, que possamos permitir-nos como um extra, mas é aquilo que abraça o todo, que lhe dá sentido, interpreta-o e lhe dá também as orientações éticas interiores, para que seja compreendido e vivido apontando para Deus e a partir de Deus. Por isso é importante estar informados, compreender, manter a mente aberta, aprender. Freiburg, 24 de setembro de 2011. Insídias do relativismo subliminar 13. Vivemos num tempo caracterizado em grande parte por um relativismo subliminar que penetra todos os âmbitos da vida. Às vezes, este relativismo torna-se combativo, lançando-se contra pessoas que dizem saber onde se encontra a verdade ou o sentido da vida. E notamos como este relativismo exerce uma influência cada vez maior sobre as relações humanas e a sociedade. Isto exprime-se também na inconstância e descontinuidade de vida de muitas pessoas e num individualismo excessivo. Há pessoas que não parecem capazes de renunciar de modo algum a determinada coisa ou de fazer um sacrifício pelos outros. Também o compromisso altruísta pelo bem comum nos campos sociais e culturais ou então pelos necessitados está a diminuir. Outros já não são capazes de se unir de forma incondicional a um consorte. Quase já não se encontra a coragem de prometer ser fiel a vida toda; a coragem de decidir-se e dizer: agora pertenço totalmente a ti, ou então, de comprometer-se resolutamente com a fidelidade e a veracidade, e de procurar sinceramente as soluções dos problemas. Freiburg, 24 de setembro de 2011. Cristo, a luz verdadeira 14. Ao nosso redor pode haver a escuridão e as trevas, e todavia vemos uma luz: uma chama pequena, minúscula, que é mais forte do que a escuridão, aparentemente tão poderosa e insuperável. Cristo, que ressuscitou dos mortos, brilha neste mundo, e fá-lo de modo mais claro precisamente onde tudo, segundo o juízo humano, parece lúgubre e sem esperança. Ele venceu a morte – Ele vive – e a fé n’Ele penetra, como uma pequena luz, tudo o que é escuro e ameaçador. Certamente quem acredita em Jesus não é que vê sempre só o sol na vida, como se fosse possível poupar-lhe sofrimentos e dificuldades, mas há sempre uma luz clara que lhe indica um caminho, o caminho que conduz à vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Os olhos de quem acredita em Cristo vislumbram, mesmo na noite mais escura, uma luz e vêem já o fulgor dum novo dia. Freiburg, 24 de setembro de 2011. O coração aberto 15. A Igreja na Alemanha possui muitas instituições sociais e caritativas, onde se cumpre o amor do próximo de forma eficaz, mesmo socialmente e até aos confins da terra. Quero exprimir, neste momento, a minha gratidão e o meu apreço a todos quantos estão empenhados na Cáritas alemã ou noutras organizações, ou então que disponibilizam generosamente o seu tempo e as suas forças para tarefas de voluntariado na Igreja. Tal serviço requer, primariamente, uma competência objectiva e profissional; mas, no espírito do ensinamento de Jesus, exige-se algo mais, ou seja, o coração aberto, que se deixa tocar pelo amor de Cristo, e deste modo é prestado ao próximo, que precisa de nós, mais do que um serviço técnico: o amor, no qual se torna visível ao outro o Deus que ama, Cristo. Freiburg, 25 de setembro de 2011. Como, quando e por que transformar a Igreja 16. Uma vez alguém instou a beata Madre Teresa a dizer qual seria, segundo ela, a primeira coisa a mudar na Igreja. A sua reposta foi: tu e eu! Este pequeno episódio evidencia-nos duas coisas: por um lado, a Religiosa pretendeu dizer ao seu interlocutor que a Igreja não são apenas os outros, não é apenas a hierarquia, o Papa e os Bispos; a Igreja somos nós todos, os baptizados. Por outro lado, Madre Teresa parte efetivamente do pressuposto de que há motivos para uma mudança. Há uma necessidade de mudança. Cada cristão e a comunidade dos crentes no seu todo são chamados a uma contínua conversão. E esta mudança, concretamente como se deve configurar? Trata-se porventura de uma renovação parecida com a que realiza, por exemplo, um proprietário de casa mediante uma reestruturação ou a pintura do seu imóvel? Ou então trata-se de uma correção para retomar a rota e percorrer, de modo mais ágil e direto, um caminho? Certamente estes e outros aspectos são importantes, mas aqui não podemos tratar de todos eles. Mas, cingindo-nos ao motivo fundamental da mudança, este é a missão apostólica dos discípulos e da própria Igreja(…)Por outras palavras, podemos dizer: a fé cristã constitui sempre, e não apenas no nosso tempo, um escândalo para o homem. Que o Deus eterno se preocupe connosco, seres humanos, e nos conheça; que o Inatingível, num determinado momento e num determinado lugar, se tenha colocado ao nosso alcance; que o Imortal tenha sofrido e morrido na cruz; que nos sejam prometidas a nós, seres mortais, a ressurreição e a vida eterna – crer em tudo isto não passa, aos olhos dos homens, de uma real presunção. Este escândalo, que não pode ser abolido se não se quer abolir o cristianismo, foi infelizmente encoberto, mesmo recentemente, por outros tristes escândalos dos anunciadores da fé. Cria-se uma situação perigosa, quando estes escândalos ocupam o lugar do skandalon primordial da Cruz tornando-o assim inacessível, isto é, quando escondem a verdadeira exigência cristã por trás da incongruência dos seus mensageiros. Freiburg, 25 de setembro de 2011. Rezo pela Alemanha 17. Desejo encorajar a Igreja na Alemanha a continuar, com força e confiança, o caminho da fé, que faz as pessoas voltarem às raízes, ao núcleo essencial da Boa Nova de Cristo. Haverá – e já existem – comunidades pequenas de crentes que, com o seu entusiasmo, difundem raios de luz na sociedade pluralista, fazendo a outros curiosos de procurar a luz que dá vida em abundância. «Não há nada de mais belo que conhecê-Lo e comunicar aos outros a amizade com Ele» (Homilia no início solene do Ministério Petrino, 24 de Abril de 2005). A partir desta experiência, cresce a certeza: «Onde há Deus, há futuro». Onde Deus está presente, há esperança e abrem-se perspectivas novas e, frequentemente, inesperadas que vão para além do hoje e das coisas efémeras. Neste sentido, acompanho em pensamento e na oração o caminho da Igreja na Alemanha. Freiburg, 25 de setembro de 2011.

domingo, 25 de setembro de 2011

Papa aos muçulmanos: Constituição, marco do respeito

ZP11092303 - 23-09-2011 Permalink: http://www.zenit.org/article-28910?l=portuguese Sociedade não se sustenta no longo prazo sem consenso sobre os valores éticos fundamentais BERLIM, sexta-feira, 23 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – Em uma sociedade pluralista, é preciso estar atentos para que haja sempre respeito pelo outro. Esse respeito cresce com base em valores inalienáveis, cujo marco, na Alemanha e em muitos outros países, está representado pela Constituição. Esse foi o teor do discurso que Bento XVI dirigiu na manhã desta sexta-feira aos 15 representantes das comunidades muçulmanas presentes na Alemanha, a quem o Papa recebeu na Nunciatura Apostólica de Berlim, antes de seguir viagem rumo a Erfurt. O Papa afirmou que Igreja Católica está comprometida para que se outorgue o justo reconhecimento à dimensão pública da fé. “Trata-se de uma exigência de não pouco relevo no contexto de uma sociedade maioritariamente pluralista”, disse. “No entanto – prosseguiu o pontífice –, é necessário estar atentos para que o respeito pelo outro se mantenha sempre. O respeito recíproco cresce somente sobre a base de um entendimento sobre certos valores inalienáveis, próprios da natureza humana, sobretudo a inviolável dignidade de toda pessoa”. “Este entendimento não limita a expressão de cada uma das religiões; ao contrário, permite a cada um dar testemunho de forma propositiva daquilo em que crê, sem esquivar do debate com o outro.” O Papa recordou que na Alemanha, como em muitos outros países, não só ocidentais, “tal marco de referência comum está representado pela Constituição, cujo conteúdo jurídico é vinculante para todo cidadão, pertencente ou não a uma confissão religiosa”. Bento XVI assinalou que o debate sobre uma melhor formulação dos princípios, como da liberdade de culto público, “é amplo e sempre aberto”; contudo, “é significativo o fato de que a Lei Fundamental os formule de modo ainda válido a mais de 60 anos de distância. Nela se manifesta, antes de tudo, esse ethos comum que fundamenta a convivência civil e que, de alguma maneira, marca também as regras aparentemente só formais do funcionamento dos órgãos institucionais e da vida democrática”. “Poderíamos nos perguntar como pode um texto, elaborado em uma época histórica radicalmente diferente, em uma situação cultural quase uniformemente cristã, ser adequado à Alemanha de hoje, que vive no contexto de um mundo globalizado, e marcada por um notável pluralismo em matéria de convicções religiosas.” A razão disso – afirmou o Papa –, “encontra-se no fato de que os pais da Lei Fundamental eram plenamente conscientes de dever buscar naquele importante momento um terreno sólido, no qual todos os cidadãos pudessem se reconhecer”. “Ao realizar isso, eles não prescindiram de sua afiliação religiosa, e mais, para muitos deles, a visão cristã do homem era a verdadeira força inspiradora. No entanto, sabendo que deveriam se confrontar com pessoas de uma base confessional diversa, ou inclusive não religiosa, o terreno comum foi encontrado no reconhecimento de alguns direitos inalienáveis, próprios da natureza humana e que precedem qualquer formulação positiva”, afirmou o Papa. Deste modo – disse Bento XVI –, “uma sociedade substancialmente homogênea assentou o fundamento que hoje reconhecemos válido para um mundo marcado pelo pluralismo. Fundamento que, na realidade, indica também os evidentes limites deste pluralismo: não se pode pensar que uma sociedade possa se sustentar no longo prazo sem um consenso sobre os valores éticos fundamentais”. (Alexandre Ribeiro)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O ataque à embaixada israelense e o avanço do fundamentalismo

[normal] [medium] [big] ZP11092004 - 20-09-2011 Permalink: http://www.zenit.org/article-28882?l=portuguese Egito: radicalização da “Primavera Árabe” Por Paul De Maeyer ROMA, terça-feira, 20 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – Um desastre evitado por um triz: o primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu resumiu assim o ataque à embaixada do seu país na capital egípcia, que deixou pelo menos três mortos e centenas de feridos e presos. A agressão contra a sede diplomática, que, segundo Netanyahu, “simboliza a paz entre nós e o Egito” (The Guardian, 11 de setembro), começou depois da tradicional oração da sexta-feira e do agora também tradicional protesto na Praça Tahrir, quando centenas de manifestantes se dirigiram contra a embaixada e tentaram derrubar o novo muro de proteção construído ao redor do edifício. Apesar da presença policial, dezenas de manifestantes conseguiram arrombar as portas e invadir a embaixada. A intervenção das forças especiais egípcias evitou o pior, conseguindo proteger os funcionários diplomáticos israelense, entre os quais o embaixador Yitzhak Levanon. Alguns grupos de manifestantes tentaram chegar também à embaixada da Arábia Saudita. A ira dos manifestantes, aparentemente, foi pela construção do próprio muro de proteção. O porta-voz da Igreja Católica no Egito, padre Rafic Greche, definiu o muro como “uma ideia infeliz” (AsiaNews, 10 de setembro). Segundo o padre, “isto criou a mesma impressão que o muro construído por Israel na Cisjordânia”. Faz semanas que a tensão na área era visível, em consequência do homicídio, por erro, de vários guardas fronteiriços egípcios por parte do exército israelense, em 18 de agosto, depois de atentados na região turística de Eliat, no Mar Vermelho, quando sete cidadãos israelenses morreram. Segundo analistas, entre eles o jornalista independente Jacques Benillouche, o ataque foi um ato “premeditado”, já que os manifestantes atacaram as forças da polícia com coquetéis molotov (Slate.fr, 10 de setembro). Da mesma opinião é o padre Giovanni, missionário comboniano que vive no Cairo. “É difícil pensar que foi espontâneo” (Fides, 12 de setembro). “Foi planejado. Os envolvidos foram recrutados em torcidas de futebol”. Para o missionário, o ataque violento representa “um gesto de ruptura com o passado”. “Violaram um lugar 'sagrado', que no regime de Mubarak jamais teria sido atacado desse modo”. Segundo Clemens Wergin, do Welt Online (11 de setembro), o ataque é “um ponto de inflexão”: mostra que, mais de meio ano depois da queda de Hosni Mubarak, as revoluções árabes perderam a inocência e voltaram às “antigas receitas” para mobilizar as massas. “Quando as ideias se esgotam, eles incitam o povo contra Israel”. Para o estado judeu, o ataque, além de lembrar o dramático sequestro na embaixada dos EUA em Teerã pelos revolucionários iranianos em novembro de 1979, acontece numa hora muito delicada. Não só a Autoridade Nacional Palestina (ANP) pretende pedir que as Nações Unidas reconheçam unilateralmente a Palestina, como ainda Israel está atravessando uma grave crise diplomática com um ex-aliado, a Turquia do combativo primeiro- ministro filo-islâmico Recep Tayyip Erdogan, que exige desculpas de Jerusalém pela abordagem do navio de ajuda humanitária para Gaza, em maio do ano passado, em incidente que matou nove cidadãos turcos. Erdogan rompeu recentemente as relações diplomáticas com Israel. Como se não bastasse, iniciou no último 12 de setembro uma visita ao Egito, primeira etapa de uma viagem a outros países da Primavera Árabe como a Líbia e a Tunísia. Para muitos analistas, o objetivo do premier não é só reforçar as relações com as novas administrações da região, mas também promover a Turquia como nova potência líder do mundo muçulmano. O crescente isolamento de Israel parece fazer parte dessa “política hegemônica neo-otomana”, como definida por Shlomo Avineri, professor de Ciências Políticas na Universidade Hebraica de Jerusalém (The Washington Post, 11 de setembro). Na terça-feira 13 de setembro, dirigindo-se aos ministros de Assuntos Exteriores da Liga Árabe, reunidos no Cairo, Erdogan comparou Israel com uma “criança mimada” e afirmou que antes de acabar o ano “veremos a Palestina em situação bem diferente” (BBC, 13 de setembro). “Devemos trabalhar de mãos dadas com os nossos irmãos palestinos. A causa palestina é a causa da dignidade humana”, continuou. “É hora de içar a bandeira palestina nas Nações Unidas”. O estado israelense, segundo o primeiro-ministro turco, sairá do seu isolamento “somente se agir como um estado razoável, responsável, sério e normal”. Segundo o padre Greche, entre os envolvidos no ataque à embaixada havia gente com o alcorão na mão ou no bolso. Talvez seja apenas um detalhe, mas ganha muita importância no contexto das próximas eleições, previstas para setembro e adiadas para novembro. Segundo pesquisas, as forças islamistas, desde os Irmãos Muçulmanos até o Partido da Luz dos Salafitas, poderiam acabar com todas as outras propostas. Seria um “desastre geopolítico”, fruto do “devastador vazio de poder” que prevalece hoje no Cairo, escreveu Franco Venturini no Corriere della Sera (11 de setembro). “O Egito não está caminhando para a democracia, mas para a islamização”, alerta sem hesitar o ex-embaixador israelense no Cairo, Eli Shaked: “É o mesmo caso da Turquia e de Gaza. O mesmo que aconteceu no Irã em 1979” (The New York Times, 10 de setembro). A perspectiva de uma possível vitória dos islamistas preocupa a comunidade cristã do Egito. O povo, segundo o patriarca católico de Alexandria dos coptas, cardeal Antonios Naguib, “segue o que pregam nas mesquitas. E os imãs falam todos de instaurar um estado religioso” (Terrasanta.net, 1º de setembro). “Os partidos islâmicos só repetem que serão respeitados os direitos dos cristãos na base da lei islâmica. Eu não entendo a necessidade dessa premissa: que tudo deva ser regulado pela lei islâmica. Que igualdade é essa? Para mim, é uma contradição”, continuou o purpurado, que teme justamente uma volta aos tempos em que os não muçulmanos eram tolerados só como “infiéis protegidos” ou “dhimmi”, se pagavam um imposto suplementar, ou “jizya”. Isso é o que querem alguns expoentes islamistas, entre os quais está o xeque salafita Adel el-Ghihadi. Em uma entrevista publicada no Rose al-Yusuf em agosto e definida como “delirante” por Giuseppe Caffulli (Terrasanta.net, 26 de agosto), o xeque e ex-combatente entre as filas dos talibãs no Afeganistão não tem dúvidas. “A revolução é vista à luz da religião e não do ponto de vista político. Para ser legal, deve se apoiar na sharia islâmica”, explicou. “Nosso plano de trabalho será exatamente governar o Egito sobre os princípios da lei islâmica. Portanto, completaremos a islamização das nações em torno a nós, enviando missionários muçulmanos ao Sudão e à Líbia. Depois passaremos Estado por Estado, para converter todos ao islã e fazer aceitar a sharia. Prepararemos um exército egípcio capaz de formar outros exércitos islâmicos, aos que Alá dará seguramente a vitória”. Também no que diz respeito à presença dos chamados “infiéis” em terra egípcia, el-Ghihadi tem, infelizmente, as ideias muito claras. “Os cristãos e os judeus para nós são kafir, não crentes. Eu como muçulmano devo apoiar o muçulmano, antes do cristão. Os demais são considerados inimigos. Se não incomodam, podem ser tratados com certa benevolência. Sempre entro de certos limites”, afirmou, acrescentando, no entanto, que “os cristãos não devem ocupar um lugar de importância como o de juízes de tribunais, nem no exército, nem na polícia”. Para o xeque, “os cristãos são livres para rezar em suas igrejas. Mas se forem motivo de discórdia e houver problemas, eu as destruirei. Não posso contradizer minha religião para contentar as pessoas. Quem quer viver em um país de maioria muçulmana deve aceitar suas leis. Ou paga o tributo, ou se torna muçulmano, ou é morto”. Lendo essas declarações, seria melhor falar de um “Inverno árabe”. Por outro lado, para ser precisos, a revolta na Tunísia começou entre o outono e o inverno, ou seja, 17 de dezembro de 2010, e a queda de Mubarak aconteceu em pleno inverno, no dia 11 de fevereiro passado...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A Primavera Árabe, uma revolução sequestrada

[normal] [medium] [big] ZP11091508 - 15-09-2011 Permalink: http://www.zenit.org/article-28851?l=portuguese Patriarca Naguib: objetivos iniciais ainda estão longe MUNIQUE, quinta-feira, 15 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – “Uma geração jovem, que tinha sido deixada de lado, que se familiarizou com os meios de comunicação modernos e se conectou à rede sem a mediação de partidos políticos ou religiosos. Eles têm fé, mas separam política e religião. Eles provocaram a revolução e são a garantia dos objetivos iniciais: justiça, dignidade e trabalho”. É o cardeal Antonios Naguib, patriarca copta católico de Alexandria, quem descreve os jovens da praça Tahrir, protagonistas da revolução de janeiro que derrubou Hosni Mubarak da presidência egípcia, “pondo fim em 18 dias a 30 anos de um regime de aparência democrática, mas ditatorial na prática”. Muito foi dito sobre a “primavera árabe” no encontro mundial “Bound to Live Together - Religões e culturas em diálogo”, em Munique, por iniciativa da Comunidade de Santo Egídio e daquela arquidiocese alemã. É evidente o vínculo entre o desenvolvimento das mudanças institucionais e políticas e a convivência entre os povos e as religiões nas áreas já “quentes” do Oriente Médio e norte africano. Revolução sequestrada A “queda do muro de medo que bloqueava a livre expressão de opiniões e críticas” e o “despertar da possibilidade de sonhar com um mundo melhor, baseado nos princípios de uma sociedade democrática” são, para Naguib, os efeitos principais da revolução egípcia. No tocante ao religioso, ele destaca ainda “a desaparição das barreiras confessionais psicológicas e sociais que separavam os muçulmanos dos cristãos e que causavam conflitos frequentes, muitas vezes dramáticos”. Tudo isso ficou evidente nos primeiros momentos da reação. Mas, hoje, em que ponto estamos? Os objetivos iniciais estão “longe do alcance da mão”. A falta de segurança e o aumento dos preços condicionam muito esta fase e preocupam os cidadãos. “Movimentos islamistas como os Irmãos Muçulmanos, os salafitas e outros grupos mudaram a situação política a ponto de se falar de uma revolução 'sequestrada'. E reapareceram os conflitos entre muçulmanos e cristãos”, afirma Naguib. O elemento tranquilizador é a Declaração de Al-Azhar e de uma elite intelectual sobre o futuro do Egito, de 19 de julho de 2011, uma “clara tomada de posição dentro da suprema autoridade religiosa sunita que rejeita o estado teocrático e apóia a instituição de um Estado nacional, constitucional, democrático, moderno”, completa o patriarca. Primavera árabe? Enquanto a ONU difunde o número de vítimas da repressão na Síria (2.600 desde março), a definição de “primavera árabe” é questionada por Gregórios III Laham, patriarca de Antioquia dos melquitas: “Não estamos diante de uma revolução, mas de manifestações de praça, manipuladas pelo exterior, que têm o objetivo de agredir e criar confusão. O governo reage para se defender”. E prossegue: “A Síria é um país com liberdade e democracia: não é à toa que nos últimos cinco anos abriram dez universidades europeias no país”. Seria necessário “dar uma chance ao presidente Assad, já que a Síria pode ser um verdadeiro instrumento de paz para o Oriente Médio”. “Mais que uma revolução”, afirma Laham, “temos que falar de uma luta entre grupos sunitas e alauitas pelo poder: parece mais uma guerra civil”. “Os cristãos não se sentem em perigo, não houve hostilidades contra eles, mas tememos o caos que pode surgir da derrocada do governo se faltar uma verdadeira alternativa”. Rota para a democracia “Quarenta anos de abusos nos deram uma visão clara do nosso futuro”, afirma Fathi Mohammed Baja, responsável de Assuntos Políticos e Internacionais do Conselho de Transição Nacional da Líbia, o CNT. Ao falar de “Qual é o futuro para o mundo árabe?”, Baja descreveu para os jornalistas a situação do país. “Já que Gadaffi rejeitou qualquer tipo de solução pacífica, somos obrigados a usar a opção militar até que a Líbia seja libertada: depois vamos voltar a ser um movimento pacífico e trabalhar pela democracia”. “Hoje”, prossegue Baja, “controlamos 70% da capital Trípoli. Quando libertarmos toda a cidade, levaremos para lá o governo de transição, que está em Bengasi. Na liderança do nosso movimento temos juízes, professores, peritos em direito, e o CNT tem uma rota para a democratização da Líbia, no militar, no jurídico e institucional, na justiça para evitar vinganças, na imprensa, nos tribunais civis”. A ação “deverá contar com um plano em prol das vastas faixas da nossa população que são afetadas pela pobreza”. “Desde 1995, a Líbia registra 80 bilhões de dólares por ano com a venda de petróleo. Uma boa parte irá para a reconstrução e para a luta contra o desemprego e o analfabetismo”. Quanto à possibilidade da afirmação de tendências fundamentalistas islâmicas, “isso é mais um temor ocidental, porque na Líbia não existe um movimento fundamentalista, e sim um movimento pela libertação e pela democracia. Temos em mente uma alternativa muito clara, rejeitar os movimentos violentos e unificar visões políticas diferentes. Queremos eleições livres. Acreditamos no respeito aos direitos humanos e não queremos o fundamentalismo e muito menos o terrorismo”. “Para a Líbia moderna, queremos a paz”, acrescenta o representante do CNT. “E o povo está em consenso quanto ao 'depois de Gadaffi', porque quer participar de uma sociedade democrática”. A propósito das relações da “nova Líbia” com o ex-rais, Baja precisa que “quando capturarmos Gadaffi, o processo contra ele será na Líbia, porque o Tribunal Penal Internacional de Haia só o processaria pelos crimes cometidos desde fevereiro deste ano, mas ele mata a nossa gente e nos rouba desde 1969. Se, depois da justiça líbia, o Tribunal de Haia também quiser processá-lo, não vejo problema em processá-lo duas vezes”. (Chiara Santomiero)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Dom Dolan: que o legado de 11S seja de esperança

ZP11091204 - 12-09-2011 Permalink: http://www.zenit.org/article-28818?l=portuguese O 10º aniversário é um momento para recordar e seguir adiante WASHINGTON, segunda-feira, 12 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – O 10º aniversário dos ataques terroristas ocorridos nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 é um momento não somente para ser lembrado, mas também para seguir adiante, segundo o presidente da Conferência Episcopal dos EUA. DomTimothy Dolan, de Nova York, disse isso em uma declaração divulgada alguns dias antes do aniversário. Este comemora os 10 anos do sequestro dos quatro aviões que colidiram em Nova York, Washington, Shanksville e Pensilvânia. No total, 3 mil mortos como resultado dos ataques, incluindo os 19 sequestradores. “Recordamos com respeito os afetados diretamente por esta tragédia, os que morreram, ficaram feridos ou perderam seus entes queridos – escreveu Dom Dolan. De forma especial, recordamos a generosa resposta (de policiais, bombeiros, sacerdotes e outras valentes pessoas) dos que arriscaram, e muitas vezes perderam, suas vidas esforçando-se corajosamente para salvar outros.” Estima-se que mais de 400 profissionais, incluindo 343 membros do corpo de bombeiros, morreram em Nova York no dia 11 de setembro. Muitos deles perderam a vida quando as torres caíram. O arcebispo disse que é importante não somente recordar os ataques, mas também a resposta: “Nós nos dedicamos à oração e à ajuda mútua. As mãos se abriam em oração e ao serviço de todos os que haviam perdido tanto”. Indo mais longe, Dom Dolan disse que, como país, “continuamos decididos a rejeitar as ideologias extremistas que perversamente utilizam a religião para justificar ataques contra civis inocentes”. “Este 10º aniversário do 11S pode ser um tempo de renovação”, acrescentou. “Há 10 anos, nos âmbitos religioso, político, social e étnico, nós nos unimos como um só povo para curar as feridas e defender-nos do terrorismo.” “À medida que enfrentamos os desafios atuais, das pessoas desempregadas, da lutas das famílias e dos contínuos perigos das guerras e do terrorismo, convoquemos o espírito de unidade do 11S para enfrentar os nossos desafios. Rezemos para que o último legado do 11S não seja o medo, mas a esperança para um mundo renovado.” O dia 12 de setembro Em um artigo publicado na última quarta-feira no site Catholic New York, Dom Dolan disse que, além do que aconteceu em 11S, havia muito a aprender do dia seguinte, 12 de setembro. Relatou como o pároco de St. Peter, perto da Zona Zero, lhe disse: “Nós, cidadãos de Nova York, não recordamos somente os horrores e os sofrimentos de 11S; também comemoramos o dia 12 de setembro”. “Demorei um pouco para entender o significado desta frase”, confessou o arcebispo. Mas então explicou: “Os moradores de Nova York estavam sobressaltados, bravos, entristecidos e chocados pela morte e destruição inesquecível de 11S, sim; mas não estavam paralisados ou derrotados!”. “Recuperaram-se de imediato, tornando-se pessoas de fé, oração, esperança e amor intensos, tão rapidamente quanto começou o resgate, a recuperação, a reconstrução e a assistência. E, desde então, não pararam.” “O 11S poderia ter nos transformado em animais estáticos, paranoicos e viciosos, e nossos atacantes dementes teriam nos vencido – continuou Dom Dolan –, ou extrair a parte mais nobre da alma humana, como o sacrifício heroico, a solidariedade no serviço, os esforços infinitos no resgate, as comunidades unidas, as orações pelos que morreram e pelas suas famílias em luto, a cura e a renovação.” “O 11S não teve a última palavra, mas sim o dia 12”, concluiu. --- --- --- Texto completo da declaração no site de ZENIT (em inglês): www.zenit.org/article-33379?l=english Artigo do Catholic New York: www.cny.org

domingo, 11 de setembro de 2011

Bento XVI sobre o 11 de setembro: Rejeitar a violência e resistir à tentação do ódio

Bento XVI sobre o 11 de setembro: Rejeitar a violência e resistir à tentação do ódio ANCONA, 11 Set. 11 / 04:02 pm (ACI/EWTN Noticias) Ao presidir este meio-dia (hora local) a oração do ângelus dominical da localidade italiana de Ancona, o Papa Bento XVI recordou novamente os trágicos eventos de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque, e alentou a "rejeitar a violência, como solução dos problemas” e a “resistir à tentação do ódio". Logo depois da Missa que presidiu na cidade de Ancona, aonde chegou para dar encerramento ao Congresso Eucarístico italiano que realizado durante esta semana, o Santo Padre disse que a oração do ângelus permite contemplar a Maria. "Graças ao ‘Fiat’ da Virgem, o Verbo se fez carne e habitou entre nós", disse e logo encomendou a Itália à Virgem de Loreto, para que em toda esta nação se faça presente "Cristo Ressuscitado, fonte de esperança e de consolo para a vida cotidiana, especialmente nos momentos difíceis". Seguidamente o Santo Padre afirmou que "hoje o nosso pensamento se volta também para o 11 de setembro de dez anos atrás". "Ao recordar ao Senhor da Vida as vítimas dos atentados executados naquele dia e as suas famílias, convido os responsáveis das Nações e os homens de boa vontade a rejeitar a violência, como solução dos problemas”, disse. Bento XVI também exortou "a resistir à tentação do ódio e a operar na sociedade, inspirando-se nos princípios da solidariedade, da justiça e da paz". O Papa enviou ontem uma carta ao Presidente da Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB), Dom Timothy Dolan, na que assegurou que "nenhuma circunstância pode justificar atos de terrorismo" e na qual ele elevou suas orações pelas vítimas dos atentados. Na carta o Santo Padre reitera que "toda vida humana é preciosa aos olhos de Deus e deve se economizar nenhum esforço na tentativa de promover em todo mundo um genuíno respeito pelos direitos inalienáveis e pela dignidade dos indivíduos em todo lugar". Como parte dos atos que o Vaticano está organizando em lembrança das vítimas dos atentados, a Missão Permanente da Santa Sé perante a ONU em Nova Iorque celebrou ontem uma Missa na Catedral do St. Patrick às 17:30h, presidida pelo Arcebispo Francis Chullikatt, Núncio ante este organismo. As tragédias do 11-9 Em 11 de setembro de 2001 o grupo terrorista Al Qaeda seqüestrou dois aviões comerciais nos Estados Unidos. Dois deles colidiram contra as Torres Gêmeas no World Trade Center provocando a completa destruição destes edifícios. Os terroristas seqüestraram outros dois aviões, um dos quais impactou contra uma das paredes do Pentágono na Virginia, e o outro caiu em campo aberto. Como resultado dos atentados morreram umas de 3 mil pessoas e outras 6 mil resultaram feridas. O lugar onde estavam estes edifícios foi rebatizado depois como Zona Zero, aonde chegou o Papa Bento XVI, em sua viagem de abril de 2008, para rezar pelas vítimas destes trágicos eventos. Antes de realizar sua viagem aos Estados Unidos, o Santo Padre tinha feito um pedido explícito para que esse momento de oração na zona do desastre fizesse parte do programa oficial na visita a este país e à sede da ONU em Nova Iorque.

O 11 de setembro

Em 2001 tivemos o triste fato da destruição das Torres Gêmeas nos Estados Unidos, ocasionando pânico em todo o mundo. Foi a expressão que revelou até que ponto chega a violência entre as pessoas. Como consequência, tivemos a ceifa de tantas vidas. Diante de um acontecimento como esse, a sensação natural é de vingança. Parece até que não cabe aí a palavra "perdão". A morte de Bin Laden foi consequência disto. No coração de muita gente brotou um sintoma de alívio, de corte do mal pela raiz. Não só esse fato, mas sofremos tantos atos de violência todos os dias sejam nos assaltos, nos lares, no trânsito, na ação das quadrilhas defendendo pontos de venda de drogas etc. É sinal de que todos nós estamos na vulnerabilidade. Fomos criados para a vida e a morte natural. Na verdade, a pessoa humana é patrimônio da humanidade. Não existe para ser objeto de violência e de vingança. Nos ensinamentos de Jesus Cristo, a felicidade passa pelo perdão, "até setenta vezes sete". Num mundo de violência e vingança, não é fácil entender o Mistério do Amor de Deus. É o Mistério do Perdão como gesto profundo de gratuidade. Não é a vingança por vingança, que causa cada vez mais violência, deixando o povo sem esperança. O rancor e a raiva são coisas detestáveis, que prejudicam o relacionamento humano. O perdão é sempre mais forte do que a vingança. Conseguimos usufruir da vida se for na liberdade e no respeito mútuos, no saber entender a diversidade. Só a justiça é capaz de construir relações novas e um mundo novo. Ela leva ao perdão de qualidade, a gestos de nobreza e de bênçãos de Deus. É a superação do "olho por olho e dente por dente". Aquilo que as nações não têm conseguido fazer. A morte e a destruição nos nivelam a todos. Só aí vão cessar o rancor e a raiva. O ensinamento de Deus se apóia na misericórdia e na capacidade do perdão em todas as circunstâncias. *** Dom Paulo Mendes Peixoto Bispo de São José do Rio Preto - SP

Ter fé em Deus é bom para a Pátria?

10 de setembro de 2011 Dom Odilo P. Scherer - O Estado de S.Paulo A comemoração do Dia da Pátria, no aniversário da independência do Brasil, sugere uma reflexão sobre a relação entre Pátria e fé em Deus. A questão pode parecer inócua, mas não é, sobretudo quando pensamos em "partidos religiosos", ou em ideologias político-religiosas, que promovem violência em nome de Deus e se impõem, como totalitarismo asfixiante, sobre toda uma nação. É inegável que existem várias lamentáveis instrumentalizações da religião para fins não próprios dela. Proponho minha reflexão a partir da posição da Igreja Católica Apostólica Romana. Tomemos a noção de "fé em Deus" não como algo genérico ou subjetivo, mas relacionada com um corpo de doutrinas, elaborado e professado oficialmente por determinada religião; afirmações e interpretações pessoais não podem ser atribuídas ao grupo religioso como um todo. A fé em Deus professada pela Igreja Católica está definida e explicada oficialmente no Catecismo da Igreja Católica; outros textos do Magistério eclesiástico explicitam ainda mais determinados aspectos da sua fé. A comunidade política e a comunidade religiosa, embora se exprimam por estruturas visíveis, por vezes semelhantes, são de natureza bem diversa, quer pela sua configuração, quer, sobretudo, pela sua finalidade. São independentes e autônomas. A Igreja organiza-se com formas aptas a satisfazer as exigências espirituais dos seus fiéis e não pretende substituir-se ao Estado, ou à comunidade política; reconhece e respeita a competência desta para gerar relações e instituições para o serviço do bem comum temporal. Portanto, a laicidade do Estado, entendida como separação de Poderes, autonomia e respeito pelas competências próprias de Estado e Igreja, fica plenamente preservada. Isso é bom, contanto que essa laicidade não seja usada como álibi para a imposição, aos cidadãos, da não religião como postura oficial, para cercear a liberdade religiosa, ou para discriminar cidadãos em função de suas convicções de fé. Compete ao Estado assegurar a todos os seus membros a liberdade de crer, ou não crer, e de expressar a sua fé, se forem religiosos. Tenho plena convicção de que fé em Deus e amor à Pátria não se excluem, muito pelo contrário! Um bom cristão deve ser também um bom cidadão. Um mau cidadão, certamente, não é um bom cristão. Como pessoas de fé, estamos conscientes de que "não temos neste mundo pátria definitiva, mas estamos a caminho da que há de vir" (cf. Hb 13,14); mas também temos clara consciência de sermos membros de uma Pátria neste mundo; somos parte de um povo, com o qual nos identificamos e com cujo bem estamos - e devemos estar - inteiramente comprometidos. Nossa convicção de fé, como cristãos e católicos, não pode ser desvinculada da edificação da comunidade humana, da qual fazemos parte. O ensino social da Igreja oferece as diretrizes para traduzir as luzes e os valores do Evangelho do Reino de Deus para o viver e agir quotidiano. Karl Marx - e outros com ele - interpretou de maneira equivocada o potencial da fé religiosa para a vida de um povo, ao qualificar, de modo simplista, a religião como ópio do povo... Além de cumprirem os seus deveres cívicos, como os demais cidadãos, as pessoas de fé têm uma contribuição própria a dar para o bem da Pátria. A fé em Deus, bem entendida e manifestada publicamente, com suas convicções traduzidas em antropologia, moral e cultura, pode representar uma contribuição fundamental para o bem comum. Da fé em Deus decorre uma valiosa compreensão da pessoa e sua existência, do mundo e do convívio social, da economia e de todas as atividades humanas. Decorre também um alto conceito de dignidade da pessoa e de seus direitos inalienáveis, bem como um embasamento sólido para práticas de respeito, justiça e honestidade, tão necessárias ao convívio humano e às relações sociais. A fé em Deus também é capaz de despertar e sustentar belas ações de caridade, compaixão e solidariedade; dificilmente nossas organizações religiosas deixam de estar ligadas a iniciativas de beneficência, de grande importância social, como obras sociais, escolas, hospitais e lugares de acolhida e cuidado de pessoas esquecidas ou rejeitadas pela sociedade. A fé em Deus, quando verdadeira, leva a uma aproximação sempre maior do Mistério Sublime e ao enlevo ante sua beleza - nasceram daí, e continuam a nascer, tantas expressões artísticas! E a esperança, decorrente da fé em Deus, longe de alienar das realidades presentes, é fonte de energias para enfrentar os desafios e as tarefas desta vida. Na antropologia cristã, além disso, está presente aquilo que a globalização vai trazendo sempre mais à luz: nossa pertença a uma única família humana, à qual estamos ligados de maneira solidária. Cremos num único Deus e Pai de toda a humanidade; ele quer o bem de todos os filhos e que vivam como irmãos e em paz. Um povo não pode ser indiferente aos outros, nem deixar de se interessar pela sorte sempre mais compartilhada por todos os membros da comunidade humana. Limites territoriais, tradições culturais, diferenças raciais, heranças históricas e interesses econômicos, em vez de contrapostos, deveriam ser cada vez mais conjugados e harmonizados. Quando se dá espaço para Deus, também o homem ganha importância; sua dignidade, seus direitos, a liberdade e o sentido de sua vida neste mundo não são diminuídos, mas iluminados e potencializados. A fé em Deus oferece bases sólidas para valores e virtudes que devem nortear o vida humana nas esferas privada e pública. Ter fé em Deus e manifestá-la abertamente, indo às suas consequências éticas e culturais, é bom e faz bem à Pátria. CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

sábado, 10 de setembro de 2011

Gentil pátria amada

ZP11090902 - 09-09-2011 Permalink: http://www.zenit.org/article-28801?l=portuguese Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo BELO HORIZONTE, sexta-feira, 9 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – O florão da América, ao comemorar os 189 anos de sua Independência, cobriu-se de verde-amarelo e de outras cores, com a inclusão de outros valores e patrimônios imateriais da cultura brasileira. Vestiu-se também de preto. O 17º Grito dos Excluídos, congregando movimentos e pastorais sociais, ganhou um pouco mais de sonoridade com o movimento de combate à corrupção que, historicamente, assola instituições na sociedade brasileira. É uma lamentável pandemia que entranha facilmente e, confortavelmente, se hospeda na cultura, isto é, nos hábitos e costumes, até nos mais elementares. A consequência é o comprometimento da cidadania que o Dia da Pátria poderia celebrar como conquista e comprovação de grandes e contundentes avanços. As nulidades ainda estão triunfando com força de perpetuar atrasos e um modus vivendi que, justificados como cultura - na verdade uma subcultura, ou melhor, uma contracultura -, impedem avanços, mais rapidez e inteligência estratégica para geração de cenários novos enquanto superação da deficitária situação habitacional, a erradicação da miséria e, particularmente, uma configuração mais nítida e incidente da cultura da solidariedade. Essas e outras demandas, com suas urgências, precisam incontestavelmente de uma modificação significativa na realidade da corrupção que envenena projetos, compromete programas, corrói o erário público, aumenta a indiferença que anula o sentido, o comprometimento social e político das cidadanias. Além de estratégias perversas - o uso equivocado da razão, que faz pouco efeito em função da cegueira produzida pela ganância e pelo incontido amor ao dinheiro -, estão incluídos outros agentes perniciosos que fortemente contribuem para complicar a solução deste enigma moral. É lamentável e desolador constatar a condição de refém que instituições importantes na sociedade têm experimentado como uma verdadeira camisa de força, impeditiva de avanços essenciais e de velocidade no parâmetro da rapidez que esta segunda década do terceiro milênio pressupõe para que não se perca, ainda mais, o trem da história. A incompetência é um destes agentes. Na verdade, é comum encobrir a incompetência com uma consciência de si que está, ridiculamente, além dos desempenhos mostrados em tarefas, funções e missões. Aliás, não se consegue introduzir tão facilmente o mecanismo de avaliação de desempenho. A resistência é sempre grande. Avaliar é oportunidade de, por diálogos e medições, refletir competências. Pode revelar o blefe de aparências e faz de conta. Esse mal assola todas as instituições. As religiosas, como as políticas, governamentais e sociais estão vivendo esse problema. Constata-se um agravante disfarçado num tipo de crítica pejorativa que se põe como defesa de mediocridades e sustento de lideranças frágeis na condução de processos e nas respostas a exigências de transformações mais profundas e rápidas. Este cenário, configurado também com outras nuanças, aponta que só o diálogo pode abrir um caminho novo. Esse entendimento inclui, de maneira inteligente, supondo a postura crítica, a possibilidade de um julgamento que desvenda complexidades, permite encontrar soluções novas e respostas adequadas. Ora, crítica em diálogo não é discurso rasteiro próprio de magoados, de amantes do poder perdido, dos amargurados e dos que adotam arbitrariedades para conseguir, a qualquer preço, um lugar ao sol. O sentido de pátria na cidadania, exigência própria e conduta indispensável de cada cidadão, indica a premência da elaboração de uma definição mais apurada da crise ética que se está vivendo, atingindo frontalmente a direção que alavanca a vida no rumo correto para se perceber os riscos dos relativismos que emolduram a cidadania e a vida contemporânea. A complexidade da realidade, gerada pela lista incontável de demandas, exige um debruçar-se sobre ela, não apenas com o critério, por exemplo, do mercado que produz, incontestavelmente, a erosão das relações básicas e inegociáveis. Exige-se a pinça afiada da ética para enfrentar adequadamente as crises como a ecológica, humana, de sentido e exercitar a cidadania na desafiadora assimetria que caracteriza a vivência da solidariedade - um remédio urgente e indispensável visando o futuro, não tão mais caótico, da sociedade. A escuta do clamor dos pobres - exercício do verdadeiro e indispensável sentido social e equilíbrio no campo político - para além das aberrações diárias no âmbito da representação do povo, e o luto que caracteriza a indignação indispensável contra a corrupção, produz avanços para que seja realidade a referência gentil pátria amada. Dom Walmor Oliveira de Azevedo é arcebispo de Belo Horizonte - MG

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O papel da fé na política internacional

ZP11090401 - 04-09-2011 Permalink: http://www.zenit.org/article-28754?l=portuguese Religião e conflitos globais ROMA, domingo, 4 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – No décimo aniversário do 11 de setembro, permanece vivo o debate sobre o papel da religião nos conflitos e na política. O recente livro Religion, Identity and Global Governance: Ideas, Evidence and Practice (University of Toronto Press) traz uma valiosa contribuição ao debate, recopilando muitas atas de uma conferência de outubro de 2007. John F. Stack, professor na Universidade Internacional da Flórida, analisa num dos capítulos o desafio à teoria das relações internacionais. Antes mesmo dos acontecimentos da última década, estava claro que a religião, longe de ter desaparecido, é uma poderosa força global, afirma Stack. Nos Estados Unidos, por exemplo, as influências protestantes e evangélicas tiveram importante papel na política interior. A religião voltou aos países da antiga União Soviética desde a queda do comunismo, e a influência do islã tem sido evidente na África, Ásia e Europa. Mas Stack observa que a teoria das relações internacionais ignora o papel da religião. Em muitos casos, durante o século XX, os pensadores influentes em ciências sociais teorizaram que a religião não só é irrelevante, mas ainda que desapareceria de modo gradual. A sobrevivência da religião e sua evidente influência na política forçou, depois, a mudança de perspectiva. A religião é importante, explica Stack, e é uma dimensão básica da vida humana que influencia cultura, tradição e visões do mundo. “As crenças religiosas podem não agradar aos estudiosos sociais do Ocidente, que analisam o comportamento dos indivíduos, grupos, movimentos sociais, estados, mas ressoam profundamente nos valores e nas opções mais básicas”. Stack admite que é difícil avaliar o papel concreto da religião e discernir se ela é uma mera manifestação de outros fatores étnicos, culturais ou de afirmação de um grupo. Reação laicista Na última década, vivemos uma verdadeira explosão de estudos sobre religião e assuntos internacionais, escreveu Ron E. Hassner em seu capítulo. Hassner, professor adjunto na Universidade da Califórnia em Berkeley, diz que foram publicados mais livros sobre o islã e a guerra desde o 11 de setembro do que desde a invenção da imprensa até aquela data. Ele deplora o que chama de “reação laicista e borbulhante”, que caracterizou um bom número de livros. “Rejeitar a religião como se fosse apenas uma forma perigosa de demência de grupo não é só irracional, mas também inútil, porque não se pode rejeitar a religião e ao mesmo tempo querer entendê-la”. Hassner acusa escritores como Richard Dawkins, Sam Harris e Christopher Hitchins de afirmar que há uma relação causal entre religião e guerra. Ao mesmo tempo, eles rejeitam como falsa qualquer associação com a promoção da moral, da cultura e da ciência. Em seu texto, Cecília Lynch, professora da Universidade da Califórnia, propõe uma postura de estudo da religião diferente da de Dawkins. É importante considerar a prática da religião e não unicamente a doutrina, afirma ela. Temos que entender também que a religião, embora proporcione diretrizes éticas, sempre deixa espaço para a interpretação. As doutrinas e tradições religiosas, segundo Lynch, não podem cobrir todas as possibilidades na hora de prescrever um comportamento. Devemos considerar a crença e a prática religiosa como moldadas pelas circunstâncias e tradições históricas, além de fatores econômicos e sociais contemporâneos. Um dos aspectos da religião em que Lynch se concentra é o compromisso com a atividade humanitária. Nos conflitos das últimas décadas, envolvendo tanto cristãos quanto muçulmanos, suas organizações humanitárias respectivas começaram a trabalhar juntas. As organizações laicas tiveram que se adaptar para trabalhar em sociedades de maioria muçulmana. Desde os acontecimentos de 2001, porém, alguns países olham com desconfiança para as organizações humanitárias islâmicas. Guerra justa James L. Heft, padre marianista e professor na Universidade do Sul da Califórnia, analisa a doutrina da guerra justa e como ela é interpretada por João Paulo II. Segundo Heft, João Paulo II desenvolveu uma compreensão dos ensinamentos sobre a guerra justa que tornou mais difícil justificar a guerra, e também as enquadrou num marco ético que privilegia os meios não violentos de resolução de conflitos. Esta tendência se iniciou muito antes de João Paulo II, diz Heft. Depois que a Igreja católica perdeu os Estados Pontifícios e seu poder temporal, ela se viu livre para defender melhor os direitos dos outros e passou a se opor à guerra com mais intensidade. Este desenvolvimento ficou especialmente evidente na encíclica de João XXIII Pacem in Terris, publicada em 1963. Em 4 de outubro de 1965, dirigindo-se às Nações Unidas, Paulo VI exclamou: “Basta de guerra, guerra nunca mais!”. Heft escreve que João Paulo II defendia os direitos humanos em suas encíclicas e discursos e se opunha repetidamente à guerra. Não descartava inteiramente o uso da força, mas o limitava cuidadosamente. Os acontecimentos de 1989, que determinaram a libertação sem guerra da Europa do Leste, confirmaram as convicções do papa na força dos métodos não violentos, afirma Heft. Ele tocaria no tema dois anos depois, na encíclica Centesimus Annus. Nos anos seguintes, João Paulo II se oporia com firmeza à invasão do Iraque. Heft observa, porém, que João Paulo II apoiou com cautela a derrocada do governo talibã do Afeganistão. Na mensagem para a Jornada Mundial da Paz de 2002, o papa afirmou que existe um direito a defender-se contra o terrorismo. Defendeu também a intervenção humanitária na antiga Iugoslávia. Em geral, a consciência de João Paulo II das consequências da guerra o fez rejeitar a violência, mas não é correto apresentá-lo como um pacifista, conclui Heft. Religião e Resolução de Conflitos Abordando a questão da paz, Robert B. Llloyd fala dos enfoques para a resolução de conflitos baseados na religião. Lloyd, professor associado da Universidade Pepperdine, assinala que personalidades, como a ex-secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright, tinham afirmado que a diplomacia baseada na religião era uma ferramenta útil de política externa. Lloyd concentrou sua atenção sobre o cristianismo. O mundo não tem carecido de mediadores – observa ele –, mas o mediador cristã difere devido à formação recebida em uma comunidade religiosa concreta. Lloyd fala da longa história de mediação da Igreja Católica. O Tratado de Tordesilhas, de 1494, patrocinado pelo Papa Alexandre VI, resolveu o conflito entre Espanha e Portugal pelo controle das terras recém-descobertas na Ásia, África e Américas. Mais recentemente, em 1984, um tratado foi assinado entre o Chile e a Argentina para resolver uma disputa sobre as ilhas do Canal de Beagle. A mediação da Igreja ajudou a resolver um conflito que levou os dois países à beira da guerra. Lloyd também se referiu à Comunidade de Sant’Egidio. Desempenhou um papel fundamental na mediação para acabar com uma guerra de 15 anos em Moçambique. Existe alguma coisa que distingue a mediação cristã? Lloyd identificou algumas diferenças. Os cristãos enfatizam a reconciliação ou a construção de novas relações onde não existiam. Outra preocupação é o resultado justo. A importante questão da justiça que é encontrada nas Escrituras fornece uma motivação adicional para os cristãos, quando comparados com outros mediadores. Uma terceira característica é a preferência pela negociação e, sobretudo, por estabelecer linhas de comunicação que não teriam existido entre as partes. Como seus colegas leigos, os mediadores cristãos nem sempre são bem sucedidos, mas Lloyd afirma que isso mostra como uma forte identidade religiosa não é apenas fonte de conflito, mas também um meio de paz e reconciliação.

domingo, 4 de setembro de 2011

Existe guerra entre muçulmanos e cristãos na Nigéria?

ZP11090403 - 04-09-2011 Permalink: http://www.zenit.org/article-28756?l=portuguese Arcebispo de Abuja: tensão religiosa não é o maior perigo ABUJA, domingo, 4 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – A maior causa das tensões na Nigéria não é a divisão entre cristãos e muçulmanos, mas entre ricos e pobres, afirma o arcebispo de Abuja, capital do país. Em entrevista ao programa de televisão Deus chora na Terra, da Catholic Radio and Television Network (CRTN) em colaboração com Ajuda à Igreja que Sofre, o arcebispo John Onaiyekan explica que o maior perigo para a paz na Nigéria “é a injustiça social no país”. Em aproximadamente uma década, 3.000 pessoas foram assassinadas pela violência inter-étnica e inter-religiosa. Qual é a origem desta violência? Dom Onaiyekan: Essa é a má notícia, a perda de vidas em conflitos que têm conotações religiosas e são interpretados como religiosos. Mas eu acho que nós temos que lembrar que milhares de vidas se perdem no meu país, ano após ano, por causa dessas mortes diárias em hospitais por culpa da má gestão, e também por causa de conflitos em áreas onde não existem cristãos ou muçulmanos. E ninguém fala delas. Só da violência entre muçulmanos e cristãos. Nós estamos falando de uma cultura que desvaloriza a vida humana em geral. E eu digo isso como nigeriano, com toda a responsabilidade e tristeza. Temos que colocar tudo no seu devido contexto. Para falar de 3.000, eles calculam normalmente com base nos que perderam a vida no norte da Nigéria. Na região de Jos? Dom Onaiyekan: A região de Jos é só a última, porque tem outras da Nigéria com enfrentamentos: em Kaduna, Bauchi, e, quando fizeram aquelas famosas “caricaturas dinamarquesas”, tivemos distúrbios em Duguri e em toda a região, e, depois, na meseta de Jos. Jos foi especialmente surpreendente, porque Jos não tem uma grande população muçulmana. Nem é um lugar onde se possa dizer que os cristãos e muçulmanos tenham uma relação tensa. É de maioria cristã e nós ficamos surpresos de que num lugar como aquele ocorra esse tipo de violência. Em segundo lugar, seja em Jos ou em qualquer outro lugar, as pessoas não atacam as outras só por causa da religião. Mas quando escrevem sobre isso, apresentam justamente assim: violência por motivos religiosos entre muçulmanos e cristãos. Se não é assim, qual é a verdadeira origem? Dom Onaiyekan: Pode haver uma dimensão religiosa, porque os nigerianos são profundamente religiosos, o que é uma coisa grandiosa. E este é um dos casos em que algo bom pode virar uma coisa ruim. Eles são profundamente comprometidos com a fé, e isso quer dizer que tudo o que eles fazem é com fervor religioso. Se duas pessoas brigam, até no mercado, e um é muçulmano e o outro é cristão, antes de saber qualquer coisa as pessoas vão dizer: “aquele muçulmano e aquele cristão estão brigando”. Não vão dizer: “aqueles dois nigerianos”, como deveriam dizer, e eu acho que é isso o que faz parecer que é uma disputa religiosa. No caso de Jos, o assunto é bem claro: é entre os que são considerados “indígenas” da meseta e os considerados “colonos”. O problema nem é tanto com os colonos, porque existem colonos e indígenas pela Nigéria toda. O problema na meseta é a situação dos colonos que exigem plenos direitos como indígenas, um ponto em que eu pessoalmente estou de acordo, e que não é válido só para aquela meseta, mas para toda a Nigéria. Há outros elementos em jogo? Dom Onaiyekan: Eu quero insistir no seguinte: os nigerianos não são só cristãos ou muçulmanos; os nigerianos são também hausa, ibo e ioruba. Os nigerianos têm também ideologias políticas diferentes. E a maior diferença hoje, e uma das causas da maioria dos problemas, e o maior perigo para a paz na Nigéria, não é essa história dos cristãos e dos muçulmanos; é a injustiça social no país. A grande diferença, o grande abismo entre uns poucos que são muito ricos e a imensa maioria que são pobres numa nação que é muito rica. Os poucos ricos, a maioria dos quais são também ladrões, bandidos que roubam o nosso dinheiro, gente corrupta, são cristãos e muçulmanos que estão sentados nas mesmas mesas diretivas. Os pobres que estão sofrendo também são cristãos e muçulmanos, e também se dão bem entre si, porque têm os mesmos problemas. Estas são as coisas que deveríamos considerar de modo cuidadoso, e, se você vive na Nigéria, tem que usar essa lente para não se deixar levar por explicações que parecem simples e diretas, mas são simplistas demais. Então podemos dizer que o sucesso ou o fracasso político na Nigéria se traduz em poder econômico ou na falta dele? Dom Onaiyekan: Isso. É uma mentalidade de “o ganhador leva tudo”. Se você é do partido do governo, então você consegue todos os contratos, todas as promoções e todos os trabalhos no governo para os filhos. Mas se você é da oposição, aí você não consegue nada. Se, além de pertencer ao partido da oposição, você ainda pertence a uma tribo diferente, porque além da divisão política você acrescente também a étnica, e se você acrescentar também que pertence a outra religião, é fácil alguém dizer que cristãos e muçulmanos se enfrentam... E esta é a imagem que você vê no mundo inteiro sobre a Nigéria. Jamais eu vi na Nigéria que nós tenhamos brigado porque Jesus Cristo seja ou não seja Deus, que é a maior diferença teológica entre os cristãos e os muçulmanos. Nós nunca brigamos por isso nem nunca nos enfrentamos para discutir se Maomé é um verdadeiro profeta ou não é. Nós lutamos pela terra. Nós discutimos quantos ministros são muçulmanos ou cristãos. Nós discutimos sobre quem é o líder deste ou daquele partido político. Estes é que são os temas em que existe enfrentamento. Isso levanta a questão: Por que é apresentado como um assunto religioso e não como o que ele realmente é - interesses econômicos ou políticos? Dom Onaiyekan: É devido à natureza da comunidade nigeriana. Nós facilmente nos identificamos como cristãos ou muçulmanos. Se você estiver na Nigéria num domingo, verá que as igrejas estão cheias. Todo mundo vai à igreja no domingo. Se você é um cristão e estiver sentado em casa em um domingo, te perguntarão: "por que não vai à igreja? O quê acontece? Você tem algum problema?". E se pode dizer o mesmo para um muçulmano. É como se sua identidade se definisse em termos de sua religião. Então, seja lá o que você faça, você é considerado cristão ou muçulmano. Em segundo lugar, quando duas pessoas são rivais, tentam implantar todos os recursos para se proteger. Assim, se eu estou lutando com um parceiro que é muçulmano e eu estou prestes a perder, direi: "Olha como eles me tratam. Eu sou cristão". Isso me lembra de São Paulo quando ele estava em pé diante do Sinédrio, olhou os fariseus entre os saduceus e disse: "Eu sou fariseu e por isso sofro." Então os fariseus apoiaram. Há algo disso também. Do lado muçulmano, há pessoas que querem atrair a solidariedade dos muçulmanos, não só na Nigéria, mas também no exterior. Vemos que isso acontece em ambos os lados. Mas a questão é: Quando este tipo de coisa ocorre, não se pensa muito no resultado. Estamos caminhando para resolver nossos problemas de convivência ou estamos nos preparando para a guerra que haverá, finalmente, entre cristãos e muçulmanos? O senhor mencionou os interesses estrangeiros. Há interesses estrangeiros provocando isso? Dom Onaiyekan: Há muitos interesses em jogo, creio eu, já que estamos falando de uma base religiosa, obviamente, em ambos os lados, com correntes que têm posições muito fortes contra os outros. Há correntes islâmicas que acreditam que os cristãos são maus crentes. Há muitas pessoas na Nigéria que assistem TV ou ouvem sermões que vêm Iêmen e são emitidos pelos canais islâmicos. Há pequenos grupos que são muito tendenciosos em ambos os lados. Também há cristãos que dizem coisas horríveis sobre os muçulmanos. Acham que os muçulmanos que vão a Meca adoram um ídolo, uma pedra, e que não há maneira de um muçulmano alcançar o céu, porque Jesus disse que, se não nascer da água e do espírito, não entrarás no Reino de Deus. Quando alguém vai a público dizer isso diretamente aos muçulmanos, está provocando, mas, digo novamente, trata-se de um pequeno grupo. Nossa Igreja não ensina isso. Quando há choques, o resto de nós fica envolvido, o que é um grande problema. A razão final que lhe daria – já que estamos falando em termos de comunicação – é que os jornalistas às vezes são preguiçosos. Nós conversamos sobre o diálogo nessas situações tão complicadas. O senhor tem esperanças? Dom Onaiyekan: Eu sou um otimista incurável e sempre olho para o que mais deslumbra e também porque acredito que essa é a atitude cristã. Nós acreditamos em Jesus ressuscitado, e seu espírito nos move. Por isso não temos medo de olhar até mesmo a realidade da corrupção. Amo a Nigéria intensamente. Há tantas pessoas maravilhosas. A grande maioria dos nigerianos, de todas as crenças, são pessoas maravilhosas e quando veem algo de bom, admiram e se apegam a ele. Nosso grande problema é que precisamos de um bom governo, um governo forte, que possa implementar todas estas coisas maravilhosas e não só os recursos naturais, mas, acima de tudo, os recursos humanos da Nigéria. Com a ajuda de Deus, não deveria haver problemas entre cristãos e muçulmanos. De fato, minha opinião é que a Nigéria será um modelo para o mundo de como os cristãos e muçulmanos vivem juntos, porque nossa cultura tem o maior número de cristãos e muçulmanos vivendo juntos em um mesmo país. Em outros países, uma ou outra das religiões é maioria ou minoria. Faça o que fizer, eles são separados. Na Nigéria, somos iguais e nos encontramos face a face e somos cidadãos do mesmo país, às vezes, os membros da mesma família. --- --- --- Esta entrevista foi realizada por Marie-Pauline Meyer para "Deus chora na terra", um programa rádio-televisivo semanal produzido por Catholic Radio and Television Network, (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre. Mais informação em www.aisbrasil.org.br, www.fundacao-ais.pt, http://www.wheregodweeps.org/countries/nigeria