segunda-feira, 30 de abril de 2012

A educação católica, educação de valores


105-0594_IMGPe. Ricardo Basso, EP
A educação, desde os filósofos gregos até o século XVIII, visava a formação do homem como um todo, procurando desenvolver suas habilidades e capacidades, explorando suas apetências, seguindo um currículo muito flexível, quase que adaptado a cada aluno. As aulas das universidades ocorriam com frequência em espaços públicos, com acesso a qualquer um. A respeito dessa informalidade, conta-se, até, na vida de São Clemente Maria Hofbauer um fato significativo. Na sua juventude, sendo aprendiz de padeiro, sentou-se na praça em Viena, Áustria, para assistir a uma aula de famoso teólogo. Em determinado momento ele interrompeu a exposição observando: “Mestre, não sei explicar por quê, mas o que o Sr. acaba de falar está errado!” Indignado, o professor expulsa o jovem da aula. Anos depois, encontrando-se com São Clemente, agora sacerdote, o mestre lhe agradece aquela intervenção, explicando que fora tirar a limpo e, realmente, estava ensinando algo equivocado. Era o senso católico prevalecendo sobre a mera erudição.
Competia nessa época ao mestre ou preceptor atender às legítimas curiosidades e pontos vivos de interesse do discípulo, pois se compreendia que cada indivíduo é único e tem uma visão do universo personalíssima, originalíssima e riquíssima. E São Tomás de Aquino (século XIII) “introduz um princípio pedagógico moderno e revolucionário para seu tempo: o de que o conhecimento é construído pelo estudante e não simplesmente transmitido pelo professor” (Revista Nova Escola, julho de 2008, p. 22, sem autor). Vê-se por aí que Piaget e o construtivismo não representaram nenhuma novidade pedagógica na História, como tantas vezes são apresentados. Hoje fala-se de inter e transdisciplinaridade. Até a Revolução Francesa se ensinava assim… O conhecimento era uno, coeso, formava um todo coerente, harmônico entre as partes, baseado na mesma concepção religiosa do universo. Todos os conhecimentos se relacionavam entre si. Hoje fala-se que a criança deve aprender brincando ou que o aprendizado deve ser prazeroso. Na pesquisa bibliográfica, pudemos constatar que São Tomás de Aquino já ensinava isso na Suma Teológica (II-II, q. 168, art. 2, 3 e 4), no século XIII, tendo inclusive escrito um Tratado sobre o brincar. E São João Bosco (século XIX) tinha como pedra fundamental de seu sistema preventivo na educação a “amorevolezza”: a benquerença; a criança deveria ser benquista e sentir-se benquista pelo professor que, assim, conquistava a confiança do discípulo. Nos recreios salesianos havia uma só regra: é proibido estar triste. Hoje dá-se muita importância aos laboratórios, às experiências (John Dewey, 1978); os antigos da Escola peripatética, de Aristóteles, a qual possuía uma orientação empírica, já procediam assim pelo ano 320 a.C. …
Ou seja, as melhores tendências da pedagogia atual vão no sentido de restaurar o que a educação cristã vem fazendo há séculos. A chamada pedagogia “tradicional” – distinta da católica de que tratamos acima – é da idade moderna, fruto da Revolução Francesa. Um dos filósofos dessa escola foi Johann Friedrich Herbart (1776-1841), considerado o organizador da Pedagogia como ciência. O conhecimento humano ficou compartimentado, fragmentado com o iluminismo e o racionalismo, gerando as incontáveis especializações estanques modernas.
Por se basear no princípio de que a mente humana apenas apreende novos conhecimentos e só participa do aprendizado passivamente, o herbartianismo resultou num ensino que hoje qualificamos de tradicional. “[...] um ensino totalmente receptivo, sem diálogo entre professor e aluno e com aulas que obedeciam a esquemas rígidos e preestabelecidos” (Revista Nova Escola, dezembro de 2004, p. 24, sem autor).
O sistema de ensino prevalente nas universidades medievais era baseado na intensa participação dos alunos através da “disputatio”, o debate, que se seguia à apresentação de um tema, a “lectio”, no qual cada um defendia sua opinião. Nem o mais ousado sistema educacional hodierno chega a ser tão participativo como o medieval.

domingo, 29 de abril de 2012

Existe Uma Filosofia Cristã?


A cultura do pensamento contemporâneo, herdeira do pensamento iluminista, ainda apregoa que a Idade Média foi um período envolto em trevas. Neste período, costuma dizer-se que não existiu um pensamento filosófico. Contudo, a tese de Etienne Gilson, em sua reflexão presente no texto O espírito da filosofia medieval, busca uma alternativa totalmente oposta ao problema que o Iluminismo pensou ter resolvido: há um pensamento cristão? Há uma filosofia cristã?
O estudo de Gilson é considerado o principal, do século XX, acerca de tal assunto. Ele mesmo inicia seu prefácio já colocando que é um tema difícil de ser definido. Entretanto, o grande desafio a Gilson é a própria pré-noção iluminista de que a Idade Média é um período cuja arte e literatura foram muito bem difundidas e desenvolvidas, mas, contudo, não apresenta uma produção filosófica por assim dizer. Analisando bem a produção do tempo medieval, há que se dar razão para a reflexão de Gilson. Para o autor, não só há uma produção filosófica, como, na Idade Média, ela encontra seu ápice daquilo que se poderia chamar de filosofia cristã.
Com isso, nasce um outro problema, semelhante à primeira pergunta: pode haver uma filosofia cristã? Até mesmo o autor diz que, em princípio, teve a tentação de negar a possibilidade de tal fato, como idéia. Mas, para identificar que existe uma filosofia que possa dizer-se cristã, sem deixar de ser filosofia, o passo seguinte seria demonstrar que os seus representantes mais eloqüentes se encontram na filosofia medieval.
Nossa reflexão não se limita em saber da existência ou não dos cristãos filósofos. O pensamento é se houveram e se se pode conceber a idéia de que existiram filósofos cristãos. A pergunta, portanto, se a própria noção de filosofia cristã tem sentido e se a mesma corresponde a uma realidade. Não se trata de saber se houve cristãos filósofos, mas de saber se pode haver filósofos cristãos.
Não há quem negue que as grandes religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo) foram verdadeiros berços para grandes nomes do pensamento ocidental. Tanto é que se nota na escola judaica, na mulçumana e na cristã a existência de homens que tentaram fazer a seu modo uma síntese entre filosofia e religião. O período da Escolástica é um bom exemplo na tentativa de se localizar pensadores cristãos que conciliaram a razão com a fé.
Para alguns, a escolástica se apresenta como uma colcha de retalhos mal tecida e elaborada por homens que, ingenuamente ou não, se apropriaram do pensamento grego, tentando fazer uma síntese que, na realidade, era impossível de ser feita. Por isso, há os que digam que tal apropriação se fez de forma indevida.
A síntese feita pelos escolásticos parece, conforme os pensadores do iluminismo, tentar, em certos momentos, conciliar seus dogmas religiosos com a filosofia platônica. Em outros momentos, parecem realizar um tipo de combinação desajeitada entre aristotelismo e cristianismo, tentando a todo custo fazer a conciliação entre filosofia e religião.
Os pensadores modernos costumavam dizer que o pensamento da Escolástica eram retalhos da filosofia grega costurados a uma teologia. E é quase tudo o que os pensadores cristãos nos deixaram, tomando emprestado de Platão e a de Aristóteles. Não é difícil imaginar que, para estes, o cristianismo em nada contribuiu para o progresso do pensamento filosófico da humanidade. Não é difícil também apreender o pressuposto segundo o qual a conclusão a que chegaram se torna perfeitamente inteligível. Ela consiste em estabelecer uma oposição essencial entre filosofia e religião. Esta oposição, que separa as duas coisas, é a seguinte: a filosofia pertence à ordem da razão e a religião se estende ao campo do irracional.
Assim como não pode haver acordo entre racionalidade e irracionalidade também não se pode estabelecer qualquer contato entre o que é racional e o que é irracional.Do lado cristão também não há unanimidade já que se admite que houve a Revelação e que esta modificou profundamente o exercício da razão, a tradição filosófica cristã não está totalmente de acordo a estabelecer os termos aos quais este encontro ocorreu ou possa ocorrer.
Após a Revelação, não se pode mais se entregar à razão pura como se a Revelação não existisse. Isso causaria os mesmos erros que cometeram tanto Platão quanto Aristóteles e muitos outros. O único modo seguro para se filosofar, sem cair em contradições, é tomar a Revelação por guia e procurar, na medida do possível, torná-la inteligível pela razão. Nisto consiste a filosofia para o cristão: procurar inteligir a Revelação.
Toda filosofia que pretender se bastar a si mesma incorrerá em erros piores, o que significa que o único método seguro consiste hoje em tomar a Revelação como guia a fim de alcançar a inteligência do seu conteúdo. É essa inteligência da Revelação que é a própria filosofia. Mas, se até certo ponto possa existir algum acordo, podemos constatar também algumas dificuldades. Estas se iniciam quando se resolve explicitar o modo como se deve entender a sentença do fides quaerens intellectum na filosofia. A forma como se compreende esta filiação, na qual a filosofia passa a ser tutelada pela teologia, é que causa o desacordo.
Muitos entendem, por isso, que reduzir pura e simplesmente a filosofia na fórmula do fides quaerens intellectum (a fé em busca do intelecto) é confundi-la com a teologia. É necessário, então, buscar outro modo de se estabelecer uma ligação entre fé e razão que não elimine a autonomia da filosofia. Como é possível estabelecer este acordo e esta concórdia entre filosofia e teologia sem que arruinar ambas?
A fides quaerens intellectum é o princípio de toda especulação medieval. Entretanto, isso também poderia parecer uma ruína da própria filosofia. Quem vai tentar eliminar este problema é a neo-escolástica (ou neotomismo), assumindo parte da posição dos racionalistas. De fato, para o neotomismo, não houve uma filosofia genuinamente filosófica. Salvo a de Santo Tomás de Aquino.
Foi para escapar desse perigo que certos neo-escolásticos acharam por bem adotar parcialmente a posição de seus adversários. Concedendo o princípio, tentam provar que nunca houve outra filosofia digna desse nome na Idade Média, além da de São Tomás. Se, por um lado, Anselmo e Boaventura absorveram a filosofia na teologia, já os averroístas sujeitaram-se aos mesmos erros a que estão propícios todos os que se recusam a receber qualquer auxílio da Revelação. Ambos fracassaram: uns porque acabaram por reduzir a filosofia a simples serva da teologia e, outros, porque comprometeram o seu filosofar às conclusões não tão racionais quanto as que pretendiam.
Tanto Santo Anselmo quanto São Boaventura partem da fé. Os averroístas encerram-se na razão, mas renunciam aceitar como verdadeiras as conclusões racionais mais necessárias. Só o tomismo se apresenta como uma verdadeira filosofia, pois consegue chegar a conclusões verdadeiramente filosóficas.
Por meio de um procedimento puramente racional, o tomismo se inclui no que se pode chamar de um espírito autenticamente filosófico: somente o tomismo se oferece como um sistema cujas conclusões filosóficas são deduzidas de premissas puramente racionais. Este acordo entre razão e fé, entre filosofia e teologia se realiza fundado no pressuposto segundo o qual a verdade nunca poderá contradizer a verdade. Porquanto, se uma conclusão filosófica é verdadeira nunca estará em desarmonia com a verdade da fé, pois a verdade só pode concordar com a verdade.
A diferença essencial entre um racionalista puro e um tomista reside no fato de que, se houver discordância entre as conclusões, o primado da fé permanece e o erro deve estar na conclusão filosófica. Sem dúvida, entre um neo-escolástico puro racionalista resta uma diferença fundamental. Para o neoescolástico, a fé permanece e toda discordância entre sua fé e sua filosofia é um sinal certo de erro filosófico. Portanto, a filosofia não concorda com a Revelação em virtude de ela ser cristã, mas por ser ela racional. Se existe concordância entre fé e filosofia, o único recurso legítimo que a Revelação pode acrescentar à razão, em filosofia, é o de apontar-lhe o erro para que ela a razão se critique e se corrija sozinha.
Se a filosofia for racional, ela será verdadeira. Gilson sintetiza, de forma muito feliz, esta posição dos tomistas ao dizer que, se uma filosofia é verdadeira, isso só pode se dever ao fato de ela ser racional. Mas, se ela merece o título de racional, isso não pode se dever ao fato de ela ser cristã. É por nisso que nenhum tomista se sentiria ofendido se alguém lhe dissesse que a sua filosofia não é uma filosofia cristã, embora não vá de encontro a nenhuma das verdades cristãs.
Se Tomás corrigiu Aristóteles, ele o fez racionalmente. Assumindo os princípios aristotélicos, Tomás corrigiu alguns, aprofundou outros, tirando deles todas aquelas conseqüências que faltaram às conclusões de Aristóteles. Deste ponto de vista, não existe qualquer intervenção da fé ou da Revelação nos aperfeiçoamentos que Tomás fez a Aristóteles. O tomismo seria um aristotelismo corrigido e completado, racionalmente, por São Tomás. Entre Tomás e Aristóteles existe apenas um homem debatendo com outro homem, não lhes é preciso acrescentar nem o adjetivo de cristão nem o de pagão.
No caso de haver discordâncias entre uma filosofia e a Revelação, tal fato não se dá porque esta filosofia não é cristã. Mas porque esta filosofia não é verdadeiramente uma filosofia, e sim uma deturpação desta. Da mesma forma, se uma filosofia se põe de acordo com os dados da fé, não é porque ela seja cristã, mas porque ela é uma filosofia e as suas conclusões se baseiam corretamente nos primeiros princípios da razão. Assim os tomistas proclamam uma relativa autonomia da filosofia.
Em última análise, a verdade filosófica para um tomista não está associada ao fato dela ser cristã, mas à sua racionalidade. O mais curioso a se notar, contudo, não é isso. A principal definição da posição destes tomistas racionalistas é a negação do conceito de filosofia cristã.
Recordem-se antes de tudo dos protestos veementes feitos pelos agostinianos de todos os tempos contra a paganização do cristianismo pelo tomismo. É que, para os agostinianos, uma filosofia só pode ser verdadeira se for cristã e para ser cristã precisa deixar de ser uma filosofia no sentido mundano. Já para os neotomistas, uma filosofia pode ser cristã, sem precisar contradizer os princípios cristãos e nem precisar ser cristã, ou seja, sem precisar recorrer à fé cristã.
Se, por um lado, é verdade que o neotomismo, em nome da autonomia, elimina o cristã da filosofia, por outro, é igualmente verdadeiro que o agostinismo exclui o conceito de filosofia para dar lugar à noção cristã do filosofar. Portanto, tentando definir o que seja uma filosofia cristã, os dois extremos só a tornam indefinível e sem sentido.
Antes de os tomistas negarem que no agostinismo se encontre alguma filosofia, são os agostinianos que se adiantaram em dizem que o tomismo não se manteve fiel à tradição cristã. Se alguns tomistas modernos negam que o agostinismo seja uma filosofia, os agostinianos da idade Média tomaram-lhe a dianteira negando que o tomismo fosse fiel à tradição cristã. A solução do problema, portanto, estaria no meio termo.
Não existe uma razão cristã. Entretanto, quando dizem que existe um uso cristão da razão, também não se está errando. Com efeito, se, por um lado, é verdade que a filosofia não tem religião, por outro, também é igualmente verdadeiro, que ter uma religião não é indiferente para quem filosofe. Pode ser que, falando abstratamente, a filosofia não tenha religião, mas tem-se o direito de perguntar se é indiferente que os filósofos tenham uma ou não.
Para um cristão, a razão não basta a si mesma. É um fato que a razão apenas não baste à razão. O que não significa que a filosofia cristã deva as suas conclusões à Revelação. A filosofia, propriamente falando, isso inclui a cristã, deve unicamente à razão as suas conclusões. Mas, nem Agostinho, nem tão pouco Anselmo, negaram isso.
Não devemos ignorar que, tanto em filosofia quanto em teologia, o método da sabedoria cristã é o mesmo: fides quaerens intellectum. Tornar a verdade acreditada em verdade que se sabe é um itinerário tanto para a teologia quanto para a filosofia cristã. No entanto, a aplicação deste método é diversa nas duas ordens tanto filosófica quanto teológica. Assim, das verdades contidas na Revelação descobrem-se algumas que podem ser conhecidas. O corpo da filosofia cristã é formado por estas verdades racionais que, muito embora reveladas, são naturalmente cognoscíveis.
O conteúdo da filosofia cristã é, portanto, o corpo das verdades racionais que foram descobertas graças à ajuda que a Revelação deu à razão. Cabe ao filósofo cristão, ao tomar contato com o dado revelado, discernir se ele é ou não cognoscível unicamente pela razão. O primeiro trabalho do uso cristão da razão é, portanto, investigar o que, na Revelação é inteligível à razão. Uma vez discriminado certo número de verdades que a razão pode por si só conhecer, deve o filósofo proceder de forma unicamente racional para alcançá-las novamente, só que desta vez como objetos da sua ciência.
Na verdade, a fé entra como uma luz para a razão, fazendo-a enxergar uma série de respostas que, ela mesma a razão poderá conquistar sozinha. Aquele que reconhecer, com humildade, que o objeto de seu estudo, no qual se aplica a sua filosofia, ele o deve à luz da fé, pode ser chamado de filósofo cristão e a sua filosofia de filosofia cristã. Étienne é muito claro neste ponto ao dizer que o filósofo cristão se pergunta é simplesmente se, entre as proposições que ele crê verdadeiras, não há um certo número que sua razão poderia saber verdadeiras. Mas, assim que encontra entre as suas crenças verdades que podem se tornar objetos de ciência, ele se torna filósofo, e, se é à fé cristã que ele deve essas novas luzes filosóficas, ele se torna um filósofo cristã.
O filósofo cristão é aquele que escolhe os seus problemas filosóficos à luz da Revelação cristã. Ora, como a Revelação cristã trata da salvação do homem por Deus, fica claro que a sua projeção na filosofia abarca apenas certo número de problemas muito bem definidos: Deus e a sua natureza; o homem: sua alma e natureza e o seu destino. Como a Revelação cristã nos ensina somente as verdades necessárias à salvação, sua influência só pôde se estender às partes da filosofia que concernem à existência de Deus e sua natureza, à origem da nossa alma, sua natureza e seu destino.
Muitas vezes podemos reconhecer um filósofo cristão pelos assuntos que lhe interessam ou por aqueles em que ele realmente se destaca. Sem desprezar os méritos indiscutíveis de Tomás de Aquino como comentador de Aristóteles, é preciso notar que em toda a filosofia de Tomás, ele tenha efetivamente ultrapassado e superado o seu mestre grego. Lá se encontra o que há de mais original e criativo na filosofia de Tomás de Aquino.
A questão não se pauta em diminuir os méritos como intérprete e comentador de Aristóteles e sim destacar as visões geniais pelas quais, prolongando o esforço de Aristóteles, ele o supera. Essas visões, quase sempre a propósito de Deus, da alma ou da relação da alma com Deus que vamos encontrá-las. O real é inesgotável e é impossível fazer uma síntese dele na sua totalidade. A fé, no entanto, ao filósofo cristão, possibilita fazer esta síntese do real, porque o simplifica. Uma filosofia norteada pela fé pode selecionar, o que constitui uma síntese original da realidade: Deus, o homem, e as relações do homem com Deus.
Assim, uma filosofia pode dizer-se cristã quando se mantiver nitidamente distinta da teologia, não abrindo mão do auxílio da Revelação cristã para escolher o que lhe interessa considerar. Atenuando os radicalismos opostos das duas escolas agostiniana e neotomista Gilson conclui uma definição de filosofia cristã que consegue, ao mesmo tempo, abarcar um caráter estritamente filosófico, salvaguardando toda a sua integridade exclusivamente racional, e preservar o âmbito em que o auxílio da Revelação cristã se faz indispensável. Ele chama a filosofia da Idade Média de filosofia cristã, distinguindo formalmente as duas ordens (teologia e filosofia) e considerando a Revelação cristã uma auxiliar indispensável da razão.
Referências bibliográficas:
GILSON, Etienne. O espírito da filosofia medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

sábado, 28 de abril de 2012

Modo de aprender e de meditar – Hugo de São Vitor



Opúsculo sobre o modo de aprender e de meditar
A humildade é necessária ao que deseja aprender.
A humildade é o princípio do aprendizado, e sobre ela, muita coisa tendo sido escrita, as três seguintes, de modo principal, dizem respeito ao estudante.
A primeira é que não tenha como vil nenhuma ciência e nenhuma escritura.
A segunda é que não se envergonhe de aprender de ninguém.
A terceira é que, quando tiver alcançado a ciência, não despreze aos demais.
Muitos se enganaram por quererem parecer sábios antes do tempo, pois com isto envergonharam-se de aprender dos demais o que ignoravam. Tu, porém meu filho, aprende de todos de boa vontade aquilo que desconheces. Serás mais sábio do que todos, se quiseres aprender de todos. Nenhuma ciência, portanto, tenhas como vil, porque toda ciência é boa. Nenhuma Escritura, ou pelo menos, nenhuma Lei desprezes, se estiver à disposição. Se nada lucrares, também nada terás perdido. Diz, de fato, o Apóstolo:
“Omnia legentes, quae bona sunt tenentes”. (I Tess. 5)
O bom estudante deve ser humilde e manso, inteiramente alheio aos cuidados do mundo e às tentações dos prazeres, e solícito em aprender de boa vontade de todos. Nunca presuma de sua ciência; não queira parecer douto, mas sê-lo; busque os ditos dos sábios, e procure ardentemente ter sempre os seus vultos diante dos olhos da mente, como um espelho.
Três coisas necessárias ao estudante.
Três coisas são necessárias ao estudante: a natureza, o exercício e a disciplina.
Na natureza, que facilmente perceba o que foi ouvido e firmemente retenha o percebido.
No exercício, que cultive o senso natural pelo trabalho e diligência.
Na disciplina, que vivendo louvavelmente, componha os costumes com a ciência.
Prime pelo engenho e pela memória.
Os que se dedicam ao estudo devem primar simultâneamente pelo engenho e pela memória, ambos os quais em todo estudo estão de tal modo unidos entre si que, faltando um, o outro não poderá conduzir ninguém à perfeição, assim como de nada aproveitam os lucros onde faltam os vigilantes, e em vão se fortificam os tesouros quando não se tem o que neles guardar.
O engenho é um certo vigor naturalmente existente na alma, importante em si mesmo.
A memória é a firmíssima percepção das coisas, das palavras, das sentenças e dos significados por parte da alma ou da mente.
O que o engenho encontra, a memória custodia.
O engenho provém da natureza, é auxiliado pelo uso, é embotado pelo trabalho imoderado e aguçado pelo exercício moderado.
A memória é principalmente ajudada e fortificada pelo exercício de reter e de meditar assiduamente.
A leitura e a meditação.
Duas coisas há que exercitam o engenho: a leitura e a meditação.
Na leitura, mediante regras e preceitos, somos instruídos pelas coisas que estão escritas. A leitura é também uma investigação do sentido por uma alma disciplinada.
Há três gêneros de leitura: a do docente, a do discípulo e a do que examina por si mesmo. Dizemos, de fato: “Leio o livro para o discípulo”, “leio o livro pelo mestre”, ou simplesmente “leio o livro”.
A meditação.
A meditação é uma cogitação frequente com conselho, que investiga prudentemente a causa e a origem, o modo e a utilidade de cada coisa.
A meditação toma o seu princípio da leitura, todavia não se realiza por nenhuma das regras ou dos preceitos da leitura. Na meditação, de fato, nos deleitamos discorrendo como que por um espaço aberto, no qual dirigimos a vista para a verdade a ser contemplada, admirando ora esta, ora aquelas causas das coisas, ora também penetrando no que nelas há de profundo, nada deixando de duvidoso ou de obscuro.
O princípio da doutrina, portanto, está na leitura; a sua consumação, na meditação.
Quem aprender a amá-la com familiaridade e a ela se dedicar frequentemente tornará a vida imensamente agradável e terá na tribulação a maior das consolações. A meditação é o que mais do que todas as coisas segrega a alma do estrépito dos atos terrenos; pela doçura de sua tranquilidade já nesta vida nos oferece de algum modo um gosto antecipado da eterna; fazendo-nos buscar e inteligir, pelas coisas que foram feitas, àquele que as fez, ensina a alma pela ciência e a aprofunda na alegria, fazendo com que nela encontre o maior dos deleites.
Três gêneros de meditação.
Três são os gêneros de meditação. O primeiro consiste no exame dos costumes, o segundo na indagação dos mandamentos, o terceiro na investigação das obras divinas.
Nos costumes a meditação examina os vícios e as virtudes. Nos mandamentos divinos, os que preceituam, os que prometem, os que ameaçam.
Nas obras de Deus, as em que Ele cria pela potência, as em que modera pela sabedoria, as em que coopera pela graça, as quais todas tanto mais alguém conhecerá o quanto sejam dignas de admiração quanto mais atentamente tiver se habituado em meditar as maravilhas de Deus.
Do confiar à memória aquilo que aprendemos.
A memória custodia, recolhendo-as, as coisas que o engenho investiga e encontra.
Importa que as coisas que dividimos ao aprender as recolhamos confiando-as à memória: recolher é reduzir a uma certa breve e suscinta suma as coisas das quais mais extensamente se escreveu ou se disputou, o que foi chamado pelos antigos de epílogo, isto é, uma breve recapitulação do que foi dito.
A memória do homem se regozija na brevidade, e se se divide em muitas coisas, torna-se menor em cada uma delas.
Devemos, portanto, em todo estudo ou doutrina recolher algo certo e breve, que guardemos na arca da memória, de onde posteriormente, sendo necessário, as possamos retirar. Será também necessário revolvê-las frequentemente chamando-as, para que não envelheçam pela longa interrupção, do ventre da memória ao paladar.
As três visões da alma racional. Diferença entre meditação e contemplação.
Três são as visões da alma racional: o pensamento, a meditação e a contemplação.
O pensamento ocorre quando a mente é tocada transitoriamente pela noção das coisas, quando a própria coisa se apresenta subitamente à alma pela sua imagem, seja entrando pelo sentido, seja surgindo da memória.
A meditação é um assíduo e sagaz reconduzir do pensamento em que nos esforçamos por explicar algo obscuro ou procuramos penetrar no que é oculto.
A contemplação é uma visão livre e perspicaz da alma de coisas amplamente esparsas.
Entre a meditação e a contemplação o que parece ser relevante é que a meditação é sempre das coisas ocultas à nossa inteligência; a contemplação, porém é de coisas que segundo a sua natureza ou segundo a nossa capacidade são manifestas; e que a meditação sempre se ocupa em buscar alguma coisa única, enquanto que a contemplação se estende à compreensão de muitas ou também de todas as coisas.
A meditação é, portanto, um certo vagar curioso da mente, um investigar sagaz do obscuro, um desatar do que é intrincado. A contemplação é aquela vivacidade da inteligência que, possuindo todas as coisas, as abarca em uma visão plenamente manifesta, e isto de tal maneira que aquilo que a meditação busca, a contemplação possui.
Dois gêneros de contemplação.
Há, porém, dois gêneros de contemplação. Um deles, que é o primeiro e que pertence aos principiantes, consiste na consideração das criaturas. O outro, que é o último e que pertence aos perfeitos, consiste na contemplação do Criador.
No livro dos Provérbios, Salomão principiou como que meditando; no Eclesiastes elevou-se ao primeiro grau da contemplação; finalmente, no Cântico dos Cânticos transportou-se ao supremo.
Para que, portanto, possamos distinguir estas três coisas pelos seus próprios nomes, diremos que a primeira é meditação; a segunda, especulação; a terceira, contemplação.
Na meditação a perturbação das paixões carnais, surgindo importunamente, obscurece a mente inflamada por uma piedosa devoção; na especulação a novidade da insólita visão a levanta à admiração; na contemplação o gosto de uma extraordinária doçura a transforma toda em alegria e contentamento.
Portanto, na meditação temos solicitude; na especulação, admiração; na contemplação, doçura.
Três partes da exposição.
A exposição contém três partes: a letra, o sentido e a sentença. A letra é a correta ordenação das palavras, a qual também chamamos de construção. O sentido é um delineamento simples e adequado que a letra tem diante de si como um primeiro semblante. A sentença é uma mais profunda inteligência, a qual não pode ser encontrada senão pela exposição ou interpretação. Para que uma exposição se torne perfeita requerem-se, nesta ordem, primeiro a letra, depois o sentido e posteriormente a sentença.
Os três gêneros de vaidades.
Três são os gêneros de vaidades. O primeiro é a vaidade da mutabilidade, que está em todas as coisas caducas por sua condição. O segundo é a vaidade da curiosidade ou da cobiça, que está na mente dos homens pelo amor desordenado das coisas transitórias e vãs. O terceiro é a vaidade da mortalidade, que está nos corpos humanos pela penalidade.
As obrigações da eloquência.
Disse Agostinho, famoso por sua eloqüência, e o disse com verdade, que o homem eloqüente deve aprender a falar de tal modo que ensine, que deleite e que submeta. A isto acrescentou que o ensinar pertence à necessidade, o deleitar à suavidade e o submeter à vitória.
Destas três coisas, a que foi colocada em primeiro lugar, isto é, a necessidade de ensinar, é constituída pelas coisas que dizemos, as outras duas pelo modo como as dizemos.
Quem, portanto, se esforça no falar em persuadir o que é bom, não despreze nenhuma destas coisas: ensine, deleite e submeta, orando e agindo para que seja ouvido inteligentemente, de boa vontade e obedientemente. Se assim o fizer, ainda que o assentimento do ouvinte não o siga, se o fizer apropriada e convenientemente, não sem mérito poderá ser dito eloqüente.
O mesmo Agostinho parece ter querido que ao ensino, ao deleite e à submissão também pertençam outras três coisas, ao dizer, de modo semelhante:
“Será eloqüente aquele que puder dizer o pequeno com humildade, o moderado com moderação, o grande com elevação”.
Quem deseja conhecer e ensinar aprenda, portanto, quanto há para se ensinar e adquira a faculdade de dizê-las como convém a um homem de Igreja. Quem, na verdade, querendo ensinar, às vezes não é entendido, não julgue ainda ter dito o que deseja àquele a quem quer ensinar, porque, mesmo que tenha dito o que ele próprio entendeu, ainda não foi considerado como tendo-o dito àquele por quem não foi entendido. Se, porém, foi entendido, de qualquer modo que o tenha dito, o disse.
Deve, portanto, o doutor das divinas Escrituras ser defensor da reta fé, debelador do erro, e ensinar o bem; e neste trabalho de pregação conciliar os adversos, levantar os indolentes, declarar aos ignorantes o que devem agir e o que devem esperar. Onde tiver encontrado, ou ele próprio os tiver feito, homens benévolos, atentos e dóceis, há de completar o restante conforme a causa o exija. Se os que ouvem devem ser ensinados, seja-o feito por meio de narração; se, todavia, necessitar que aquilo de que trata seja claramente conhecido, para que as coisas que são duvidosas se tornem certas, raciocine através dos documentos utilizados.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

SUDÃO E SUDÃO DO SUL DEVEM EVITAR A GUERRA


ZP12042510 - 25-04-2012
Permalink: http://www.zenit.org/article-30170?l=portuguese



É a advertência da Caritas Internacional

ROMA, quarta-feira, 25 de abril de 2012 (ZENIT.org)- A Caritas Internacional teme uma guerra iminente entre o Sudão e o Sudão do Sul, com trágicas consequências humanitárias para ambos, a menos que eles interrompam a ação militar que está em curso.
O Sudão do Sul se separou do Sudão em julho passado, após referendo a favor da independência. Foi a culminação do Acordo de Paz Global de 2005, que acabou com duas décadas de guerra. Até agora, porém, as áreas de contenção que incluem a demarcação da fronteira, o status das áreas disputadas em Abyei, Kordofan Sul e Nilo Azul e os direitos sobre o petróleo não foram resolvidos. A confederação da Caritas, com mais de 160 agências de ajuda católicas, teme que os recentes enfrentamentos levem os dos países ao extremo.
Há preocupação também com o uso de uma retórica extremista pelos oficiais, que está incitando um clima de medo. Os ataques no Sudão contra os cristãos, como o saque da Igreja Presbiteriana Evangélica em Cartum no sábado passado, são profundamente preocupantes. Cerca de 500.000 sudaneses do sul vivem no Sudão. As relações entre os predominantes sudaneses muçulmanos e os cristãos sudaneses do sul continuam boas.
O secretário geral da Caritas Internacional, Michel Roy, afirma: "A Caritas apela ao Sudão e ao Sudão do Sul para interromperem as ações militares na fronteira. Não é tarde para os dois governos evitarem a guerra. A paz só pode ser conseguida na mesa de negociação e com a completa implementação do Acordo de Paz Global".
"A comunidade internacional fracassou na tarefa de evitar o risco iminente de guerra e precisa honrar seus compromissos para garantir que todos os temas pendentes sejam resolvidos pacificamente".
"Dois milhões de pessoas morreram na guerra passada. Todos serão perdedores em outro conflito. Os povos do Sudão e do Sudão do Sul desejam a paz. Seus governos e a comunidade internacional conseguiram grandes coisas ao acabar com a guerra, e não podem permitir que as conquistas se percam".
"Ambas partes devem exercer a moderação. Têm o dever, para com seu povo, de garantir a sua segurança. Isto inclui refrear a linguagem acalorada que incita à violência contra as minorias. A Caritas Internacional permanece em solidariedade com o povo do Sudão e do Sudão do Sul e está comprometida no apoio aos esforços da Igreja para proporcionar assistência humanitária e fomentar a paz entre as duas nações".
A Caritas Internacional procura mais informações depois que seu escritório Sudan Aid fechou as portas em Nyala, Darfur, obrigado pelas forças de segurança. O Sudan Aid faz parte dos esforços de ajuda a 500.000 pessoas em Darfur, onde distribui comida, água limpa, cuidados de saúde e outras formas de ajuda humanitária.
As organizações da Caritas têm operações no Sudão e no Sudão do Sul, incluindo planos de pré-emergência para enfrentar uma volta aos combates, o que provocaria uma grande onda de refugiados.

sábado, 21 de abril de 2012

OS MAIORES GÊNIOS DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE ACREDITAVAM EM DEUS.







Matéria publicada no Jornal Americano "The State", Carolina do Sul e "The Daily Ardmoreite", Oklahoma, USA



http://www.thestate.com


http://www.ardmoreite.com/stories/040497/news/news12.html 






 




Um estudo indica que muitos cientistas acreditam em Deus conforme o conceito mais comum e usual.


Repetindo com exatidão uma famosa pesquisa realizada em 1916, Edward Larson, da Universidade da Geórgia, constatou que a profundidade da fé religiosa entre os cientistas não diminuiu apesar dos avanços científicos e tecnológicos deste século.


Tanto em 1916 como agora, em torno de 40% dos biólogos, físicos e matemáticos que participaram da pesquisa disseram que acreditavam em um Deus que, segundo a estrita definição do questionário, se comunica com a humanidade e a quem se pode orar "na expectativa de receber uma resposta".


Cerca de 15% em ambas as pesquisas alegaram ser agnósticos ou de não ter "uma convicção definida" sobre a questão.


Em torno de 42% em 1916 e aproximadamente 45% agora disseram que não criam em um Deus como o especificado no questionário, apesar de que não se verificou se eles criam em alguma outra definição de divindade ou ser superior.


Mais revelador do que os próprios números, segundo disseram os especialistas, é a sua estabilidade. O fato das convicções pessoais dos cientistas terem permanecido inalteradas durante quase um século caracterizado por mudanças sugere que a religiosidade ortodoxa não está desaparecendo em maior grau entre os que são considerados a elite intelectual e a população em geral. Os resultados também indicam que, enquanto a religião e a ciência são freqüentemente apontadas como irreconciliavelmente antagônicas, cada uma disputando para si o trono da verdade, muitos cientistas não vêem contradição entre a busca para entender as leis da natureza e a fé em uma divindidade superior. ( The State, South carolina`s Home Page, 4/4/97)






Albert Einstein
MarcadorAlbert Einstein - Nasceu em Ulm, Alemanha, em 1879. Foi um físico alemão radicado nos Estados Unidos mais conhecido por desenvolver a teoria da relatividade. Ganhou o Prémio Nobel da Física de 1921 pela correta explicação do efeito fotoeléctrico; no entanto, o prémio só foi anunciado em 1922. O seu trabalho teórico possibilitou o desenvolvimento da energia atômica, apesar de não prever tal possibilidade :



"A opinião comum de que sou ateu repousa sobre grave erro.


Quem a pretende deduzir de minhas teorias científicas não as entendeu. Creio em um Deus pessoal e posso dizer que, nunca, em minha vida, cedi a uma ideologia atéia.


Não há oposição entre a ciência e a religião. Apenas há cientistas atrasados, que professam idéias que datam de 1880. Aos dezoito anos, eu já considerava as teorias sobre o evolucionismo mecanicista e casualista como irremediavelmente antiquadas.


No interior do átomo não reinam a harmonia e a regularidade que estes cientistas costumam pressupor. Nele se depreendem apenas leis prováveis, formuladas na base de estatísticas reformáveis.


Ora, essa indeterminação, no plano da matéria, abre lugar à intervenção de uma causa, que produza o equilíbrio e a harmonia dessas reações dessemelhantes e contraditórias da matéria.


Há, porém, várias maneiras de se representar Deus. Alguns o representam como o Deus mecânico, que intervém no mundo para modificar as leis da natureza e o curso dos acontecimentos. Querem pô-lo a seu serviço, por meio de fórmulas mágicas.

É o Deus de certos primitivos, antigos ou modernos. Outros o representam como o Deus jurídico, legislador e agente policial da moralidade, que impõe o medo e estabelece distâncias.


Outros, enfim, como o Deus interior, que dirige por dentro todas as coisas e que se revela aos homens no mais íntimo da consciência.


A mais bela e profunda emoção que se pode experimentar é a sensação do misterioso. Este é o semeador da verdadeira ciência. Aquele a quem seja estranha tal sensação, aquele que não mais possa devanear e ser empolgado pelo encantamento, não passa, em verdade, de um morto.


Saber que realmente existe aquilo que é impenetrável a nós, e que se manifesta como a mais alta das sabedorias e a mais radiosa das belezas, que as nossas faculdades embotadas só podem entender em suas formas mais primitivas, esse conhecimento, esse sentimento está no centro mesmo da verdadeira religiosidade.


A experiência cósmica religiosa é a mais forte e a mais nobre fonte de pesquisa científica.


Minha religião consiste em humilde admiração do espírito superior e ilimitado que se revela nos menores detalhes que podemos perceber em nossos espíritos frágeis e incertos.


A religião do futuro será cósmica e transcenderá um Deus pessoal, evitando os dogmas e a teologia.


Essa convicção, profundamente emocional na presença de um poder racionalmente superior, que se revela no incompreensível universo, é a idéia que faço de Deus".








Isaac Newton
MarcadorAlessandro Volta - Nasceu em Como, Itália, 1745. Volta mostrou que a origem da corrente eléctrica, descoberta por Luigi Galvani, não estava nos seres vivos mas sim no contacto entre dois metais diferentes num meio ionizado. Construiu as primeiras pilhas químicas no final do século XVIII, cujo nome deu origem ao termo "voltagem", marcando o início do estudo da electricidade e dos circuitos eléctricos. Estes estudos foram as bases do rápido desenvolvimento da teoria electromagnética nas décadas seguintes. Volta também descobriu e isolou o gás metano e inventou o electróforo, aparelho que permite produzir cargas electrostáticas por atrito. Foi director da Faculdade de Filosofia da Universidade de Pádua :



"Submeti a um estudo profundo as verdades fundamentais da fé, e […] desse modo encontrei eloqüentes testemunhos que tornam a religião acreditável a quem use apenas a sua razão".










Andre Marie Ampere
MarcadorAndré Marie Ampere - Nasceu em Lyon, França, em 1775. Foi professor de física, química e matemática em Lyon e em Bourg. Para além de ser um extraordinário professor, Ampère desenvolveu trabalhos muito importantes nos campos da física, química e da matemática. Entre 1807 e 1816, estabeleceu a diferença entre átomos e moléculas, enunciou o chamado “princípio de Avogadro”, descobriu um ácido ao qual deu o nome de Fluorine, publicou uma tese sobre a refracção da luz e concebeu uma classificação de elementos, precursora da tabela periódica de elementos. Descobridor da lei fundamental da eletrodinâmica, cujo nome deu origem ao termo “amperagem” :



"A mais persuasiva demonstração da existência de Deus depreende-se da evidente harmonia daqueles meios que asseguram a ordem do universo e pelos quais os seres vivos encontram no seu organismo tudo aquilo de que precisam para a sua subsistência, a sua reprodução e o desenvolvimento das suas virtualidades físicas e espirituais".










Carl Friedrich Gauss
MarcadorCarl Friedrich Gauss - Nasceu em Braunschweig, Alemanha, em 1777. Famoso matemático, astrônomo e físico alemão. Era conhecido como o príncipe dos matemáticos. Muitos consideram Gauss o maior gênio da história da Matemática. Seu QI foi estimado em cerca de 240. Em Física, deu grandes contribuições ao campo do magnetismo, área em que trabalhou fazendo parceria com Weber. Hoje, a unidade de campo magnético pode ser o gauss ou o weber/m2 :



"Quando tocar a nossa última hora, teremos a indizível alegria de ver Aquele que em nosso trabalho apenas pudemos pressentir".









Ernst Werner von Siemens
MarcadorErnst Werner Von Siemens - Nasceu em Lenthe, perto de Hannover, Alemanha, em 1816. Foi um inventor e industrial alemão. Siemens inventou um telégrafo que usava uma agulha para apontar para a letra correcta, em vez de usar o código Morse. Baseado na sua invenção, fundou a companhia Siemens AG em 12 de Outubro de 1847. Inventou ainda um comboio eléctrico em 1879, a borracha, como isolador térmico, o fotómetro de selénio e o dínamo eléctrico de corrente alterna, entre outras invenções. Foi ainda o construtor das primeiras linhas subterrâneas de telégrafo na Europa :



"Quanto mais fundo penetramos na harmoniosa dinâmica da natureza, tanto mais nos sentimos inspirados a uma atitude de modéstia e humildade […] e tanto mais se eleva a nossa admiração pela infinita Sabedoria, que penetra todas as criaturas".










Guglielmo Marconi
MarcadorGuglielmo Marconi - Nasceu em Bolonha, Itália, em 1874. Foi um físico inventor do rádio, primeiro sistema práctico de telegrafia sem fios, em 1896. A teoria de que as ondas electromagnéticas poderiam propagar-se no espaço, formulada por James Clerk Maxwell, e comprovada pelas experiências de Heinrich Hertz, em 1888, foi utilizada por Marconi entre 1894 e 1895. Ele tinha apenas vinte anos quando transformou o celeiro da casa onde morava em laboratório e estudou os princípios elementares de uma transmissão radiotelegráfica. Inventor do telégrafo sem fio, prêmio Nobel em 1909 :



"Declaro com ufania que sou homem de fé. Creio no poder da oração. Creio nisto não só como fiel cristão, mas também como Cientista".












Isaac Newton
MarcadorIsaac Newton - Nasceu em Woolsthorpe, Inglaterra, em 1642. Fundador da física clássica e descobridor da lei da gravidade. Cientista inglês, mais reconhecido como físico e matemático, embora tenha sido também astrônomo, alquimista e filósofo natural. É autor da obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, publicada em 1687, em que descreve a lei da gravitação universal e as Leis de Newton — as três leis dos corpos em movimento que assentaram-se como fundamento da mecânica clássica :



"A maravilhosa disposição e harmonia do universo só pode ter tido origem segundo o plano de um Ser que tudo sabe e tudo pode. Isso fica sendo a minha última e mais elevada descoberta".












James Prescott Joule.jpg
MarcadorJames Prescott Joule - Nasceu em Salford, perto de Manchester, Inglaterra, em 1818. Joule, foi um físico e estudou a natureza do calor, e descobriu relações com o trabalho mecânico. Isso direcionou para a teoria da conservação da energia (a Primeira Lei da Termodinâmica). A nomenclatura joule, para unidades de trabalho no SI só veio após sua morte, em homenagem. Joule trabalhou com Lorde Kelvin, para desenvolver a escala absoluta de temperatura, também encontrou relações entre o fluxo de corrente através de uma resistência elétrica e o calor dissipado, agora chamada Lei de Joule :



"Nós topamos com uma grande variedade de fenômenos que […] em linguagem inequívoca falam da sabedoria e da bendita mão do Grande Mestre das obras".












John Ambrose Fleming
MarcadorJohn Ambrose Fleming - Nasceu em Lancaster, Inglaterra, em 1849. Foi um engenheiro eletrônico e físico britânico. Fleming foi aluno James Clerk Maxwell (1831-1879) nas cadeiras de matemática e eletricidade. Foi consultor científico de Marconi de 1899-1905, onde desenvolveu técnicas de radiotelegrafia, osciladores de centelhamento, geradores de ruído branco, e desenvolvimento de circuitos sintonizados. Descobridor da válvula e do diodo :



"A grande quantidade de descobertas modernas destruiu por completo o antigo materialismo. O universo apresenta-se hoje ao nosso olhar como um pensamento. Ora, o pensamento supõe a existência de um Pensador".












Thomas Edison
MarcadorThomas Alva Edison - Nasceu em West Orange, Estados Unidos, em 1847. Foi um inventor e empresário. Entre as suas contribuições mais universais para o desenvolvimento tecnlógico e científico encontra-se a lâmpada eléctrica incandescente, o gramofone, o cinescópio ou cinetoscópio, o ditafone e o microfone de grânulos de carvão para o telefone, Edison é um dos precursores da tecnologia do século XX. Tem um papel determinante na indústria do cinema. Muitos o consideram o maior inventor de todos os tempos. O seu QI seria estimado em cerca de 240, boa marca para o ego americano. A ele são atribuídas mais de 1300 patentes das quais várias centenas são de facto de sua própria autoria :



"Tenho […] enorme respeito e a mais elevada admiração por todos os engenheiros, especialmente pelo maior deles : Deus".












Von Braun.jpg
MarcadorWernher Magnus Maximilian Von Braun - Nasceu em Wyrzysk, Prússia, região que fazia parte da antiga Alemanha, em 1912. Foi um cientista alemão e uma das figuras principais no desenvolvimento de foguetes na Alemanha e nos Estados Unidos. Nos EUA, é respeitado como um dos heróis do programa espacial. Entrou na NASA em 1960, tornando-se diretor do Centro Espacial de vôo Marshall de 1960 à 1970, onde dirige os programas de vôos habitados Mercury, Gemini e Apollo. Ele é o pai do foguete Saturno V que levou os astronautas estadunidenses à Lua :



"Não se pode de maneira nenhuma justificar a opinião, de vez em quando formulada, de que na época das viagens espaciais temos conhecimentos da natureza tais que já não precisamos de crer em Deus. Somente uma renovada fé em Deus pode provocar a mudança que salve da catástrofe o nosso mundo. Ciência e religião são, pois, irmãs, e não pólos antiéticos […] Quanto mais compreendemos a complexidade da estrutura atômica, a natureza da vida ou o caminho das galáxias, tanto mais encontramos razões novas para nos assombrarmos diante dos esplendores da criação divina".










Wiliam Thompson Kelvin
MarcadorWilliam Thomson Kelvin - Nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, em 1824. Foi um físico-matemático e engenheiro britânico, considerado um líder nas ciências físicas do século XIX. Ele fez importantes contribuições na análise matemática da eletricidade e termodinâmica, e fez muito para unificar as disciplinas emergentes da física em sua forma moderna. Ele é amplamente conhecido por desenvolver a escala Kelvin de temperatura absoluta. O título de Barão Kelvin foi dado em homenagem às suas realizações :



"Estamos cercados de assombrosos testemunhos de inteligência e benévolo planejamento; eles nos mostram através de toda a natureza a obra de uma vontade livre e ensinam-nos que todos os seres vivos são dependentes de um eterno Criador e Senhor".



quinta-feira, 19 de abril de 2012

Viva Paulo Freire!



Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 19 de abril de 2012

Vocês conhecem alguém que tenha sido alfabetizado pelo método Paulo Freire? Alguma dessas raras criaturas, se é que existem, chegou a demonstrar competência em qualquer área de atividade técnica, científica, artística ou humanística? Nem precisam responder. Todo mundo já sabe que, pelo critério de “pelos frutos os conhecereis”, o célebre Paulo Freire é um ilustre desconhecido.
As técnicas que ele inventou foram aplicadas no Brasil, no Chile, na Guiné-Bissau, em Porto Rico e outros lugares. Não produziram nenhumaredução das taxas de analfabetismo em parte alguma.
Produziram, no entanto, um florescimento espetacular de louvores em todos os partidos e movimentos comunistas do mundo. O homem foi celebrado como gênio, santo e profeta.
Isso foi no começo. A passagem das décadas trouxe, a despeito de todos os amortecedores publicitários, corporativos e partidários, o choque de realidade. Eis algumas das conclusões a que chegaram, por experiência, os colaboradores e admiradores do sr. Freire:
“Não há originalidade no que ele diz, é a mesma conversa de sempre. Sua alternativa à perspectiva global é retórica bolorenta. Ele é um teórico político e ideológico, não um educador.” (John Egerton, “Searching for Freire”, Saturday Review of Education, Abril de 1973.)
“Ele deixa questões básicas sem resposta. Não poderia a ‘conscientização’ ser um outro modo de anestesiar e manipular as massas? Que novos controles sociais, fora os simples verbalismos, serão usados para implementar sua política social? Como Freire concilia a sua ideologia humanista e libertadora com a conclusão lógica da sua pedagogia, a violência da mudança revolucionária?” (David M. Fetterman, “Review of The Politics of Education”, American Anthropologist, Março 1986.)

terça-feira, 17 de abril de 2012

O DISCURSO DO ÓDIO E O GENOCÍDIO ARMÊNIO.



Meu bom e velho amigo Luís Carlos Bresser escreveu na Folha de
São Paulo artigo em que tece considerações sobre a  decisão da
França de proibir a negação de existência de um genocídio dos
armênios pelos turcos, algo que, no passado, a França fizera
também com o Holocausto, visto que o reconhecimento do
genocídio judeu foi seguido de legislação proibitiva de revisão
histórica e de punição para os que não o reconhecessem.
Alguns anos atrás, examinando a tese de doutoramento de
Samantha Pflug Meyer (Discurso do Ódio, PUC-SP), em que
analisava a conformação de legislações inibidoras de pesquisas
históricas e manifestações públicas, tendo eu arguido a candidata
sobre se o reconhecimento de um fato deveria ser elemento
suficiente para que houvesse vedação a pesquisas sobre o mesmo,
pois que o fato histórico permite sempre novos estudos, que quase
sempre terminam fortalecendo seu reconhecimento. A pesquisa não
pode ser inibida nunca. A examinanda concordou com  a
observação e na edição de seu livro fez questão de  realçar este
aspecto.
Tenho para mim que, na primeira metade do século passado, os
dois mais clamorosos casos de genocídio político foram o dos
armênios pelos turcos e dos judeus por Hitler.  Não há como negá-
los. Ficarão como uma mácula na história da humanidade.
O que me parece, sem a necessidade que o caro amigo Bresser teve
de atacar a França, que, como todas as nações teve  e tem seus

O mundo e a luta por valores



                          (Jornal do Brasil – País – Sociedade Aberta  - 02/03/2012)
Não é a primeira vez, nestes 20 séculos, que a Igreja Católica parece perder relevância,
fiéis e atualidade na mensagem. Isso aconteceu na queda do Império Romano do
Ocidente (476 DC) e do Oriente (1453 DC), na invasão da Europa pelos mouros (711 DC),
na invasão dos povos bárbaros, na crise da Renascença, com o aparecimento dos diversos
ramos do protestantismo (Lutero, Calvino, Zwinglio), no Iluminismo, nas Revoluções
Francesa, Mexicana ou Espanhola, na perda dos Estados Pontifícios e mesmo durante a
Segunda Grande Guerra.
Voltaire tinha certeza de que acabaria com a religião católica, e Nietzsche proclamava
que Deus morrera. Tem, porém, sempre ressurgido com força maior e com santos
renovadores, como São Francisco de Assis, São Bernardo, Santo Inácio de Loyola, São
José Maria Escrivá, mostrando a permanência de uma mensagem que não necessita de
marketing, pois penetra no íntimo dos homens de boa vontade, dispostos a viver valores
familiares, profissionais e sociais.
Mesmo a grande crítica que se fez à Idade Média não se sustenta, se tivermos presente
que, graças à Igreja Católica, criou-se o maior instrumento de cultura da civilização
ocidental, que é a Universidade. Quase todas as ciências evoluíram a partir de cientistas
sacerdotes, desde a astronomia à física, matemática ou genética.
O próprio processo de Inquisição – a história demonstra que o número de condenados em
séculos de Inquisição foi muito menor do que os mortos em qualquer batalha sem
expressão daquela época – permitiu a evolução do direito processual moderno, com a
eliminação das ordálias, substituídas pelo contraditório.
O certo é que a Igreja Católica tem conhecido um renascer fantástico, como as últimas
jornadas da juventude em Madri demonstraram.
Por outro lado, as figuras dos dois últimos papas (João Paulo II e Bento XVI), quando se
pensava que a Igreja Católica estaria desaparecendo, levaram e levam multidões, que
acolhem com entusiasmo a figura de Sua Santidade por onde passa.
É bem verdade que vivemos período de múltiplos choques, que procurei retratar no meu
livro A era das contradições. Hoje, o egoísmo e a autorrealização, alimentados por uma
expansão da desfiguração familiar, do avanço das drogas, da corrupção e da falta de
fidelidade, tanto na família como nos negócios, fizeram com que muitos se afastassem
da religião católica, que não transige no que há de permanente em seus valores.
O homem tem, todavia, uma necessidade fantástica de Deus e, quando não busca o
verdadeiro, elege outros deuses, como ocorreu com o nacional-socialismo ou os deuses
do cotidiano (dinheiro, sexo, poder, drogas etc.).
Tal choque entre o mundo das virtudes e o mundo do  egocentrismo é algo que
permanecerá até o fim dos séculos. Mas, como as estações se renovam, renova-se, de
igual forma, a mensagem de Cristo, que se torna sempre nova, apesar de seus 2.000
anos. Esta é a razão pela qual, nada obstante as críticas e ataques que recebe de todos
os lados, a nave da Igreja singra buscando os homens, não como uma empresa busca
clientes, mas, desinteressadamente, para que encontrem um sentido de vida que lhes dê
a verdadeira dimensão da existência.

Análise do Discurso Fundante de Varnhagen, no Brasil Império




Antes de adentrarmos a análise do discurso fundante de Varnhagen propriamente dito, é necessário deixar bem claro aqui neste artigo, que a minha análise partirá do olhar feito por "José Carlos Reis", em "As Identidades do Brasil de Varnhagen a FHC". Não tomo a obra de Reis como referencial determinante, nem tão pouco como uma cópia a ser seguida em minha análise sobre o discurso fundante, mas como uma proposta historiográfica que foi discutida em sala deaula, e que aguça a sensibilidade do leitorsobre o contexto da escrita de Varnhagen e a sua configuração de um projeto de nacionalidade e identidade para o Brasil no século XIX.
E é justamente esta inquietação que parte da minha leitura, que me leva a analisar a originalidade do discurso fundante, os interesses e críticas que o mesmo sofre no decorrer do século XIX e XX, e que ainda hoje é objeto de pesquisa para historiadores(as). Dentro desta perspectiva, José Carlos Reis diz o seguinte:
"Francisco Adolfo de Varnhagen(1816 – 78) é considerado o Heródoto brasileiro, portanto o fundador da história do Brasil, mesmo se antes dele entre outros, Pero de Magalhães Gândavo, Frei Vicente do Salvador, Sebastião da Rocha Pita, Robert Southy escreveram, respectivamente,(...) Southey disputa comVarnhagen, sem nunca ter estado no Brasil, aquele título historiográfico. Ele pintou em sua História do Brasil um quadro sombrio quanto às possibilidades futuras da colonização comercial portuguesa no Brasil: degredação dos costumes, da religião e da moral, causada pela escravidão e pela falta de agricultura – miséria, fome, turbulências, crimes, doenças... ."( REIS, 2000, P. 23)
Esta citação retirada da parte 1, O "Descobrimento do Brasil", é altamente pertinente para a análise, pois "José Carlos Reis" cita Varnhagen como Heródoto do Brasil, mesmo reconhecendo que antes dele existiam escritores respectivos. Mas o que a torna digno de ser chamado de Heródoto Brasileiro? Ora, se "Southey" mesmo sem nunca ter estado no Brasil, vê a colonização do Brasil como uma degeneração dos costumes, da religião e da moral, portuguesa. Varnhagen faz o caminho oposto em suas análises, ele percebe o Brasil como uma obra divina e ilumina por Portugal, contendo um grande futuro pela frente, onde a elite nacional branca católica, encabeçada pela casa de Bragança, garantirá os conceitos de "progresso", "civilização" e "evolução" do Brasil, conceitos altamente influentes no imaginário do século XIX, o século dos nacionalismos europeus.
Varnhagen lança mão nesta perspectiva do início do século XIX, á concepção e idéia de "identidade nacional brasileira", daí a origem do discurso fundante. A obra, "História Geral do Brasil(1854 – 57)", é a sua principal síntese de descrição em relação ao Brasil, e o seu projeto nacional.Descreverei mais detalhadamente a obra, "História Geral do Brasil", na parte final do artigo, pois agora me prenderei a um ponto que acho central, o lugar social e as influências teóricas do contexto de Varnhagen que nos ajudaram a entender melhor o seu pensamento. Pois como nos chama a atenção Michel de Certeau, toda "representação" do passado, seja ela qual for, não parte de um "não lugar social e temporal" , muito pelo contrário, toda representação parte de um "lugar social e temporal" carregado de interesses, e influências. Na sua "Escrita da História", Certeau aponta que:
"De toda maneira, a pesquisa está circunscrita pelo lugar que define uma conexão do possível e do impossível. Encarando-a apenas como um "dizer", acabar-se-ia por reintroduzir na história a lenda, quer dizer, a substituição de um não-lugar ou de um lugar imaginário pela articulação do discurso com um lugar social, Pelo contrário, a história se define inteira por uma relação da linguagem com o corpo (social) e, portanto, também pela sua relação com os limites que o corpo impõe, seja à maneira do lugar particular de onde se fala, seja à maneira do objeto outro (passado, morto) do qual se fala." ( CERTEAU, 1982, p. 68 – 69)
A partir da pergunta que nos historiadores(as) formulamos sobre o passado, com as influências, interesses e discursos do nosso contexto, é que nos atrevemos a fabricar "história", sempre na minha concepção entendida como representação do real.É por isto que insisto no aprofundamento analítico do contexto social de Varnhagen, para que não caiamos na ingenuidade de cometermos "anacronismos" que distorcem a análise historiográfica comprometida em perceber as especificidades temporais e sociais que configuram qualquer contexto. Esses destaques de José Carlos Reis reforçam o pensamento de que:
"... A influência alemã sobre o seu pensamento deve ser forte também em virtude de sua origem paterna. Ele estará bem adaptado á produção de sua época. Não só estava atualizado com o que se fazia na Europa, como foi um dos pioneiros da pesquisa arquivística e do método crítico que o século XIX redescobriu e aprimorou. Tanto quanto Ranke, Varnhagen é um historiador típico do século XIX. (Canabrava, 1971 Odália 1979)"(REIS, 2000, p. 24)
Fiz questão de expor esta citação acima para ratificar o peso do lugar social na produção de Varnhagen, e sobre a sua concepção histórica em relação ao Brasil do século XIX. Filho de um oficial engenheiro metalúrgico alemão e uma portuguesa, Varnhagen tem em sua formação na Europa, contato com o "método crítico e erudito" de "Leopold Von Ranke", que tem como objetivo formular a "realidade histórica e científica", separada da filosofia da história de Hegel, queespecula através da metafísica o saber histórico."AAlemanha produziu a filosofia da historia e seu antídoto: Hegel e Ranke são, respectivamente, os maiores representantes da filosofia da história e da história científica"(REIS, 1999. P. 15). Tal método erudito rankiano que visa dar sustentabilidade a história como ciência, ainda hoje, como cita o próprio José Carlos Reis é confundido com o "positivismo" que cresce na França, após a guerra (Franco – Prussiana) em 1870, e principalmente a partir de 1876, com a fundação da "Révue Historique", que influencia pesquisadores franceses como Monad, Lavisse e Seignobos por exemplo.
Tais positivistas carregam explicitamente o espírito iluminista em direção a moral, igualdade e fraternidade universal em suas concepções. Tal confusão, ainda segundo Reis, em relação a método "erudito" e "positivismo", se deve por conta das grandes críticas feitas pelos "annales" com "Febre" e "Bloc", historiadores com grandes espírito patriota francês, que chamam de positivista os historiadores vencidos de 1870, que passam a ser associados, inclusive ainda hoje, ao método crítico e científico proposto por Ranke. "Porém, herdeiros desse tema, os pensadoresda Alemanha romântica, antes de o retransmitir a nossos historiadores seus discípulos, o ornamentaram, por sua vez, com os prestígios de muitas seduções ideológicas novas."( BLOCH, 2001, p. 57)
Delimitar o método erudito rankiano é importante aqui no artigo para podermos entender o porque e como se sustenta o discurso fundante de Varnhagen e quais as suas resonâncias no campo no social e administrativo do Brasil Império. Desde a década de 30 do século XIX, o IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), já lançará mão da concepção de uma história do Brasil a ser feita. Em 1845 o prêmio ganho por "Karl Philipp VonMartins", como sua monografia, "como se deve escrever a história do Brasil", mas o próprio Von Martins não se propôs a dar continuidade aos alicerces lançados por ele como o do, "mito da democracia racial brasileira", que lhe deu o prêmio do concurso lançado pelo IHGB em 1840. Sinteticamente, o que Reis quer dizer é que:
"...Varnhagen tomará para si esta tarefa e se tornara o primeiro grande "inventor do Brasil". As sínteses anteriores sobre o Brasil foram válidas em sua época e continuavam e continuaram ainda válidas. Mas a grande síntese do Brasil do século XIX será a de Varnhagen." (REIS, 2000, P. 28)
Atualizado com a produção teórica de sua época, seja na busca arquivística, organização, catalogação e descrição narrativa dos documentos que visam como vimos nométodo erudito, trazer os eventos ao presente do analista tal como aconteceram, onde o pesquisador não modifica e nem altera o resultado bruto do documento que está pronto para descrever o fato como aconteceu de forma objetiva e científica. "O acto de categorização, quando consegue fazer-se reconhecer ou quando é exercido por uma autoridade reconhecida, exerce poder por si..."(BOURDIEU, 1989, p. 116).
Além desta capacidade de "dizibilidade" e "visibilidade" dos documentos minunciosamente analisados, o caminho encontra-se aberto para Varnhagen como vimos na citação acima. Trata-se de uma grande deficiência de uma produção historiográfica brasileira, que dê visibilidade e dizibilidade, aos vultos, heróis, datas, eventos, reis, rainhas, e uma continuidade do mito da democracia racial deixado precocemente por Von Martius, em fim, um projeto que fortaleça a identidade nacional brasileira como um outro Portugal aqui nos trópicos.
Com o lugar e as influências sociais de Varnhagen contextualizadas, retomarei a discussão em torno da obra, "História Geral do Brasil" dos anos de 1850, pois ela é a síntese do discurso fundante de Varnhagen ao meu ver, e que ainda hoje desperta o interesse, críticas e admirações, como é o caso da posição do historiador " J. H. Rodrigues, citado por Reis " ninguém pode graduar-se em história do Brasil sem ter lido Varnhagen" (REIS, 2000, p. 29). Talassertiva de Rodrigues é pertinente, pois o ofício do(a) historiador(a) é pesquisar em suas fontes disponíveis, o máximo possível de indícios que o leve a fabricar a sua concepção sobre seu objeto de pesquisa.
Chamo atenção para isto, porque não podemos cobrar de Varnhagen uma identificação com a idéia de República por exemplo, já que o seu lugar ideológico é a monarquia por ideologia. Logo o olhar de N. Odália cai terra ao querer analisar História Geral do Brasil, com o olhar de sua época. " Para Odália, o interesse da leitura da sua obra, hoje, é muito restrito. Seria um autor superado não só por suas limitações, mas porque a história do Brasil é outra hoje."(REIS, 2000, p. 29). Perceber historiograficamente a síntese de Varnhagen é procurar entender pelo contrário do arbítrio de Odália, a consciência histórica, teórica e metodológica de sua época, e é esta a minha proposta no artigo.
Em "História Geral do Brasil", de forma explícita, o comando político e administrativo do Brasil deve ser feito pela família real, liderada pelo Imperador D. João VI, uma vez que Varnhagen só admite a Independência do Brasil por conta da sua liderança estar nas mãos do sangue real. O Brasil deve favores a Portugal por conta de sua colonização que lhe trouxe a civilização. O bandeirante é visto como um herói que desbrava os sertões e povoa as áreas mais afastadas do poder central, garantindo a unidade geográfica e espacial do Brasil. O catolicismo como ponta de lança evangelizadora da " gente nômade", é o carro chefe que determina e legitima a colonização, pois Deus é quem envia Portugal para salvar da barbárie tal gente vagabunda, promíscua, imoral, antropofágica, e em muitos casos infiel ao seu salvador, o que legitima o massacre de várias tribos indígenas por suas rebeldias.
Varnhagen também sustenta que os índios deveriam sim trabalhar como mão-de-obra serviu, ao contrário do que pretendiam alguns evangelizadores como os Jesuítas. Desde 1760, o marquês de Pombal, então primeiro ministro D. José I de (1750 – 1777), já tinha suas discórdias para com os jesuítas, os expulsando do Brasil nesta data. A visão de Varnhagen já para os negros era outra. "Para ele, os traficantes negreiros fizeram um grande mal ao Brasil entulhando as suas cidades do litoral e engenhos de negrarias."(REIS, 2000, p. 42).
Para Varnhagen os traficantes negreiros cometeram o grande erro de entulharem as suas cidades com as negrarias trazidas do continente africano. Varnhagen ironicamente reconhece que os escravos não possuíam laços de identidade aqui do ladro do Atlântico, pois suas raízes encontravam-se todas do lado de lá, família, cultos religiosos e etc, mesmo reconhecendo que os negros tiveram sorte de terem tido contato com o cristianismo e a civilização. Na minha concepção após a leitura de Reis, compreendo o olhar de Varnhagen contrário a entrada de negro no Brasil, numa perspectiva de querer o embraquecimento da nação, uma vez que o negro foi a contra-mão da evolução racial para o Brasil, trata-se de percebermos a concepção epistemológica da historiografia de Varnhagen, que pretendem equiparar o Brasil com as nações européias em plena direção de uma suposta evolução. Trata-se de um discurso que quer a verdade histórica é científica.
"Varnhagen quis produzir a "verdade histórica" do Brasil com uma "histórica científica", isto é, documentada conforme o método, afastando o lendário e o maravilhoso e evitando os juízos de valor. Sua história, ele pretende que seja movida pelo amor à verdade e, assim como Ranke, ele quis narrar os eventos tal como se passaram. (REIS, 2000, p. 48)
Para concluir o artigo, como foi dito no seu início, problematizar e especificar a originalidade do discurso fundante de Varnhagen apesar de qualquer crítica que se faça, antes devemos reconhecer a sua configuração é importância historiográfica do século XIX. Confesso que, ao ter contato pela primeira vez com a síntese do discurso fundante de Varnhagen, mesmo sendo feito por um comentador, no caso José Carlos Reis, com "As Identidades do Brasil de Varnhagen a FHC", fiquei inquieto como o seu projeto de identidade nacional para o Brasil, órfão no início do século XIX de uma produção histórica que lhe dê credibilidade e unidade nacional.
À creditei de inócua, preconceituosa, racista, vazio de teoria e inconseqüente. Mas, a partir da minha inquietação por tal escrita, me dispus a analisá-la, e a minha sensibilidade do historiador falou mais alto, e pude perceber realmente que Varnhagen é digno do título, "Heródoto Brasileiro".Capistrano conclui enfaticamente sua avaliação da História geral do Brasil: "mãos a bolos! É preciso reconhecer nele o mestre da história do Brasil"(Abreu, 1975a)" (REIS, 2000, p. 30).
"Capistrano de Abreu" sofre grande influência do contexto e da obra de Varnhagen e é considerado como um dos seus maiores críticos, além de ser também um grande inovador da historiografia do Brasil, na segunda metade do século XIX, onde inaugura a hermenêutica que visa analisar de forma mais profunda o conhecimento das ciências sociais. Mas como não poderia deixar de ser e pela sensibilidade historiográfica que possuía, reconhece o discurso fundante de Varnhagen como ponto de partida para qualquer análise sobre história do Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
  • BLOCH, March Leopold Banjamim. Apologia da história, ou, O ofício de historiador; prefácio, Jacques Lê Goff; apresentação à edição brasileira, Lilia Moritz Schwarcz; tradução, André Telles. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. pp. 51 – 68.
  • BOURDIEU, Pierre. " Capítulo V: A identidade e a representação – Elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia de região". In.: "O poder simbólico". Lisboa, Difel/Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1989. pp. 107 – 132.
  • CERTEAU, Michel de. A Escrita da história; tradução de Maria de Lourdes Menezes ;*revisão técnica [de] Arno Vogel. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. p. 68 – 69.
  • REIS, J. C. Anos 1850: "Varnhagen: o elogio da colonização portuguesa". In: REIS, J. C. "As identidades do Brasil: de Varnhagen à FHC". Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2000.
  • REIS, José Carlos. A história, entre a filosofia e a ciência. 2º ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. pp. 15 – 32.

Autor: Luciano Agra