segunda-feira, 5 de junho de 2017

As aparições de Nossa Senhora em Fátima: contexto histórico.



            Na plenitude dos tempos maus e de um futuro sombrio, no auge da construção da modernidade racionalista, materialista e ateia, da expansão do liberalismo e do modernismo relativistas, consequências das ideologias e das revoluções nos explosivos séculos XVIII e XIX, que provocaram a descristianização da sociedade, Nossa Senhora apareceu aos três pastorinhos de Fátima, no ano de 1917, em Portugal. Trouxe do céu uma mensagem de advertência e de salvação, repropondo os valores do Evangelho como remédios eficazes para a solução dos problemas e para a paz no mundo. E para compreender plenamente a mensagem de Fátima é fundamental o conhecimento dos processos históricos a ela relacionados.
            Naqueles finais do século XIX e primórdios do século XX havia uma contradição pairando sobre a Europa. Era o período da Belle Époque, caracterizado por um clima de euforia e otimismo, determinados pelos progressos da era da segunda revolução industrial, dos avanços científicos e da modernização da estrutura produtiva, transmitindo um sentimento de que todos os males da humanidade, como a miséria, a fome e as doenças seriam resolvidos. Os valores do Cristianismo ainda eram vivenciados nas relações sociais e impregnavam a cultura dos povos. A Igreja Católica tinha um relativo prestígio nas relações diplomáticas com as diversas nações e ainda existiam impérios cristãos, como o austro-húngaro, governado pelos Habsburgos, defensores seculares do patrimônio da fé e da civilização cristã. Por outro lado, desde o Iluminismo e a Revolução Francesa no século XVIII, “reeditada” diversas vezes no século XIX, fundados no desejo de “abalar os tronos e derrubar os altares” (SEGUIER, 1770) crescia uma mentalidade anticlerical, antirreligiosa, liberal, contra os dogmas da Igreja. Esta mentalidade evoluiu para o materialismo e o ateísmo, arquitetados por diversos pensadores. Marx (1818-1883) afirmou que “a religião é o ópio do povo”, droga que aliena o homem, Nietzsche (1844-1900) que “Deus está morto” e Freud (1856-1939) que “Deus é uma ilusão infantil e a religião uma neurose”.
            Como disse Edward Grey, em 1914 “as luzes se apagaram em toda a Europa”. O mundo experenciava os sofrimentos trágicos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as destruições materiais, os massacres nos campos de batalha, a fome, a miséria, a desolação e a destruição das famílias, o que o papa Bento XV (1914-1922) chamou de “suicídio da Europa”, “tragédia inútil”, a “destruição da civilização cristã”, contra os quais esgotou todos os meios naturais, diplomáticos, sem sucesso. Tais desastres foram causados, como sugere a mensagem de Fátima e investigando mais profundamente, pela rejeição de Deus, pelo pecado do orgulho, da ganância e da ambição, traduzidos nas disputas e ódios nacionalistas, imperialistas e econômicos entre as potências europeias, dos quais o assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro, Francisco Ferdinando e da sua esposa Sofia, católicos da dinastia dos Habsburgos, foi apenas a centelha que incendiou o barril de pólvora. Na Rússia, explodiria a Revolução Comunista em outubro de 1917, como fora prenunciado por Nossa Senhora nas aparições de 13 de julho do mesmo ano, vaticinando ódios, perseguições e massacres de milhões de pessoas, além da difusão da ideologia socialista pelo mundo, fundada no materialismo histórico, na luta de classes e no combate à religião.
            Em Portugal a República proclamada em 1910, de inspiração maçônica, dava seus frutos perversos: a Igreja era perseguida de todas as maneiras. As igrejas eram pilhadas, os conventos atacados, os religiosos assediados, padres e bispos exilados e uma legislação anticlerical e antirreligiosa suprimiu mosteiros, conventos e ordens religiosas, aprovou o divórcio, suprimiu o ensino religioso nas escolas, aboliu o juramento religioso, proibiu as celebrações públicas das festas religiosas e o uso da batina pelos sacerdotes. Mas apesar das perseguições a integridade da fé foi mantida pela resistência da Igreja portuguesa, liderada pelo papa São Pio X, que rejeitaram quaisquer compromissos com o governo maçônico e ateu.  O agravamento da situação veio com a entrada de Portugal na guerra, ampliando as crises econômicas, as desordens por toda parte, a anarquia, greves e violências. O país vivia a ameaça de uma guerra civil, situação aproveitada pela impiedade maçônica para espalhar a irreligiosidade entre as massas.
             Nossa Senhora advertiu que a guerra terminaria, mas que se os homens não se convertessem, no reinado de Pio XI, começaria outra pior, e que a Rússia espalharia os seus erros pelo mundo. Foi exatamente o que aconteceu nas décadas seguintes. A primeira guerra foi um divisor de águas, inaugurou de fato o século XX, marcado pelo relativismo moral e cultural, abalando os alicerces da civilização cristã, como afirmou o historiador Paul Johnson (1928). Das ruínas das trincheiras emergiu um mundo novo, assentado em valores propagados pelo American Way of Life (o jeito americano de ser), burgueses, hedonistas, materialistas, consumistas, iniciando a desconstrução dos valores tradicionais, do modo de vida simples, solidário, dos costumes cristãos das famílias, o que culminaria nos movimentos liberalizantes da contracultura da década de 1960. T.S.Eliot (1888-1965) disse que a libertação do culto a Deus cedeu lugar à veneração a tiranos sanguinários como Adolf Hitler, Lenin, Stálin e outros. 

As pilhas de cadáveres ideológicos do século XX, criados pelas duas guerras mundiais, pelos campos de concentração, pelos regimes comunistas e políticas econômicas desastrosas são os frutos do não acolhimento dos pedidos de Fátima (de conversão) pela humanidade hedonista e materialista, da substituição da ordem religiosa ancorada na Revelação Divina e da autoridade de Cristo pelo culto do Estado-Nação, dos césares da modernidade e dos ídolos forjados segundo os gostos e desejos dos homens. 

                                                José Antônio de Faria 

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