sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Considerações críticas sobre a 3ª versão da BNCC (Base Nacional Comum Curricular)


PALESTRA NO ENCONTRO DE DIRETORES E COORDENADORES DAS ESCOLAS DA ADMINISTRAÇÃO APOSTÓLICA (05-08-17)

O objetivo desta palestra é fazer algumas reflexões e considerações críticas sobre a 3ª versão da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), a ser homologada pelo CNE (Conselho Nacional de Educação) neste ano de 2017. É necessário compreender os seus princípios norteadores e o seu papel no futuro da educação brasileira. Instituições por todo o país promovem congressos, seminários e debates sobre a Base e muitos ressaltam os seus pontos positivos e os avanços que ela trará na educação. A centralidade da formação cidadã, pautada no respeito ao outro, na tolerância, na solidariedade, na inclusão e em outros diversos valores sociais são exemplos de aspectos bastante positivos. No entanto, diversos autores têm visto nela uma centralização ilegal da educação pelo Estado, uma concepção materialista do ser humano, reducionista, que desconsidera a espiritualidade como parte essencial da natureza humana, além da permanência da ideologia de gênero perpassando quase todo o texto e do enfoque multiculturalista relativista da educação. Estes elementos provocarão, mais do que mudanças, uma verdadeira revolução educacional e por consequência sociocultural no Brasil.
A 1ª versão da BNCC foi elaborada por 116 especialistas e serviu de base para a elaboração das outras duas versões, referendadas por uma consulta pública (12 milhões de contribuições, sistematizadas por pesquisadores da Universidade de Brasília e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). A BNCC determina diretrizes, conteúdos (60%) e competências (conhecimento mobilizado, operado e aplicado nas situações reais) a serem praticadas no sistema educacional brasileiro. As políticas públicas de educação, as avaliações externas, como a prova do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), os currículos, os projetos educacionais e toda as práticas pedagógicas realizadas nas escolas serão adequadas, moldadas pela Base.
E mesmo que a BNCC justifique um embasamento legal fundado na Constituição de 1988 e na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996), alguns autores chamam a atenção para os seus aspectos centralizadores ilegais. Dizem que a criação de um sistema único de educação contraria a Constituição de 1988 (artigo 205 e 210) e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1966, artigo 15), que consideram além do Estado e da escola, a família como educadora. E a nova versão da Base não é apenas constituída de diretrizes e bases, mas de um detalhamento gigantesco de conteúdos e competências definidos por um sistema único de educação, que de certa forma anula o papel da família e a própria autonomia pedagógica das escolas. Bem de acordo com um certo viés ideológico que defende o protagonismo do Estado na educação e que considera a família como conservadora e a sua formação incompleta, muitas vezes preconceituosa e retrógrada para os padrões culturais da pós-modernidade. É o Estado sequestrando nossas crianças, nossas mentes e corações.
O padre José Eduardo, doutor em Teologia Moral pela Università dela Santa Croce, em Roma, em entrevista à agência de comunicação Zenit (2016), traça um histórico da legislação brasileira mostrando a tendência contrária à criação de um “sistema único” (expressão do professor Jamil Cury, amigo do professor Demerval Saviani, numa conferência do CONAE em 2010), de educação e os seus propósitos revolucionários. Demonstra que a centralização produzirá uma ideologização da educação, cuja meta, travestida de formação para a cidadania, passa a ser a criação de uma nova sociedade, pautada nos princípios do pragmatismo, do materialismo, do desconstrucionismo e do relativismo. 
A BNCC, na introdução, define como objetivo central da educação a formação integral da pessoa, a sua formação para a cidadania e a construção de uma sociedade democrática. E para ela a formação integral, global do homem, deve considerar a perspectiva cognitiva, emotiva, estética, física e sociocultural. Mas, afinal, qual é a concepção de homem considerada pelos seus autores? É uma visão materialista, pois desconsidera o transcendental, a espiritualidade como aspecto fundamental da essência do ser homem. Tanto que o ensino religioso, como oferta obrigatória pelas instituições de ensino e opcional ao aluno foi retirado da Base e todas as competências focam nas dimensões materiais da vida humana, desconsiderando a transcendentalidade da vida.
 A Igreja Católica, perita em humanidade, com experiência de dois mil anos de história no processo de evangelização e de educação, aliás, a grande fomentadora da educação, fundadora de escolas e universidades e organizadora de sistemas de ensino que vigoraram por séculos, concebe o homem como criatura de Deus, composto de corpo e de uma alma espiritual e imortal, possuidor de um destino eterno e de uma natureza decaída pelo pecado. E a partir desta concepção a Igreja tem ideias e propostas claras sobre a educação. Defende o princípio de subsidiariedade, que a família é a primeira educadora e a escola e o Estado são apenas colaboradores complementares desta nobre missão. Entende que a formação global da pessoa não se reduz aos aspectos materiais da vida humana, como a formação para o mercado de trabalho, mas a educação que considera essencialmente três aspectos fundamentais da natureza humana: a racionalidade, a emotividade e a espiritualidade.
Assim, afirma que é preciso dar uma formação cognitiva que satisfaça o motivo para o qual existe a inteligência, o conhecimento da verdade. O educando tem que aprender a pensar, não ser “adestrado” como um mero repetidor de conhecimentos, doutrinado por quaisquer ideologias. E a verdadeira educação deve contemplar também a dimensão espiritual do homem, que é inerente à sua natureza e transcende a vida material. É preciso educar para a Fé, ensinar as crianças a fazerem experiências de Fé, a terem contato com as verdades espirituais iluminadas pelo Espírito Divino, a compreenderem a importância da Religião para a construção de uma sociedade ética, pautada na prática das virtudes, cimento da paz social. Acreditar numa educação laicista, que não reconhece Deus e nem a dimensão espiritual do homem e na construção uma sociedade alicerçada apenas em valores derivados de convenções humanas e do consenso universal é uma utopia. Exatamente como afirmou Ivan Karamazov, do romance Os irmãos Karamazov, do grande Fiódor Dostoiévski (1821-1881), que se Deus não existe, tudo é permitido.
Outro princípio norteador da BNCC é a questão do pluralismo, do multiculturalismo, centrados na aceitação, defesa e valorização da diversidade, aliás, palavra insistentemente repetida (111 vezes) no texto da Base. Assim, as convivências humanas devem ser regidas pelo diálogo e pela valorização das diferenças. Não existe cultura superior, mais avançada, mas apenas a diferença, o outro, que deve ser aceito, reconhecido, acolhido e amado.
Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual deve se comprometer. (BNCC p.19)
É o triunfo do subjetivismo, da “ditadura do relativismo”, como diz Bento XVI. Tudo fica reduzido à problematizações, desnaturalização segundo o conceito de Foucault (1926-1984), ao império da dúvida, da incerteza e sujeito às interpretações, às experiências vivenciadas pelos sujeitos nas diversas culturas, mesmo aquelas detentoras de barbaridades como as mutilações genitais de mulheres na África, as apologias da violência nas letras de Funk e o uso indiscriminado de drogas nas festas Rave, entendidas como formas genuínas de expressividade cultural e algumas delas muitas vezes até elogiadas como a expressão da contracultura, da voz das minorias oprimidas pelo conjunto sistemático da moralidade ocidental burguesa.
É evidente que o diálogo, a aceitação e o amor são valores importantes para a convivência fraterna, porém sem os limites da verdade, do bem e sem os princípios éticos derivados da Lei Natural e dos mandamentos divinos não haverá relações humanas saudáveis e nem paz social.  
Outro elemento polêmico da 3ª versão é a permanência da ideologia de gênero, como demonstra o brilhante estudo de Orley José da Silva (UFG), mestre em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás e Viviane Petinelli, doutora em Ciência Política (UFMG/Harvard) no texto “A 3ª versão da BNCC: análise e constatações (Nota Técnica)”.
Orley e Viviane destacam que por causa das pressões da frente parlamentar católica e evangélica houve vitórias políticas simbólicas contra a ideologia de gênero. Os conceitos de “identidade de gênero” e “orientação sexual” foram retirados do texto da Base. Porém a ideologia de gênero, por meio de estratégias linguísticas, de discursos pretensamente científicos, expressa por palavras carregadas de significados de identidade pessoal, em períodos bem construídos, de forma camuflada e sutil, perpassa de forma diluída todo o texto.
A pedagoga Priscila Pereira Boy, no seu artigo Discussões sobre a Ideologia de Gênero, para o  Educare (Jornal da Pastoral da Educação da Administração Apostólica, ano 1, nº 3) diz:
“A Ideologia de Gênero, ou melhor dizendo, a Ideologia da Ausência de Sexo, é uma crença segundo a qual os seres humanos nascem ‘iguais’, sendo a definição do ‘masculino’ e do ‘feminino’ uma construção social, ou seja, comportamentos aprendidos. Despreza-se a determinação biológica do sexo, para conceber a ideia de que ninguém nasce homem ou mulher, aprende-se a sê-lo na criação que se recebe, nos costumes e papéis que a sociedade diz que você deve desempenhar”.

Segundo Orley e Viviane a ideologia de gênero visa desconstruir a heteronormatividade (normalidade de ser homem e ser mulher), com um discurso de condenação da família patriarcal, sob o pretexto de acabar com o preconceito, a discriminação e a exclusão. E os seus ideólogos defendem a problematização da família tradicional, a desconstrução na cabeça das crianças da família natural, do casamento, do modelo hegemônico de família, e de toda a moral religiosa que constituem o fundamento judaico-cristão da nossa sociedade.

Autores como o Dr. Jorge Scala, no seu livro Ideologia de Gênero: O Neototalitarismo e a Morte da Família (2011), diversos cardeais e bispos, como por exemplo, Dom Orani Tempesta e dom Fernando Rifan, os padres José Eduardo e Paulo Ricardo e tantos outros, em inúmeros artigos e textos disponíveis na internet denunciam a ideologia de gênero como artífice da destruição da moralidade, dos valores cristãos, da família, do casamento e do próprio sujeito em sua natureza. O papa emérito Bento XVI afirmou que a ideologia de gênero é um pecado contra o Deus Criador e o Papa Francisco disse: “Muitos problemas escondem ideologias. São verdadeiras colonizações ideológicas presentes na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina, na África, na Ásia. “E uma delas – digo-a claramente por ‘nome e apelido’ – é o gênero”! Hoje, às crianças – às crianças! –, nas escolas, ensina-se isto: o sexo, cada um pode escolhê-lo” e acrescentou: “é terrível” (discurso na Polônia- 2017).
À guisa de conclusão eis algumas citações da 3ª versão da BNCC feitas por Orley e Viviane, que comprovam o seu perfil multiculturalista, relativista, desconstrucionista da heterenormatividade, da família, do casamento e dos valores da civilização cristã ocidental (Vale destacar que esta versão é para a Educação Infantil e Fundamental – temática para ser trabalhada com crianças e adolescentes e o pior, a critério da “criatividade” dos educadores):

(EF01HI07) Identificar mudanças e permanências nas formas de organização familiar, de modo a reconhecer as diversas configurações de família, acolhendo-as e respeitando-as (BNCC, p. 357).

Ao articular os aspectos sensíveis, epistemológicos e formais do movimento  dançado ao seu próprio contexto, alunos problematizam e transformam percepções acerca do corpo e da dança, por meio de arranjos que permitem novas visões de si e do mundo. Eles têm, assim, a oportunidade de repensar dualidades e binômios (corpo versus mente, popular versus erudito, teoria versus prática), em favor de um conjunto híbrido e dinâmico de práticas. [BNCC, p. 153]

(EF15AR12) Discutir as experiências corporais pessoais e coletivas desenvolvidas em aula, de modo a problematizar questões de gênero e corpo. [BNCC, p. 153].

(EF08CI11) Selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e ética) e a necessidade de respeitar, valorizar e acolher a diversidade de indivíduos, sem preconceitos baseados nas diferenças de gênero. [BNCC, p. 301]

(EF09HI27) Avaliar as dinâmicas populacionais e as construções de identidades étnico-raciais e de gênero na história recente (BNCC, p. 381).

(EF09HI07) Identificar as transformações ocorridas no debate sobre as questões de gênero no Brasil durante o século XX e compreender o significado das mudanças de abordagem em relação ao tema (BNCC, p. 379).  

(EF69AR15) Refletir sobre as experiências corporais pessoais e coletivas desenvolvidas em aula ou vivenciadas em outros contextos, de modo a problematizar questões de gênero, corpo e sexualidade (BNCC, p. 165). 

Na Educação Infantil, o corpo das crianças ganha centralidade, pois ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a emancipação e a liberdade, e não para a submissão. (BNCC, p. 37).                                                                
                                                                                                    
                                                                  JOSÉ ANTÔNIO DE FARIA

                                                                   Professor Pós Graduado em História

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