Card. Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo - SP
Sempre mais nos damos conta de quanto o
nosso planeta é precioso e único no universo. Sem excluir que possa
haver vida em algum outro lugar na imensidão do cosmo, o certo é que,
com todo o seu potencial para esquadrinhar o espaço sideral, os
estudiosos ainda não conseguiram detectar nada que se pareça com a vida
no nosso Planeta Azul; nem mesmo com suas formas mais elementares.
A Terra é a casa da vida, o espaço
privilegiado que abriga uma diversidade enorme de seres vivos. Ela é o
condomínio da família humana, com suas raças, povos e culturas
diferentes; lentamente, e com certa relutância, vamos aprendendo que
ninguém é dono absoluto de pedaço algum desse globo e que todos fazem
parte de uma imensa comunidade humana, que tem tanto em comum.
Todos são responsáveis por todos nesta
comunidade e o bem de cada um só será completo, se também for o bem de
todos os demais; da mesma forma, o mal de um, é o mal de todos. Comum
deve ser também o zelo para que este condomínio não seja descuidado e
tornado inabitável com o passar do tempo. Está em jogo o bem de todos.
Embora a questão ambiental entre, aos
poucos, nas preocupações diárias, ainda estamos longe de ter alcançado
uma consciência coletiva que seja capaz de frear os estragos causados
pela intervenção humana na natureza; no âmbito dos comportamentos
individuais, há muito que fazer para que o zelo pelo ambiente se torne
habitual e cultural; no campo das decisões políticas, em todos os
níveis, está difícil chegar a consensos que levem plenamente a sério a
questão ambiental; de fato, procura-se salvar, geralmente, mais os
interesses imediatos e particulares do que a sustentabilidade, a médio e
longo prazo, desta casa comum que nos abriga.
A Igreja católica, no Brasil, através da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), já pela 3ª. vez,
realiza a Campanha da Fraternidade sobre a ecologia. Neste ano, o
assunto é abordado de maneira ampla, com o tema “fraternidade e vida no
Planeta”. Chama-se a atenção para o fenômeno de aquecimento global, as
causas que o provocam e as consequências que poderá trazer, ou já vai
tendo; mostra-se, sobretudo, que o comprometimento das condições
ambientais para o futuro da vida na Terra não tem, geralmente, sua causa
em fenômenos espontâneos da dinâmica do universo, mas em ações do
homem, que interferem no equilíbrio ecológico. Tais intervenções foram
aceleradas, sobretudo, pelo sistema industrial e os modelos econômicos
adotados a partir dos últimos 3 séculos. A comunidade humana está
cuidando mal da natureza, dela exigindo mais que ela pode dar,
destruindo a própria casa, pouco a pouco.
Vamos deixar correr, fazendo de conta
que o problema não existe, ou que é só dos outros? Manter o mesmo ritmo
de consumo e de interferência na natureza, sem nos importar com as
consequências? Num condomínio, quando aparecem problemas e riscos, é
normal que todos os condôminos se reúnam e decidam sobre o quê fazer,
pois o bem de todos está relacionado intimamente com o bem do próprio
condomínio. Não deveria ser diferente com nosso Planeta: descuidar da
Terra faz mal a todos; cuidar bem da Terra é bom para todos.
O papa João Paulo II advertiu que a
questão ecológica representa um problema moral, cujas implicações são,
basicamente, duas: a solidariedade para com os pobres e o direito das
futuras gerações. De fato, os maiores prejudicados com a deterioração
ambiental são, e o serão ainda mais no futuro, os pobres do mundo, os
mais fracos e desprotegidos da família humana. E não é moralmente
honesto viver e agir apenas pensando em si, sem levar em conta o bem dos
membros mais frágeis da família. Por outro lado, esta é uma questão de
respeito e de justiça para com as gerações futuras, que habitarão este
Planeta depois de nós. Em que estado deixaremos este condomínio para
nossos pósteros? A questão ecológica demanda com urgência uma nova
consciência solidária. O zelo pelo Planeta é um desafio moral, que a
humanidade precisa enfrentar com políticas adequadas de convivência e de
interação responsável com a natureza.
Recentemente, na encíclica Caritas in
Veritate (32), o papa Bento XVI apontou para a necessidade de uma
revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento e do
sentido da economia e seus objetivos, para corrigir disfunções e
deturpações, que têm implicação direta na deterioração do ambiente da
vida na Terra. Por outro lado, não menos necessária é uma renovação
cultural, para redescobrir os valores que constituem o alicerce firme
sobre o qual se pode construir o futuro melhor para todos.
Para os cristãos e para os crentes em
Deus, de modo geral, há um motivo a mais para tratar a natureza com
profundo respeito e responsabilidade: ela é dádiva do Criador para todas
as suas criaturas, não, certamente, para que a depredem e destruam, mas
para que dela vivam e louvem a Deus. De modo especial, o ser humano foi
feito “zelador do jardim” e colaborador inteligente e responsável no
cuidado pela obra de Deus. Tratar mal a dádiva é desprezar e ofender o
doador; e a vontade de potência absoluta do homem sobre a natureza é
irresponsável, pois introduz a desordem no mundo; as consequências só
podem ser desastrosas, como aquelas que já constatamos e lamentamos.
A Campanha da Fraternidade deste ano é
um convite à reflexão e à ação para manter acolhedora e vivível para
todos nossa preciosa casa no universo. Também para aqueles que a
ocuparão depois de nós. É questão moral; questão de fraternidade.
Artigo publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO, Ed. de 12.02.2011
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