sexta-feira, 27 de julho de 2012

Resenha do livro ARISTÓTELES PARA TODOS de Mortimer Jerome Adler

INTRODUÇÃO

Adler destaca a importância da Filosofia para nos ajudar a compreender melhor as coisas que já sabemos. E nesse aspecto Aristóteles é o melhor professor, nos ajudando a pensar filosoficamente.
 Ele nasceu na cidade macedônica de Estagira em 384 a.C e viveu até 322 a.C. Foi tutor de Alexandre Magno e abriu o Liceu, a sua própria escola, em 335 a.C. Nela havia uma biblioteca, zoológico e uma extensa coleção de mapas.
E mesmo tendo vivido há vinte e cinco séculos não teria sido melhor professor do que se tivesse vivido hoje, apesar de todas as descobertas da Ciência moderna, tendo em vista que teve as mesmas experiências do senso comun que temos nos dias atuais. Experiências expressas através de palavras como "coisa", "mente", " causa", "parte" "muitos"... que usamos para tratar das plantas que crescem, dos animais que nascem e morrem, dos sofrimentos, de dormir, sonhar, de exercitar o corpo e tomar decisões. O seu modo de refletir sobre elas nos ajuda a compreender melhor a nossa vida, o mundo e a sociedade em que vivemos.  Partiu do senso comum,  das experiências que todos temos (e não nos foram ensinadas na escola, pois constituem patrimônio comum do pensamento humano a respeito de tudo), diferentes das experiências especiais dos cientistas feitas nos laboratórios e que normalmente não testemunhamos. Mas não parou no senso comum, foi muito além, chegando a percepções e entendimentos profundos, incomuns, sendo o objetivo deste livro tornar este pensamento mais fácil de entender.



 PARTE I
O HOMEM COMO ANIMAL FILOSÓFICO
I – Jogos filosóficos

Dois jogos muitos comuns: “Animal, Vegetal, Mineral” e “Vinte Perguntas”  consistem em fazer perguntas.  O primeiro é o que mais  nos faz pensar filosoficamente, pois trata de um esquema de categorias, de classificação, algo muito comum no nosso cotidiano.  Estamos sempre catalogando, dividindo.
E para compreender melhor isto precisamos de Aristóteles, quem  teve uma grande capacidade de fazer perguntas e reflexões a partir do senso comum.  Dentro da categoria “Mineral”, por exemplo , Aristóteles nos faria distinguir não apenas seres inanimados dos não vivos, mas inanimados simples e compostos, embora para ele a principal divisão é a que separa as coisas vivas das não vivas.
O animado é superior ao inanimado. Animais são superiores às plantas. Eles nascem, crescem, reproduzem, se locomovem , a maioria tem órgãos dos sentidos e são capazes de desempenhar funções que as plantas não desempenham.
 O homem está no topo da escala. É um tipo peculiar, animal racional, capaz de raciocinar, elaborar perguntas a respeito do quê, porquê e para quê, dar  respostas e fazer reflexões. Só o ser humano é capaz de pensar filosoficamente. Nenhum outro animal joga jogos filosóficos.  As diferenças de cor da pele, tamanho, formato da cabeça, cabelo são acidentais, não essenciais, como as que separam os homens dos animais.  O importante são as características essenciais comuns, a humanidade comum.


2 – A Grande Divisória

A grande divisória é a linha que separa o mundo físico (apenas parte de tudo o que existe) de todo o universo que pode ser pensado. Objetos matemáticos, personagens, Deus, ideias e teorias... não são corpos.  
Ao pensar o mundo físico Aristóteles traçou uma linha divisória, de um lado pôs os corpos e do outro os seus atributos, como as fragrâncias e as cores. Na verdade são aspectos relacionados com a quantidade, qualidade e lugar ou posição.  Tamanho e peso, por exemplo, não existem por si mesmos.  São características que existem nas coisas físicas. E as coisas físicas existem por si mesmas e são mutáveis, enquanto os seus atributos não estão sujeitos à mudança. O verde nunca se torna vermelho, mas é o tomate verde que fica vermelho quando amadurece.
Os atributos que permanecem durante a vida toda é o que faz a coisa pertencer a determinado grupo particular de coisas e diferenciam uma coisa da outra. Por exemplo, a capacidade de levantar este tipo de questão é um atributo permanente do ser humano e o que o diferencia dos outros animais e mostra que os animais racionais não são apenas coisas físicas. E por isso são chamados pessoas, o que é diferente de coisa. Palavra problemática, pois pode dizer respeito tanto às coisas físicas quanto aos seus atributos. Cabe então prestar a atenção aos diferentes sentidos das palavras que usamos.


3 – As três dimensões do homem

Como pessoa o ser humano possui três dimensões: Fazer, agir e conhecer. Na primeira temos o homem que é artista, artesão, produtor de uma diversidade enorme de coisas. A Poética de Aristóteles é um tratado sobre o homem fazedor. A palavra grega da qual vem a palavra “poesia” significa fazer. Na segunda o homem como capaz de buscar a felicidade, um ser moral que distingue entre o certo e o errado e na terceira o homem como um ser que aprende sobre a sociedade, a natureza e sobre o próprio conhecimento.
Aristóteles distingue três tipos de pensamento: “o pensamento produtivo”, que descreve o homem fazedor; “o pensamento prático”, que o homem elabora como ator e o “pensamento especulativo”, que descreve o homem como conhecedor.
Estes três aspectos das atividades humanas estão relacionados com a verdade, objetivo do conhecimento, com a bondade, pois individualmente e vivendo em sociedade temos interesse em buscar o certo e o errado, com a beleza, que diz respeito a produzir coisas bem feitas.

PARTE II
 O HOMEM COMO FAZEDOR
4 – Crusoé segundo Aristóteles

O romance de Crusoé é uma história de conquista e domínio da natureza pelo homem, uma história de coragem e previdência. Aristóteles teria considerado as mudanças na natureza produzidas sem Crusoé e não o homem contra a natureza, mas trabalhando com a natureza.
Esclarece a linha que separa o natural do artificial. Um incêndio na floresta causado por um raio é obra da natureza, portanto natural. Um incêndio causado pelo homem de forma descuidada, sem qualquer planejamento (de forma acidental) ou propósito é algo natural, pois o incêndio foi causado, não produzido. Então nem tudo o que resulta das ações humanas é uma obra de arte, ou seja, uma produção humana. O fogo existe por si só e há incêndios na floresta mesmo sem a presença humana. Quanto ao fogo produzido deliberadamente pelo homem, por exemplo, para produzir a sua refeição, pode ser colocado do lado da linha do artificial, podendo ser chamado um acontecimento artificial. Os homens constroem casas, não ajudam a natureza a produzi-las. Casas são produtos artificiais, não existiriam na ilha sem que Crusoé as tivesse construído. Ele não fez a casa do nada, aproveitou a matéria pré-existente na natureza, como a madeira, os ramos, além das ferramentas que possuía.  Podemos chamar a construção de casas de produto artificial, mas não totalmente, por causa dos materiais aproveitados.   A Bíblia nos diz que Deus é que fez o mundo do nada. Os homens são responsáveis pelas produções, Deus pela criação.
Filhos são produtos naturais, não artificiais, podem ser feitos sem nenhuma premeditação, planejamento ou propósito, diferente de provocar incêndios ou construir casas. Quando os homens têm ideia de como a procriação acontece na natureza podemos dizer que ter filhos é, ao menos em parte, resultado de planejamento. Mas se não tiver tal conhecimento, ter filhos é completamente acidental.


5 – Mudança e permanência

As coisas são mutáveis. O Movimento e a mudança, a geração e a corrupção ocorrem em todo o mundo natural.  É o que mostra nossa experiência comum da natureza. Por outro lado, em meio à mudança sempre permanece algo, que continua o mesmo. A bola de tênis arremessada, por exemplo, mudou de lugar, mas é a mesma bola.
Da ampla variedade de corpos em movimento Aristóteles distingue o que é natural do artificial. Uma bola que cai é algo natural. Arremessada pela interferência do ser humano é um movimento artificial, assim como a pintura de qualquer coisa (mudança de qualidade) é artificial. Já o amadurecimento do tomate pelo calor do Sol é natural.
As mudanças de quantidade nos seres inanimados são ilimitadas. Você pode colocar lenha indeterminadamente na fogueira. Nas mudanças de quantidade nos seres vivos há limites, pois pode dar o máximo de cenoura para um coelho que haverá um limite para o seu tamanho.  Um gato não ficará do tamanho de um tigre. Um balão pode ficar de um tamanho mínimo até desaparecer, mas os animais quando param de crescer não diminuem de tamanho até desaparecer. Em todas as mudanças, naturais ou artificiais, ocorrem transformações na matéria.
Todas as mudanças demandam tempo para acontecer. Algumas levam instantes quase imperceptíveis, como por exemplo, um balão que estoura e um coelho que morre. Aristóteles chama tais mudanças de geração e corrupção. E mesmo neste tipo de mudança existe algo que permanece, o que nem sempre é identificável com facilidade. Nas produções e destruições artificiais o que permanece são os materiais utilizados, para fazer uma cadeira por exemplo. O que desaparece é a forma. Na morte de um coelho o que permanece é a matéria orgânica, que pode entrar na composição de outro ser vivo. Chamamos isto de conservação da matéria.


6 – As quatro causas

Em relação a todas as mudanças que conhecemos na experiência comum, a respeito de qualquer produção humana, Aristóteles formula respostas para quatro questões fundamentais:
1- Ela vai ser feita de quê? A resposta desta questão é a causa material, aquilo de que alguma coisa é feita. Couro é a causa material do sapato.
2- Quem fez? A resposta desta questão é a causa eficiente, que é o fazedor. Diz respeito aquilo com que alguma coisa é feita. O sapateiro é a causa eficiente do sapato.
3 – O que está sendo feito? A resposta desta questão é a causa formal, diz respeito aquilo no que alguma coisa é feita. Não é a forma, mas uma ideia que é comum a todos os sapatos, por exemplo, a sapaticidade (ser sapato).
4 – Está sendo feito para quê? A resposta desta questão é a causa final, diz respeito aos objetivos, finalidades que se tem em vista ao produzir algo. Não é possível que alguém produza algo sem nenhum propósito.
As quatro causas se relacionam e são fundamentais em todas as transformações em qualquer produção humana. Nas operações da natureza é mais difícil identifica-las. No amadurecimento de um tomate provocado pela luz solar ele passou de verde para vermelho. O tomate é a causa material da mudança, sujeito que sofreu a mudança. A vermelhidade (ser vermelho) é a causa formal e ao mesmo tempo a causa final, diferente de uma pessoa que pinta uma cadeira verde de vermelho, pois o seu propósito era distinto da vermelhidade que era a causa formal da transformação da cor da cadeira.
No caso da mudança relacionada ao crescimento de um ser vivo a questão é mais complexa. Aristóteles usa o exemplo de uma bolota que recebe nutrientes da luz do Sol, da chuva e do solo e acaba por se tornar um carvalho desenvolvido. A forma desenvolvida é a causa final, que estava presente, em potência (o que está destinado a ser), desde o primeiro momento na semente. No linguajar da ciência moderna o código genético de uma semente dá a ela as instruções para crescer e desenvolver-se. Para Aristóteles estas instruções eram dadas pelas potências intrínsecas de um ser vivo, o que de certa forma é intercambiável com as explicações modernas, que dão o poder de interferir nos processos naturais.


7 – Ser e não ser

Em se tratando das mudanças produzidas pelos seres humanos, a produção artificial, cabe entender o conceito e a relação entre quatro palavras: matéria, forma, potência e ato. A matéria pode adquirir uma forma, ou estar privada dela e nesse aspecto pode adquiri-la. Pedaços de madeira não são cadeira em ato, mas tem a potencialidade (a potência de tornar-se cadeira) de adquirir a forma de cadeira, deixando assim de ser cadeira potencial.  Mas ao tornar-se cadeira não deixa de ser madeira de um certo tipo, portanto algo persiste nesta mudança.
E toda matéria tem uma forma e tem uma potência limitada para adquirir outras formas. Madeira não pode tornar-se uma lâmpada. Uma matéria que não tivesse forma teria uma capacidade ilimitada de adquirir outras formas. Então não seria nada em ato, mas o nada não existe. A matéria informe não existe.
O nascimento e a morte de animais não são tão fáceis de entender. Quando um lobo devora um coelho a matéria do coelho desintegra, desaparece e ele não possui a sua forma, tornando-se forma de outro tipo de coisa, a do lobo.
O processo de nascimento de um coelho começou com a fertilização do óvulo da coelha pelo esperma do coelho. E nenhum dois era coelho em ato, ainda que os dois juntos tivessem a potencialidade de vir a ser coelho. O bebê coelho desenvolve-se no útero da mãe coelha e o seu nascimento nada mais é do que a separação de um corpo vivo do outro, movimento que passou de um local para o outro, de dentro para fora da mãe coelha.


8- Ideias produtivas e saber prático

O pensamento produtivo ou ideias produtivas envolve tudo aquilo que podemos chamar de ideias criativas, que estão relacionadas com as formas que a matéria pode assumir. As ideias produtivas de um artesão é o que lhe permite transformar a matéria-prima em uma cadeira, por exemplo. Tais ideias estão presentes nos planejamentos preparados (o que nem sempre acontece), no papel, para a produção de uma casa ou de qualquer outra coisa. Quem prepara o plano tem a ideia produtiva (o arquiteto no caso da casa) e quem executa tem o saber prático, aquele que utiliza as matérias-primas, materializando a ideia (o construtor).
O saber prático envolve a escolha das matérias-primas, dos materiais apropriados e das ferramentas e o domínio das etapas e sequência correta da produção. A mente, as mãos e as ferramentas são a causa eficiente do que foi produzido, atuando sobre os materiais. Mas a mente é o principal, fonte das ideias produtivas e do saber prático, sem os quais seria impossível fazer qualquer coisa.
A palavra techinikos do grego significa a capacidade para produzir as coisas. O equivalente em Latim é ars, e em Português arte. O artista é aquele que possui a qualificação, a técnica, utilizada desde as tarefas mais simples até as mais complexas. Não são artistas apenas aqueles que produzem “obras de arte”, mas todos que possuem as ideias produtivas e o saber prático para produzirem coisas: agricultores, cozinheiros, médicos, professores, sapateiros...  Médicos e agricultores, por exemplo, são artistas cooperadores com a natureza, no sentido que cooperam com a natureza na produção de frutas e grãos e na preservação da saúde, respectivamente. O mesmo vale para os professores, que colaboram na aquisição do conhecimento. São artes cooperativas, não produtivas.
As artes produtivas diferem de muitas maneiras umas das outras e são de grande variedade. Vão de casas, roupas, sapatos, cadeiras até pinturas, estátuas, poemas e canções. Algumas são obras para usar por um determinado propósito e outras para fruir, que satisfazem as pessoas que sentem prazer ao percebê-las, seja olhando, ouvindo ou lendo.
Aristóteles relaciona o belo e a beleza com o fato de fazer bem feito as coisas e com o prazer que sentimos em contemplá-las. Podemos contemplar uma estátua, uma música, uma mesa, uma casa.  Tais obras demonstram a qualificação de quem as fez e pessoas qualificadas talvez sejam mais sensatas para emitir opiniões se uma obra de arte foi bem feita ou não.  E assim como uma pessoa pode ser mais qualificada do que outra, pessoas podem melhor gosto do que outras, sendo mais sensato conversar com tais pessoas sobre a beleza das obras de arte, embora possamos dizer que a beleza de uma obra de arte depende também de outros fatores.
O saber prático, a qualificação, derivam primordialmente no conhecimento de senso comum da natureza e em etapas posteriores no conhecimento científico da natureza, tecnologia, que nos qualifica e nos permite produzir coisas. Mas o conhecimento do senso comum, a compreensão dos processos naturais, o pensamento filosófico não é inútil. A ciência é útil para produzir coisas. A Filosofia é útil não para produzir coisas, mas para dirigir melhor as nossas vidas e sociedades para que sejam melhores, uso mais voltado para o agir e não para o fazer.

PARTE III
O HOMEM COMO ATOR
9 – Pensando sobre fins e meios

O pensamento produtivo está relacionado com a fabricação das coisas, envolve as ideias produtivas e o saber prático. O pensamento prático trata de fins e meios, do modo de proceder para atingir determinados objetivos. É necessário ter um propósito, o objetivo a ser conseguido e escolher entre as diversas maneiras possíveis de alcança-lo.
Aristóteles afirma que normalmente os seres humanos agem com um fim em vista, o que é pensado primeiro a fim de agir propositadamente. E para atingir tal finalidade têm que pensar nos meios, que vem primeiro na ordem da execução. Ele relaciona o fim com um bem, pois não tem razão de ser agir para buscar o que seria um mal para nós.
Para atingir um fim que almejamos podemos dizer que os meios são bons e maus. Bons porque agimos para buscar um bem e maus porque podem atingir consequências indesejáveis por razões bem distantes do objetivo desejado. O roubo de dinheiro para comprar um carro nos colocaria em sérias encrencas, que devemos evitar.
Aristóteles afirma que há coisas que buscamos por causa delas mesmas, pois se todos os fins fossem meios não existiria o pensamento prático, que começa justamente com o fim a ser alcançado. E começamos a agir através de meios que nos permitam chegar ao objetivo, nesse caso são puramente meios. Mas há fins que também são meios para outros fins.
Pressupomos que o fim que temos em mente é definitivo e que não seria possível fazer mais perguntas a respeito dele, mesmo que elas possam ser feitas. Mas poderíamos perguntar por que e sua resposta levar até a outro por que até chegar a uma resposta que não admitiria mais um por que e assim chegar de fato ao fim último, para o qual tudo o mais seria meio. Mesmo não tendo tal fim definitivo em mente pode-se começar o pensamento prático e a sua ação propositada.

10 – Viver e viver bem

Quanto mais velhos somos é provável que tenhamos um plano de vida mais cuidadoso e que nossas ações sejam mais sérias, embora haja exceções, pois muitos conservam suas atitudes pelo prazer como finalidade de vida, buscando essencialmente objetivos imediatos.
Sócrates afirma que uma vida não planejada não vale a pena ser vivida e para Aristóteles não vale a pena examinar uma vida não planejada. Planejar uma vida é cuidar para que ela seja boa, o que significa pensar sobre os objetivos e meios para consegui-la. Aristóteles afirma ainda que é preciso ter o plano certo, aquele que almeja o fim que todos devemos buscar, o bem que todos devemos almejar, identificado por ele como a busca da felicidade.
Uma vida boa é aquela onde atendemos as nossas necessidades essenciais e/ou tomamos as atitudes necessárias para tal: nutrir, trabalhar, cuidar da saúde, estudar e obter certos prazeres. A vida é um meio para se viver bem, o que deve ser um fim em si mesmo, um bem por causa dele mesmo. E viver bem é obter a felicidade, um fim definitivo. Ninguém faz a opção por uma vida de tristeza, infeliz.
Mas como pode haver um plano correto se somos tão diferentes em nossos desejos e aquilo que faz a felicidade para alguns pode ter o efeito contrário em outros? Como pode então haver um fim último que todos devemos buscar? Há resposta. No entanto ela é simples e ao mesmo tempo incompleta: felicidade, viver bem, uma boa vida como um todo.

11 – Bom, melhor, o melhor

Consideramos bom algo que é desejável e melhor uma coisa que é mais desejável do que outra.  E embora as pessoas sejam diferentes compartilham uma humanidade comum, os atributos comuns porque somos humanos, sendo que as diferenças em tais atributos (capacidade de raciocinar, por exemplo) são apenas de graus.
As necessidades são desejos intrínsecos, inerentes à natureza humana, para os quais temos certas tendências naturais. Todos temos a necessidade biológica da nutrição para manter a vida, expressa através da fome, presente em todas as pessoas de todos os lugares. Embora as circunstâncias diferentes estimulem desejos por comidas diferentes.
A necessidade biológica da nutrição está presente em todos os seres vivos. Consideremos agora uma necessidade exclusivamente humana, o desejo de conhecer. Aristóteles afirma: “Por natureza, o homem deseja conhecer”. Mas privados da fome os homens têm a consciência da sua privação, o que na maioria das vezes não acontece com o conhecimento. Mas ela existe, tenhamos ou não conhecimento dela.
Estes exemplos de necessidades naturais contrastam com as apetências adquiridas. Estas estão relacionadas com os desejos que muitas vezes podem ser equivocados, que não derivam das nossas necessidades naturais. Poderemos muitas vezes desejar algo que parece bom, mas que não realidade não é, coisas que não precisamos, apenas queremos. Os bens reais satisfazem nossas necessidades naturais, precisamos deles, não apenas queremos.
Para Aristóteles as coisas realmente boas são aquelas que satisfazem as necessidades naturais, aqueles que necessitamos, tenhamos consciência ou não. O que é bom para nós deve sempre ser desejado porque necessitamos desse algo, mas o que só parece bom para nós é algo que podemos desejar erradamente.
O único plano necessário para obter uma vida boa, a felicidade, é o plano que nos leva a desejar e obter as coisas necessárias, realmente boas, não apenas importantes para viver, mas para viver bem. E como somos humanos o que vale para um é necessário para todos, pois a nossa natureza e as tendências são comuns. A felicidade é a mesma para todos os seres humanos. 
E quando as necessidades naturais são atendidas parcialmente ou minimamente é impossível viver bem. Um plano para viver bem é melhor do que outro quando permite a realização das nossas necessidades naturais em todos os aspectos, aquele que almeja todos os bens reais e na ordem e na medida correta e que nos permita buscar coisas que queremos na medida em que não nos impeçam de realizar as nossas necessidades naturais. 

12 – Como buscar a felicidade

Thomas Jefferson parece ter tido a ideia aristotélica de que todos os seres humanos possuem a mesma natureza, tendo os mesmos direitos naturais, o que equivale às mesmas necessidades naturais. Escreveu na Declaração de Independência dos EUA que todos têm o direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. A felicidade deve ser o fim último de todas as nossas ações e consiste na aquisição de todos os verdadeiros, necessários para nós e é por isso que temos direito a eles, como disse Jefferson. Precisamos da vida para viver bem e da liberdade para proceder nossas escolhas e para fazer um esforço planejado para viver bem.
É preciso distinguir o fazer do agir. O pensamento relacionado com a produção de alguma coisa precisa do saber prático e da ideia produtiva, que são os meios. Mas não necessariamente temos a obrigação de buscar aquele fim (produzir uma cadeira, por exemplo). A busca da felicidade é diferente, é um dever, uma obrigação. Mas como deve fazer isso, como obter felicidade?
Aristóteles oferece duas respostas para esta questão.  A primeira consiste na enumeração de todos os bens que são necessários para uma vida boa e a segunda a sua prescrição. Somos animais que pensam, que conhecem e que tem a necessidade de exercitar nossas mentes, mas temos corpos que precisam de cuidados.  Aristóteles lista entre os verdadeiros bens os bens corporais, bens físicos: a saúde, a vida e o vigor, além dos prazeres, obtidos pela experiência dos sentidos.  Compartilhamos destes bens com os animais, mas somos diferentes na maneira de busca-los, pois podemos suportar uma dor corporal ou abrir mão de um prazer corporal para dar espaço para outros bens mais importantes, o que é recomendável. Tais bens são meios para uma vida boa e ao mesmo tempo são fins em si mesmos, para os quais outras coisas servem de meios. Entre tais coisas citamos a comida, a bebida, roupas e o sono. Aristóteles chama todos estes bens de bens externos ou riquezas, necessários para a saúde, vitalidade, prazer corporal... portanto para uma vida boa. E a sua privação, a falta de uma certa quantidade de liberdade e de riqueza, constitui um obstáculo para a busca da felicidade.
Aos bens corporais e os bens externos de riqueza Aristóteles acrescenta os bens da alma, os bens psicológicos, sendo os mais óbvios os da mente, como todos os tipos de conhecimento, incluindo o saber prático e as capacidades. E como somos animais sociais precisamos viver em sociedade, de amar e ser amados, de ter amigos e não viver como escravos. Aristóteles considera a amizade um bem da alma, pois semelhante ao conhecimento, atende uma necessidade psicológica nossa.
E assim como há os prazeres do corpo, há também os prazeres da mente: o prazer de ser amado, de fazer e fruir das obras de arte e de adquirir conhecimento. Aristóteles inclui a autoestima e a honra, pelos motivos certos (não pela fama) como verdadeiros bens, pois os seres humanos desejam ser amados.
A segunda resposta de Aristóteles para a questão da busca da felicidade envolve um tipo diferente de receita a ser seguida. Ela nos orienta a desenvolver um bom caráter moral, uma outra classe de bens que necessitamos: os bons hábitos. Citamos os bons hábitos corporais, certas capacidades, e os bons hábitos da mente, que nos permitem realizar certas ações de excelência com regularidade. Existem também os bons hábitos que nos permitem fazer escolhas regularmente, como por exemplo, o bom hábito de abster-se da tentação de comer e beber demais, o que é uma decisão correta. Os bens verdadeiros podem ser adquiridos e ter prazer em excesso, o que causaria mal. Por isso é que Aristóteles diz que devemos buscar os verdadeiros bens na medida certa, na ordem correta e numa relação correta entre si. Ele deu o nome a todos os bons hábitos de “excelência”, sendo que nos chega por via latina a palavra que mais usamos para os bons hábitos é “virtude”. As virtudes exemplificadas são intelectuais e os bons hábitos do tipo exemplificado por uma decisão firme de escolher corretamente constituem o caráter de uma pessoa, e por isso Aristóteles os chama de virtudes morais, que desempenham um papel importante em nossa busca da felicidade, de tal forma que Aristóteles diz que uma vida boa é uma vida em que as escolhas foram moralmente virtuosas.

13 – Bons hábitos e boa sorte

A virtude moral consiste nas escolhas certas, dos bens verdadeiros, daqueles que atendem as nossas necessidades a longo prazo e, portanto são os mais importantes na hierarquia dos bens. A riqueza e o prazer, por exemplo, são bens, mas limitados, pois podemos querer mais do que o necessário para uma vida boa e se tornarem prejudiciais para nós. Outros bens, como o conhecimento, são ilimitados, nunca são demais. Daí a necessidade dos bons hábitos de escolha, que tornam uma pessoa virtuosa, condição essencial para a busca da felicidade.  Os nossos arrependimentos demonstram quantas vezes fazemos escolhas erradas.
Os bons hábitos são criados e praticados repetidas vezes geram prazer e nos permitem realizar tarefas com menos dificuldades. A pontualidade, por exemplo, se adquiri com mais facilidade sendo pontual com frequência.
 A virtude moral possui dois aspectos: O primeiro é a temperança, que consiste em resistir aos excessos, por causa de bens mais importantes. A riqueza, por exemplo, deve ser na medida certa. O segundo é a coragem, que consiste em sofrer dores e transtornos, na disposição de fazer o bem para obter o necessário para uma vida boa, o que muitas vezes exige esforço, dedicação, para a superação das dificuldades. A existência dos obstáculos não nos desobriga de praticar os bons hábitos.
Mas, adquirir conhecimento, capacidades e bons hábitos em geral, não dependem exclusivamente de nós. Dependemos de nossos pais e professores, por exemplo. Não temos como obrigar a sorte a sorrir para nós, determinar a condição de nascimento. Saúde, riquezas, bens externos ou pobreza e doença podem recair sobre nós. Então, para ter uma vida boa, dependemos da virtude moral, e este aspecto é o fundamental, mas dependemos também da boa sorte. A virtude moral nos ajuda a suportar os infortúnios, adquirir os verdadeiros bens e a administrar bem o que temos pela boa sorte.
Então, ter a posse dos verdadeiros bens, depende da virtude moral, da boa sorte, o que por sua vez depende do ambiente físico e da sociedade. Precisamos de bom ar, água e outros recursos. E como somos animais sociais precisamos considerar um terceiro aspecto, além da coragem e da temperança, a justiça, que consiste em considerar o bem alheio para termos a nossa felicidade. Até porque as nossas decisões erradas poderiam prejudicar a sociedade. E o bem alheio, o de todos, envolve o Estado, que deve ser justo, atender ao bem de todos.


14 – O que os outros têm o direito de esperar de nós

A maioria de nós pertence a um grupo organizado, pois somos seres sociais. Participamos de uma família, de um Estado, de clubes, escolas e outros associações.  A família existe para preservar a vida dos seus membros e o Estado para melhorar esta vida, sendo então associações naturais, não no sentido das associações de formigas ou abelhas (originárias simplesmente do instinto), mas no sentido de que existem para atender nossas necessidades naturais, mas formadas voluntariamente, com um plano de organização. São voluntários e naturais, sendo o Estado originário dos grupos de famílias e tribos que envolveram mais seres humanos e trabalhos conjuntos, tendo o objetivo de atender com mais eficácia o aumento da riqueza dos seus membros.
Segundo Aristóteles o homem é um animal político, ou seja, social, vivendo em sociedade de maneira pensada, estabelecendo leis e costumes com o objetivo de uma vida melhor, sendo necessário o Estado para atingir tais objetivos. A palavra grega para Estado é “pólis”, de onde vem a palavra político e no Latim a palavra é “civis”, de onde vem a palavra civil e civilizado.
E como no Estado raramente os homens são amigos uns dos outros e falta o amor, se faz necessária a justiça, o que faz com que o indivíduo obtenha aquilo que tem o direito de esperar, para que haja a paz e a harmonia.  O amor significa querer o bem do outro, agir com benevolência, onde cada um busque  a felicidade do outro, mas nem sempre é assim e o que existe é o egoísmo.  As verdadeiras amizades são raridade. Aí a justiça tem de intervir para o bem de todos.
O que os outros têm o direito de esperar de nós?  Que não façamos nada que possa ser obstáculo para a busca da sua felicidade; que cumpramos as promessas feitas; que respeitemos os seus direitos, digamos a verdade, devolvamos o que foi emprestado e que possamos contribuir para que os outros tenham posse dos verdadeiros bens, o que é uma generosidade do amor, não uma exigência da justiça. Cabe ao Estado aplicar as leis, promover o bem estar da sociedade como forma de que todos alcancem a felicidade.



15 – O que temos o direito de esperar dos outros e do Estado

A nossa relação com os outros deve ser pautada deve ser pautada na máxima “amar o próximo como a si mesmo e agir com os outros como gostaria que agissem com você”. Primeiro devemos buscar os bens verdadeiros para nós mesmos e como os direitos são intrínsecos a natureza humana e temos as mesmas necessidades temos de esperar dos outros o mesmo que devem esperar de nós.
A sociedade é boa em si mesma, pois atende a necessidades naturais nossas, como viver em sociedade, embora possam não ser boas da forma como se organizam quando não proporciona os verdadeiros bens para todos. Como os seres humanos não estão unidos perfeitamente pelo amor o Estado é necessário, por isso bom em si mesmo. Não se trata de prender criminosos, mas de tomar decisões para o bem de todos, nem de um poder coercitivo, pois o homem virtuoso obedece às leis não porque teme a punição, não sendo coagido pelo governo. Os maus é que querem mais liberdade.
O fato de o governo ser necessário e então bom em si mesmo não torna todas as formas de governo boas. Para Aristóteles o bom governo é aquele que promove o bem dos governados, que tem uma autoridade reconhecida e aceita, não o despótico, o que age pela força ou pelo bem único dos governantes. Deve ser constitucional, baseado em leis, que sejam justas. Este é o governo dos homens justos e iguais. No entanto Aristóteles cometeu o erro de achar que muitos seres humanos tinham naturezas inferiores (os escravos e as mulheres, por exemplo), não percebendo que apenas pareciam inferiores por conta da maneira que eram tratados na sociedade, não porque seus dons fossem inadequados.  Hoje é preciso considerar que todos devem ser governados como cidadãos, com voz no próprio governo, como livres e iguais. E as diferenças de dons devem ser levadas em consideração apenas para o exercício dos cargos públicos, não para o exercício da cidadania.
O melhor Estado para Aristóteles é aquele que faz o máximo para promover a busca da felicidade para os seus cidadãos, ajudando-os a conseguir todos os bens reais de que precisam e têm direito, suprindo as privações por causa do azar ou da má forma, e não por causa da má conduta. Ou seja, fazer pelos cidadãos o que não podem fazer por si mesmos, colaborar estabelecendo as condições necessárias para viver bem e incentivando tal fim, sabendo que as virtudes morais dependem de cada pessoa.

PARTE IV
O HOMEM COMO CONHECEDOR
16 – O que entra na mente e o que sai dela

A parte IV aborda o pensamento teórico, voltado para o conhecimento, não para a produção ou para a ação.
Segundo Aristóteles as palavras que usamos expressam as ideias com que pensamos, sendo a linguagem importante para o conhecimento. As ideias vem dos sentidos, as janelas da mente, o início de todo o aprendizado, antes da escola, inclusive. Ele divide os sentidos externos em cinco: Visão, audição, tato, olfato e paladar. Os sentidos estão relacionados com os órgãos dos sentidos externos que recebem as ações externas, sendo, portanto passivos, mas altamente especializados.
As sensações recebidas são as matérias-primas que formam a nossa experiência sensível. Recebemos do mundo externo através da percepção as sensações de movimentos, cores, tamanhos, formatos, asperezas e tantos outros. Quando ajuntamos as sensações recebidas passamos de passivos para ativos, num processo que envolve memória e imaginação e a compreensão também participa. É ela que através da atividade da nossa mente, não dos nossos sentidos, distingue correr, pular, cores, repouso, sons, animais... formando ideias a partir dos dados dos sentidos. As ideias são o produto da atividade da nossa mente em seu esforço de compreender o mundo que experenciamos pelos sentidos. Compreendemos a natureza diferentes de cães e gatos, por exemplo, tendo uma noção da natureza particular de cada um deles. É na mente que a forma das coisas tornam-se as nossas ideias claras sobre elas, separando-as da matéria individualizante. Produzir ideias é o exato oposto de produzir coisas. E, além disso, somo capazes de compreender coisas do pensamento que não conseguimos perceber sensivelmente, como o bem e o mal, o certo e o errado.
O pensamento começa com a formação de ideias a partir das informações recebidas pelos sentidos, está relacionado com as ideias que produz, junta, separa, confronta até produzir conhecimento, até de objetos que não fazem parte da nossa experiência sensível, como a Álgebra e a Geometria. As sensações em si não são nem verdadeiras e nem falsas. O erro está no pensamento, não na percepção sensível.  As ideias também não são nem verdadeiras e nem falsas, mas a combinação das ideias no nosso pensamento produzem as opiniões que emitimos, sendo estas verdadeiras ou falsas.
Aristóteles distingue três níveis de pensamento na produção de conhecimento pela mente:
1- Através das matérias-primas e da experiência sensível à mente humana formula ideias.
2 -Com as ideias são formulados juízos, algo que afirma ou nega, expressos por sentenças declarativas onde aparecem o “é” ou “não é”.
3 -O raciocínio ou inferência envolve o dar razões para aquilo que pensamos. Neste aspecto o que pensamos pode ser verdadeiro ou falso, mas também lógico ou ilógico.
Aristóteles é o fundador da ciência da Lógica. E ainda que o pensamento lógico seja melhor que o ilógico, nem sempre chega a proposições verdadeiras, podendo cometer erros pensando logicamente e acertos pensando de forma ilógica. Por isso torna-se necessário ao que torna o pensamento lógico e verdadeiro ou falso.

17 – Os termos peculiares da Lógica


Aristóteles está associado à lei da contradição e ao Silogismo, como regras do pensamento correto.
A lei da Contradição é uma regra de pensamento e uma asserção sobre o mundo. Ela diz o que não pensar e nos ordena a evitar contradizer-nos em palavras e pensamentos, prescreve como devemos pensar a respeito das coisas de forma que nosso pensamento esteja em conformidade com elas.  Não podemos afirmar e negar a mesma proposição. Uma coisa não pode existir e não existir ao mesmo tempo, o que é auto evidente e daí inegável.
“Ou Platão foi professor de Aristóteles ou não foi”. “Todos os cisnes são brancos ou alguns cisnes não são”. Tais asserções são contraditórias, pois não podem ser ambas verdadeiras ou ambas falsas. Uma tem de ser verdadeira e outra falsa.
 As asserções  “Todos os cisnes são brancos” e “nenhum cisne é branco” são contrárias. Alguns cisnes podem ser brancos e outros pretos. Duas asserções são  contrárias quando ambas não podem ser verdadeiras , mas ambas podem ser falsas.
“Alguns cisnes são brancos” e “alguns cisnes não são brancos” são asserções subcontrárias. Ambas são verdadeiras e não falsas.
“Diferente de “preto” e “branco”,  alguns pares de termos que são contrários esgotam as alternativas, são excludentes. Ex. “Todos os números inteiros são pares ou ímpares”.
Tais regras do pensamento são importantes para nos ajudar a fazer asserções coerentes e perceber incoerências nas asserções feitas por outras pessoas e a questionar tudo aquilo que dizem.
As generalizações científicas são testadas e consideradas verdadeiras e mantidas enquanto não há exemplos negativos que as falsifiquem. Um único exemplo negativo pode contradizer asserções gerais expressas pela palavra “todos”. Os seres humanos tendem a generalizar. Se forem protestantes, por exemplo, tendem a considerar que os católicos são isso ou aquilo, tal ou qual. Um exemplo negativo invalida a generalização.
“Ou” e “não” são palavras que controlam nosso pensamento. Cara ou coroa, só pode ser um ou outro, não simultaneamente. Essa é uma disfunção forte. Tomates podem ser vermelhos ou verdes, essa é uma disfunção fraca. Isto nos permite fazer inferências simples e diretas, sem seguir passos de raciocínio.  Se um número inteiro não é ímpar podemos inferir imediatamente que ele é par.
Equívocos podem ser cometidos. “Todos os cisnes são brancos”; “alguns objetos brancos são cisnes” e “todos os objetos brancos são cisnes” dizem respeito a uma conversão ilícita. A classe de objetos brancos é maior do que a classe de cisnes, que são alguns objetos brancos do mundo.
“Se” e “então”e “já que” e “logo” são dois pares de palavras que funcionam como operadores na inferência imediata e no processo mais complexo do raciocínio. “Se” e “então”são asserções de inferências corretas e incorretas logicamente, não dependem das asserções serem verdadeiras, cada uma podendo ser falsa. “Todos os cisnes são brancos”, pode ser falso, mesmo assim pode-se inferir que alguns cisnes são brancos.
“Se todos os cisnes são brancos, então segue-se necessariamente que alguns cisnes são brancos”. “Se todos os cisnes são brancos, então não se segue que todos os objetos brancos são cisnes”.
Já que todos os cisnes são brancos, logo segue-se que alguns cisnes são brancos”. Neste caso a veracidade ou a falsidade da primeira asserção afeta a veracidade ou a falsidade da segunda. A conclusão da minha inferência pode ser falsa, porque a asserção inicial é falsa. A verdade pode ser que nenhum cisne é branco, falso concluir que alguns são. “Se todos os cisnes são brancos”, estou apenas dizendo se todos são, não que todos são. Isto é diferente de afirmar “já que todos os cisnes são brancos”.
Tais regras de Aristóteles para a inferência imediata são a base para resumir as regras de raciocínio que constituem o silogismo, como no modelo:
Premissa maior: Todos os animais são mortais.
Premissa menor: Todos os homens são animais.
Conclusão: Todos os homens são mortais.

Premissa maior: Os anjos não são machos nem fêmeas
Premissa menor: Alguns homens são anjos.
A premissa menor é falsa, mas o raciocínio é correto.

Premissa maior: Os mamíferos não botam ovos.
Premissa menor: Os seres humanos são mamíferos.
Conclusão: Os seres humanos não botam ovos.
As duas premissas são verdadeiras, a conclusão verdadeira.

O raciocínio silogístico é mais complicado do que a inferência imediata. Nesta a validade é expressa por um “se” e um “então” e no silogismo são três termos diferentes, de duas asserções a uma conclusão em que aparecem nos dois termos. Por exemplo, “animais”, “homens” e “mortais”. “Homem” e “mortal”, sempre desaparece o 3º termo (“animais”). O termo médio, comum às premissas maior e menor, desaparece porque cumpriu a sua função no processo de raciocínio. O raciocínio silogístico é mediado, diferente da inferência imediata, onde não há termo médio.  Se a  premissa maior ou a premissa menor for negativa então a conclusão tem de ser negativa e o termo médio tem de funcionar como conectivo. Uma conclusão afirmativa tem de vir de duas premissas afirmativas. E de duas premissas falsas se segue logicamente que uma conclusão falsa.
Premissa maior: Nenhum pai tem filhas.
Premissa menor: Todos os homens casados são pais.
Conclusão: Nenhum homem casado tem filhas.

O raciocínio pode ser lógico independentemente de as premissas e a conclusão serem de fato verdadeiras ou falsas. A conclusão é de fato verdadeira quando as duas premissas forem de fato verdadeiras. A conclusão pode ser verdadeira ou falsa quando uma premissa é falsa e uma conclusão falsa saiu de alguma (uma ou ambas) premissa falsa. Somente quando afirmarmos a veracidade das premissas trocando “se” por “já que” podemos trocar “então” por “logo” e afirmar a veracidade da conclusão e temos o direito de questionar a veracidade das premissas se negarmos a veracidade da conclusão.
Aristóteles chama de Entimenta o argumento compacto, que omite ou esconde premissas indispensáveis. São raciocínios que envolvem uma série de asserções a respeito da diferença entre os homens e os anjos que tornam o governo necessário para a sociedade humana como citado no raciocínio hipotético de Alexander Hamilton:
“Se os homens fossem anjos, nenhum governo seria necessário”.
“O governo é inquestionavelmente necessário para uma sociedade de seres humanos”

Logo, não teria exitado em negar que os homens são anjos. Negar a consequente (asserção então) no raciocínio hipotético lhe dá o direito de negar a antecedente (ou a asserção se).


18 – Dizer a verdade e pensa-la



Verdade e falsidade são ideias do senso comum, que todos compreendemos. Todos sabemos da diferença entre contar uma mentira e contar uma verdade.
Uma mentira consiste em dizer exatamente o oposto do que eu penso e dizer a verdade é fazer aquilo que se diz estar de acordo ou em conformidade com aquilo que se pensa. E pensar verdadeiramente é o acordo entre aquilo que se pensa e aquilo a respeito do que se pensa. Pensar que Colombo era espanhol é uma falsidade e pensar que ele era italiano é pensar verdadeiramente, pois realmente é italiano.
Dizer a verdade para uma pessoa é quando o acordo é entre aquilo que dizemos e aquilo que efetivamente pensamos. E pensar a verdade diz respeito ao acordo entre o que pensamos e os fatos reais tais como são, a correspondência entre a mente e a realidade.
As sentenças declarativas, que de alguma forma contém as palavras “é” ou “não é”, descrevem os fatos, como as coisas são, e, portanto são verdadeiras ou falsas. Já as asserções prescritivas, que prescrevem o que devemos fazer e os meios que devem ser utilizados são verdadeiras quando estão em conformidade com a realidade, com o desejo certo, aquele que realmente é bom para nós, que satisfaz as nossas necessidades humanas. Desejar o conhecimento, por exemplo, está de acordo com um desejo certo, por isso devemos desejar conhecer.
Muitas asserções não são tão auto evidentes, como por exemplo, dizer que aquilo que é realmente bom deve ser desejado. Muitas asserções são aceitas sem maiores discussões. É o caso do que foi afirmado por Thomas Jefferson quando escreveu que todos os homens são criados iguais, dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, o que demandaria extensos raciocínios para ser provado.
Uma asserção é verdadeira quando as premissas usadas são verdadeiras e quando o próprio raciocínio está correto. E para provar a verdade de uma asserção devemos apelar para as evidências proporcionadas pelas experiências dos nossos sentidos, por meio da observação. Se duvidarmos que um prédio possua 50 andares podemos provar a verdade observando e contando e confirmar com a observação de outras pessoas, em muitos casos em especial com a observação de pessoas especializadas, testemunhas qualificadas.
Uma certa quantidade de observações pode nos convencer de que as generalizações são provavelmente verdadeiras, quanto maior o número de observações mais podemos ficar convencidos. Por exemplo, afirmar que todos os esquimós são pequenos. Uma única observação contrária pode provar que a generalização é falsa. Pela experiência e pela razão podemos provar a veracidade de uma asserção, podendo conferi-la pela percepção dos sentidos e considerando a opinião dos outros.

19- Além da dúvida razoável


As opiniões se aproximam do conhecimento quando têm o peso das provas a seu favor, ou quando as conclusões são validamente demonstradas por premissas que são verdadeiras de modo auto evidente.  Quando o professor compreende a demonstração e afirma a conclusão à luz das premissas que a provam tem o conhecimento e o aluno que não a compreende, mas repete com base na autoridade do professor não tem o conhecimento, mas opinião. Quanto mais as opiniões forem sustentadas por boas razões, bases racionais, observações ou pela autoridade de alguém, mas se aproximam do conhecimento. Diferenças de meras opiniões sem bases racionais, ligadas às crenças pessoais, sem provas podem ser discutíveis. Podemos considerar como opiniões melhores as que são sustentadas por provas, testemunhadas por pessoas qualificadas e bons argumentos.
As opiniões baseadas nas observações, pesquisas e raciocínios científicos são consideradas conhecimento pelos cientistas, embora não haja conclusão científica verdadeira, pois em se tratando de generalizações podem surgir provas contrárias através de novas investigações, possibilitando correções ou rejeições. O oposto sempre é possível. Ainda assim muitas conclusões científicas são fundamentadas por uma preponderância de provas e razões inquestionáveis há séculos, sendo conhecimento firmemente estabelecido.
As conclusões científicas são baseadas em investigações, pesquisas, observações, descobertas, planejadas e executadas. O pensamento filosófico também é conhecimento, pois a partir das experiências do senso comum, das experiências cotidianas, melhoradas através de reflexões e análises são feitas melhores conclusões naquilo que chamei senso comum incomum de Aristóteles.
As conclusões científicas da época de Aristóteles já foram praticamente todas falseadas, corrigidas e melhoradas, enquanto as conclusões filosóficas de Aristóteles têm mais de dois mil anos e ainda podem, hoje mesmo, reclamar o status de conhecimento filosófico.
As conclusões históricas podem ser consideradas conhecimento estabelecido, ainda que novas pesquisas venham a mudar nossa visão do assunto. A investigação histórica chega a conclusões sobre questões factuais particulares, reunindo provas historiográficas, propondo conclusões.
Para Aristóteles conhecimento propriamente dito, no sentido estrito da palavra é aquele fundamentado nas verdades auto evidentes. As conclusões matemáticas, as conclusões científicas, as opiniões filosóficas e as conclusões históricas sempre poderão ser falseadas, corrigidas, embora muitas estejam fundamentadas em provas, raciocínios, observações, bons argumentos há séculos, possuindo status de conhecimento.

PARTE V
QUESTÕES FILOSÓFICAS DIFÍCEIS
20 – A Infinitude


Aristóteles, contra a Leucipo e Demócrito, pensou ter demonstrado que não havia átomos indivisíveis, mas unidades da matéria muito pequenas, podendo sempre ser divididas. E não haveria um número infinito de átomos no mundo.  Imenso mas não infinito, pois seria impossível que um número infinito de coisas coexista em ato em qualquer momento do tempo. Aristóteles julga que pode haver dois infinitos potenciais, mas não atuais.  Recordando: potencial diz respeito a aquilo que pode ser e atual é aquilo que é.
Um é o infinito potencial da adição. Ex: a infinitude dos números inteiros. Sempre há um número seguinte, maior ainda, somente possível, uma vez que o ato levaria um tempo sem fim para ser realizado.
Outro é o infinito potencial da divisão. Potencial, mas não atual. A divisão continua sem parar. O número de frações entre 2 e 3 é infinito.
Os dois infinitos são potenciais, mas não atuais. Não existem em ato em nenhum momento. Aristóteles negava uma infinitude em ato de coisas existentes, como diziam os atomistas. Nada pode ser atual e indefinido, então não é infinito, logo não pode haver um infinito em ato de nenhuma espécie. Os infinitos potenciais é que existem. Fazem parte dos processos infindáveis de adição ou divisão.
Um momento de tempo sempre sucede ou precede outro. E dois momentos do tempo não coexistem em ato, podendo o tempo ser infinito.

21- A Eternidade



Aristóteles considerava que um número infinito de momentos sucederia uns aos outros, sendo o tempo infinito e o mundo eterno (sem começo nem fim), não no mesmo sentido da eternidade de Deus.  Mas o Deus de Aristóteles, ao contrário do Deus bíblico, não criou o mundo, porque não via qualquer razão para chegar a pensar que o mundo teve um começo.
Para ele a medida do tempo é a medida da mudança, do movimento, a dimensão em que o movimento ocorre. E o espaço é a dimensão em que as coisas materiais existem. O movimento não tem começo nem fim, pois tudo tem causa (causa e efeito), ocorrendo sempre uma sucessão de causas. Afirmava a necessidade da existência de um primeiro motor, mas não era a primeira causa de uma série de coisas que movem e são movidas.
Passar a existir e deixar de existir são um tipo de mudança, que nunca começa nem termina. E pode haver um número infinito de coisas que passam a existir e deixam de existir num tempo infinito, embora não possa haver um número infinito de coisas individuais que coexistam em nenhum momento do tempo. Ele tinha em mente o movimento dos corpos celestes, exemplificando a eternidade do movimento e com ela, a eternidade do mundo.


22- A imaterialidade da mente


As coisas são compostas de matéria e forma.  A forma não é o formato. É a ideia na mente, a compreensão do tipo de coisa a ser feito, antes da forma pela qual transformou a madeira em cadeira, por exemplo. A forma é o aspecto imaterial. Conseguimos pensar a matéria sem pensar a forma. Mas a matéria pura, desprovida de forma, não pode existir, não pode ter atualidade. As formas tem a sua existência na matéria, mas existem separadas, na mente como ideia da coisa a ser feita.
A mente conhecedora pega ideias das coisas naturais do mundo físico, tirando as formas das coisas materiais da matéria  desses objetos compostos, sejam árvores ou cavalos. Saber não é como o ato de comer através do qual assimilamos a matéria e a forma do alimento.  Saber é entender a coisa tirando a forma da mesma, algo individual, a formação de uma ideia nas nossas mentes. Quando entendemos uma maçã, por exemplo, entendemos as maçãs em geral, não essa ou aquela individual. Percebemos pelos sentidos a individualidade dessa ou daquela maçã, mas não podemos, pelas ideias que temos em nossas mentes, entender a sua individualidade. Por isso Aristóteles chama a mente a forma das formas, o lugar onde a forma das coisas pode existir separada da sua matéria.
Porque a mente humana guarda, segura a forma das coisas, tem de ser imaterial. Quando conhecemos o tipo de coisa em geral, não envolve a ação de nenhum órgão material. É um ato da nossa mente, um elemento imaterial em nossa composição, que pode ser relacionado ao cérebro como órgão material, mas que é distinto dele. A mente é distinta do cérebro.


23- DEUS


Aristóteles considerou o universo como eterno, dado as mudanças perpétuas, pensando a partir dos movimentos dos corpos celestes. E o que os mantém perpetuamente em movimento tem de ser um motor em movimento que não é ele mesmo movido por outra coisa em movimento. É o Primeiro Motor, que move tudo, a causa atrativa ou causa final. É imóvel, eterno, imutável e imaterial, não sujeito às mudanças, o ATO PURO (forma sem matéria), desprovido de potência. Perfeito, não carecendo de nenhuma perfeição. Chamou este ATO perfeito DEUS.
Esse raciocínio foi utilizado por pensadores posteriores para provar a existência de Deus, criador. A concepção de Deus como criador veio da necessidade de explicar a existência do universo, assim como a concepção de Deus como 1º MOTOR surgiu na mente de Aristóteles por causa da necessidade de explicar a eternidade do universo e seu movimento perpétuo.
Mas é difícil determinar se a concepção de Deus como criador teria surgido na mente dos pensadores do Ocidente sem a sentença inicial do Gênesis: “No princípio Deus criou o céu e a terra”. Aristóteles poderia ter concebido Deus simultaneamente como 1º MOTOR e como Criador no sentido de causar a existência daquilo que pode existir ou não, sem considerar o fato de aquilo passar a existir.


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