26/10/2013 - 03h40
Visitei Praga em 1989, às vésperas da
Revolução de Veludo. Naquela cidade, "comunista" era estigma. No
Brasil, a ditadura militar definiu a palavra "direita". "O cara
é de direita." Impossibilitado de internar dissidentes em instituições
psiquiátricas, o lulopetismo almeja isolá-los num campo de concentração
virtual. No processo, devasta o sentido histórico dos termos até virá-los pelo
avesso: eles é que são "de direita"; eu sou "de esquerda".
Eles financiaram com dinheiro público
a bolha Eike Batista. Na fogueira do Império X, queimam-se US$ 5,2 bilhões do
povo brasileiro. "O BNDES para os altos empresários; o mercado para os
demais": eis o estandarte do capitalismo de Estado lulopetista. Anteontem,
Lula elogiou o "planejamento de longo prazo" de Geisel; ontem,
sentou-se no helicóptero de Eike para articular um expediente de salvamento do
megaempresário de estimação. O lobista do capital espectral é "de
direita"; eu, não.
Eles são fetichistas: adoram estatais
de energia e telecomunicações, chaves mágicas do castelo das altas finanças.
Mas não contemplam a hipótese de criar empresas públicas destinadas a prestar
serviços essenciais à população. Na França, os transportes coletivos, que
funcionam, são controlados pelo Estado. Eu defendo esse modelo para setores
intrinsecamente não-concorrenciais. O Partido prefere reiterar a tradição
política brasileira, cobrando de empresários de ônibus o pedágio das
contribuições eleitorais para perpetuar concessões com lucros garantidos.
"De esquerda"? Esse sou eu, não eles.
Eles são corporativistas. No governo,
modernizaram a CLT varguista, um híbrido do salazarismo com o fascismo
italiano, para integrar as centrais sindicais ao aparato do sindicalismo
estatal. Eles são restauracionistas. Na década do lulismo, inflaram com seu
sopro os cadáveres políticos de Sarney, Calheiros, Collor e Maluf,
oferecendo-lhes uma segunda vida. O PT converteu-se no esteio de um sistema
político hostil ao interesse público: a concha que protege uma elite
patrimonialista. "De direita"? Isso são eles.
Eles são racialistas; a esquerda é universalista.
O chão histórico do pensamento de esquerda está forrado pelo princípio da
igualdade perante a lei, a fonte filosófica das lutas populares que
universalizaram os direitos políticos e sociais no Ocidente. Na contramão dessa
herança, o lulopetismo replicou no Brasil as políticas de preferências raciais
introduzidas nos EUA pelo governo Nixon. Inscrevendo a raça na lei, eles
desenham, todos os anos, nas inscrições para o Enem, uma fronteira racial que
atravessa as classes de aula das escolas públicas. Esses plagiários são o
túmulo da esquerda.
Eles são atavicamente conservadores. Os
programas de transferência de renda implantados no Brasil por FHC e expandidos
por Lula têm raízes intelectuais nas estratégias de combate à pobreza
formuladas pelo Banco Mundial. Na concepção de FHC, eram compressas
civilizatórias temporárias aplicadas sobre as feridas de um sistema econômico
excludente. Nos discursos de Lula, saltaram da condição de
"bolsa-esmola" à de redenção histórica dos pobres. Quando os manifestantes
das "jornadas de junho" pronunciaram as palavras "saúde" e
"educação", o Partido orwelliano sacou o carimbo usual, rotulando-os
como "de direita". Eles destroem a linguagem política para esvaziar a
praça do debate público. Mas, apesar deles, não desapareceu a diferença entre
"esquerda" e "direita" --e eles são "de direita".
"Esquerda"? O lulopetismo
calunia a esquerda democrática enquanto celebra a ditadura cubana. Fidel Castro
colou a Ordem José Martí no peito de Leonid Brejnev, Nicolau Ceausescu, Robert
Mugabe e Erich Honecker, entre outros tiranos nefastos. Da esquerda, eles
conservam apenas uma renitente nostalgia do stalinismo. Sorte deles que Praga é
tão longe daqui
DEMÉTRIO MAGNOLI
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