Na plenitude dos tempos maus e de um
futuro sombrio, no auge da construção da modernidade racionalista, materialista
e ateia, da expansão do liberalismo e do modernismo relativistas, consequências
das ideologias e das revoluções nos explosivos séculos XVIII e XIX, que
provocaram a descristianização da sociedade, Nossa Senhora apareceu aos três pastorinhos
de Fátima, no ano de 1917, em Portugal. Trouxe do céu uma mensagem de
advertência e de salvação, repropondo os valores do Evangelho como remédios
eficazes para a solução dos problemas e para a paz no mundo. E para compreender
plenamente a mensagem de Fátima é fundamental o conhecimento dos processos
históricos a ela relacionados.
Naqueles finais do século XIX e
primórdios do século XX havia uma contradição pairando sobre a Europa. Era o
período da Belle Époque, caracterizado por um clima de euforia e otimismo,
determinados pelos progressos da era da segunda revolução industrial, dos
avanços científicos e da modernização da estrutura produtiva, transmitindo um
sentimento de que todos os males da humanidade, como a miséria, a fome e as
doenças seriam resolvidos. Os valores do Cristianismo ainda eram vivenciados
nas relações sociais e impregnavam a cultura dos povos. A Igreja Católica tinha
um relativo prestígio nas relações diplomáticas com as diversas nações e ainda
existiam impérios cristãos, como o austro-húngaro, governado pelos Habsburgos, defensores
seculares do patrimônio da fé e da civilização cristã. Por outro lado, desde o Iluminismo e a Revolução
Francesa no século XVIII, “reeditada” diversas vezes no século XIX, fundados no
desejo de “abalar os tronos e derrubar os altares” (SEGUIER, 1770) crescia uma
mentalidade anticlerical, antirreligiosa, liberal, contra os dogmas da Igreja.
Esta mentalidade evoluiu para o materialismo e o ateísmo, arquitetados por
diversos pensadores. Marx (1818-1883) afirmou que “a religião é o ópio do povo”,
droga que aliena o homem, Nietzsche (1844-1900) que “Deus está morto” e Freud (1856-1939)
que “Deus é uma ilusão infantil e a religião uma neurose”.
Como disse Edward Grey, em 1914 “as luzes
se apagaram em toda a Europa”. O mundo experenciava os sofrimentos trágicos da
Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as destruições materiais, os massacres nos
campos de batalha, a fome, a miséria, a desolação e a destruição das famílias,
o que o papa Bento XV (1914-1922) chamou de “suicídio da Europa”, “tragédia
inútil”, a “destruição da civilização cristã”, contra os quais esgotou todos os
meios naturais, diplomáticos, sem sucesso. Tais desastres foram causados, como
sugere a mensagem de Fátima e investigando mais profundamente, pela rejeição de
Deus, pelo pecado do orgulho, da ganância e da ambição, traduzidos nas disputas
e ódios nacionalistas, imperialistas e econômicos entre as potências europeias,
dos quais o assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro, Francisco
Ferdinando e da sua esposa Sofia, católicos da dinastia dos Habsburgos, foi
apenas a centelha que incendiou o barril de pólvora. Na Rússia, explodiria a
Revolução Comunista em outubro de 1917, como fora prenunciado por Nossa Senhora
nas aparições de 13 de julho do mesmo ano, vaticinando ódios, perseguições e
massacres de milhões de pessoas, além da difusão da ideologia socialista pelo
mundo, fundada no materialismo histórico, na luta de classes e no combate à
religião.
Em
Portugal a República proclamada em 1910, de inspiração maçônica, dava seus
frutos perversos: a Igreja era perseguida de todas as maneiras. As igrejas eram
pilhadas, os conventos atacados, os religiosos assediados, padres e bispos
exilados e uma legislação anticlerical e antirreligiosa suprimiu mosteiros, conventos
e ordens religiosas, aprovou o divórcio, suprimiu o ensino religioso nas
escolas, aboliu o juramento religioso, proibiu as celebrações públicas das
festas religiosas e o uso da batina pelos sacerdotes. Mas apesar das
perseguições a integridade da fé foi mantida pela resistência da Igreja
portuguesa, liderada pelo papa São Pio X, que rejeitaram quaisquer compromissos
com o governo maçônico e ateu. O
agravamento da situação veio com a entrada de Portugal na guerra, ampliando as
crises econômicas, as desordens por toda parte, a anarquia, greves e
violências. O país vivia a ameaça de uma guerra civil, situação aproveitada
pela impiedade maçônica para espalhar a irreligiosidade entre as massas.
Nossa Senhora advertiu que a guerra
terminaria, mas que se os homens não se convertessem, no reinado de Pio XI,
começaria outra pior, e que a Rússia espalharia os seus erros pelo mundo. Foi
exatamente o que aconteceu nas décadas seguintes. A primeira guerra foi um divisor
de águas, inaugurou de fato o século XX, marcado pelo relativismo moral e
cultural, abalando os alicerces da civilização cristã, como afirmou o
historiador Paul Johnson (1928). Das ruínas das trincheiras emergiu um mundo
novo, assentado em valores propagados pelo American Way of Life (o jeito
americano de ser), burgueses, hedonistas, materialistas, consumistas, iniciando
a desconstrução dos valores tradicionais, do modo de vida simples, solidário,
dos costumes cristãos das famílias, o que culminaria nos movimentos
liberalizantes da contracultura da década de 1960. T.S.Eliot (1888-1965) disse
que a libertação do culto a Deus cedeu lugar à veneração a tiranos sanguinários
como Adolf Hitler, Lenin, Stálin e outros.
As pilhas de cadáveres ideológicos do século XX,
criados pelas duas guerras mundiais, pelos campos de concentração, pelos
regimes comunistas e políticas econômicas desastrosas são os frutos do não
acolhimento dos pedidos de Fátima (de conversão) pela humanidade hedonista e
materialista, da substituição da ordem religiosa ancorada na Revelação Divina e
da autoridade de Cristo pelo culto do Estado-Nação, dos césares da modernidade
e dos ídolos forjados segundo os gostos e desejos dos homens.
José Antônio de Faria
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