Ou a escola se transforma ou
ela terá grandes dificuldades para sobreviver às demandas da nova sociedade, às
disputas comercias e às concorrências ferozes da guerra mercadológica educacional,
pois estática já não atenderá mais às necessidades do exigente mercado de
trabalho e da sociedade midiatizada, marcada pelas inovações tecnológicas, pela
digitalização e pela globalização. Entenda-se aqui a escola como um todo
institucional funcionando nos moldes tradicionais, oriundos das necessidades
criadas na época do 1ª Revolução Industrial. E tais mudanças devem ser rápidas
e radicais, começando por uma transformação das mentalidades educacionais,
desde a gestão de recursos e de pessoas, passando pela coordenação/orientação
dos processos pedagógicos e chegando à cultura da inovação, que revolucione na
prática os espaços de aprendizagens por excelência, como as salas de aula, bibliotecas,
laboratórios, pátios, todo o ambiente escolar e as práticas pedagógicas
inerentes a estes espaços.
Uma das afirmações mais
repetidas nos congressos, feiras pedagógicas, programas de capacitação e
eventos educacionais em geral, no Brasil e no mundo, é que “temos uma escola do
século XIX, um professor do século XX e um aluno do século XXI”. Temos escolas
e professores brilhantes, inovadores, com práticas excepcionais, mas muitas
vezes isolados como ilhas de modernidade. Mas via de regra o que ainda prevalece
na realidade são escolas e professores acomodados, temerosos e resistentes às
inovações, que não conseguem conectar a educação com o mundo real, alunos
desestimulados e desinteressados e famílias indiferentes, onde cada um dos
atores joga a culpa dos fracassos sobre os outros, sem fazer uma auto reflexão
acerca das suas respectivas responsabilidades.
A revolução técnica científica
criou o meio técnico científico informacional e nos últimos anos acelera os
processos da 4ª revolução industrial, que impactam na dinamização das
atividades econômicas, nas relações sociais e na cultura de um mundo cada vez
mais globalizado, integrado e dinâmico. Fala-se o tempo todo de digitalização,
de inteligência artificial, robótica e realidades virtuais, que produzem uma mudança
de época, na qual estão inseridos os nossos alunos. Aliás, eles não viveram num
mundo sem celular, sem internet, sem a comunicação virtual e sequer conseguem
vislumbrar esta realidade. Suas experiências dizem respeito às realidades
virtuais interativas, dinâmicas e aceleradas. Dizem alguns estudos que até a
configuração cerebral e a lógica de pensar já mudou por influência dos impactos
da tecnologia. Essa nova geração de jovens cresceu usando intensivamente as
tecnologias digitais e se comunica mesclando comunidades virtuais e reais, em
rede, de acordo com as suas necessidades. Para eles a escola se tornou uma
instituição alheia ao seu mundo, onde as práticas de copiar, ouvir
passivamente, reproduzir conhecimentos são consideradas irrelevantes em suas
vidas cotidianas, em um paradoxo com as sensações e oportunidades oferecidas
pelo universo midiático onde estão inseridos. Mas em geral estão asfixiados por
tanta informação e carentes de orientação e referências éticas para lidarem com
elas e transformá-las em conhecimentos significativos, úteis para a melhoria da
qualidade de suas vidas e para a transformação da realidade do mundo.
Neste cenário é que os especialistas
em educação tanto falam que a necessidade de orientar o aluno para o
desenvolvimento de novas habilidades é dever de uma escola 4.0. Modelos que se
reduzem ao uso de livros didáticos, lousa, ao aluno fazedor de cópias e
decorebas (escola 1.0), ao uso de hardware e softwares sem interatividade (2.0)
ou o uso de múltiplos recursos, mas com decisões centradas no professor, sem o
protagonismo do aluno, não são suficientes. A escola 4.0 prioriza metodologias
ativas, ambientes inovadores, cooperativos, a cultura maker (aprender fazendo),
a resolução de problemas, a programação, a incorporação das tecnologias ao
universo escolar sob a intencionalidade da perspectiva pedagógica, buscando
aproximar o aluno da realidade e prepará-lo para dar respostas satisfatórias
aos novos desafios propostos.
Não se trata de demonizar e abandonar as boas
práticas da escola tradicional, como a disciplina, o cuidado com a formação de
valores e a ênfase nos conteúdos. A própria aula expositiva continua sendo
importante, desde que seja bem dada, dialogada e interativa, de forma que prenda
a atenção do aluno e seja motivadora para aquisição de conhecimentos. Os
conteúdos são fundamentais, extremamente importantes, pois ninguém raciocina e
constrói pensamento crítico sobre o nada, sobre o vazio. Mas podem ser
construídos a partir de metodologias mais dinâmicas, lúdicas e prazerosas.
Assim, as metodologias ativas devem ser complementares dessas práticas mais
tradicionais, formando um conjunto misto e harmônico, que colabore para
aprendizagens ricas e significativas.
A educação 4.0 é concebida a
partir de novos paradigmas. O aluno passa a ser o protagonista e o professor o
orientador qualificado para a construção eficaz dos conhecimentos. O aluno
assume um papel mais ativo e torna-se o sujeito do seu próprio conhecimento. No
entanto, é imprescindível notar que a máquina não vai substituir o professor,
pois a interatividade, a mediação e a orientação serão sempre essenciais para
os processos de aprendizagens. Sempre aprendemos na interação com o mundo, com
as pessoas, que nos transmitem os saberes produzidos ao longo do tempo.
Neste contexto a qualificação
dos profissionais da educação é a condição sine qua nom para que ocorram as
mudanças significativas na direção da cultura da inovação. Neste processo a
gestão assume o papel de agente principal das mudanças. Urge a necessidade de
uma gestão motivadora da equipe, que deve criar na escola um ambiente de
formação continuada, através de reuniões e apoio ao estudo e à formação. Cabe
também ao gestor atender com qualidade a clientela, aplicar racionalmente os
recursos, priorizando a questão da qualidade dos processos pedagógicos, bem
como acompanhar o andamento das práticas educacionais, tudo sob a perspectiva
da gestão democrática, onde todos são envolvidos e participam ativamente das
decisões. A Escola de hoje requer um professor mais crítico, criativo, que
participe e que empreenda, que tenha mais dinamismo em lidar com as situações
imprevisíveis e solucionar problemas. Nesse sentido, é que a escola deve se
tornar o lócus formativo, onde se possam compartilhar experiências, socializar
reflexões, fazer um trabalho colaborativo e produzir conhecimentos efetivos.
Para isso os professores terão de se encontrar muito e interagir
qualitativamente.
Essa cultura da inovação é
contemplada na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que foi homologada e tem caráter
normativo, força de lei. Ela deverá reorientar obrigatoriamente todos os
currículos a partir de 2020. Nas suas 10 competências gerais, a base evidencia
a necessidade da construção e valorização do conhecimento a partir da
investigação, experimentação, argumentação e comunicação, da fruição e (re)
elaboração de repertório cultural, centrados no protagonismo do aluno como
sujeito da construção do seu próprio saber. Também é competência geral da BNCC
a cultura digital, que diz: “Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais
de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética
nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar,
acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e
exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”. Assim, o aluno
deverá ser capaz de usar as ferramentas digitais para resolver problemas, criar
e apresentar produtos digitais, como páginas da web, vídeos, aplicativos, usar
linguagens de programação, dominar algoritmos, entender os impactos da
tecnologia na sociedade e fazer uso ético dos diversos recursos tecnológicos.
Outra demanda da nova sociedade
presente na BNCC é que a escola deverá ensinar as competências e as habilidades
socioemocionais. Os impactos dos avanços tecnológicos serão cada vez mais
avassaladores sobre as atividades econômicas, sociais e culturais,
transformando a maneira como trabalhamos e a maneira como vivemos. Segundo
pesquisas do Fórum Econômico Mundial 65% dos jovens que estão começando o
ensino fundamental trabalharão, daqui há 15 ou 20 anos, em profissões que hoje
nem existem e terão que lidar com frustrações, ter grande capacidade de adaptação,
de reinvenção e, portanto, de regulação emocional. Segundo os especialistas a
escola deverá desenvolver competências socioemocionais como a autoconfiança, a
empatia, o julgamento para a tomada de decisões, a liderança, a resiliência,
enfim, as habilidades de autoconhecimento, de comunicação, de relacionamentos e
a consciência social.
Diante de toda essa
complexidade das relações sociais impactadas pela tecnologia, das novas
contribuições da neurociência sobre como o cérebro aprende à escola caberá o
papel de se transformar, racionalizar e modernizar os seus diversos espaços de
conhecimento, personalizar o seu atendimento educacional, aplicar as
metodologias ativas como a sala da aula invertida, o ensino híbrido e tantas
outras, além de priorizar a criação e resolução de problemas, sem que o
professor ofereça as respostas prontas, incorporar as tecnologias nos
currículos, inclusive o tão polêmico uso do celular na sala de aula. As aulas
deverão ser mais dinâmicas, lúdicas, prazerosas, onde os alunos poderão fazer
experimentações, debates, dialogar, aprendendo através da interatividade e
cooperação. A escola 4.0 deverá oferecer atividades extracurriculares como o
xadrez, aulas de música, práticas esportivas, além da promoção de eventos
culturais que aproximem a comunidade e reforcem a parceria entre a família e a
escola. Tudo isso é uma questão de sobrevivência da escola e deverá acontecer
dentro do padrão dos valores e da identidade da escola e da comunidade por ela
atendida, conciliando a inovação cultural com as tradições de sucesso da
instituição. É assim que se forma para a vida.
José Antônio de Faria
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