quinta-feira, 10 de março de 2011

Catolicismo Africano: Na África Oriental, o trigo e o joio


«Será que a recente e presente evangelização da África está a ser um fracasso e apenas toca a superfície da alma africana?»

Quando me foi pedida uma opinião sobre o catolicismo nesta zona da África onde aterrei pela primeira vez em 1978 veio-me a dúvida sobre quais notícias privilegiar, as boas ou as más. É que a Igreja na África Oriental é ainda muito jovem. Celebrámos em 1989 o primeiro centenário da moderna evangelização do Quénia e nestes 120 anos fizeram-se verdadeiros milagres, mas noto também uma certa falta de coragem e de rumo seguro perante os grandes desafios dos nossos dias cuja ladainha inclui a fome e a injustiça, os ódios tribais e uma corrupção desenfreada.
Estas são algumas das más notícias, mas esta é também uma Igreja que há cem anos tinha apenas um punhado de católicos e hoje conta com mais de oito milhões, ou seja, um quarto da população do país; uma Igreja com milhares de catequistas que exercem o seu ministério a tempo inteiro e são a espinha dorsal das comunidades.
Há quarenta anos Paulo VI veio como peregrino ao Santuário dos Mártires da Uganda e ali exaltou as potencialidades da Igreja africana e apelou a que os africanos sejam missionários de si mesmos, recordando-lhes que não há contradição entre identidade cristã e identidade africana: “Sede cristãos, sede Africanos”, dizia. Vinte anos depois, vivia-se uma relativa euforia na África Oriental. A fé das comunidades manifestava-se em muitas e prometedoras formas: abundância de vocações, vivacidade nas celebrações, comunidades intertribais e interculturais. A Igreja era vista como presença unifi-cadora e sinal de fraternidade.
Depois veio a tormenta com o ressurgir de ódios antigos que deram uma machadada no verniz desta realidade, a qual não resistiu ao embate e se manifestou bastante superficial. Católicos Hutus e Tutsis massacraram-se mutuamente no Ruanda durante o genocídio de 1994 e, mais recentemente, aqui no Quénia, rivalidades étnicas e políticas causaram mais de mil e trezentos mortos bem como trezentos e cinquenta mil desalojados; vendaval este que não poupou a Igreja Católica.
O clero e os fiéis mostraram-se divididos e vários sacerdotes foram obrigados a abandonar as suas paróquias só por não pertencerem à etnia dominante. Um deles, o padre Miguel Kamau, foi mesmo barbaramente assassinado. Nalgumas paróquias, e dou como exemplo a de Likoni, a sul de Mombaça, as comunidades de base que eram formadas por vizinhos, fosse qual fosse a sua proveniência tribal, acabaram por se desintegrar.
Foi doloroso verificar que a hierarquia não conseguiu falar a uma só voz e se remeteu a um silêncio ensurdecedor, quando era seu dever pastorear o rebanho e defender os perseguidos sem olhar às consequências ou conveniências. Foi uma desonra, mas foi também uma lição. Não podemos continuar a glorificar as vitórias conseguidas no campo da evan-gelização sem verificar se a casa está ou não construída sobre a rocha.
Fala-se dum neo-colonialismo económico que assola a África mas também urge falar do neo-tribalismo que renasce das cinzas depois da acalmia dos primeiros decénios de independência. Será que a recente e presente evangelização da África está a ser um fracasso e apenas toca a superfície da alma africana? Certamente não. Exemplos de heroísmo não faltam e os problemas acima mencionados podem ser rampa de lançamento de uma Igreja mais unida, mais comprometida e mais fiel ao seu divino mestre.
Apraz-me citar o exemplo de Morijo, um pequeno centro a sul do lago Turkana, onde há dias os três grupos étnicos - Samburu, Turkana e Pokot - que são inimigos de longa data se juntaram numa grande celebração de reconciliação com a presença do bispo. Casos como este abundam e o futuro da Igreja na África Oriental apresenta-se prometedor. De evangelizada, ela está a tornar-se evangelizadora e de dependente está a tornar-se auto-suficiente. Dos quase cem missionários da Consolata quenianos, mais de metade trabalham além fronteiras.
A segunda Assembleia do Sínodo dos Bispos para a África vai ser mais um ponto de partida. Se na primeira se falou de Evangelização, esta segunda aborda o tema da Reconciliação na Justiça e na Paz. Sem negar a necessidade de proclamar a fé até aos confins da terra, o Sínodo desafia a Igreja africana a brilhar pelas obras. Num continente de esfomeados e injustiçados, este desafio que S. Tiago já lançava à Igreja primitiva (Tg 2,14-26) é mais que nunca actual.
Uma Igreja onde todos se identificam como filhos do mesmo Pai não pode deixar de ser uma Igreja de irmãos para os irmãos, sejam eles crentes ou descrentes, da mesma ou doutra etnia.

Pe. Tobias de Oliveira, Missionário da Consolata no Quénia

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