VLADIMIR SAFATLE
Foi correta a decisão brasileira de se abster da votação
que acabou por legalizar uma
modalidade ainda indefinida
de intervenção militar na Líbia. Não se trata do resultado
de algum juízo de valor a respeito do regime de Gaddafi,
mas de uma questão relativa à
real eficácia da intervenção.
Primeiro, vale dizer que dificilmente encontraremos hoje
um ditador tão patético quanto Gaddafi. O mesmo Gaddafi
capaz de afirmar que os insurgentes eram jovens que haviam tomado "Nescafé com
alucinógenos".
Aqueles que têm para com
ele alguma complacência,
normalmente em nome da luta anti-imperialista, dão prova
de acreditarem no primarismo
de que o inimigo do meu inimigo é meu amigo.
Na verdade, Gaddafi é a figura mais bem-acabada de
um imperador que deteria um
poder soberano em situação
de exceção e que se demonstrou capaz de pagar mercenários para esmagar manifestações de seu povo. Poderíamos
até sugerir um slogan: Gaddafi, um imperador na luta contra o imperialismo.
Porém a proposta francesa
de zona de exclusão aérea tem
tudo para produzir consequências ruins. Não se trata do
argumento da primazia da soberania nacional, embora seja
verdade que a submissão da
soberania nacional aos crimes
contra os direitos humanos só
valha, atualmente, para países escolhidos a dedo.
O primeiro problema com a
proposta aprovada na ONU é
permitir a Gaddafi remobilizar
parte da população líbia em
nome da luta contra "antigas
potências coloniais".
Em uma região marcada
por forte nacionalismo e desconfiança em relação às "boas
ações" de países como França,
Reino Unido e EUA, não é difícil imaginar que um argumento dessa
natureza possa acirrar as divisões internas na Líbia. Segundo, ela
perpetua a
velha parcialidade que minou
o discurso democrático do
Ocidente no Oriente Médio.
Se o interesse é, realmente,
uma intervenção humanitária
em defesa dos manifestantes
líbios, é difícil entender por
que a proposta não valeria
ainda para a defesa dos manifestantes do Bahrein, já que
esses também são objetos da
truculência de um monarca
absoluto que tem, agora,
apoio das tropas sauditas.
A única explicação plausível é o monarca do Bahrein ser
um "ditador amigo". Já Gaddafi é louco demais para ser
amigo de alguém.
Por fim, a proposta parece
querer colonizar um movimento que, até agora, foi interno aos povos da
região e que
deu frutos a partir de suas próprias ações. Por isso, se os países
ocidentais quisessem realmente auxiliar os rebeldes líbios, eles
mandariam armas
para a população civil, dando
as condições para que a própria população civil lutasse
contra as armas que países como a Itália venderam para
Gaddafi há bem pouco tempo.
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