O jornalista Ali Kamel levantou nesta página, no último
dia 17, o caso do livro didático "Nova História Crítica", de viés
marxista, que já foi recomendado e distribuído pelo MEC e continua sendo
utilizado por escolas públicas e privadas. Não é um caso isolado. A
literatura dominante nas escolas médias brasileiras, mesmo naquelas mais
caras e mais de elite, é de tendência socialista e fortemente
anti-capitalista. E isso é reflexo do mesmo pensamento que domina ainda
hoje as elites brasileiras.
No último dia 10 de setembro, publiquei em O Estado de
S.Paulo coluna tratando desse tema, mas tendo como referência um livro
adotado amplamente em escolas privadas, e de elite, de S. Paulo, "A
História da Riqueza do Homem", de Leo Huberman.
O livro é antigo, de 1937, e fez muito sucesso entre
universitários brasileiros nos anos 60. Primeiro, trata-se de uma aula
de marxismo, na visão mais clássica da doutrina.
Sustenta que todas as idéias econômicas anteriores a
Marx e Engels não passam de pura ideologia de classe, construídas para
justificar sistemas econômicos e políticos que, ao longo da historia,
foram sempre uma forma de escravizar o trabalhador. Ao revelar isso, o
marxismo não é ideologia, mas pura ciência. Vai daí, o socialismo, sendo
o regime do proletariado, é o fim da historia, o momento em que o
trabalhador finalmente controla os meios de produção e o sistema
político.
Nos anos 60, já se conheciam as atrocidades do regime
soviético e chinês (sobre o que Huberman não traz uma palavra sequer) ,
mas eram tomadas como desvios políticos do sistema. Não se duvidava,
porém, naqueles meios intelectuais, da eficiência do regime socialista
de planejamento central. A União Soviética não se tornara uma potência?
Já era um equivoco. Muita gente percebia e dizia isso
para ser desclassificada e jogada no bando dos liberais defensores da
burguesia. Mas a existência dos regimes socialistas era um ponto
importante, sobretudo porque, protegidos por ditaduras e censura, não se
sabia o que realmente se passava naqueles paises. Já as mazelas do
capitalismo, diariamente reveladas pela imprensa burguesa, eram bem
conhecidas.
Hoje, nem seria preciso dizer, a historia mostra
exatamente o contrário do que Huberman prevê no seu capítulo 18, o
colapso do capitalismo e o futuro inevitável do socialismo.
E, entretanto, o congresso do PT acaba de aprovar
documento que "reafirma o caráter socialista, democrático e popular do
partido". Qual socialismo, não se sabe. Mas a retórica do PT e de boa
parte das elites brasileiras (políticas, intelectuais e civis) continua
anti-liberal e anti-capitalista. Nos colégios, nas universidades, nos
vestibulares, nos concursos públicos, o liberalismo e o capitalismo,
assim misturados, aparecem como o regime que gera miséria e
desigualdades para muitos e riquezas para poucos. Todo dia, tem um juiz,
inclusive dos tribunais superiores, escrevendo na sua sentença que sua
função é proteger os pobres das forcas malignas do capital.
Como pode ocorrer essa contradição tão flagrante entre o
mundo real, que exibe um capitalismo globalizado e pujante, levando
quase todos os países a uma fase de prosperidade sem precedentes, e o
domínio de um pensamento de esquerda anti-capitalista?
Uma explicação está na formação de boa parte das elites
brasileiras. Elas leram e estudaram Huberman. Não leram nem estudaram
Adam Smith. E parece que estão transmitindo o mesmo viés às novas
gerações. Os colégios que fazem provas com a Historia da Riqueza do
Homem não mandam os alunos ler A Riqueza das Nações. O equívoco escolar
leva a uma dificuldade na vida pratica, pois, formado, o aluno cai no
mundo de Adam Smith, não no de Huberman, que jaz na lata de lixo da
historia.
A história do PT é o exemplo prático dessa contradição.
Passou a vida defendendo o socialismo, condenando o neoliberalismo, para
chegar ao poder e verificar que não há outro caminho senão o
capitalismo globalizado. Como já disse Lula, muitas idéias da época da
oposição não serviam para pegar no concreto.
Mas o próprio Lula se mantém confuso. Outro dia, para
mostrar que sua política econômica é diferente da de FHC, alardeou que
acabou com a inflação, mandou o FMI embora e criou um mercado de massas
com as bolsas e a ampliação do crédito.
As missões do FMI ainda aparecem por aqui, mas apenas
para elogiar a política econômica de Lula. Não vêm cobrar porque o
governo pagou antecipadamente sua dívida, com os dólares obtidos com o
crescimento das exportações, resultado da prosperidade global. A
inflação foi liquidada pelo regime de metas com banco central autônomo,
política monetária que é o estado da arte da doutrina capitalista. E foi
o fim da inflação que permitiu a ampliação do credito, nas modalidades
mais modernas, outra criação capitalista moderna.
Tudo para reafirmar o socialismo...
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