sábado, 19 de março de 2011

Filosofia além do Iluminismo e do relativismo

ZP08052811 - 28-05-2008
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Entrevista ao decano da Faculdade de Filosofia da Urbaniana

ROMA, quarta-feira, 28 de maio de 2008 (ZENIT.org).- Foi apresentado hoje, em Roma, na sala Marconi da Rádio Vaticano, o livro em italiano do sacerdote Aldo Vendemiati, «Universalismo e relativismo nell’etica contemporanea» (Edições Marietti), que aponta para a busca de sentido, superando o universalismo ético iluminista e o relativismo pós-moderno e propõe um pluralismo fundado nos deveres e na responsabilidade.
O autor, especializado em ciências éticas e bioéticas, é professor de Filosofia Moral e decano da Faculdade de Filosofia da Universidade Pontifícia Urbaniana de Roma.
Para apresentar o livro de Vendemiati, estiveram o cardeal Carlo Caffarra, ex-professor de Teologia Moral e de Ética Médica, e a professora Franca D’Agostini, de Filosofia Contemporânea no Politécnico de Turim.
Para compreender as razões que estão no centro do debate, Zenit entrevistou Aldo Vendemiati.
-O Iluminismo expressou um pensamento ético fortemente universalista: basta pensar nas declarações «universais» dos direitos humanos. Como é que hoje isso parece estar «fora de moda»?
-Vendemiati: Isso depende do fato de que grande parte do pensamento contemporâneo é explicitamente cético sobre as possibilidades da razão. O enfoque culturalmente mais difundido é o voluntarista, segundo o qual seria possível conhecer o bem e a virtude só quando se soubesse o que Deus quer; mas sendo isto impossível em perspectiva ‘leiga’ (que nestes contextos significa simplesmente ‘não fideísta’), não resta outro critério fora do que as pessoas querem: não já o diálogo (que implica uma comunicação racional), mas o consenso entre as pessoas (sua «permissão») é o único princípio moral válido.
Pois bem, se esta é a perspectiva «leiga», das duas uma: ou esta é uma posição racional ou não o é. Se é racional, é porque – apesar do que sustentam seus defensores – se reconheceu o valor universal da autonomia, da negociação e da convivência pacífica. Se, pelo contrário, a proposta não é racional, se tudo repousa sobre a vontade das pessoas, não se vê por que se a deverá respeitar.
O fundamento teorético do pluralismo é, ao contrário, a afirmação de que nosso conhecimento está condicionado e que, portanto, se por um lado nenhum pensamento humano pode presumir de possuir a Verdade absoluta, por outro lado são possíveis diversos pontos de vista sobre uma mesma matéria, cada um dos quais está potencialmente em grau de contribuir para o conhecimento da própria matéria.
Quando, com Gadamer, afirmo «iniludível vínculo da razão com horizontes, tradições e situações», eu me situo, com a razão, sobre horizontes, tradições e situações e afirmo uma verdade de caráter universal.
Isso significa que o pensamento não é tal frágil como se quer fazer crer. A própria afirmação da condicionalidade pressupõe uma razão forte, seguramente uma razão pobre e nua – porque aquele que sabe com certeza é em verdade bastante pouco, e está cheia de dúvidas, titubeios, erros – mas tão forte como para reconhecer a própria pobreza e não envergonhar-se da própria nudez.
Penso, portanto, que seja não só necessário mas também possível superar o impasse que nos vê oprimidos entre o universalismo moderno e a «insustentável leveza» do relativismo pós-moderno.
-Quais são as motivações do relativismo atual? São a última palavra possível no campo da ética?
-Vendemiati: O pior serviço ao universalismo foi feito pelas ambições racionalistas e idealistas do pensamento ocidental, que pretenderam elevar a própria «razão» ao nível de «Razão» em absoluto, ou seja, de situar-se «desde o ponto de vista de Deus» (como diria H. Putnam), em outras coisas após ter negado valor cognoscitivo à fé n’Ele.
Em ética, isto se expressa assumindo a perspectiva da «terceira pessoa»: a reflexão moral consistiria na busca de normas, elaboradas «desde o ponto de vista de Deus», mas de um deus secularizado e imanente, coincidente – em última análise – com o legislador ou o juiz humano.
A tal pretensão se opõem as «razões» da democracia liberal, da antropologia, da hermenêutica, da epistemologia ou da própria ética contemporânea, que – de diversas maneiras – mostram a condicionalidade de nosso conhecimento, a vã inconsistência de quem pretende possuir a Verdade absoluta, o Inteiro, o Todo.
O pensamento único deve deixar-se empobrecer e desnudar por tais razões, para chegar a uma correta visão do pluralismo: sobre a mesma matéria são, de fato e de direito, possíveis diversos pontos de vista, cada um dos quais poderiam contribuir a uma melhor compreensão da realidade.
Contudo, é preciso guardar-se bem também dos «excessos de correção» nos quais as perspectivas relativistas vêm a cair. O relativismo, longe de garantir os valores do pluralismo e do diálogo entre as civilizações, nivela todos os enfoques ético-culturais em uma equivalência teorética e prática, da qual se sai unicamente com a violência da manipulação ou do terrorismo.
-Qual é o sentido e o papel da busca ético-racional para quem vive no horizonte da fé cristã?
-Vendemiati: O conhecimento racional tem uma especificidade própria que não pode nunca desaparecer. E isso é particularmente evidente hoje, na sociedade complexa e secularizada na qual nos movemos.
No debate sobre temas que despedaçam a consciência das nações e do mundo inteiro (por exemplo, sobre os temas da eutanásia, do aborto, da política econômica, etc), nós, cristãos, não podemos apoiar nossos argumentos a partir da autoridade do Evangelho, já que nos encontramos discutindo com pessoas (e são a maioria) que não reconhecem esta autoridade.
Devemos fundar racionalmente nossos argumentos. A tradição cristã, neste sentido, ensinou que a filosofia está «ao serviço» da teologia (philosophia ancilla theologiae). E se trata de um serviço prestado em duas frentes: por um lado, a teologia descobre algumas verdades que facilitam a acolhida do Evangelho; por outro lado, a filosofia desmascara alguns erros que impedem a acolhida do Evangelho.
Por outra parte, nós nos sentimos convidados por nossa própria fé a exercitar até o final a razão: um axioma teológico clássico diz: «A graça não destrói a natureza, mas a supõe»; em nosso campo isto pode ser traduzido assim: «A fé não destrói a razão, mas a supõe».
A fé não substitui a razão, mas a completa e a eleva: portanto, é necessário que haja algo a completar e elevar: uma atividade racional que a fé não substitui. Feita esta distinção metodológica, é agora possível sublinhar que para a ética é necessário pôr-se à escuta das grandes tradições religiosas e, em nosso caso, do cristianismo.
-É possível propor uma ética que permita dar razão às instâncias da autenticidade, da diversidade social e do reconhecimento? Ou estamos obrigados a submeter-nos à «ditadura do relativismo»?
-Vendemiati: Para a salvação do planeta e da humanidade que o habita, é necessário proporcionar as bases éticas de confrontação que possam garantir o diálogo, e, se não a convivência pacífica, ao menos uma eqüitativa resolução dos conflitos.
Se não é possível considerar alguma civilização concreta como uma cultura universalmente válida, não é nem sequer possível negar que há valores universalmente válidos aos que todas as civilizações podem (com maior ou menor esforço) em última análise remeter-se.
Este é o sentido de uma busca sobre o universalismo moral. Para fazer isto é necessário que a ética se ponha à escuta das grandes tradições religiosas: estas são um horizonte interpretativo universal, capaz de oferecer um sentido último à vida e à morte. Nelas, efetivamente, os valores, as normas e as motivações ficam garantidas.
Incondicionalmente, concretizados, capazes de criar segurança espiritual, confiança e esperança.
Onde, ao contrário, a secularização corta o cordão umbilical entre as grandes tradições da fé e a busca racional, ou onde o fundamentalismo exclui a possibilidade da própria busca racional, os riscos são evidentes. O fundamentalismo, quando não conduz ao isolamento e à incomunicabilidade, desemboca no conflito e no terrorismo.
O secularismo tende a substituir a verdade pelo consenso, e – como assinala Ratzinger – «quão frágeis são os consensos e que rapidamente, em um certo clima intelectual, grupos partidários podem impor-se como os únicos representantes autorizados do progresso e da responsabilidade, está diante dos olhos de todos nós».

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