domingo, 29 de agosto de 2010

O sentido da História

O HISTORIADOR CRISTÃO:
1- Considera o sobrenatural na história de cada um e da sociedade, que o homem foi chamado ao sobrenatural pela Graça e que não há história puramente humana. Nega que o mundo e a vida são obras do acaso. Sabe que Deus criou e governa o mundo.
2- Reconhece Jesus Cristo como o Filho de Deus que se fez homem para a nossa salvação e que a Igreja foi fundada por Ele, tem sucessão Apostólica na pessoa do Santo Padre e dos Bispos e a assistência do Espírito Santo até o final dos séculos.
3- Vê no Cristianismo a Revelação de Deus, o mais perfeito e coerente conjunto de verdades e valores necessários para a salvação e para no plano terreno a construção de uma sociedade justa e fraterna.
4- Condena as escolas historiográficas fatalistas, materialistas e relativistas, que interpretam a história prescindindo de Deus, do sobrenatural e dos valores cristãos, que negam a civilização cristã, atacando e procurando desmoralizar a Igreja e erradicar a fé das consciências.
5- Considera o pecado original, que o mal existe. E a história, mais que a Luta de Classes proposta por Marx, é a luta do bem contra o mal, dos que procuram servir a Deus e construir a verdadeira civilização (Cidade de Deus), contra os que desconhecendo a Deus colocam o homem como deus, servindo às riquezas, ao prazer e ao poder (Cidade dos Homens).
6- Relata o contrato de Deus com o povo judeu, que guardou a Revelação, as tradições, os princípios morais na esperança do Messias, Jesus Cristo, redentor da humanidade. Por isso sabe que a culminância da História é o Nascimento de Cristo e que a única divisão que realmente faz sentido é esta: a.C (antes de Cristo) e d. C (depois de Cristo).
7- Reconhece e relata os milagres da conversão do Império Romano e dos povos bárbaros, por força da pregação, da santidade, do bom exemplo dos mártires, das respostas satisfatórias que só o Cristianismo dá para as perguntas que o homem sempre se fez (de onde vim? Para onde vou? etc) e que a Igreja, apesar de ter sido tão atacada, pelos inimigos externos e internos (hereges e cismáticos) continuou ao longo dos séculos.
8- Comenta o papel histórico dos grandes santos na história, na conversão dos povos, nas ciências, no progresso técnico, nas Artes e na cultura, na construção da civilização. Por exemplo São Bento, que tanto contribuiu para a construção da civilização Ocidental através de tantos mosteiros espalhados pela Europa; São Tomás de Áquino, mestre da Escolástica, Filosofia que buscou a conciliação perfeita da Fé e da Razão; São Francisco de Assis, São Francisco Xavier, tantos santos reis, rainhas, imperadores e imperatrizes e tantos outros.
9- Analisa a Reforma e o Renascimento, O Iluminismo, a  Revolução Francesa e o Comunismo como as grandes revoluções da história, que tiveram um papel fundamental na descristianização do Ocidente, através da negação do sobrenatural e da Graça, da autoridade da Igreja e até do próprio Deus.
10- Interpreta os acontecimentos iluminados pela Razão e pela Fé, à luz do Evangelho, de acordo com o contexto histórico, levando em consideração a mentalidade da época. Assim identifica a Idade Média como a época de ouro da civilização cristã, onde os princípios cristãos governavam os povos e rebate todas as acusações contra as Cruzadas, Inquisição e em geral contra a Igreja, buscando a verdade dos fatos, nos escritos de historiadores sérios, imparciais. Reconhece as falhas humanas, mas sabe que a Igreja é uma instituição humana e divina, valoriza tudo de bom que a Igreja fez pela civilização.

Professor Faria

EUA: bispos festejam sentença contra células embrionárias

ZP10082610 - 26-08-2010
Permalink: http://www.zenit.org/article-25846?l=portuguese



WASHINGTON, quinta-feira, 26 de agosto de 2010 (ZENIT.org) – Os bispos americanos acolheram com satisfação a sentença da Corte Federal de fazer que a administração Obama detenha o financiamento das pesquisas com células tronco embrionárias.

Em comunicado firmado pelo cardeal Daniel DiNardo, presidente do Comitê de Atividades Pró Vida da Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos, qualifica-se a decisão judicial de uma “grande vitória para uma ética médica sólida”.

Também afirmou que esta decisão judicial respeita “a emenda Dickey, aprovada pelo Congresso em 1996, que não permite o financiamento federal de qualquer pesquisa que cause dano ou destruição de embriões humanos”.

“Espero que esta decisão da Corte motive nosso governo a renovar e expandir seu compromisso com outras vias de pesquisa com células tronco que são eticamente aceitáveis”, acrescenta o comunicado.

Estas outras linhas de pesquisa, com células tronco adultas, explica, “estão demonstrando maior promessa para aliviar os sofrimentos dos pacientes que a manipulação destrutiva de embriões humanos”.

Os bispos recordam que desde 1996, o congresso aprova anualmente a conhecida “emenda Dickey”, para proibir o financiamento de qualquer “pesquisa” que danifique ou destrua embriões humanos.

O objetivo desta emenda, acrescenta a nota, era garantir que os contribuintes americanos “não se vejam forçados a financiar projetos de investigação científica que impliquem a destruição da vida humana em seu estado primário”.

Contudo, começando por uma medida da administração Clinton em janeiro de 1999, esta lei "foi distorcida e reduzida", para permitir o financiamento federal desse tipo de pesquisa. Os bispos americanos, recorda a nota, sempre denunciaram esta e outras manipulações legais.

“A tarefa de todo bom governo é usar seu poder de financiamento onde há de melhor servir e respeitar a vida humana, e não buscar novas formas de fugir desta responsabilidade”, afirmam os bispos.

Juiz dos EUA derruba regras de Obama para células-tronco

Publicada em 23/08/2010 às 18h15m
Reuters

WASHINGTON - Um tribunal dos EUA concedeu na segunda-feira liminar contra o uso de verbas públicas federais em pesquisas com células-tronco de embriões humanos, contrariando assim as novas diretrizes do governo de Barack Obama.

Pesquisadores solicitaram a liminar em junho, alegando que a pesquisa contraria a lei por envolver a destruição dos embriões. Em sua decisão de 15 páginas, o juiz Royce Lamberth concordou que a prática é "claramente uma pesquisa em que um embrião é destruído".

O governo Obama pode recorrer da decisão, ou rever suas diretrizes. O Departamento de Justiça ainda não se pronunciou.

Alguns grupos cristãos contrários à pesquisa com embriões apoiaram a ação judicial, movida por cientistas que tentam desenvolver células-tronco a partir de organismos adultos. (Reportagem de Jeremy Pelofsky)

Discurso de Bento XVI aos universitários

CIDADE DO VATICANO, domingo, 9 de agosto de 2009 (ZENIT.org).- Publicamos o discurso que Bento XVI dirigiu aos participantes no primeiro encontro europeu de estudantes universitários, na Sala das Bênçãos, no Vaticano, dia 11 de julho. A tradução ao português foi difundida recentemente pela Santa Sé.

* * *

Senhor Cardeal
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Prezados irmãos e irmãs

Obrigado de coração por esta visita, que tem lugar no dia da festa de São Bento, Padroeiro da Europa, por ocasião do primeiro Encontro europeu de estudantes universitários, promovido pela Comissão Catequese-Escola-Universidade do Conselho das Conferências Episcopais Europeias (CCEE). A cada um de vós aqui presentes, dirijo as minhas mais cordiais boas-vindas. Saúdo em primeiro lugar o Bispo D. Marek Jedraszewski, Vice-Presidente da Comissão, e agradeço-lhe as palavras que me dirigiu em vosso nome. Saúdo de modo especial o Cardeal Vigário Agostino Vallini e manifesto-lhe toda a minha gratidão pelo precioso serviço que a pastoral universitária de Roma presta à Igreja que está na Europa. E não posso deixar de elogiar Mons. Lorenzo Leuzzi, incansável animador do Ofício diocesano. Além disso, saúdo com profundo reconhecimento o Prof. Renato Lauro, Magnífico Reitor da Universidade de Roma Tor Vergata. E dirijo o meu pensamento sobretudo a vós, queridos jovens: bem-vindos à casa de Pedro! Vós pertenceis a trinta e uma nações, e estais a preparar-vos para assumir importantes funções e tarefas na Europa do terceiro milénio. Estai sempre conscientes das vossas potencialidades e, ao mesmo tempo, também das vossas responsabilidades.

O que a Igreja espera de vós? É o mesmo tema sobre o qual estais a reflectir, que sugere a resposta oportuna: "Novos discípulos de Emaús. Como cristãos na universidade". Depois do encontro europeu de professores, realizado há dois anos, também vós estudantes vos encontrais agora para oferecer às Conferências Episcopais da Europa a vossa disponibilidade para continuar o caminho de elaboração cultural que São Bento intuiu como necessário para a maturação humana e cristã dos povos da Europa. Isto pode verificar-se se vós, como os discípulos de Emaús, vos encontrardes com o Senhor ressuscitado na experiência eclesial concreta, e de modo particular na celebração eucarística. "Com efeito, em cada Missa — pude recordar aos vossos coetâneos há um ano, durante a Jornada Mundial da Juventude em Sydney— o Espírito Santo desce novamente, invocado na solene oração da Igreja, não apenas para transformar os nossos dons do pão e do vinho no Corpo e no Sangue do Senhor, mas também para transformar as nossas vidas, para fazer de nós, com a sua força, um único corpo e um só espírito em Cristo" (Homilia na missa de conclusão, 20 de julho de 2008). Por conseguinte, o vosso compromisso missionário no âmbito universitário consiste em dar testemunho do encontro pessoal que tivestes com Jesus Cristo, Verdade que ilumina o caminho de cada homem. É do encontro com Ele que brota aquela "novidade do coração", capaz de dar uma orientação nova à existência pessoal; e só assim nos tornamos fermento e levedura de uma sociedade vivificada pelo amor evangélico.

Então, como é fácil compreender, também a acção pastoral universitária deve exprimir-se em todo o seu valor teológico e espiritual, ajudando os jovens a fazer com que a comunhão com Cristo os leve a compreender o mistério mais profundo do homem e da história. E, precisamente por esta sua acção evangelizadora específica, as comunidades eclesiais comprometidas nesta acção missionária, como por exemplo as capelanias universitárias, podem ser o lugar da formação de crentes maduros, homens e mulheres conscientes de que são amados por Deus e chamados, em Cristo, a tornar-se animadores da pastoral universitária. Na universidade, a presença cristã faz-se cada vez mais exigente e, ao mesmo tempo, fascinante, porque a fé é chamada, como nos séculos passados, a oferecer o seu serviço insubstituível ao conhecimento que, na sociedade contemporânea, é o verdadeiro motor do desenvolvimento. Do conhecimento, enriquecido com a contribuição da fé, depende a capacidade de um povo de saber olhar para o futuro com esperança, vencendo as tentações de uma visão puramente materialista da nossa essência e da história.

Queridos jovens, vós sois o futuro da Europa. Imersos nestes anos de estudo no mundo do conhecimento, sois chamados a investir os vossos melhores recursos, não apenas intelectuais, para consolidar as vossas personalidades e contribuir para o bem comum. Trabalhar pelo desenvolvimento do conhecimento é a vocação específica da universidade, e exige qualidades morais e espirituais cada vez mais elevadas, diante da vastidão e da complexidade do saber que a humanidade tem à sua disposição. A nova síntese cultural, que nesta época está a ser elaborada na Europa e no mundo globalizado, tem necessidade da contribuição de intelectuais capazes de repropor nas aulas académicas o discurso sobre Deus, ou melhor, de fazer renascer aquele desejo do homem de se pôr à procura de Deus — quaerere Deum — ao qual me referi noutras ocasiões.

Enquanto agradeço a quantos trabalham no campo da pastoral universitária, sob a orientação dos organismos do Conselho das Conferências Episcopais Europeias, formulo votos a fim de que continuem o caminho profícuo começado há alguns anos e pelo qual manifesto o meu mais profundo apreço e encorajamento. Estou persuadido de que o vosso encontro destes dias em Roma poderá indicar ulteriores etapas a percorrer, em vista de um projecto orgânico, que favoreça o envolvimento e a comunhão entre as diversas experiências já activas em muitos países. Vós, prezados jovens, contribuís juntamente com os vossos professores, para criar laboratórios da fé e da cultura, compartilhando o cansaço do estudo e da pesquisa com todos os amigos que encontrais na universidade. Amai as vossas universidades, que são palestras de virtude e de serviço. A Igreja na Europa confia muito no compromisso apostólico generoso de todos vós, consciente dos desafios e das dificuldades, mas inclusive das numerosas potencialidades da acção pastoral no âmbito universitário. Quanto a mim, asseguro-vos o sustento da oração e sei que por minha vez posso contar com o vosso entusiasmo, com o vosso testemunho, sobretudo com a vossa amizade, que hoje me manifestastes e que vos agradeço de coração.

São Bento, Padroeiro da Europa e meu Padroeiro pessoal no Pontificado, e sobretudo a Virgem Maria, por vós invocada como Sedes Sapientiae, vos acompanhem e guiem os vossos passos. A todos, a minha Bênção.

© Copyright 2009 - Libreria Editrice Vaticana

A Tecnologia salva a humanidade?

A tecnologia é fundamental para o progresso e o desenvolvimento da humanidade. O ser humano, dotado de racionalidade por Deus, cria tecnologia para facilitar o seu viver. Foi assim ao longo da história da humanidade. Desde as cavernas até os modernos arranha-céus do século XX, desde a descoberta do fogo até a invenção do chipp, o homem buscou aprimorar sua vida sobre a terra.
Mas a tecnologia que cria o progresso, salva vidas, nem sempre foi utilizada para o bem estar da humanidade. Quantas vezes modernas técnicas serviram para matar, basta ver como as guerras do seculo XX, em especial as duas guerras mundiais, aprimoraram a arte de matar. O século XX produziu 100 milhões de mortos. Outro aspecto que vale destacar é a questão da tecnologia como meio de inserção social e redução das desigualdades sociais, o que de certa forma tem acontecido a passos lentos. Ocorre toda uma exclusão digital que alimenta a exclusão social, uma vez que quem não tem acesso a era digital acaba por se excluir do mercado de trabalho.
A tecnologia salva a humanidade? Depende. Se utilizada para o bem é capaz de salvar vidas e desenvolver a qualidade de vida. Mas, mal utilizada, usada para o mal ou sem princípios da ética e da moralidade é prejudicial para a sociedade. Como é o caso da pesquisa com células tronco embrionárias, autorizadas recentemente nos Estados Unidos, que mata embriões humanos em nome da "ciência". Diz o Papa Bento XVI na sua nova Encíclica, Caridade na Verdade, que um dos graves erros modernos é a absolutização da técnica, compreender a teconologia como capaz de resolver todos os problemas da humanidade. A ciência não resolve tudo, o homem não pode prescindir da família, dos valores morais e de Deus.
professor Faria.

Quem é Católico pode ser "de Esquerda"?

Autor: Pastoral da Comunicação ((bruno@catolicosempre.org.br))



Apostolado Veritatis Splendor: QUEM É CATÓLICO PODE SER "DE ESQUERDA"?. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/5143. Desde 6/9/2008.

Por Marcos Monteiro Grillo


"Socialismo religioso, socialismo católico são termos contraditórios: ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista." Papa Pio XI, Encíclica Quadragesimo Anno)

Se ser "de esquerda" significasse simplesmente uma preocupação com os pobres, com os marginalizados etc., não haveria problema algum em um católico ser de esquerda. Acontece que ser de esquerda não é meramente preocupar-se com os pobres e com os problemas sociais, e é absolutamente fundamental que essa distinção fique bem clara, pois é com esse discurso, de que ser de esquerda é ficar do lado dos pobres, que os arautos do esquerdismo têm levado muitas pessoas, principalmente os jovens (naturalmente idealistas), para as fileiras socialistas. Vejamos, pois, em que realmente consiste ser "de esquerda".

Luta de classes: dogma básico da ideologia esquerdista

Em primeiro lugar, ser de esquerda significa, necessariamente, aderir a uma ideologia, a uma visão de mundo, enfim, a um conjunto de idéias e princípios que determinam o modo pelo qual o esquerdista enxerga e compreende a realidade. E mesmo quem nunca leu nada sobre o pensamento esquerdista sabe, mesmo que inconscientemente, que um dos dogmas dessa ideologia, talvez o dogma principal, é a luta de classes, que podemos definir, sucintamente, como o embate entre os ricos e os pobres, entre os "opressores" e os "oprimidos", entre os "donos do capital" (ou capitalistas) e os trabalhadores. Em suma, luta de classes é a idéia segundo a qual em todas as relações sociais existe essa tensão entre os "fortes" e os "fracos", e praticamente toda a realidade é afetada por esse embate, na medida em que todas as ações são determinadas pelos interesses desta ou daquela classe. De acordo com o esquerdismo, até mesmo os princípios éticos e morais estão sujeitos à luta de classes, no sentido de que, na luta contra os "poderosos" em favor dos "fracos", vale tudo, até mesmo mentir, roubar, desviar dinheiro público etc. Mas é preciso que o católico saiba que a Igreja reprova a teoria da luta de classes. Vejamos, por exemplo, o que nos ensinou o Papa João Paulo II sobre essa teoria:

"77. A Igreja, encorajando a criação e a ação de associações — tais os sindicatos — que lutam pela defesa dos interesses legítimos dos trabalhadores pela justiça social, nem por isso admite a teoria que vê na luta de classes o dinamismo estrutural da vida social. A ação que a Igreja preconiza não é a luta de uma classe contra outra para eliminar o adversário, nem provém da submissão aberrante a uma pretensa lei da história, mas se trata de uma luta nobre e ponderada, visando à justiça e à solidariedade sociais. Aliás, o fiel cristão sempre preferirá a via do diálogo e do acordo. Cristo nos deu o mandamento do amor aos inimigos (cf. Mt 5,44; Lc 6,27s 35). No espírito do Evangelho, a libertação é, portanto, incompatível com o ódio pelo outro, considerado individual ou coletivamente, inclusive o ódio ao inimigo."[1]

É inegável que a luta de classes, princípio fundamental da ideologia esquerdista, alimenta o ódio entre as pessoas e os grupos sociais. Quem adere ao esquerdismo é inevitavelmente tomado por esse ódio, mesmo que nunca tenha ouvido falar do conceito de luta de classes. E esse ódio esquerdista, por seu turno, é dirigido a todas as pessoas e instituições que possam, na visão esquerdista, simbolizar a "classe dominante". As Organizações Globo, os empresários, as pessoas mais abastadas e os países ricos (sobretudo os EUA), por exemplo, tornam-se objeto do ódio esquerdista, na medida em que servem à opressão dos poderosos sobre os mais fracos. E é de se notar que a própria Igreja passa a ser objeto desse ódio:"

12. Mas as 'teologias da libertação' que aqui nos referimos entendem por Igreja do povo uma Igreja de classe, a Igreja do povo oprimido, Igreja que deve ser 'conscientizada' em vista da luta libertadora organizada. O povo assim entendido chega mesmo a tornar-se, na opinião de alguns, objeto de fé.

13. A partir de tal imagem da Igreja do povo elabora-se uma crítica das próprias estruturas da Igreja. Não se trata apenas de uma correção fraterna dirigida aos pastores da Igreja cujo procedimento não reflita o espírito evangélico de serviço e se apegue a sinais anacrônicos de autoridade que escandalizam os pobres. Trata-se, sim, de pôr em xeque a estrutura sacramental e hierárquica da Igreja tal como a desejou o próprio Senhor. Na hierarquia e no magistério são denunciados os que desempenham objetivamente o papel da classe dominante, que é preciso combater. Teologicamente, esta posição equivale a afirmar que o povo é a fonte dos ministérios e, portanto, pode dotar-se de ministros à sua escolha, de acordo com as necessidades de sua tarefa revolucionária histórica."[2]

É claro que um esquerdista que ler esse texto retrucará dizendo que não tem ódio por ninguém, mas sim "amor pelos pobres" (vide a famosa "opção preferencial pelos pobres", da teologia da libertação). E mesmo que tal esquerdista admita que realmente sente ódio aos "ricos", aos "poderosos" etc., ele justificará esse ódio afirmando que é a luta em defesa dos "oprimidos" que o faz ter ódio aos "opressores". Mas, como lemos no documento já citado, "no espírito do Evangelho, a libertação é, portanto, incompatível com o ódio pelo outro, considerado individual ou coletivamente, inclusive o ódio ao inimigo." Cristo, como sabemos, nos deu o mandamento e o exemplo do amor, não do ódio.

Ainda sobre a luta de classes, convém ler o que escreveu o Papa Pio XI, em sua Encíclica Quadragesimo Anno:

"Mas não se vá julgar que os partidos socialistas, não filiados ainda no comunismo, professam já todos teórica e praticamente esta moderação. Em geral não renegam a luta de classes nem a abolição da propriedade, apenas a mitigam. Ora se os falsos princípios assim se mitigam e obliteram, pergunta-se, ou melhor perguntam alguns sem razão, se não será bem que também os princípios católicos se mitiguem e moderem, para sair ao encontro do socialismo e congraçar-se com ele a meio caminho? Não falta quem se deixe levar da esperança de atrair por este modo os socialistas. Esperança vã! Quem quer ser apóstolo entre os socialistas, é preciso que professe franca e lealmente toda a verdade cristã, e que de nenhum modo feche os olhos ao erro. Esforcem-se antes, se querem ser verdadeiros arautos do Evangelho, por mostrar aos socialistas, que as suas reclamações, na parte que tem de justas, se defendem muito mais vigorosamente com os princípios da fé e se promovem muito mais eficazmente com as forças da caridade."[3]

Em outras palavras, é preciso que os católicos saibam que a solidariedade, a fraternidade e a justiça, muito antes de constituírem uma espécie de "monopólio" dos esquerdistas, são valores que se defendem e se promovem muito mais eficazmente a partir dos princípios da fé cristã e da força do amor, e não segundo as idéias esquerdistas, as quais, como vimos, só produzem o ódio e a inveja, conforme deixa claro o trecho abaixo, da já citada Instrução da Congregação da Doutrina da fé "Libertatis nuntius":

"Por conseguinte, o ingresso na luta de classes é apresentado como uma exigência da caridade como tal; denunciam-se como atitudes obstaculizadoras e contrárias ao amor aos pobres a vontade de amar desde já todos os homens, qualquer que seja a classe a que pertença, bem como o empenho em ir a seu encontro pelas vias não violentas do diálogo e da persuasão. Se, porém, se afirma que o homem não pode ser objeto de ódio, afirma-se simultaneamente do mesmo modo que, pelo fato de pertencer objetivamente ao mundo dos ricos, ele deve, por princípio, ser combatido como inimigo de classe. Como conseqüência, a natureza universal do amor ao próximo e a fraternidade transformam-se num princípio escatológico, que terá validade somente para o 'homem novo' que deve surgir da revolução vitoriosa."[4]

Com relação à atração que alguns católicos sentem pela ideologia socialista, é de extrema importância lermos as advertências abaixo, do Papa Paulo VI:

"31. Há cristãos, hoje em dia, que se sentem atraídos pelas correntes socialistas e pelas suas diversas evoluções. Eles procuram descobrir aí um certo número de aspirações, que acalentam em si mesmos, em nome da sua fé. Em determinado momento têm a sensação de estar inseridos numa corrente histórica e querem realizar aí a sua ação. Mas sucede que, conforme os continentes e as culturas, esta corrente histórica assume formas diversas, sob um mesmo vocábulo; contudo, tal corrente foi e continua a ser, em muitos casos, inspirada por ideologias incompatíveis com a fé cristã. Impõe-se, por conseguinte um discernimento atento. Muito freqüentemente, os cristãos atraídos pelo socialismo têm tendência para o idealizar, em termos muito genéricos, aliás: desejo de justiça, de solidariedade e de igualdade. Eles recusam-se a reconhecer as pressões dos movimentos históricos socialistas, que permanecem condicionados pelas suas ideologias de origem. Entre os diversos escalões de expressão do socialismo - uma aspiraçâo generosa e uma procura diligente de uma sociedade mais justa, movimentos históricos que tenham uma organização e uma finalidade política, ou, ainda, uma ideologia que pretenda dar uma visão total e autônoma do homem - devem fazer-se distinções, que hão de servir para guiar opções concretas. No entanto, essas distinções não devem ir até ao extremismo de considerar esses diversos escalões de expressão do socialismo como completamente separados e independentes. A ligação concreta que, conforme as circunstâncias, existe entre eles, tem de ser lucidamente notada; e então, uma tal perspicácia permitirá aos cristãos estabelecer o grau de compromisso possível nessa causa, salvaguardados os valores, principalmente, de liberdade, de responsabilidade e de abertura ao espiritual, que garantam o desabrochamento integral do homem.

Evolução histórica do marxismo

32. Outros cristãos perguntam-se mesmo, se uma evolução histórica do marxismo não permitiria algumas aproximações concretas. Eles verificam que se deu, de fato, uma certa explosão do mesmo marxismo, o qual, até agora se apresentava como uma ideologia unitária, explicativa da totalidade do homem e do mundo no seu processo de desenvolvimento, e, portanto, atéia. Com efeito, para além do contraste ideológico que põe frente-a-frente, separando-os oficialmente entre si, os vários defensores do marxismo-leninismo, com a sua interpretação prospectiva do pensamento dos fundadores; para além das oposições abertas entre os sistemas políticos que atualmente derivam o nome desse mesmo pensamento: há alguns que estabelecem distinções entre os diversos escalões de expressão do marxismo.

33. Para uns, o marxismo continua a ser, essencialmente, uma prática ativa da luta de classes. Por isso mesmo que têm a experiência vivida da força sempre presente e a renascer sem cessar, daquelas relações de dominação e de exploração entre os homens, estes que assim encaram o maxismo reduzem-no freqüentemente a ser apenas a tal luta, por vezes sem nenhum outro objetivo; luta que é preciso prosseguir, e até mesmo suscitar, de modo permanente. Para outros, o marxismo será prevalentemente o exercício coletivo de um poder político e econômico, sob a direção do partido único, que intenta ser, ele somente, expressão e garantia do bem de todos, subtraindo aos indivíduos e aos outros grupos toda e qualquer possibilidade de iniciativa e de escolha. A um terceiro nível, o marxismo, quer esteja no poder, quer não, é algo que se relaciona com uma ideologia socialista, à base de materialismo histórico e de negação de tudo o que é transcendente.

Noutra perspectiva, finalmente, o marxismo apresenta-se sob uma forma mais atenuada e mais sedutora para o espírito moderno: como uma atividade científica, como um método rigoroso de exame da realidade social e política, ou ainda, como a ligação racional e experimentada pela história, entre o conhecimento teórico e a prática da transformação revolucionária. Se bem que este tipo de análise favoreça determinados aspectos da realidade, em detrimento dos outros, e os interprete em função da ideologia, ele proporciona entretanto a alguns, com um instrumento de trabalho, uma certeza preliminar para a ação: a pretensão de decifrar, sob um prisma científico, as molas reais da evolução da sociedade.

34. Se nesta gama do marxismo, tal como ele é vivido concretamente, se podem distinguir estes diversos aspectos e as questões que eles levantam aos cristãos para a reflexão e para a ação, seria ilusório e perigoso mesmo, chegar-se ao ponto de esquecer a ligação íntima que os une radicalmente, e de aceitar os elementos de análise marxista sem reconhecer as suas relações com a ideologia, e ainda, de entrar na prática da luta de classes e da sua interpretação marxista, esquecendo-se de atender ao tipo de sociedade totalitária e violenta, a que conduz este processo."[5]

E quanto ao socialismo "lignt"?

Note, caro leitor, que embora haja variações dentro do pensamento esquerdista, que vão desde o marxismo radical até o socialismo light, todas as formas de esquerdismo, em última análise, são contrárias à fé católica, na medida em que, como já foi dito, a adesão ao esquerdismo implica a aceitação um conjunto de idéias e princípios que são incompatíveis com a nossa fé (voltaremos a falar sobre esse ponto mais à frente).

Sobre a evolução do pensamento esquerdista e suas variações, leiamos o que disse o Papa Pio XI:

"Evolução do socialismo"

Não menos profunda que a da economia, foi desde o tempo de Leão XIII a evolução do socialismo, contra o qual principalmente terçou armas o Nosso Predecessor. Então podia ele dizer-se único, defendia uma doutrina bem definida e reduzida a sistema; depois dividiu-se em duas facções principais, de tendências pela maior parte contrárias, e irreconciliáveis entre si, conservando porém ambas o princípio fundamental do socialismo primitivo, contrário à fé cristã.

O partido da violência ou comunismo

Uma das facções seguiu uma evolução paralela à da economia capitalista, que antes descrevemos, e precipitou no comunismo, que ensina duas coisas e as procura realizar, não oculta ou solapadamente, mas à luz do dia, francamente e por todos os meios ainda os mais violentos: guerra de classes sem tréguas nem quartel e completa destruição da propriedade particular. Na prossecução destes objectivos a tudo se atreve, nada respeita; uma vez no poder, é incrível e espantoso quão bárbaro e desumano se monstra. Aí estão a atestá-lo as mortandades e ruínas de que alastrou vastíssimas regiões da Europa oriental e da Ásia; e então o ódio declarado contra a santa Igreja e contra o mesmo Deus demasiado o provam essas monstruosidades sacrílegas bem conhecidas de todo o mundo. Por isso, se bem julgamos supérfluo chamar a atenção dos filhos obedientes da Igreja para a impiedade e iniquidade do comunismo, contudo não é sem uma dor profunda, que vemos a apatia dos que parecem desprezar perigos tão iminentes, e com desleixo pasmoso deixam propagar por toda a parte doutrinas, que porão a sociedade a ferro e fogo. Sobretudo digna de censura é a inércia daqueles, que não tratam de suprimir ou mudar um estado de coisas, que, exasperando os ânimos, abre caminho à subversão e ruína completa da sociedade.

O socialismo propriamente dito, ou mitigado

Mais moderada é a outra facção, que conservou o nome de socialismo: porque não só professa abster-se da violência, mas abranda e limita de algum modo, embora não as suprima de todo, a luta de classes e a extinção da propriedade particular. Dir-se-ia que o socialismo, aterrado com as consequências que o comunismo deduziu de seus próprios princípios, tende para as verdades que a tradição cristã sempre solenemente ensinou, e delas em certa maneira se aproxima; por quanto é inegável que as suas revindicações concordam às vezes muitíssimo com as reclamações dos católicos que trabalham na reforma social.

Com efeito a luta de classes, quando livre de inimizades e ódio mútuo, transforma-se pouco a pouco numa concorrência honesta, fundada no amor da justiça, que se bem não é aquela bem-aventurada paz social, por que todos suspiramos, pode e deve ser o princípio da mútua colaboração. Do mesmo modo a guerra à propriedade particular, afrouxando pouco a pouco, chega a limitar-se a ponto de já não agredir a posse do necessário à produção dos bens, mas aquele despotismo social, que a propriedade contra todo o direito se arrogou. E de facto um tal poder não pertence aos simples proprietários mas à autoridade pública. Por este caminho podem os princípios deste socialismo mitigado vir pouco a pouco a coincidir com os votos e reclamações dos que procuram reformar a sociedade segundo os princípios cristãos. Estes com razão pretendem que certos géneros de bens sejam reservados ao Estado, quando o poderio que trazem consigo é tal, que, sem perigo do mesmo Estado, não pode deixar-se em mãos dos particulares.

Tão justos desejos e revindicações em nada se opõem à verdade cristã, e muito menos são exclusivos do socialismo. Por isso quem só por eles luta, não tem razão para declarar-se socialista.

Mas não se vá julgar que os partidos socialistas, não filiados ainda no comunismo, professam já todos teórica e praticamente esta moderação. Em geral não renegam a luta de classes nem a abolição da propriedade, apenas a mitigam. Ora se os falsos princípios assim se mitigam e obliteram, pergunta-se, ou melhor perguntam alguns sem razão, se não será bem que também os princípios católicos se mitiguem e moderem, para sair ao encontro do socialismo e congraçar-se com ele a meio caminho? Não falta quem se deixe levar da esperança de atrair por este modo os socialistas.

Esperança vã! Quem quer ser apóstolo entre os socialistas, é preciso que professe franca e lealmente toda a verdade cristã, e que de nenhum modo feche os olhos ao erro. Esforcem-se antes, se querem ser verdadeiros arautos do Evangelho, por mostrar aos socialistas, que as suas reclamações, na parte que tem de justas, se defendem muito mais vigorosamente com os princípios da fé e se promovem muito mais eficazmente com as forças da caridade.

Contrasta com a doutrina católica

E se o socialismo estiver realmente tão moderado no tocante à luta de classes e à propriedade particular, que já não mereça nisto a mínima censura? Terá renunciado por isso à sua natureza essencialmente anticristã? Eis uma dúvida, que a muitos traz suspensos. Muitíssimos católicos convencidos de que os princípios cristãos não podem jamais abandonar-se nem obliterar-se, volvem os olhos para esta Santa Sé e suplicam instantemente, que definamos se este socialismo repudiou de tal maneira as suas falsas doutrinas, que já se possa abraçar e quase baptizar, sem prejuízo de nenhum princípio cristão. Para lhes respondermos, como pede a Nossa paterna solicitude, declaramos: O socialismo quer se considere como doutrina, quer como facto histórico, ou como « acção », se é verdadeiro socialismo, mesmo depois de se aproximar da verdade e da justiça nos pontos sobreditos, não pode conciliar-se com a doutrina católica; pois concebe a sociedade de modo completamente avesso à verdade cristã.

Com efeito : segundo a doutrina cristã o homem sociável por natureza é colocado nesta terra, para que, vivendo em sociedade e sob a autoridade ordenada por Deus, cultive e desenvolva plenamente todas as suas faculdades, para louvor e glória do Criador, e pelo fiel cumprimento dos deveres da sua profissão ou vocação, qualquer que ela seja, grangeie a felicidade temporal e eterna. Ora o socialismo, ignorando por completo ou desprezando este fim sublime dos indivíduos e da sociedade, opina que o consórcio humano foi instituído só pela vantagem material que oferece. E na verdade do facto que o trabalho convenientemente organizado é muito mais produtivo que os esforços isolados, os socialistas concluem, que a actividade económica deve necessariamente revestir uma forma social.

Desta necessidade segue-se, segundo eles, que os homens por amor da produção são obrigados a entregar-se e sujeitar-se completamente à sociedade. Mais: estimam tanto os bens materiais, que servem à comodidade da vida, que afirmam deverem pospor-se e mesmo sacrificar-se quaisquer outros bens superiores e em particular a liberdade às exigências de uma produção activíssima. Esta perda da dignidade humana, inevitável no sistema da produção « socializada », julgam-na bem compensada com a abundância dos bens que, produzidos socialmente, serão distribuídos pelos indivíduos, e estes poderão livremente aplicar a uma vida mais cómoda e faustosa. Em consequência a sociedade sonhada pelo socialismo não pode existir nem conceber-se sem violências manifestas; por outra parte goza de uma liberdade não menos falsa, pois carece de verdadeira autoridade social; esta não pode fundar-se nos cómodos materiais, mas provém somente de Deus Criador e fim último de todas as coisas. (55)

Católicos e socialistas termos contraditórios

E se este erro, como todos os mais, encerra algo de verdade, o que os Sumos Pontífices nunca negaram, funda-se contudo numa própria concepção da sociedade humana, diametralmente oposta à verdadeira doutrina católica. Socialismo religioso, socialismo católico são termos contraditórios: ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista."[6]

Leiamos agora mais um trecho de um documento do Magistério sobre a evolução do esquerdismo e suas variantes:

"8. Ninguém nega que, desde suas origens, e bem mais nestes últimos anos, o pensamento marxiano se diversificou, dando origem a diversas opiniões que divergem consideravelmente entre si. Na medida, porém, em que se manem verdadeiramente marxianas, estas opiniões continuam vinculadas a algumas eses fundamentais que não são compatíveis com a concepção cristã do homem e da sociedade.

Daí se seque que certas fórmulas já não são totalmente neutras, mas conservam a significação que receberam no pensamento primigênio dos marxistas. Isso vale para a 'luta de classes'. Esta expressão continua totalmente impregnada da força que Karl Marx lhe deu e não pode, por conseguinte, ser considerada como empiricamente equivalente a 'conflito social agudo'.

Aqueles que se servem de semelhantes fórmulas, fingindo reter apenas alguns elementos da análise marxiana, que de resto seria rejeitada na sua globalidade, alimentam pelo menos uma grave ambigüidade no espírito de seus leitores.

9. Lembremos que o ateísmo e a negação da pessoa humana, de sua liberdade e de seus direitos se encontram no centro da concepção marxiana. Estas , portanto, contêm em si erros que ameaçam diretamente as verdades de fé sobre o destino eterno dos homens."[7]

Considerando que a ideologia esquerdista está baseada fundamentalmente no dogma da luta de classes, e considerando que esse dogma já foi explícita e reiteradamente reprovado pela Igreja, como ficou demonstrado acima, impõe-se-nos a conclusão de que pelo simples fato de ser baseada na luta de classes a ideologia esquerdista deve ser prontamente rechaçada pelo fiel católico.

A agenda esquerdista

Mas essa não é a única razão pela qual um católico não pode ser de esquerda. Há que se considerar também o que podemos chamar de agenda esquerdista, que consiste no conjunto de idéias e causas defendidas de um modo geral por todos os partidos e políticos de esquerda. Tal agenda inclui:

1 - a legalização (ou "descriminalização") do aborto;

1.1 – o PT, principal partido de esquerda não só do Brasil mas da América Latina, apóia a "descriminalização do aborto" (clique aqui e aqui); mas não é só o PT, outros partidos de esquerda, como o PCdoB (aliado incondicional do governo Lula/PT), também apóiam a legalização do aborto (leia aqui);

2 - a união civil de homossexuais (ou "casamento gay");

2-1 – o PT também apóia o "casamento gay" (leia aqui e aqui); aliás, o projeto original da "união civil homossexual" é da ex-deputada Marta Suplicy, do PT de São Paulo (veja aqui); veja também essa matéria;

3 - a Lei da Homofobia (ou "lei da mordaça gay");

3.1 – o projeto da Lei da Homofobia, que pretende tornar crime toda e qualquer atitude considerada "discriminatória" pelos homossexuais (leia mais aqui e aqui), é amplamente apoiado pelo PT (veja aqui), bem como por outros partidos e movimentos de esquerda (veja aqui e aqui);

4 - o pluralismo/relativismo religioso (de acordo com essa perspectiva, todas as religiões são equivalentes e devem contribuir para que seja alcançada a "sociedade ideal" preconizada pelos esquerdistas; ainda de acordo com essa concepção, não só o catolicismo mas todas as demais religiões são sutil e gradativamente esvaziadas de seu conteúdo transcendente e vão se tornando apenas variações de um humanismo laico com um mero verniz religioso);

4.1 – veja apenas alguns exemplos dessa perspectiva clicando nos hiperlinks abaixo:

- Desafios às religiões num mundo pluralista e desigual, Por Frei Betto
- CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS: Cristãos se unem por transformações
- 'Jesus como único e universal Salvador precisa ser reinterpretado'
- Liberdade religiosa, in-tolerância religiosa, por Rev. Israel Cardoso

5 - as pesquisas com células-tronco embrionárias (que implicam a realização de abortos em massa);

5.1 – Mais uma vez indo na contramão da doutrina católica, o PT (veja aqui, aqui e aqui) e o presidente Lula (veja aqui) manifestam apoio às pesquisas com células-tronco; mas não é só o PT e o presidente Lula que são favoráveis a essas pesquisas, Alto Rebelo, do PCdoB, partido da base governista, também é (veja aqui);

6 - o relativismo moral;

6.1 – novas "configurações familiares", como famílias com "dois pais" ou "duas mães" (veja aqui e aqui); sexo livre, com o uso "obrigatório" de preservativo (veja a postura do governo Lula/PT sobre esse assunto clicando aqui, aqui e aqui); etc.;

7 – o antiamericanismo, que tem como conseqüência a aliança dos esquerdistas com governos antidemocráticos, como o do venezuelano Hugo Chávez e o dos irmãos Castro (veja aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), e até com movimentos radicais islâmicos (confira aqui e aqui).

Resta alguma dúvida sobre a absoluta incompatibilidade entre a fé católica e a agenda esquerdista?

Esquerdismo e excomunhão

Em 28 de junho de 1949 o Vaticano publicou um documento intitulado "Decreto contra o comunismo", o qual previa a pena de excomunhão para "fiéis cristãos que professam a doutrina materialista e anticristã do comunismo, e sobretudo os que a defendem ou propagam"[8]. O referido decreto foi ab-rogado (pelo menos na opinião de alguns especialistas em direito canônico) por ocasião da promulgação do atual Código de Direito Canônico (cf. Cân. 6.).

Não obstante, vejamos o que diz o cânon 1364 do Código de Direito Canônico (CDC) atual:

"Cân. 1364 — § 1. O apóstata da fé, o herege ou o cismático incorre em excomunhão latae sententiae (...)"

Consideremos agora a definição de "heresia" segundo o CDC:

"Cân. 751 — Chama-se heresia a negação pertinaz, após a recepção do batismo, de qualquer verdade que se deva crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a respeito dela (...)"

Já o cânon 750 do CDC expressa:

"Cân. 750 — § 1. Deve-se crer com fé divina e católica em tudo o que se contém na palavra de Deus escrita ou transmitida por Tradição, ou seja, no único depósito da fé confiado à Igreja, quanto ao mesmo tempo é proposto como divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja, quer por seu magistério ordinário e universal (...)"

Pode-se questionar se a ideologia esquerdista se enquadra no conceito de heresia. Mas mesmo que o esquerdismo não seja propriamente uma heresia, isto é, que o caráter de heresia do esquerdismo não tenha sido proposto como algo "divinamente revelado quer pelo magistério solene da Igreja, quer por seu magistério ordinário e universal"; e mesmo que a reprovação da Igreja à ideologia esquerdista não se enquadre no § 2 do cânon 750 ("Deve-se ainda firmemente aceitar e acreditar também em tudo o que é proposto de maneira definitiva pelo magistério da Igreja em matéria de fé e costumes, isto é, tudo o que se requer para conservar santamente e expor fielmente o depósito da fé [...]"), há que se considerar, no mínimo, que o risco do esquerdismo ser uma heresia é consideravelmente grande, e esse risco já é o bastante para que o fiel católico mantenha distância dessa ideologia nefasta.

Ademais, tendo o Magistério reprovado reiteradas vezes a ideologia esquerdista, por que razão o fiel católico há de ir contra o ensino da Igreja, ainda mais correndo sério risco de excomunhão?!

Conclusão

Não se pode negar que nas fileiras esquerdistas há muitas pessoas bem-intencionadas, que realmente se preocupam com os mais pobres e necessitados. A própria Igreja reconhece algum mérito na teologia da libertação, que é o esquerdismo aplicado à fé cristã.[9] Não obstante, cremos ter ficado suficientemente provada a absoluta incompatibilidade entre a ideologia esquerdista e a fé católica, e isso tanto no que diz respeito ao ensino do Magistério quanto no que se refere à agenda esquerdista, radicalmente contrária à fé cristã. E é importante salientar que essa incompatibilidade não se restringe ao esquerdismo em sentido estrito (isto é, ao comunismo marxista), mas abrange todo o espectro da ideologia esquerdista, que vai desde o marxismo "ortodoxo" até o socialismo moderado (ou "light").

Ao chegarem ao final deste artigo, muitos leitores podem estar se perguntando: que posicionamento político-ideológico deve adotar o católico que queira manter-se fiel à Igreja? Essa questão, também de grande importância, merece ser tratada num outro artigo. Por ora, é fundamental que, em resposta à pergunta que serve de título ao presente texto, digamos: não, quem é católico NÃO pode ser de esquerda!

[1] Instrução da Congregação da Doutrina da fé "Libertatis conscientia", 22 mar. 1986 (Denzinger, n. 4773).

[2] Instrução da Congregação da Doutrina da fé "Libertatis nuntius", 6 ago. 1984 (Denzinger, nn. 4740 e 4741).

[3] Papa Pio XI, Carta Encíclica "Quadragesimo Anno".

[4] Instrução da Congregação da Doutrina da fé "Libertatis nuntius", 6 ago. 1984 (Denzinger, n. 4736).

[5] Papa Paulo VI, Carta Apostólica "Octogesima Adveniens".

[6] Papa Pio XI, Carta Encíclica "Quadragesimo Anno".

[7] Instrução da Congregação da Doutrina da fé "Libexaago. 1984 (Denzinger, nn. 4732 a 4734).

[8] "Decreto contra o comunismo", do S. Ofício, 28 jun. (1º jul.) 1949 (Denzinger, n. 3865).

[9] Por exemplo: "Todavia, as 'teologias da libertação', cujo mérito é ter revalorizado os grandes textos dos profetas e do Evangelho sobre a proteção aos pobres (...)" (Instrução da Congregação da Doutrina da fé "Libertatis nuntius", 6 ago. 1984 (Denzinger, n. 4738).

Alessandro Lima.
"A Igreja é a Coluna o Fundamento da Verdade" (1Tm 3,15)

Princípios Fundamentais

Artigo de Dom Fernando

Na política, o católico deve estar bem ciente dos princípios fundamentais da doutrina social da Igreja, baseados na lei natural e na busca do bem comum, que devem servir de pauta à sociedade, e observar se os seus candidatos adotam esses princípios.

1º. Subordinação da ordem social à ordem moral estabelecida por Deus: Não “querer construir uma ordem temporal sólida e fecunda prescindindo de Deus, fundamento único sobre o qual ela poderá subsistir” (João XXIII, Mater et Magistra, 214).

2º. Dignidade da Pessoa Humana: “A dignidade da pessoa humana se fundamenta em sua criação à imagem e semelhança de Deus” (Catecismo da Igreja Católica, 1700). À luz do cristianismo, qualquer ser humano passou a ser pessoa, através das idéias cristãs do amor fraterno e da igualdade perante Deus.

3º. Solidariedade: “O homem deve contribuir, com seus semelhantes, para o bem comum da sociedade, em todos os seus níveis. Sob este ângulo, a doutrina da Igreja opõe-se a todas as formas de individualismo social ou político” (CDF, Nota Doutrinal).

4º. A busca do bem comum, “a total razão de ser dos poderes públicos” (João XXIII, Pacem in terris, 54). Bem comum, não individual próprio.

5º. A opção preferencial pelos pobres: por serem mais fracos, precisam de maior proteção e cuidado do Estado (Leão XIII, Rerum Novarum 20).

6º. Não ao império do dinheiro, considerado como valor supremo, e do lucro sem moral.

7º. Não ao socialismo, que pretende a abolição da propriedade privada, inspirado por ideologias incompatíveis com a fé cristã (Paulo VI, Octog. Adveniens, 31). Sim à socialização, no sentido do crescimento e interação de relações sociais e crescente desenvolvimento de formas associativas, sem se precisar recorrer ao Estado (cf. João XXIII, Mater et Magistra).

8º Subsidiariedade ou ação subsidiária do Estado, que não absorva a iniciativa das famílias e dos indivíduos. Incentivo à iniciativa privada, na geração de empregos e na educação.

9º Prioridade do trabalho sobre o capital. “O trabalho é causa eficiente primária, o capital é um instrumento ou causa instrumental” (João Paulo II, Laborem exercens, 12). “É preciso acentuar o primado do homem no processo de produção, o primado do homem em relação às coisas” (João Paulo II, Lab exercens, 12f). “Ambos têm necessidade um do outro: não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital” (Leão XIII, Rerum Novarum, 28).

10º. Destinação universal dos bens, sem prejuízo do direito de propriedade privada. “O direito à propriedade privada está subordinado ao direito ao uso comum, subordinado à destinação universal dos bens” (João Paulo II, Laborem exercens, 19).

11º. O justo salário: “Acima dos acordos e das vontades, está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado” (Leão XIII, Rerum novarum, 63).

Caridade na Verdade

Artigo de D. Fernando Rifan sobre a nova Encíclica do Papa.

“Caritas in veritate”. Este é o título da terceira Encíclica do Papa Bento XVI, sobre o desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade, tornada pública ontem.

Nessa terceira Encíclica, Bento XVI fala sobre a questão social, enriquecendo o magistério social pontifício. A última sobre o assunto foi a “Centesimus Annus”, de João Paulo II, de 1991, ao comemorar o primeiro centenário da “Rerum Novarum” de Leão XIII.

O Papa, na introdução, explica as linhas gerais do documento: “A caridade é a via mestra da doutrina social da Igreja. As diversas responsabilidades e compromissos por ela delineados derivam da caridade, que é — como ensinou Jesus — a síntese de toda a Lei (cf. Mt 22, 36-40). A caridade dá verdadeira substância à relação pessoal com Deus e com o próximo; é o princípio não só das micro-relações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macro-relações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos. Para a Igreja — instruída pelo Evangelho —, a caridade é tudo porque, como ensina S. João (cf. 1 Jo 4, 8.16) e como recordei na minha primeira carta encíclica, « Deus é caridade » (Deus caritas est): da caridade de Deus tudo provém, por ela tudo toma forma, para ela tudo tende. A caridade é o dom maior que Deus concedeu aos homens; é sua promessa e nossa esperança”.

“Estou ciente dos desvios e esvaziamento de sentido que a caridade não cessa de enfrentar com o risco, daí resultante, de ser mal entendida, de excluí-la da vida ética e, em todo o caso, de impedir a sua correta valorização. Nos âmbitos social, jurídico, cultural, político e econômico, ou seja, nos contextos mais expostos a tal perigo, não é difícil ouvir declarar a sua irrelevância para interpretar e orientar as responsabilidades morais. Daqui a necessidade de conjugar a caridade com a verdade, não só na direção assinalada por S. Paulo da « veritas in caritate » (Ef 4, 15), mas também na direção inversa e complementar da « caritas in veritate ». A verdade há de ser procurada, encontrada e expressa na « economia » da caridade, mas esta por sua vez há-de ser compreendida, avaliada e praticada sob a luz da verdade... Fato este que se deve ter bem em conta hoje, num contexto social e cultural que relativiza a verdade, aparecendo muitas vezes negligente senão mesmo refratário à mesma”.

“Pela sua estreita ligação com a verdade, a caridade pode ser reconhecida como expressão autêntica de humanidade e como elemento de importância fundamental nas relações humanas, nomeadamente de natureza pública. Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida... Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada chegando a significar o oposto do que é realmente. A verdade liberta a caridade dos estrangulamentos do emotivismo, que a despoja de conteúdos relacionais e sociais, e do fideísmo, que a priva de amplitude humana e universal. Na verdade, a caridade reflete a dimensão simultaneamente pessoal e pública da fé no Deus bíblico, que é conjuntamente « Agápe » e « Lógos »: Caridade e Verdade, Amor e Palavra...”.

D. Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney.

Coerência na Política

Artigo de Dom Fernando Rifan

A coerência é uma virtude cristã que deve penetrar todas as nossas ações e atitudes. Pensar, viver e agir conforme a nossa fé e nossas convicções cristãs. Caso contrário, seremos hipócritas e daremos um grande contra-testemunho do nosso cristianismo. A consciência é única e unitária, e não dúplice. Não se age como católico na Igreja e como pagão fora dela.

“O Concílio exorta os cristãos, cidadãos de ambas as cidades [terrena e celeste], a que procurem cumprir fielmente os seus deveres terrenos, guiados pelo espírito do Evangelho. Afastam-se da verdade os que, sabendo que não temos aqui na terra uma cidade permanente, mas que vamos em demanda da futura, pensam que podem por isso descuidar os seus deveres terrenos, sem atenderem a que a própria fé ainda os obriga mais a cumpri-los, segundo a vocação própria de cada um. Mas não menos erram os que, pelo contrário, opinam poder entregar-se às ocupações terrenas, como se estas fossem inteiramente alheias à vida religiosa, a qual pensam consistir apenas no cumprimento dos atos de culto e de certos deveres morais. Este divórcio entre a fé que professam e o comportamento quotidiano de muitos deve ser contado entre os mais graves erros do nosso tempo” (Gaudium et Spes, 43).

O ensinamento social da Igreja não é uma intromissão no governo de cada País. Não há dúvida, porém, que põe um dever moral de coerência aos fiéis leigos, no interior da sua consciência, que é única e unitária. “Não pode haver, na sua vida, dois caminhos paralelos: de um lado, a chamada vida ‘espiritual’, com os seus valores e exigências, e, do outro, a chamada vida ‘secular’, ou seja, a vida de família, de trabalho, das relações sociais, do empenho político e da cultura” (João Paulo II, Christif. Laici).

“Reconhecendo muito embora a autonomia da realidade política, deverão se esforçar os cristãos solicitados a entrarem na ação política por encontrar uma coerência entre as suas opções e o Evangelho” (Paulo VI, Octogésima Adveniens, 46).

“Também para o cristão é válido que, se ele quiser viver a sua fé numa ação política, concebida como um serviço, não pode, sem se contradizer a si mesmo, aderir a sistemas ideológicos ou políticos que se oponham radicalmente, ou então nos pontos essenciais, à sua mesma fé e à sua concepção do homem...” (cf. Paulo VI, Octogésima Adveniens, 26).

A Igreja proclamou São Tomás Moro padroeiro dos Governantes e dos Políticos, exatamente porque soube ser coerente com sua posição católica até ao martírio.

Nesse clima de corrupção e venalidade que invadiu o nosso sistema político, eleitoral e governamental, possa o exemplo de Santo Tomás More ensinar aos nossos governantes e políticos, atuais e futuros, que o homem não pode se separar de Deus, nem a política da moral, e que a consciência não se vende por nenhum preço, mesmo que isto nos custe caro e até a própria vida.

Laicidade e Laicismo

Artigo de Dom Fernando

Preparando-nos para as próximas eleições, vale recordar a doutrina da Igreja sobre política e participação na vida pública, frisando a distinção entre laicismo e laicidade. Para a doutrina moral católica, a sadia laicidade, entendida como autonomia da esfera civil e política da religiosa e eclesiástica – mas não da moral – é um valor adquirido e reconhecido pela Igreja, no mundo atual. “No domínio próprio de cada uma, comunidade política e Igreja são independentes e autônomas” (Gaudium et Spes, 76). “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, explica Nosso Senhor (MT 22,21). Laicismo, ao contrário, como é entendido hoje, seria uma autonomia da esfera civil em relação a Deus, à Lei Natural e à moral, equiparando-se assim ao indiferentismo e ao relativismo religioso, terminando no ateísmo prático e teórico: “uma economia sem Deus, um direito sem Deus, uma política sem Deus”.

É assim que nos adverte a Congregação para a Doutrina da Fé, na sua “Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política”: “Graves perigos atuais, que penetram nas legislações e comportamentos: relativismo cultural, pluralismo ético, decadência e dissolução da razão e dos princípios da lei moral natural. Reivindica-se a autonomia para as escolhas morais. Leis que prescindem dos princípios da ética natural, deixando-se levar exclusivamente pela condescendência com certas orientações culturais ou morais transitórias, como se todas as concepções possíveis da vida tivessem o mesmo valor”.

“Tal concepção relativista do pluralismo nada tem a ver com a legítima liberdade dos cidadãos católicos de escolherem, entre as opiniões políticas compatíveis com a fé e a lei moral natural, a que, segundo o próprio critério, melhor se coaduna com as exigências do bem comum. A liberdade política não é nem pode ser fundada sobre a idéia relativista, segundo a qual, todas as concepções do bem do homem têm a mesma verdade e o mesmo valor”.

O Papa João Paulo II, na linha do perene ensinamento da Igreja, afirmou repetidas vezes que quantos se encontram diretamente empenhados nas esferas da representação legislativa têm a “clara obrigação de se opor” a qualquer lei que represente um atentado à vida humana.

“Neste contexto, há que acrescentar que a consciência cristã bem formada não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a atuação de um programa político ou de uma só lei, onde os conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos com a apresentação de propostas alternativas ou contrárias aos mesmos. Uma vez que a fé constitui como que uma unidade indivisível, não é lógico isolar um só dos seus conteúdos em prejuízo da totalidade da doutrina católica. Não basta o empenho político em favor de um aspecto isolado da doutrina social da Igreja para esgotar a responsabilidade pelo bem comum. Nem um católico pode pensar em delegar a outros o empenho que, como cristão, lhe vem do evangelho de Jesus Cristo de anunciar e realizar a verdade sobre o homem e o mundo” (CDF, Nota Doutrinal).

sábado, 28 de agosto de 2010

A ORIGEM DA IGREJA E DO PAPADO

Por Dom Estêvão Bettencourt, OSB



Há quem diga que o título de Católica só foi atribuído à Igreja pelo Concílio de Constantinopla I em 381 por decreto do Imperador Teodósio - alegação esta desmentida pelo fato mesmo de que já S. Inácio de Antioquia, nos primeiros anos do século II, falava de Igreja Católica. Quanto ao termo Papa, só foi aplicado ao Bispo de Roma no século V de maneira enfática; todavia a função de Pedro como chefe do colégio apostólico já está delineada nos escritos do Novo Testamento; no caso, o que importa não é o nome, mas o exercício da função.

O seguinte artigo de um jornal deixou vários leitores confusos. Daí então, vamos as respostas.



A ORIGEM DO VATICANO E DO PAPA: A Igreja recebeu o nome de “católica” somente no ano 381, no Concílio “Conctos Populos” dirigido pelo imperador romano Teodósio. Devido às alterações que fez, deixou de ser apostólica e não sabemos como pode ser romana e universal ao mesmo tempo. (Hist. Ecles., I pg. 47, Riva ux). Até o século V não houve “papa” como conhecemos hoje. Esse tratamento de ternura começou a ser aplicado a todos os bispos a partir do ano 304. (Cônego Salin, Ciência e Religião. Tom. 2 pg. 56).

O texto em foco contém várias imprecisões (para não dizer vários erros), como se evidenciará nas linhas seguintes.



1. Igreja Católica: desde quando?



A expressão “Igreja Católica” não tem origem no fim do século IV, mas encontra-se sob a pena de S. Inácio, Bispo de Antioquia (+107 aproximadamente), que nos primeiros anos do século II escrevia: “Onde quer que se apresente o Bispo, ali esteja também a comunidade, assim como a presença de Cristo Jesus nos assegura a presença da Igreja Católica” (Aos Esmlrnenses 8,2).



A expressão “católica” parece designar, em primeira instância, a universalidade da Igreja (ela está em toda parte, e não somente nesta ou naquela comunidade). Todavia os intérpretes do texto julgam que algo mais está dito aí: S. Inácio terá tido em vista a Igreja autêntica, verdadeira, perfeita. Desde fins do século II se torna freqüente o sentido de universal, sem, porém, excluir o de autêntica, isto é, portadora de todos os meios de salvação instituídos por Cristo. Esta segunda acepção se tornava necessária pelo fato de haver correntes ou “igrejinhas” heréticas, separadas da Igreja grande, nos primeiros séculos (como até hoje as há).



O sentido de “autêntica” atribuído ao adjetivo “católica” encontra-se regularmente nos escritos dos primeiros séculos. A partir do século III, pode-se dizer que “católica” significa a verdadeira Igreja, esparsa pelo mundo ou também alguma comunidade local que esteja em comunhão com a Grande Igreja. Quanto à origem da palavra “católico”, é preciso procurá-la no grego profano. Com efeito; para Aristóteles (+322 a.C.), “kath’holon” significa “segundo o conjunto, em geral”; o vocábulo é aplicado às proposições universais. O filósofo estóico Zenon (+262 a.C.) escreveu um tratado sobre os universais intitulado “katholiká”; são católicos os princípios universais. Políbio (+128 a.C.) falou da história universal em comum, dizendo-a “Tès katholikès kal koinès Historias”. Para o judeu Filon de Alexandria (+44 d.C), “katholikós” significa “geral”, em oposição a “particular”; os deuses astrais da Síria eram ditos “katholikoí”. Tal vocábulo é, pela primeira vez (como dito), aplicado à Igreja por S. Inácio de Antioquia (+107 aproximadamente).



2. Que houve então em 381?



Em 381 realizou-se o Concílio Geral de Constantinopla, que repetiu a fórmula Igreja Católica, professando: “Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica”. O Concílio nada inovou; apenas reiterou a fórmula antiga.



Põe-se então a pergunta: que dizer do mencionado decreto do Imperador Teodósio? Impõe-se notar logo que o decreto data de 380, e não de 381. Com efeito; sob Teodósio I (379-95), que reinou no Oriente do Império Romano, registraram-se acontecimentos importantes. Aos 28/02/380, o Imperador assinou um decreto que tornava oficial a fé católica “transmitida aos romanos pelo apóstolo Pedro, professada pelo Pontífice Dâmaso e pelo Bispo de Alexandria, ou seja, o reconhecimento da Santa Trindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Com estas palavras, Teodósio abraçava, para si e para o Império, o Credo que, proveniente dos Apóstolos, era professado então pelo Papa Dâmaso (366-84) e pelo Bispo S. Atanásio de Alexandria, grande defensor da fé ortodoxa na controvérsia contra os arianos. Assim o Cristianismo, que Constantino I tornara lícito em 313, era feito religião oficial do Império Romano.



“Não sabemos como a Igreja pode ser romana e universal”. - O título “romana” não implica nacionalismo nem particularismo. É apenas o título que indica o endereço da sede primacial da Igreja. Na verdade, a Igreja, atuando neste mundo, precisa de ter seu endereço ou seu referencial postal, que é o do Bispo de Roma, feito Chefe visível por Cristo. Por conseguinte a Igreja Católica recebe o título de “Romana” sem prejuízo para a sua catolicidade ou universalidade. De modo semelhante, Jesus, Salvador de todos os homens, foi dito “Nazareno”, porque, convivendo com os homens, precisava de um endereço, que foi a cidade de Nazaré.



3. Apostolicidade



Diz a notícia de jornal: “Devido às alterações que fez, a Igreja deixou de ser apostólica”.



Em resposta, torna-se oportuno, antes do mais, examinar o que signifique o atributo “apostólica” aplicado à Igreja. Já no Novo Testamento se encontra a noção de que o patrimônio da fé não chega aos fiéis como algo descido do céu diretamente, mas, sim, como algo que parte do Pai, passa por Jesus Cristo, pelos Apóstolos e, finalmente, chega a cada indivíduo no seu respectivo tempo. Assim, por exemplo, Jo 1, 1-3: “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, e o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida… nós vos anunciamos esta Vida eterna, que estava voltada para o Pai e que vos apareceu”. Cf. Jo 17, 7s; 20, 21; Mt 28, 18-20; Rm 10, 13-17; 2Tm 2, 2; Tt 1, 5.



Os primeiros escritores da Igreja retomaram e estenderam essa série de comunicações ou missões. Assim lemos em Tertuliano: “Sem dúvida, é preciso afirmar que as igrejas receberam dos Apóstolos; os Apóstolos receberam de Cristo, e Cristo recebeu de Deus” (De Praescriptione Haereticorum 21, 4). Os antigos davam grande apreço às listas de Bispos que houvessem ocupado uma sede outrora fundada ou governada por um Apóstolo. S. Ireneu de Lião (+202) é o autor de um desses catálogos: “Depois de ter assim fundado e edificado a Igreja, os bem-aventurados Apóstolos transmitiram a Lino o cargo do episcopado… Anacleto lhe sucede. Depois, em terceiro lugar a partir dos Apóstolos, é a Clemente que cabe o episcopado… A Clemente sucedem Evaristo, Alexandre; em seguida, em sexto lugar a partir dos Apóstolos, é instituído Sixto, depois Telésforo, também glorioso por seu martírio; depois Higino, Pio, Aniceto, Sotero, sucessor de Aniceto; e, agora, Eleutério detém o episcopado em décimo segundo lugar a partir dos Apóstolos” (Contra as Heresias III,2,1s).



Com outras palavras: para os antigos, a Igreja é uma comunidade que teve início com os Apóstolos, mas está destinada a se prolongar até o fim dos tempos, de modo que Ela não é senão o desabrochamento do cerne dos Apóstolos. Vejam-se as palavras de Tertuliano (+220 aproximadamente): “Foi primeiramente na Judéia que eles (os Apóstolos escolhidos e enviados por Jesus Cristo) implantaram a fé em Jesus Cristo e estabeleceram comunidades. Depois partiram pelo mundo afora e anunciaram às nações a mesma doutrina e a mesma fé. Em cada cidade fundaram Igrejas, às quais, desde aquele momento, as outras Igrejas emprestam a estaca da fé e a semente da doutrina; aliás, diariamente emprestam-nas, para que se tornem elas mesmas Igrejas. A este título mesmo são consideradas comunidades apostólicas, na medida em que são filhas das Igrejas apostólicas. Cada coisa é necessariamente definida pela sua origem. Eis por que tais comunidades, por mais numerosas e densas que sejam, não são senão a primitiva Igreja apostólica, da qual todas procedem… Assim faz-se uma única tradição de um mesmo Mistério” (De Praescriptione Haereticorum 2, 4-7.9).



A necessidade de distinguir das correntes cismáticas a verdadeira Igreja de Cristo provocou a acentuação e a utilização mais e mais freqüente do predicado da apostolicidade: a Igreja verdadeira vem de Cristo mediante os Apóstolos, ao passo que as correntes heréticas e as seitas não podem reivindicar para si o título de apostólicas. A partir do século XII começaram a aparecer pequenos tratados sobre a Igreja Apostólica frente às seitas dissidentes. Aliás, foram as heresias que provocaram a publicação de tratados explícitos sobre a Igreja.



No século XVI a apologética católica, frente à reforma protestante, explanou largamente a origem apostólica da Igreja Católica. Os teólogos puseram em evidência que aqueles que se afastam da Igreja fundada por Cristo e entregue aos Apóstolos, é que perdem o direito de constituir a Igreja Apostólica. Os reformados têm um fundador humano para cada uma de suas denominações, que pretende recomeçar a história do Cristianismo séculos após a geração dos Apóstolos, portanto sem o clássico caráter de apostolicidade.



Quanto às “alterações” na Igreja, não são mais do que o desabrochar da semente lançada por Cristo. A árvore plenamente desenvolvida é da mesma natureza que a própria semente, e vice-versa. Tal desabrochamento - lógico e necessário - foi acompanhado pelo Espírito Santo prometido por Jesus à Igreja (cf. Jo 14, 26; 16, 13-15) para que conserve e transmita incólume o depósito da fé. Caso o Senhor não tivesse providenciado essa garantia de fidelidade e autenticidade através dos séculos, teria sido vão o seu sacrifício na Cruz. É, pois, necessário dizer que na Igreja Apostólica (fundada por Cristo e entregue aos Apóstolos) se mantém viva e pura a mensagem apregoada pelo Divino Mestre.



4. Origem do Papado



Lê-se no citado tópico de jornal: “Até o século V não houve Papa como conhecemos hoje” - A resposta a esta afirmação dependerá de como entender a expressão “Papa como conhecemos hoje”. Se entendemos que se trata de Papa com uso dos meios de comunicação modernos (televisão, rádio, internet …) e viagens aéreas, está claro que não houve Papa de tal tipo na Antigüidade. Todavia, se se entende Papa no sentido de chefe visível da Igreja, encontra-se tal figura já nos escritos do Novo Testamento. Com efeito; Pedro aí aparece como aquele a quem Jesus confia as chaves do reino dos céus (cf. Mt 16, 17-19) e entrega o pastoreio das suas ovelhas (cf. Lc 22, 31 s; Jo 21, 15-17). O aspecto bíblico da questão já foi repetidamente abordado [...]. Sejam acrescentados alguns traços significativos da história da Igreja.



Não se pode esperar encontrar nos primeiros séculos um exercício do Papado (ou das faculdades entregues por Jesus a Pedro e seus sucessores) tão nítido quanto nos séculos posteriores. As dificuldades de comunicação e transporte explicam que as expressões da função papal tenham sido menos freqüentes do que em épocas mais tardias. Como quer que seja, podemos tecer a história do exercício dessas funções nos seguintes termos: A Sé de Roma sempre teve consciência de que lhe tocava, em relação ao conjunto da Igreja, uma tarefa de solicitude, com o direito de intervir onde fosse necessário, para salvaguardar a fé e orientar a disciplina das comunidades. Tratava-se de ajuda, mas também, eventualmente, de intervenção jurídica, necessária para manter a unidade da Igreja. O fundamento dessa função eram os textos do Evangelho que privilegiam Pedro, como também o fato de que Pedro e Paulo haviam consagrado a Sé de Roma com o seu martírio, conferindo a esta uma autoridade singular.



Eis algumas expressões do primado do Bispo de Roma:



* No século II houve, entre Ocidentais e Orientais, divergências quanto à data de celebração da Páscoa. Os cristãos da Ásia Menor queriam seguir o calendário judaico, celebrando-a na noite de 14 para 15 de Nisã (daí serem chamados quartordecimanos), independentemente do dia da semana, ao passo que os Ocidentais queriam manter o domingo como dia da Ressurreição de Jesus (portanto, o domingo seguinte a 14 de Nisã); o Bispo S. Policarpo de Esmirna foi a Roma defender a causa dos Orientais junto ao Papa Aniceto em 154; quase houve cisão da Igreja. S. Ireneu, Bispo de Lião (Gália) interveio, apaziguando os ânimos. Finalmente o Papa S. Vítor (189-198) exigiu que os fiéis da Ásia Menor observassem o calendário pascal da Igreja de Roma, pois esta remontava aos Apóstolos Pedro e Paulo.



Aliás, S. Ireneu (+202 aproximadamente) dizia a respeito de Roma: “Com tal Igreja, por causa da sua peculiar preeminência, deve estar de acordo toda Igreja, porque nela… foi conservado o que a partir dos Apóstolos é tradição” (Contra as Heresias 3, 2). Muito significativa é a profissão de fé dos Bispos Máximo, Urbano e outros do Norte da África que aderiram ao cisma de Novaciano, rigorista, mas posteriormente resolveram voltar à comunhão da Igreja sob o Papa S. Cornélio em 251: “Sabemos que Cornélio é Bispo da Santíssima Igreja Católica, escolhido por Deus todo-poderoso e por Cristo Nosso Senhor. Confessamos o nosso erro… Todavia nosso coração sempre esteve na Igreja; não ignoramos que há um só Deus e Senhor todo-poderoso, também sabemos que Cristo é o Senhor…; há um só Espírito Santo; por isto deve haver um só Bispo à frente da Igreja Católica” (Denzinger-Schõnmetzer, Enchiridion 108 [44]).



* O Papa Estevão I (254-257) foi o primeiro a recorrer a Mt 16, 16-19, ao afirmar contra os teólogos do Norte da África, que não se deve repetir o Batismo ministrado por hereges, pois não são os homens que batizam, mas é Cristo que batiza. A partir do século IV, o recurso a Mt 16, 16-19 se torna freqüente. No século V, o Papa Inocêncio I (401-417) interveio na controvérsia movida por Pelágio a respeito da graça; num de seus sermões S. Agostinho respondeu ao fato, dizendo: “Agora que vieram disposições da Sé Apostólica, o litígio está terminado (causa finita est)” (serm. 130, 107).



No Concílio de Calcedônia (451), lida a carta do Papa Leão I, a assembléia exclamou: “Esta é a fé dos Pais, esta é a fé dos Apóstolos. Pedro falou através de Leão”.



* O Papa Gelásio I declarou entre 493 e 495 que a Sé de Pedro (romana) tinha o direito de julgamento sobre todas as outras sedes episcopais, ao passo que ela mesma não está sujeita a algum julgamento humano. Em 501, o Synodus Palmaris de Roma reafirmou este princípio, que entrou no Código de Direito Canônico: “Prima sedes a nemine iudicatur, - A sé primacial não pode ser julgada por instância alguma” (cânon 1629). Em suma, quanto mais o estudioso avança no decurso da história da Igreja, mais nitidamente percebe a configuração do primado de Pedro, ocasionada pelas diversas situações que o povo de Deus foi atravessando.



No tocante ao termo “Papa” deve-se dizer que vem do grego “pappas” = “pai”. Nos primeiros séculos era título atribuído aos Bispos como expressão de afetuosa veneração, veneração que se depreende dos adjetivos “meu…, nosso…” que acompanham o título. A mesma designação podia ser ocasionalmente atribuída também aos simples presbíteros (pais), como acontecia no Egito do século IV. No Oriente ainda hoje o sacerdote é chamado “papas”. No Egito o “papas” por excelência é o Patriarca de Alexandria.



O título de papa é dado ao Bispo de Roma já por Tertuliano (+220 aproximadamente) no seu livro De pudicitia XIII 7, onde se lê: “Benedictus papa”. É encontrado também numa inscrição do diácono Severo (296-304) achada nas catacumbas de São Calixto, em que se lê: “iussu p(a)p(ae) sul Marcellini” (=”por ordem do Papa ou pai Marcelino”). No fim do século IV a palavra Papa aplicada ao Bispo de Roma começa a exprimir mais do que afetuosa veneração; tende a tornar-se um título específico. Tenha-se em vista a interpelação colocada por S. Ambrósio (+397) numa de suas cartas: “Domino dilectissimo fratri Syriaci papae” (=”Ao senhor diletíssimo irmão Siríaco Papa”) (epístola 42). O Sínodo de Toledo (Espanha) em 400 chama Papa (sem mais) o Bispo de Roma. São Vicente de Lerins (falecido antes de 450) cita vários Bispos, mas somente aos Bispos Celestino I e Sixto III atribui o título de Papa.



No século VI o título tornou-se, com raras exceções, privativo dos Bispos de Roma.

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Para citar este artigo:



BETTENCOURT, Dom Estêvão. Apostolado Veritatis Splendor: A ORIGEM DA IGREJA E DO PAPADO. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/574/a-origem-da-igreja-e-do-papado

CARTA AO DR. SARAMAGO

Dr. Saramago,



Sei que o Dr. José Saramago, Prêmio Nobel de literatura (1998), não lerá essa Carta, mas ao menos ela será um desagravo às palavras ofensivas com que se dirigiu ao Papa Bento XVI e à Igreja, derramando em suas palavras amargas toda a sua bílis raivosa contra Deus e sua Santa Igreja, mais uma vez.



Saramago, em Roma, fez o lançamento do seu novo livro “Caim”, no qual volta a tratar da religião. Na verdade a religião e a fé põem os supostos ateus em crise, por isso essa reação destemperada do escritor.



Os jornais e a internet noticiaram amplamente que em 14 de outubro (EFE) o escritor português José Saramago, em um colóquio com o filósofo italiano Paolo Flores D’Arcais, chamou o Papa Bento XVI de “cínico”, e disse que a “insolência reacionária” da Igreja precisa ser combatida com a “insolência da inteligência viva”.



Numa pesadíssima crítica destrutiva se referiu ao Papa como “neo-medievalista”, acusando-o de “cinismo intelectual”. Além disso, disse a Flores D’Arcais, que sempre foi um ateu “tranquilo”, mas que agora está mudando de idéia, porque, segundo ele “as insolências reacionárias da Igreja Católica precisam ser combatidas com a insolência da inteligência viva, do bom senso, da palavra responsável. Não podemos permitir que a verdade seja ofendida todos os dias por supostos representantes de Deus na Terra, os quais, na verdade, só tem interesse no poder.” Segundo Saramago, a Igreja não se importa com o destino das almas e sempre buscou o controle de seus corpos.



Dr. Saramago, antes de tudo quero lhe dizer que não temos ódio do senhor e de suas palavras; pois, Nosso Senhor nos ensinou a “pagar o mal com o bem” (Rm 12, 14), a amar os inimigos, e a abençoar os que nos amaldiçoam. Nossos mártires morreram e morrem perdoando os seus assassinos. Na verdade temos pena do senhor, pois, se de um lado o sr. é doutor nas Letras humanas, por outro lado ainda desconhece os primeiros rudimentos das Letras divinas e eternas.



Dr. Saramago, por que investir tão raivosamente contra o nosso Pedro de hoje, e contra a Santa Igreja? Que mal eles fazem? Será que são os culpados pelas guerras do mundo; pela miséria de tantos, pelas catástrofes da natureza? Será que o sr, qual novo Nero, quer nos culpar pelo incêndio de Roma?



Fiquei pensando Dr. Saramago, onde poderia estar a causa mais profunda desse ódio que há tanto tempo o sr. destila contra a Igreja? Faz-nos lembrar do que disse o Salmista: “Por que tumultuam as nações? Por que tramam os povos vãs conspirações? Erguem-se, juntos, os reis da terra, e os príncipes se unem para conspirar contra o Senhor e contra seu Cristo”. (Sl 2, 1-2)



Será que o sr. sofreu algum trauma religioso na infância ou na juventude por parte de alguém da Igreja que lhe deu um contra testemunho? É possível. Ou será que o sr. foi educado nos bancos da escola marxista eivada de ateísmo, materialismo e um laicismo anti católico tão difundido nas universidades?



O destempero de suas palavras nos dão o direito de fazer muitas indagações desse tipo; pois não são racionais, mas passionais; não precisamos ser psicólogos para ver que são influxos da sensibilidade ferida e recalcada sobre a razão.



Dr. Saramago, por que ferir tão injustamente o nosso grande Pastor universal? O senhor sabe que ele é considerado um dos melhores teólogos atuais. Sua eleição para Papa se deu num dos Conclaves mais rápidos da história. Sua santidade é notável, sua humildade explícita, como ele disse: “um humilde servo da vinha do Senhor”. Por que atacar a ele e a Igreja com tanta fúria? Saiba que atinge a todos nós seus filhos. Mas temos consciência que quando a sensibilidade cegou a razão, e a brutalidade venceu o argumento, a razão foi sufocada.



Será que o senhor ainda não reconheceu, o que os historiadores modernos tem repetido: que foi a Igreja quem salvou e moldou a nossa rica Civilização Ocidental da qual nos orgulhamos, onde se preza a liberdade, os direitos humanos, o respeito pela mulher e por cada pessoa? Sem o trabalho lento e paciente da Igreja durante cerca de dez séculos, após a queda do Império Romano (476) e a ameaça dos bárbaros, o Ocidente não seria o mesmo.



O senhor sabe que nossa Civilização foi gerada no bojo do Cristianismo que nos deu as ciências modernas, a saudável economia de livre mercado, a segurança das leis, a caridade como uma virtude, o esplendor da Arte e da Música, uma filosofia assentada na razão, a agricultura, a arquitetura, as universidades, as catedrais e muitos outros dons. O sr. sabe que nenhuma outra Instituição fez tanto pela caridade no mundo em todos os tempos.



O senhor sabe que foi a Igreja que fundou as Universidades, inclusive a de Coimbra, a famosa de sua Portugal. Sem elas o senhor não teria chegado ao Prêmio Nobel.



O que há de “cínico” em nosso Pastor maior?

Sabemos que os sofistas, quando não conseguem derrubar os argumentos do seu opositor, procuram, então, atingir sua pessoa, sua imagem, atirando-lhe sarcasmo. Ora, será que essas setas envenenadas contra Bento XVI não são conseqüência da falta de argumentos perante o que ele e a Igreja defendem há vinte séculos: o respeito à vida desde a geração até a morte natural, o não ao aborto, à eutanásia, à manipulação de vidas embrionárias, o não às tais “famílias alternativas”, etc.?



Ora, doutor Saramago, o senhor já é bastante vivido e conhecedor da História para saber o que afirmava Spalding, que as nações não perecem por falta de saber ou de riquezas, mas por falta de princípios morais.



O senhor acusa nosso Pai espiritual de cinismo intelectual; ora, o sr. sabe que ele é um dos maiores e melhores teólogos de nosso tempo, catedrático reconhecido no mundo todo. Portanto, atingindo a ele o sr. nos atinge a todos nós.



Onde pode haver cinismo em um líder mundial que só trabalha em favor da paz, do desarmamento dos povos, da fraternidade das nações, da defesa dos mais desvalidos.? Exatamente quando ele se reúne no Sínodo da África, debatendo as misérias desse Continente tão sofrido, e o modo de saná-las, o senhor fere o nosso Pastor tão injustamente! O que o senhor tem dito sobre os outros chefes de Estado que não fazem o mesmo pela humanidade?



O senhor acusa o Papa de “insolência reacionária”. Ora, o sr. sabe que o que ele defende não é a “sua” Verdade, mas a Daquele que mudou o mundo, e que disse a Pilatos: “eu vim para dar testemunho da verdade”; “Eu sou a Verdade”. O sr. sabe que a Verdade não pode mudar, senão não é verdade. O mesmo princípio de Arquimedes, do empuxo, descoberto dois séculos antes de Cristo, ainda hoje é ensinado nas melhores universidades do mundo, porque é verdade.



Bem disse o então cardeal Ratzinger na missa “pro elegendo pontífice”, que o mundo está dominado pelo “relativismo religioso” que quer eliminar a existência de uma verdade absoluta, querendo fazer tudo relativo, ao gosto de cada um. Por não aceitar essa “ditadura do relativismo” o sr. conjura o nosso Papa e a nossa Igreja. Eles não podem trair o Cristo, Caminho, Verdade e Vida.



O sr. diz ainda que agora vai partir para o ataque ateísta contra a Igreja. Gostaria apenas de relembrar-lhe que a Igreja não pode ser vencida por um poder meramente humano. Não perca seu tempo. Cristo lhe prometeu que as portas do inferno, que movem o coração dos que a perseguem, jamais prevalecerão contra ela.



Seria bom o sr. examinar os últimos dois mil anos da História para constatar a veracidade dessa Promessa. Onde está o Império Romano que quis destruí-la e que ceifou tantos mártires? Onde está a fúria de Napoleão que mandou prender Pio VII? Onde está a União Soviética de Stalin que perguntou “quantas legiões de soldados tem o papa?”. Onde está o nazismo, o comunismo, que tentaram eliminar a Igreja e a fé católica desde as suas raízes, e que fizeram tantos mártires?



Ora Dr. Saramago, será que o sr. ainda não entendeu que todos aqueles que se atiraram insanamente contra a Rocha de Pedro caíram para trás desolados? Será que precisamos de mais exemplos?



O sr. acusa o Papa também de querer apenas agir por “interesse e poder”. O interesse que ele procura é o bem das almas e das pessoas. Gostaria que o sr. lesse o que disse o Concilio Vaticano II:

“Nenhuma ambição terrestre move a Igreja. Com efeito, guiada pelo Espírito Santo ela pretende somente uma coisa: continuar a obra do próprio Cristo que veio ao mundo para dar testemunho da verdade (Jo 18,37), para salvar e não para condenar, para servir e não para ser servido” (Mt 20,28), (GS,3).



O poder do Papa é aquele que vem de Deus, não do povo, e que está ancorado nos corações dos seus filhos que o amam como dizia Catarina de Sena, “o Doce Cristo na Terra”.



Meu irmão Saramago, não o odiamos, ao contrário, o perdoamos; queremos repetir as palavras de Santo Estevão: “Senhor, não leve em conta as suas ofensas”. E mais: “Pai, perdoai-lhe não sabe o que faz”. Pedimos ao Senhor que conceda-lhe, antes de fechar os olhos para este mundo, a graça da conversão. É tudo o que desejamos e pedimos ao Senhor da Glória.



Prof. Felipe Rinaldo Queiroz de Aquino

www.cleofas.com.br

DSI - Introdução à Doutrina Social da Igreja

DSI - Introdução à Doutrina Social da Igreja






em

(Compêndio de Doutrina Social da Igreja - Vaticano)

pode servir como um resumo das Encíclicas e percurso da DSI até aos nossos dias....


Da «Rerum novarum» aos nossos dias



89 Em resposta à primeira grande questão social, Leão XIII promulga a primeira encíclica social, a «Rerum novarum»[143]. Ela examina a condição dos trabalhadores assalariados, particularmente penosa para os operários das indústrias, afligidos por uma indigna miséria. A questão operária é tratada segundo a sua real amplitude: é explorada em todas as suas articulações sociais e políticas, para ser adequadamente e avaliada à luz dos princípios doutrinais baseados na Revelação, na lei e na moral natural.

A «Rerum novarum» enumera os erros que provocam o mal social, exclui o socialismo como remédio e expõe, precisando-a e atualizando-a, «a doutrina católica acerca do trabalho, do direito de propriedade, do princípio de colaboração contraposto à luta de classe como meio fundamental para a mudança social, sobre o direito dos fracos, sobre a dignidade dos pobres e sobre as obrigações dos ricos, sobre o aperfeiçoamento da justiça mediante a caridade, sobre o direito a ter associações profissionais»[144].

A «Rerum novarum» tornou-se a «carta magna» da atividade cristã em campo social[145]. O tema central da doutrina social da Encíclica é o da instauração de uma ordem social justa, em vista do qual é mister individuar critérios de juízo que ajudem a avaliar os ordenamentos sócio-políticos existentes e formular linhas de ação para uma sua oportuna transformação.



90 A « Rerum novarum » enfrentou a questão operária com um método que se tornará «um paradigma permanente »[146] para o desenvolvimento da doutrina social. Os princípios afirmados por Leão XIII serão retomados e aprofundados pelas encíclicas sociais sucessivas. Toda a doutrina social poderia ser entendida como uma atualização, um aprofundamento e uma expansão do núcleo originário de princípios expostos na «Rerum novarum». Com este texto, corajoso e de longo alcance, o Papa Leão XIII «conferiu à Igreja quase um “estatuto de cidadania” no meio das variáveis realidades da vida pública»[147] e «escreveu esta palavra decisiva»[148], que se tornou «um elemento permanente da doutrina social da Igreja»[149], afirmando que os graves problemas sociais «só podiam ser resolvidos pela colaboração entre todas as forças intervenientes»[150] e acrescentando também: «Quanto à Igreja, não deixará de modo nenhum faltar a sua quota-parte»[151].



91 No início dos anos Trinta, em seguida à grave crise econômica de 1929, o Papa Pio XI publica a Encíclica «Quadragesimo anno» (1931)[152], comemorativa dos quarenta anos da «Rerum novarum». O Papa relê o passado à luz de uma situação econômico-social em que, à industrialização se ajuntara a expansão do poder dos grupos financeiros, em âmbito nacional e internacional. Era o período pós-bélico, em que se iam afirmando na Europa os regimes totalitários, enquanto se exacerbava a luta de classe. A encíclica adverte acerca da falta de respeito à liberdade de associação e reafirma os princípios de solidariedade e de colaboração para superar as antinomias sociais. As relações entre capital e trabalho devem dar-se sob o signo da colaboração[153].

A «Quadragesimo anno» reafirma o princípio segundo o qual o salário deve ser proporcionado não só às necessidades do trabalhador, mas também às de sua família. O Estado, nas relações com o setor privado, deve aplicar o princípio de subsidiariedade, princípio que se tornará um elemento permanente da doutrina social. A encíclica refuta o liberalismo entendido como concorrência ilimitada das forças econômicas, mas reconfirma o direito à propriedade privada, evocando-lhe a sua função social. Em uma sociedade por reconstruir desde as bases econômicas, que se torna ela mesma e toda inteira «a questão» a enfrentar, «Pio XI sentiu o dever e a responsabilidade de promover um maior conhecimento, uma mais exata interpretação e uma urgente aplicação da lei moral reguladora das relações humanas... para superar o conflito de classes e estabelecer uma nova ordem social baseada na justiça e na caridade»[154].



92 Pio XI não deixou de elevar a voz contra os regimes totalitários que durante o seu pontificado se afirmaram na Europa. Já no dia 29 de Junho de 1931 Pio XI havia protestado contra os abusos do regime totalitário fascista na Itália com a Encíclica «Non abbiamo bisogno»[155]. Em 1937 publicou a Encíclica «Mit brennender Sorge», sobre a situação da Igreja Católica no Reich Germânico (14 de Março de 1937)[156]. O texto da «Mit brennender Sorge» foi lido do púlpito em todas as Igrejas, depois de ter sido distribuído no máximo segredo. A encíclica aparecia após anos de abusos e de violências e fora expressamente pedida a Pio XI pelos bispos alemães, após as medidas cada vez mais coativas e repressivas tomadas pelo Reich em 1936, particularmente em relação aos jovens, obrigados a inscrever-se na «Juventude hitlerista». O Papa dirige-se diretamente aos sacerdotes e aos religiosos, aos fiéis leigos, para os incentivar e chamar à resistência, enquanto uma verdadeira paz entre a Igreja e o Estado não se restabelecesse. Em 1938, perante a difusão do anti-semitismo, Pio XI afirmou: «Somos espiritualmente semitas»[157].

Com a Carta encíclica «Divini Redemptoris», sobre o comunismo ateu e sobre a doutrina social cristã (19 de Março de 1937)[158], Pio XI criticou de modo sistemático o comunismo, definido como «intrinsecamente perverso»[159], e indicou como meios principais para pôr remédio aos males por ele produzidos, a renovação da vida cristã, o exercício da caridade evangélica, o cumprimento dos deveres de justiça no plano interpessoal e social, em vista do bem comum, a institucionalização de corpos profissionais e interprofissionais.



93 As Radiomensagens natalinas de Pio XII[160], juntamente com outros importantes pronunciamentos em matéria social, aprofundam a reflexão magisterial sobre uma nova ordem social, governado pela moral e pelo direito e fundado na justiça e na paz. Durante o seu pontificado, Pio XII atravessou os anos terríveis da Segunda Guerra Mundial e os tempos difíceis da reconstrução. Ele não publicou encíclicas sociais, mas manifestou constantemente, em numerosos contextos, a sua preocupação com a ordem internacional subvertida: «Nos anos da guerra e do após-guerra, o Magistério social de Pio XII representou para muitos povos de todos os continentes e para milhões de crentes e não crentes a voz da consciência universal (...). Com a sua autoridade moral e o seu prestígio, Pio XII levou a luz da sabedoria cristã a inumeráveis homens de todas as categorias e nível social»[161].

Uma das características fundamentais dos pronunciamentos de Pio XII está na importância dada à conexão entre moral e direito. O Papa insiste sobre a noção de direito natural, como alma de um ordenamento social concretamente operante quer no plano nacional quer no plano internacional. Um outro aspecto importante do ensinamento de Pio XII está na atenção dada às categorias profissionais e empresariais, chamadas a concorrer em plena consciência para a consecução do bem comum: «Pela sua sensibilidade e inteligência em detectar os “sinais dos tempos”, Pio XII pode considerar-se o precursor imediato do Concílio Vaticano II e do ensinamento social dos Papas que lhe sucederam»[162].



94 Os anos Sessenta abrem horizontes promissores: o reinício após as devastações da guerra, a descolonização da África, os primeiros tímidos sinais de um desgelo nas relações entre os dois blocos, americano e soviético. Neste clima, o beato João XXIII lê em profundidade os «sinais dos tempos»[163]. A questão social se está universalizando e abarca todos os países: ao lado da questão operária e da revolução industrial, se delineiam os problemas da agricultura, das áreas em via de desenvolvimento, do incremento demográfico e os referentes à necessidade de cooperação econômica mundial. As desigualdades, antes advertidas no interior das nações, aparecem no âmbito internacional e fazem emergir cada vez mais a situação dramática em que se encontra o Terceiro Mundo.

João XXIII, na Encíclica «Mater et Magistra»[164] (1961), «pretende atualizar os documentos já conhecidos e avançar no sentido de comprometer toda a comunidade cristã»[165]. As palavras-chave da encíclica são comunidade e socialização[166]: a Igreja é chamada, na verdade, na justiça e no amor, a colaborar com todos os homens para construir uma autêntica comunhão. Por tal via o crescimento econômico não se limitará a satisfazer as necessidades dos homens, mas poderá promover também a sua dignidade.



95 Com a Encíclica « Pacem in terris »[167], João XXIII põe de realce o tema da paz, numa época marcada pela proliferação nuclear. A «Pacem in terris» contém, ademais, uma primeira aprofundada reflexão da Igreja sobre os direitos; é a Encíclica da paz e da dignidade humana. Ela prossegue e completa o discurso da «Mater et Magistra » e, na direção indicada por Leão XIII, sublinha a importância da colaboração entre todos: é a primeira vez que um documento da Igreja é dirigido também a «todas as pessoas de boa vontade»[168], que são chamados a uma «imensa tarefa de recompor as relações da convivência na verdade, na justiça, no amor, na liberdade»[169]. A «Pacem in terris» se detém sobre os poderes públicos da comunidade mundial, chamados a enfrentar «os problemas de conteúdo econômico, social, político ou cultural, (...) da alçada do bem comum universal»[170]. No décimo aniversário da «Pacem in terris», o Cardeal Maurice Roy, Presidente da Pontifícia Comissão Justiça e Paz, enviou a Paulo VI uma Carta juntamente com um documento com uma série de reflexões sobre a capacidade do ensinamento da Encíclica joanina de iluminar os problemas novos relacionados com a promoção da paz[171].

96 A Constituição pastoral «Gaudium et spes»[172] (1965), do Concílio Vaticano II, constitui uma significativa resposta da Igreja às expectativas do mundo contemporâneo. Na citada Constituição, «em sintonia com a renovação eclesiológica, se reflete numa nova concepção de ser comunidade dos crentes e povo de Deus. Ela suscitou, portanto, novo interesse pela doutrina contida nos documentos precedentes acerca do testemunho e da vida dos cristãos, como caminhos autênticos para tornar visível a presença de Deus no mundo»[173]. A «Gaudium et spes» traça o rosto de uma Igreja «verdadeiramente solidária com o gênero humano e com a sua história»[174], que caminha juntamente com a humanidade inteira e experimenta com o mundo a mesma sorte terrena, mas que ao mesmo tempo «é como que o fermento e a alma da sociedade humana, destinada a ser renovada em Cristo e transformada na família de Deus»[175].

A «Gaudium et spes» aborda organicamente os temas da cultura, da vida econômico-social, do matrimônio e da família, da comunidade política, da paz e da comunidade dos povos, à luz da visão antropológica cristã e da missão da Igreja. Tudo é considerado a partir da pessoa e em vista da pessoa: «a única criatura que Deus quis por se mesma»[176]. A sociedade, as suas estruturas e o seu desenvolvimento não podem ser queridos por si mesmos mas para o «aperfeiçoamento da pessoa humana»[177]. Pela primeira vez o Magistério solene da Igreja, no seu mais alto nível, se exprime tão amplamente acerca dos diversos aspectos temporais da vida cristã: «Deve reconhecer-se que a atenção da Constituição em relação às mudanças sociais, psicológicas, políticas, econômicas, morais e religiosas estimulou cada vez mais, no último vintênio, a preocupação pastoral da Igreja pelos problemas dos homens e o diálogo com o mundo»[178].



97 Um outro documento do Concílio Vaticano II muito importante no «corpus» da doutrina social da Igreja é a declaração «Dignitatis humanae»[179] (1965), no qual se proclama o direito à liberdade religiosa. O documento trata o tema em dois capítulos. No primeiro, de caráter geral, se afirma que o direito à liberdade religiosa tem o seu fundamento na dignidade da pessoa humana e afirmam que ele deve ser reconhecido e sancionado como direito civil no ordenamento jurídico da sociedade. O segundo capítulo aborda o tema à luz da Revelação esclarecendo as suas implicações pastorais, recordando tratar-se de um direito que concerne não somente às pessoas individualmente consideradas, ma também às diversas comunidades.



98 «O desenvolvimento é o novo nome da paz»[180] proclama solenemente Paulo VI na Encíclica «Populorum progressio»[181] (1967), que pode ser considerada uma amplificação do capítulo sobre a vida econômico-social da «Gaudium et spes», com a introdução porém de algumas novidades significativas. Em particular ela traça as coordenadas de um desenvolvimento integral do homem e de um desenvolvimento solidário da humanidade: «duas temáticas estas que devem considerar-se como eixos à volta dos quais se estrutura o tecido da encíclica. Querendo convencer os destinatários da urgência de uma ação solidária, o Papa apresenta o desenvolvimento como “a passagem de condições menos humanas a condições mais humanas” e especifica as suas características»[182]. Esta passagem não está circunscrita às dimensões meramente econômicas e técnicas, mas implica para cada pessoa a aquisição da cultura, o respeito da dignidade dos outros, o reconhecimento «dos valores supremos, e de Deus que é a origem e o termo deles »[183]. O desenvolvimento favorável todos responde a uma exigência de justiça em escala mundial que garanta uma paz planetária e torne possível a realização de «um humanismo total»[184], governado pelos valores espirituais.



99 Nesta perspectiva, Paulo VI instituiu, em 1967, a Pontifícia Comissão «Justitia et Pax», realizando um voto dos Padres Conciliares, para os quais é «muito oportuna a criação de um organismo da Igreja universal, com o fim de despertar a comunidade dos católicos para que se promovam o progresso das regiões indigentes e a justiça social entre as nações»[185]. Por iniciativa de Paulo VI, a começar de 1968, a Igreja celebra no primeiro dia do ano o Dia Mundial da Paz. O mesmo Pontífice dá início à feliz tradição das Mensagens que se ocupam do tema de cada Dia Mundial da Paz, acrescendo assim o «corpus» da doutrina social.



100 No início dos anos Setenta, num clima turbulento de contestação fortemente ideológica, Paulo VI retoma a mensagem social de Leão XIII e a atualiza, por ocasião do octogésimo aniversário da «Rerum novarum», com a Carta apostólica «Octogesima adveniens»[186]. O Papa reflete sobre a sociedade pós-industrial com todos os seus complexos problemas salientando a insuficiência das ideologias para responder a tais desafios: a urbanização, a condição juvenil, a condição da mulher, o desemprego, as discriminações, a emigração, o incremento demográfico, o influxo dos meios de comunicação social, o ambiente natural.



101 Noventa anos depois da «Rerum novarum» João Paulo II dedica a Encíclica «Laborem exercens »[187] ao trabalho: bem fundamental para a pessoa, fator primário da atividade econômica e chave de toda a questão social. A «Laborem exercens » delineia uma espiritualidade e uma ética do trabalho, no contexto de uma profunda reflexão teológica e filosófica. O trabalho não deve ser entendido somente em sentido objetivo e material, mas há que se levar em conta a sua dimensão subjetiva, enquanto atividade que exprime sempre a pessoa. Além de ser o paradigma decisivo da vida social, o trabalho tem toda a dignidade de um âmbito no qual deve encontrar realização a vocação natural e sobrenatural da pessoa.

102. Com a Encíclica «Sollicitudo rei socialis»[188], João Paulo II comemora o vigésimo aniversário da «Populorum progressio» e aborda novamente o tema do desenvolvimento, para sublinhar dois dados fundamentais: «por um lado, a situação dramática do mundo contemporâneo, sob o aspecto do desenvolvimento que falta no Terceiro Mundo, e por outro lado, o sentido, as condições e as exigências dum desenvolvimento digno do homem»[189]. A Encíclica introduz a, diferença entre progresso e desenvolvimento, e afirma que «o verdadeiro desenvolvimento não pode limitar-se à multiplicação dos bens e dos serviços, isto é, àquilo que se possui, mas deve contribuir para a plenitude do “ser” do homem. Deste modo pretende-se delinear com clareza a natureza moral do verdadeiro desenvolvimento»[190]. João Paulo II, evocando o moto do pontificado de Pio XII, «Opus iustitiae pax», a paz como fruto da justiça, comenta: «Hoje poder-se-ia dizer, com a mesma justeza e com a mesma força de inspiração bíblica (cf. Is 32, 17; Tg 3, 18), Opus solidarietatis pax, a paz como fruto da solidariedade»[191].



103 No centésimo aniversário da «Rerum novarum», João Paulo II promulga a sua terceira encíclica social, a «Centesimus annus»[192], da qual emerge a continuidade doutrinal de cem anos de Magistério social da Igreja. Retomando um dos princípios basilares da concepção cristã da organização social e política, que fora o tema central da Encíclica precedente, o Papa escreve: «o princípio, que hoje designamos de solidariedade ... várias vezes Leão XIII o enuncia, com o nome “amizade”...; desde Pio XI é designado pela expressão mais significativa “caridade social”, enquanto Paulo VI, ampliando o conceito na linha das múltiplas dimensões atuais da questão social, falava de “civilização do amor”»[193]. João Paulo II realça como o ensinamento social da Igreja corre ao longo do eixo da reciprocidade entre Deus e o homem: reconhecer a Deus em cada homem e cada homem em Deus é a condição de um autêntico desenvolvimento humano. A análise articulada e aprofundada das «res novæ», e especialmente a grande guinada de 1989, com a derrocada do sistema soviético, contém um apreço pela democracia e pela economia livre, no quadro de uma indispensável solidariedade.



c) À luz e sob o impulso do Evangelho



104 Os documentos aqui evocados constituem as pedras fundamentais do caminho da doutrina social da Igreja dos tempos de Leão XIII aos nossos dias. Esta resenha sintética alongar-se-ia de muito se se levassem em conta todos os pronunciamentos motivados, mais do que por um tema específico, pela «preocupação pastoral de propor à comunidade cristã e a todos os homens de boa vontade os princípios fundamentais, os critérios universais e as orientações idôneas para sugerir as opções de fundo e a praxe coerente para cada situação concreta»[194].

Na elaboração e no ensinamento desta doutrina, a Igreja foi e é animada por intentos não teoréticos, mas pastorais, quando se encontra diante das repercussões das mutações sociais sobre os seres humanos individualmente tomados, sobre multidões de homens e mulheres, sobre a sua mesma dignidade humana, nos contextos em que «se procura uma organização temporal mais perfeita, sem que este progresso seja acompanhado de igual desenvolvimento espiritual»[195]. Por estas razões, se constituiu e desenvolveu a doutrina social: «um corpo doutrinal atualizado, que se articula à medida em que a Igreja, dispondo da plenitude da Palavra revelada por Cristo Jesus e com a assistência do Espírito Santo (cf. Jo 14, 16. 26; 16, 13-15), vai lendo os acontecimentos, enquanto eles se desenrolam no decurso da história»[196].