domingo, 26 de dezembro de 2010

Igreja Católica: Mãe das Universidades




Os estudantes universitários normalmente têm um conhecimento pouco profundo sobre a Idade Média; e porque muitos são mal informados, acham que foi um período de ignorância, superstição e repressão intelectual por parte da Igreja católica. No entanto, foi exatamente na Idade Média que surgiu a maior contribuição intelectual para o mundo: o sistema universitário.
A universidade foi um fenômeno totalmente novo na história da Europa. Nada como ele existiu no mundo grego ou romano afirmam os historiadores.
O ensino superior na Idade Média era ministrado  por iniciativa da Igreja. A Universidade medieval não tem precedentes históricos; no mundo grego houve escolas públicas, mas todas isoladas. No período greco-romano cada filósofo e cada mestre de ciências tinham "sua escola", o que implicava justamente no contrário de uma Universidade. Esta surgiu na Idade Média, pelas mãos da Igreja Católica, e reunia mestres e discípulos de várias nações, os quais constituíam poderosos centros de saber e  de erudição.
Por volta de 1100, no meio de uma grande fermentação intelectual, começam as surgir as Universidades; o orgulho da Idade Média cristã, irmãs das Catedrais. A sua aparição é um marco na história da civilização Ocidental que nenhum historiador tem coragem de negar. Elas nasceram às sombras das Catedrais e dos mosteiros. Logo receberam o apoio das autoridades da Igreja e dos Papas. Assim, diz Daniel Rops, "a Igreja passou a ser a matriz de onde saiu a Universidade" (A Igreja das Catedrais e das Cruzadas, pág. 345).
Tudo isso nesta bela época que alguns teimam em chamar maldosamente de "obscura" Idade Média. A razão e a fé sempre caminharam juntas na Igreja.
A raiz das Universidades esta no século IX com as escolas monásticas da Europa, especialmente para a formação dos monges, mas que recebiam também estudantes externos. Depois, no século XI surgiram as escolas episcopais; fundadas pelos bispos, os Centros de Educação nas cidades, perto das Catedrais. No século XII surgiram centros docentes debaixo da proteção dos Papas e Reis católicos, para onde acorriam estudantes de toda Europa.
A primeira Universidade do mundo Ocidental foi a de Bolonha (1158), na Itália, que teve a sua origem na fusão da escola episcopal com a escola monacal camaldulense de São Félix. Em 1200 Bolonha tinha dez mil estudantes (italianos, lombardos, francos, normandos, provençais, espanhóis, catalães, ingleses germanos, etc.). A segunda, e que teve maior fama foi a Universidade de Paris, a Sorbone, que surgiu da escola episcopal da Catedral de Notre Dame. Foi fundada pelo confessor de S. Luiz IX, rei de França, Sorbon. Ali foram estudar muitos grandes santos como Santo Inácio de Loyola, São Francisco Xavier e São Tomás de Aquino. A universidade de Paris (Sorbonne) era chamada de "Nova Atenas" ou o "Concílio perpétuo das Gálias", por ser especialmente voltada à teologia.
O documento mais antigo que contém a palavra "Universitas" utilizada para um centro de estudo é uma carta do Papa Inocêncio III ao "Estúdio Geral de Paris". A universidade de Oxford, na Inglaterra surgiu de uma escola monacal organizada como universidade por estudantes da Sorbone de Paris. Foi apoiada pelo Papa Inocêncio IV (1243-1254) em 1254.
Salamanca é a Universidade mais antiga da Espanha das que ainda existem, fundada pela Igreja; seu lema é "Quod natura non dat, Salmantica non praestat" (O que a natureza não nos dá, Salamanca não acrescenta". Entre as universidades mais antigas está a de Santiago de Compostela. A cidade foi um foco de cultura desde 1100 graças ao prestígio de sua escola capitular que era um centro de formação de clérigos vinculados à Catedral. A Universidade de Valladolid é anterior à de Compostela já que em 1346 obteve do  papa Clemente VI a concessão  de todas as faculdades, exceto a de Teología.
Em 1499 o Cardeal Cisneros fundou a famosa universidade "Complutense" mediante a Bula Pontifícia concedida pelo Papa Alexandre VI. Nos anos de 1509-1510 já funcionavam cinco Faculdades: Artes e Filosofía, Teología, Direito Canônico , Letras e Medicina.
Até 1440 foram erigidas na Europa 55 Universidades e 12 Institutos de ensino superior, onde se ministravam cursos de Direito, Medicina, Línguas, Artes, Ciências, Filosofia e Teologia. Todos fundados pela Igreja. O Papa Clemente V (1305-1314) no Concílio universal de Viena em 1311, mandou que se instaurassem nas escolas superiores cursos de línguas orientais (hebreu, caldeu, árabe, armênio, etc.), o que em breve foi feito também  em Paris, Bolonha, Oxford, Salamanca e Roma.
A atual Universidade de Roma, La Sapienza - onde tristemente estudantes e professores impediram o Papa Bento XVI de proferir a aula inaugural em 2008 -  foi fundada há sete séculos, em 1303, pelo Papa Bonifácio VIII (1294-1303), com o nome de "Studium Urbis".
Das 75 Universidades criadas de 1500, 47 receberam a Bula papal de fundação, enquanto muitas outras, que surgiram espontaneamente ou por decisão do poder secular, receberam em seguida a confirmação pontifícia, com a concessão da Faculdade de Teologia ou de Direito Canônico. (Sodano, 2004).
As universidades atraíam multidões de estudantes, da Alemanha, Itália, Síria, Armênia e Egito. Vinham para a de Paris chegavam a 4000, cerca de 10% da população.
Só na França havia uma dezena de universidades: Montepellier (1125), Orleans (1200), Toulouse (1217), Anger (1220), Gray, Pont-à-Mousson, Lyon, Parmiers, Norbonne e Cabors. Na Itália: Salerno (1220), Bolonha (1111), Pádua, Nápoles e Palerno. Na Inglaterra: Oxford (1214), nascida das Abadias de Santa Frideswide e de Oxevey, Cambridge. Além de Praga na Boêmia, Cracóvia (1362), Viena (1366), Heidelberg (1386). Na Espanha: Salamanca e Portugal, Coimbra. Todas fundadas pela Igreja. Como dizer que a Idade Média cristã foi uma longa "noite escura" no tempo? As universidades medievais foram centros de intensa vida intelectual, onde os grandes homens se enfrentavam em discussões apaixonadas nos grandes problemas. E a fé era o fermento que fazia a cultura crescer.
Graças ao latim todos se entendiam, era a língua universal  e acadêmica; esta permitia aos sábios comunicar-se de um ponto a outro da Europa Ocidental. Havia uma unidade interna e de obediência aos mesmos princípios; era o reflexo de uma civilização vigorosa, segura de sua força e de si mesma.
A partir de 1250 o grego foi ensinado nas escolas dominicanas e, a partir de 1312 nas universidades de Sorbonne, Oxford, Bolonha e Salamanca. Abria-se assim um novo campo ao pensamento que desencadeou uma onda de paixão filosófica no nascimento da Escolástica-teologia e filosofia unidas para provar uma proposição de fé.
Santo Agostinho, Cassidoro, Santo Isidoro de Sevilha, Rábano Mauro e Alamino, os grandes mestres da Antigüidade, se apoiavam sobretudo nas Sagradas Escrituras. Agora o intelectual cristão da Idade Média quer demonstrar que os dogmas estão de acordo com a razão e que são verdadeiros. É a "teologia especulativa", onde a filosofia é amiga da teologia. Os problemas do mundo são estudados agora sob esta dupla ótica.
A Universidade medieval era um mundo turbulento e cosmopolita; os estudantes de Paris estavam repartidos em quatro nações: os Picardos, os Ingleses, os Alemães e os Franceses.  Os professores também vinham de diversas partes do mundo: havia Sigério de Brabante (Bélgica), João de Salisbury (Inglaterra), S. Alberto Magno (Renânia), S. Tomás de Aquino e São Boaventua da Itália.   
Os problemas que apaixonavam os filósofos, eram os mesmos em Paris, em Oxford, em Edimburgo, em Colônia ou em Pavia. O mundo estudantil era também um mundo itinerante: os jovens saiam de casa para alcançar a Universidade de sua escolha; voltavam para sua terra nas festas.  O sistema universitário que temos hoje com cursos de graduação, pós-graduação, faculdades, exames e graus veio diretamente do mundo medieval.
Os papas sabiam bem da importância das universidades nascentes para a Igreja e para o mundo, e por isso intervinham em sua defesa muitas vezes. O Papa Honório III (1216-1227) defendeu os estudantes de Bolonha em 1220 contra as restrições de suas liberdades. O Papa Inocêncio III (1198-1216) interveio quando o chanceler de Paris insistiu em um juramento à sua personalidade. O Papa Gregório IX (1227-1241) publicou a Bula "Parens Scientiarum" em nome dos mestres de Paris, onde garantiu à Universidade de Paris (Sorbonne) o direito de se auto-governar, podendo fazer suas leis em relação aos cursos e estudos, e dando à Universidade uma jurisdição papal, emancipando-a da interferência da diocese.
O papado foi considerado a maior força para a autonomia da Universidade, segundo A. Colban (1975). Era comum as universidades trazerem suas queixas ao Papa em Roma. Muitas vezes o Papa interveio para que as universidades pagassem os salários dos professores; Bonifácio VIII (1294-1303), Clemente V (1305-1314), Clemente VI (1342-1352), e Gregório XI (1370-1378) fizeram isso. "Na universidade e em outras partes, nenhuma outra instituição fez mais para promover o saber do que a Igreja Católica", garante Thomas  Woods( pg. 51).
O processo para se adquirir a licença para ensinar era difícil. Para se ter idéia da solenidade e importância do ato, basta dizer que a pessoa para ser licenciada se ajoelhava diante do Vice-chanceler, que dizia:
"Pela autoridade dos Apóstolos Pedro-Paulo, dou-lhe a licença de ensinar, fazer palestras, escrever, participar de discussões... e exercer outros atos do magistério, ambos na Faculdade de Artes em Paris e outros lugares, em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém" [Daly, 1961; pg 135].
Uma riqueza da universidade medieval é que era atenta às finalidades sociais. Não se aceitava a idéia de uma cultura desinteressada, ou um saber exclusivamente para seu próprio benefício pessoal. "Deve-se aprender apenas para a própria edificação ou para ser útil aos outros; o saber pelo saber é apenas uma vergonhosa curiosidade", já havia dito São Bernardo (1090-1153).
Para Inocêncio IV (1243-1254) a Universidade era o "Rio da ciência que rege e fecunda o solo da Igreja universal", e Alexandre IV (1254-1261) a chamava de: "Luzeiro que resplandece na Casa de Deus" (Daniel Rops, pg.348).
Portanto, são maldosos ou ignorantes da História aqueles que insistem em se referir à Idade Média e à Igreja como promotoras da inimizade à Ciência e perseguidora dos cientistas. 
Prof. Felipe Aquino

Concepções científicas ateias



Conflito entre Ciência e Religião é o  motivo  de uma série de manuais anti-religiosos divulgados por toda a parte. O campo preferido para tal difusão é o meio universitário. Por vezes, premidos por dificuldades econômicas, jovens menos avisados se fazem os propagandistas de tais livros. São arautos do erro e, o que é fundamentalmente terrível, disseminam o veneno da descrença.
Por preços realmente módicos, Ambarcoumyan e Oparine, da Academia de Ciências de Moscou, circulam nas Universidades. Onde se deveriam formar os construtores de uma nação verdadeiramente humana, se contaminam aqueles que destruirão os pilares daqueles conceitos que fazem uma comunidade, de fato, equilibrada, porque embasada em Deus. Os citados autores soviéticos, homens inteligentes a serviço do mal, sabem dar um cunho de vulgarização altamente periculosa às suas idéias materialistas. A finalidade russa através do "programa científico-ateu" é ardilmente dinamizada. O que é mais grave: professores de Filosofia, de Biologia e de outras disciplinas, em nossa pátria, aconselhando o estudo de tais obras, particularmente as de Oparine.
Ao se investigar estes divulgadores do anti-cientificismo das concepções religiosas do Universo e do Homem, se pode verificar a primariedade da exposição, mas esta engana os incautos. Invoca-se a memória de Leucipo, Demócrito e Epicuro, líderes, destacados por eles, do materialismo na Antigüidade. Recordam-se, preconceituosamente, os eventos ligados a Copérnico, Giordano Bruno e Galileu. A Igreja Católica, as Igrejas Ortodoxas, as diversas Confissões Cristãs surgidas após o século XVI, e até o Islamismo, são focalizados pelo Instituto de História e Teoria do Ateísmo da Universidade de Lomonosov, sediada em Moscou, como os maiores inimigos dos cientistas.
Esquecem-se os marxistas das perseguições, estas sim, destituídas de todo o senso crítico, movidas aos sábios russos. Em pleno século vinte, portanto, não na era da deturpada Inquisição, Stalin mandou fuzilar Voznesensky, porque suas preleções sobre economia pareciam contradizer pontos dogmáticos do "infalível" Marx. Vavilov, renomado biólogo, foi exilado por contestar o materialista Lysenko. Embora a proposição sobre a existência de Deus seja da alçada metafísica e não da jurisdição das ciências naturais, é bem que se analisem as cogitações mais válidas dos cultuadores da "deusa" Ciência. Eis uma frase de Ambarcoumyan positivamente irrisória, mas que impressiona os menos atentos: "... a astronomia fez uma conquista após outra e começou a banir Deus de todas as esferas do mundo material". Para ele a astronomia veio ostentar que a terra é um corpo minúsculo, perdido no macrocosmo.
Eles não entendem como Cristo, chamado Filho de Deus, poderia se interessar pelos insignificantes animais evoluídos, que se dizem racionais, e vir exatamente se encarnar neste minúsculo planeta na imensidão do espaço, para redimir criaturas tão pequeninas. Assim, Deus é uma imaginação pretensiosa do homem, fruto das crenças religiosas, as quais raiam como ridículas ante as conquistas científicas. O que tais autores desconhecem é o início da Bíblia, pois lá está claro que o homem, ser diminuto ante a grandeza do cosmos e perante a majestade divina, foi, porém, feito "à imagem e semelhança de Deus". É um "microcosmo", um pequeno mundo, que pela sua alma vale mais que milhões de corpos siderais. Embora participando das vicissitudes de tudo que é material, pode alçar vôos potentes ao Infinito. Tem uma dignidade que ultrapassa toda a amplitude do mundo visível. Quanto às asseverações de que este universo está em expansão, a matéria não se reparte de uma maneira igual em todas as direções, as galáxias não se formam simultaneamente e têm seu modo de formação contínua, como o das estrelas, sobre serem meras teorias e, portanto, suscetíveis de futuras revisões, há uma passagem bíblica que esclarece tudo, em qualquer hipótese: "Os céus narram as maravilhas de Deus". O equívoco  dos corifeus do erro é patente.

Por: Côn. José Vidigal - 24/07/2008  
 Professor no Seminário de Mariana - MG

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Lutar contra a cegueira da razão para chegar à verdade, pede o Papa Bento XVI

O ser humano deve ser capaz de submeter-se à verdade quando a encontra, recorda


.- O Papa Bento XVI destacou em sua saudação por Natal de ontem pela manhã que a luta contra a cegueira da razão, para permitir que todos os homens sejam capazes de ver a verdade e o essencial, é uma tarefa urgente pois "está em jogo o futuro do mundo".

Assim o indicou o Santo Padre aos membros da cúria vaticana ao recordar sua viagem ao Reino Unido em setembro deste ano na que beatificou o Cardeal John Henry Newman. Nesta visita ressaltou a "responsabilidade dos cristãos nesta época e a tarefa da Igreja de anunciar o Evangelho".

Referindo-se ao seu encontro com o mundo da cultura no Westminster Hall, o Papa citou as palavras do Alexis de Tocqueville, quando observou que "na América a democracia foi possível e funcionou porque havia um consenso moral básico que indo além das denominações individuais, unia todos".

"Somente se existe um consenso no essencial, as constituições e o direito funcionam. Este consenso fundamental procedente do patrimônio cristão está em perigo quando a mera racionalidade suplanta o lugar da razão moral".

"Esta é uma cegueira da razão ante o essencial. Lutar contra esta cegueira e conservar a capacidade de ver o essencial, de ver Deus e o ser humano, o que é bom e o que é verdadeiro, é o interesse que deve unir todos os homens de boa vontade. Está em jogo o futuro do mundo".

Do cardeal Newman o Papa sublinhou sua conversão "à fé no Deus vivo", na qual reconhece que "Deus e a alma, o ser mesmo do homem, em âmbito espiritual, constituem o que é verdadeiramente real, o que é importante. Quando a conversão é assim não muda apenas uma teoria, muda a forma fundamental da vida. Todos necessitamos essa conversão uma e outra vez: então estamos no caminho acertado".

"A força motriz que impulsionou Newman com o passar do caminho da conversão foi a consciência entendida como a capacidade de verdade do ser humano, a capacidade de reconhecer nas áreas decisivas da vida –a religião e a moral– a verdade".

"A consciência, a capacidade do ser humano de reconhecer a verdade, impõe-lhe ao mesmo tempo o dever de caminhar para ela, e de submeter-se a ela quando a encontra. O caminho da conversão de Newman é um caminho da consciência: um caminho que não é o da subjetividade que se afirma, mas ao contrário, o da obediência à verdade que pouco a pouco se abria diante dele".

Por último, o Papa falou brevemente sobre as suas viagens a Malta, Portugal e Espanha, onde "fez-se visível uma vez mais que a fé não é uma coisa do passado, mas um encontro com o Deus que vive e atua agora".

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

“Biblia Pauperum”, reflexões históricas e teológicas


ZP10122203 - 22-12-2010
Permalink: http://www.zenit.org/article-26858?l=portuguese
Por Rodolfo Papa*
ROMA, quarta-feira, 22 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) – Durante séculos, nas igrejas de toda cristandade, desenvolveu-se um complexo sistema de catequese e de espiritualidade mediante as imagens. De fato, as verdades da fé foram representadas nos ciclos pictóricos e escultóricos e expressadas de forma simbólica nas formas da arquitetura. A estrutura do edifício sacro, de fato, não responde só a critérios funcionais, mas é expressada em tectônica, segundo uma simbologia rica e complexa, que tem sido fonte viva da arquitetura sagrada de toda época.
A Igreja, em toda a tradição, é portanto um lugar sagrado representado e construído como tal, e ademais é lugar de formação catequética, de anúncio querigmático, de oração, meditação, e todo elemento que a constitui está pensado nesta perspectiva.
Frequentemente, sublinha-se que ciclos pictóricos, de modo particular em algumas épocas históricas, são Biblia pauperum. Muitas vezes esta definição é interpretada de modo incorreto, com consequências inclusive graves. De fato, os ciclos pictóricos sagrados se consideram um sistema de educação para analfabetos e “iletrados” e em consequência se tomam por superados, inúteis, inclusive danosos, pois no mundo ocidental o analfabetismo foi vencido. Mas a questão é mais complexa e merece atenção.
Antes de tudo, se observamos os ciclos pictóricos em questão, descobrimos alguns elementos que induzem a uma reflexão mais profunda. Por exemplo, a presença de inscrições, em latim ou em grego, ou mais raramente em vulgar, resultaria incompreensível se verdadeiramente se tratasse de pinturas substitutivas da Escritura. Igualmente, as doutas referências iconográficas evidenciadas pelas complexas leituras iconológicas realizadas pelos historiadores da arte pareceriam inapropriadas se se tratasse de narrações simplificadas para incultos. Portanto, é oportuno antes de tudo ter presente o contexto cultural em que nasciam e para o qual se realizavam. É oportuno também esclarecer que a incapacidade de ler e escrever não é sinônimo necessariamente de ignorância doutrinal. Creio que é uma experiência comum aos professores de iconografia cristã constatar que frequentemente o que os estudantes universitários ignoram e devem aprender trabalhosamente é em contrapartida bem sabido por algumas velhinhas semi-analfabetas, que praticam com regularidade e simplicidade em sua própria vida de devoção e fé. Por exemplo, reconhecer uma “Imaculada Conceição” e distingui-la de uma “Assunção”, ou inclusive reconhecer um “São Nicolau de Mira” é algo complicado para os estudantes universitários, mas simples para uma velhinha enraizada em sua fé e em sua tradição.
Ademais, a presença das inscrições testemunha que os ciclos pictóricos estavam feitos para todos os fiéis. A escritura do nome do santo junto a sua imagem não tinha tanto uma necessidade funcional, mas respondia melhor a uma exigência teológica, indicando que o nome do santo ou da santa está escrito com letras de ouro no céu. Por outro lado, vincula-se a uma antiga tradição latina, segundo a qual o nome do cônsul ou do imperador retratado se assinalava por escrito não para divulgar seu nome, mas para podê-lo celebrar em termos políticos.
Finalmente, a reflexão mais importante tem a ver com a categoria evangélica dos pauperes. Não se trata simplesmente dos pobres, dos ignorantes, dos iletrados, mas de todos os pobres de espírito. As Biblia Pauperum são portanto pintadas ou esculpidas ou edificadas arquitetonicamente para todos aqueles que humildemente se aproximam das verdades da fé, ricos ou pobres, cultos ou incultos. Portanto, as Biblia pauperum não estão só dedicadas aos “analfabetos” no sentido escolar, mas, paradoxalmente, precisamente a ausência de Biblia pauperum, motivada erroneamente pelo pretexto da secularização generalizada, teve como efeito a analfabetização iconográfica. Se as velhinhas iletradas sabiam ler as imagens, agora os jovens secularizados não entendem nada de iconografia cristã, tendo perdido totalmente o costume dela, ao terem frequentado igrejas privadas de imagens sagradas e projetadas segundo critérios puramente funcionalistas. Assim, paradoxalmente, os únicos que sabem ler hoje as Biblia pauperum são os “professores”, os que têm um doutorado em história da arte.
Portanto, são as próprias igrejas, se se concebem globalmente como lugar litúrgico e de formação, as que podem ensinar as verdades da fé e a linguagem para poder aprendê-las. A propósito disso, podemos ver a igreja de Santa Maria Novella, em Florença, que foi na história uma espécie de laboratório, em que se projetaram soluções difundidas gradualmente depois em todas as partes, e portanto um lugar de pesquisa, uma grande obra exemplar. Nesta igreja, de âmbito dominicano, vemos como os ciclos de afrescos não se concebem simplesmente como subsídio para os ignorantes, mas como verdadeiras e próprias pregações, parte ativa de uma estrutura complexa, empenhada em uma eficácia de tipo espiritual, psicológica, afetiva, na complexa realização de um carisma dirigido à pregação e à evangelização. A propósito disso é exemplar, por exemplo, o afresco de Andrea Bonaiuti, Espelho da pregação dos dominicanos, realizado entre 1366 e 1367 na Sala Capitular do complexo conventual de Santa Maria Novella. No centro exato do afresco está representado São Domingos, fundador da Ordem dos Pregadores e expressão da essência do carisma da pregação; a composição propõe dois momentos que representam dois acontecimentos cronologicamente sucessivos: quer dizer, a escuta da pregação e o sacramento da reconciliação, ou seja, o fruto da pregação que amadurece no coração de quem soube escutar. No rosto do frade confessor, ademais, é possível reconhecer o frade Jacobo Passavanti, contemporâneo de Buonaiuti, autor de um conhecido texto intitulado Espelho de penitência.
Buonaiuti, em seu afresco, representa a pregação e seu efeito, a penitência, realizando desta forma uma verdadeira pregação pictórica, uma “imagem acústica”, uma imagem que prega. Com o mesmo método com o que Passavanti escreveu seu texto, Buonaiuti pinta seu afresco. Desta forma, cria-se uma correspondência mútua entre as palavras pronunciadas na pregação pelos dominicanos e as imagens conservadas na igreja, em uma extraordinária exaltação da capacidade de pregação própria da arte sacra.
Tudo isso nos estimula fortemente também hoje, empurrando-nos a pensar ou a repensar nossas igrejas para que sejam concebidas como imagens acústicas, vivas, capazes de ressoar no coração e na mente dos fiéis. Para que isso aconteça, é necessário uma arte capaz de assumir a narração dos mistérios, capaz de mostrar com a composição a articulação da mensagem da fé, o íntimo dinamismo que a invade toda e a toda pessoa, para o cume, que é o Alfa e Ômega, motor e meta de toda conversão, início e cumprimento, cabeça e pedra angular do imenso corpo místico da Igreja.
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* Rodolfo Papa é historiador da arte, professor de história das teorias estéticas na Universidade Urbaniana, em Roma; presidente da Accademia Urbana delle Arti. Pintor, autor de ciclos pictóricos de arte sacra em várias basílicas e catedrais. Especialista em Leonardo Da Vinci e Caravaggio, é autor de livros e colaborar de revistas.

Direito e direitos humanos

ZP10122103 - 21-12-2010
Permalink: http://www.zenit.org/article-26848?l=portuguese 
Coluna sobre Direito dirigida por Rafael Navarro-Valls
MADRI, terça-feira 21 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) – Oferecemos a partir de hoje uma nova seção sobre questões relacionadas com os direitos humanos e sua relação com a antropologia e fé cristãs, dirigida pelo espanhol Rafael Navarro – Valls, catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri e secretário geral da Real Academia de Jurisprudência e Legislação da Espanha.
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Por Rafael Navarro-Valls
O grande volume de legítimas reivindicações a que a moderna noção de Direito subjetivo aponta acaba com a utopia se não encontra no próprio Direito sua via de promoção e defesa. Os juristas denunciaram faz tempo que as incertezas sobre o Direito objetivo recaem sobre os direitos subjetivos, criando uma notável insegurança social.
Pensemos no Direito penal na Igreja. Bento XVI, em seu último livro com Peter Seewald, denuncia a falta de vigor do Direito canônico a partir dos anos 60 que conduz à ideia de que aplicar o Direito fere a caridade. Esse vazio legal contribuiu, entre outros resultados tóxicos, para que os depredadores sexuais agissem na Igreja. Um pequeno puxão de orelhas, uma mudança, talvez, de destino pastoral… e o inimigo continuava dentro de casa. Enquanto se produzia um endurecimento das leis penais civis, na Igreja, um exíguo direito sancionador criava uma brecha legal de tal tamanho que a ansiedade jurídica suplantava à certeza legal. A conseqüência foi um criava um saque devastador dos direitos humanos, entre eles o do respeito à dignidade da pessoa humana.
Acabam de tornar públicas três cartas que demonstram como o prefeito da Doutrina da Fé, cardeal Ratzinger, tinha orientado desde a promulgação do atual Código de 1983 uma revisão em relação às faltas morais graves cometidas por membros do clero, requerendo a expulsão do estado clerical. Foi, pois, o atual pontífice quem demandou vigorosamente o processo de reforma da disciplina penal.
Paralelamente, anunciou-se há alguns dias uma reforma do livro VI do Código de Direito Canônico (“Das sanções na Igreja”) orientada ao endurecimento e maior rapidez na aplicação das penas aos clérigos que cometem delitos mais graves, entre eles os abusos sexuais de menores. Ao publicar a notícia, o Conselho Pontifício para os Textos Legislativos denunciava “um difundido anti-juridicismo que não conseguia conciliar as exigências da caridade pastoral com as da justiça e o bom governo”. Efetivamente reconhecer – como acaba de fazer o arcebispo de Dublin – que “o escândalo dos abusos sexuais “abriu os olhos da Igreja” diante do “horror” significa não simplesmente “clamar ao céu”, mas reconhecer o inadequado da reação legal. Especialmente naquelas áreas – Estados Unidos e Holanda – onde o clima “anti-jurídico” era maior.
O Direito é simplesmente um modesto instrumento dentro dos muitos canais para promover os direitos humanos, também na Igreja. Sua ineficácia, entretanto, deixa sem freio nem acelerador o grande veículo de sua tutela.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Católicos e nazistas

ZP10121901 - 19-12-2010
Permalink: http://www.zenit.org/article-26828?l=portuguese 
O papel da religião no Terceiro Reich
Pe. John Flynn, LC
ROMA, domingo, 19 dezembro de 2010 (ZENIT.org) - A Igreja é muitas vezes criticada por não ter feito o suficiente para se opor a Hitler. Em sua recente viagem à Inglaterra e Escócia, Bento XVI teve a oportunidade de apresentar o outro lado da moeda, lembrando o caráter antirreligioso do regime nazista.
"Lembro-me também da atitude do regime em relação a pastores cristãos e religiosos que proclamaram a verdade no amor, resistiram aos nazistas e pagaram com suas vidas essa oposição", disse na audiência com Sua Majestade a Rainha, em Edimburgo, na Escócia.
O quadro apresentado pelo Papa dos nazistas como ateus que querem erradicar Deus da sociedade não foi bem aceito. Em um comunicado de imprensa de 16 de setembro, Andrew Copson, presidente da British Humanist Society, negou que o ateísmo de nazista levara a esse comportamento extremo.
Um livro publicado no início deste ano lança alguma luz sobre a questão da religião e os nazistas. Em "Catholicism and the Roots of Nazism" (O catolicismo e as raízes do nazismo, Oxford University Press), Derek Hastings mostra como, nos primeiros anos, houve, de fato, um forte componente católico no movimento nazista. Ele também alega que houve grandes discrepâncias entre a natureza do regime nazista no poder nos anos 30 e 40 e movimento originário de Munique nos anos seguintes à Primeira Guerra Mundial.
"Apesar de manter uma oportuna fachada conciliadora, há pouca dúvida de que o partido nazista exibiu uma grande antipatia para com a Igreja Católica - e, em grande medida, para com o cristianismo em geral - durante a maior parte do período do Terceiro Reich", comentou Hastings.
Ele observou que muitos historiadores têm afirmado que, após os nazistas tomarem o poder em 1933, o partido passou a se tornar uma espécie de religião política e uma forma rival de devoção leiga que lutou para suplantar a identidade católica e cristã.
Voltando a Munique
O Partido Nazista foi fundado em 1919, em Munique. No período de 1919 até o falido Putsch (golpe) da Cervejaria em Munique, em 1923, os nazistas cortejaram abertamente os católicos. Sua abertura ao catolicismo permitiu aos nazistas ganhar adeptos e destacar-se sobre outros movimentos populares. Como consequência do fracasso de 1923, que levou Hitler para a prisão por um curto período, o movimento nazista foi refundado em 1925, de uma forma que deixou pouco espaço para sua orientação católica anterior.
Hastings explicou que este nexo católico com os nazistas durante os primeiros anos foi devido a fatores locais não extensíveis ao resto da Alemanha. O apoio ao Partido Popular da Baviera (BVP) foi menor em Munique e nos arredores da Alta Baviera que em quaisquer outras áreas católicas do país. Em vez disso, tendeu a apoiar os movimentos populares com um viés mais nacionalista.
Outra característica que distinguiu os católicos de Munique e arredores foi a sua hostilidade para com o que consideraram como ultramontanismo excessivo do BVP e dos bispos da Igreja. O movimento ultramontano, explicou Hastings, surgiu nos séculos XVIII e XIX, quando os católicos da Europa olhavam cada vez mais para o Papa que residia "além das montanhas" (ultra montes).
Na década que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, houve um movimento de reforma católica nos arredores de Munique, que consistiu em um impulso por uma nova forma de identidade religiosa, que fosse fiel à Igreja Católica no sentido espiritual, mas mais aberta ao curso político e cultural radicalmente nacionalista, observou Hastings. Os nazistas foram capazes de tirar partido destas tendências locais, combinadas com o descontentamento geral que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, para convocar os católicos nos estágios iniciais de desenvolvimento.
Antes de 1923, os nazistas ganharam o apoio de milhares de católicos em Munique e arredores, notou Hastings. No começo, o BVP ignorou o novo partido, provavelmente com o desejo de evitar mais publicidade. No final de 1922, vendo o número crescente de seguidores do partido nazista, o BVP decidiu embarcar em uma campanha para fazer que os bávaros fossem conscientes da natureza perigosa dos nazistas.
Isso não impediu que os nazistas deixassem de cortejar os católicos e, de acordo com Hastings, em 1923 seus esforços vieram à tona. Naquele ano, lançaram uma campanha de recrutamento para atrair os católicos ao seu partido. Seus esforços foram bem sucedidos, ao ponto que até mesmo muitos sacerdotes católicos se envolveram.
Em seus discursos na época, Hitler se referia abertamente à sua fé católica e à influência que ela tinha em seu ativismo político. Em 1923, o jornal nazista Beobachter começou a publicar inclusive os horários das Missas dominicais e exortar seus leitores a cumprirem suas obrigações religiosas.
Refundação
No entanto, essa proximidade entre os católicos e o partido nazista acabou de repente, com o Putsch da Cervejaria, em novembro daquele ano. A tentativa de Hitler de tomar o controle do estado bávaro terminou em rápido fracasso e o movimento nazista entrou em um período de divisão e de declínio, explicou Hastings.
Isso coincidiu com o aumento da anticatolicismo em outros movimentos populares, em Munique, o que também afetou parte do partido nazista. Segundo Hastings, neste período, muitos católicos abandonaram o partido nazista, e aqueles que permaneceram o fizeram abrindo mão de sua identidade católica. Os sacerdotes católicos que tinham se unido ao partido também o abandonaram. De fato, no final de 1923, a arquidiocese de Munique-Freising tinha lhes proibido de participar das reuniões do partido nazista.
Uma vez refundada, a anterior orientação católica foi invertida e em grande parte substituiu o cristianismo com o seu próprio conjunto de figuras de mártires tirados do Putsch fracassado. A partir desse momento, Hitler também não voltou a se apresentar como um católico praticante ou como um defensor do cristianismo, observou Hastings.
Com o tempo, o movimento nazista tornou-se cada vez mais abertamente anticatólico, a tal ponto que os nazistas se opuseram fortemente ao estabelecimento de uma concordata entre a Baviera e o Vaticano. Eles também foram abertamente críticos com o núncio papal, Dom Eugenio Pacelli, futuro Papa Pio XII. Em publicações nazistas, atacava-se frequentemente os bispos alemães, em especial o cardeal Michael von Faulhaber, que, pouco antes do Putsch de 1923, havia falado em defesa dos judeus.
Sobre a questão do antissemitismo nazista e da influência dos católicos, Hastings referiu que, no início, o movimento nazista se centrou nas imagens do Novo Testamento - como a expulsão dos vendilhões do templo por Cristo - em sua propaganda. Nesta fase, contudo, a ideologia nazista ainda não estava totalmente clara e, quando adotou uma postura mais definida nos anos seguintes, tornou-se a forma mais pura e abertamente leiga de antissemitismo.
No início dos anos 30, após as condenações eclesiásticas oficiais, Hastings argumentou que se tornou mais clara a oposição mútua das visões de mundo católicas e nazistas.
Em conclusão, Hastings disse que, embora seja necessário reconhecer o papel real desempenhado pelo clero e pelos leigos católicos nas fases iniciais do movimento nazista, ao mesmo tempo não há nenhuma base para acusar o catolicismo, seja como instituição ou como um sistema de ideias.
Além disso, a coabitação entre as identidades nazista e católica desapareceu no que Hastings chamou de "fluxo de invectivas anticatólicas que lavou o fraturado movimento como resultado do golpe fracassado".
Essa coabitação foi uma das primeiras vítimas da ambição política cada vez mais messiânica de Hitler, observou Hastings. O que fica claro, tanto em Hastings como em outros, é que os terríveis excessos do regime nazista aconteceram apesar de, e não devido a qualquer influência católica.

Papa: acompanhar a liberalização da economia com responsabilidade

ZP10122003 - 20-12-2010
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No discurso à nova embaixadora de Seychelles
CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 20 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) – Bento XVI afirmou a necessidade de acompanhar a evolução econômica com uma base ética e uma atitude responsável.
O Papa fez essa consideração no discurso dirigido nessa sexta-feira à embaixadora da República de Seychelles na Santa Sé, Vivianne Fock Tave, ao recebê-la no Vaticano no início de suas funções.
“A liberalização da economia preservado as conquistas sociais é uma mutação que não requer uma mudança de mentalidades – afirmou –: trata-se pois de acompanhar esta evolução para antecipar os efeitos nem sempre controláveis no tempo, dando uma base ética necessária e tendo responsabilidade”.
Em referência à questão do meio ambiente, o Papa indicou que “a programação do desenvolvimento econômico deve também considerar atentamente a necessidade de respeitar a integridade e os ritmos da natureza, porque os recursos naturais são limitados e alguns não são renováveis”.
Nesse sentido, Bento XVI demonstrou seu apreço pela iniciativa do governo de Seychelles para restaurar e preservar a barreira de coral.
Bento XVI referiu-se ao turismo internacional como “fator notável de desenvolvimento econômico e de crescimento cultural” que pode, no entanto, “transformar-se em ocasião de exploração e degradação moral”.
Sobre este tema, indicou que “só o reconhecimento da dignidade humana torna possível o crescimento comum e pessoal de todos”.
Bento XVI destacou o progresso alcançado em Seychelles, “resultado dos esforços persistentes e da contribuição generosa de todas as esferas políticas e sociais, dos setores públicos e privados”.
Ele felicitou o governo e o povo “por terem superado o desafio da crise econômica mundial, por meio do aumento do turismo e dos investimentos estrangeiros diretos, por um impulso à economia nacional, proporcionando um espaço fiscal favorável à redução da dívida e dos gastos prioritários”.
Também destacou a vontade da Igreja local de seguir dando sua contribuição específica, “tanto para apoiar a família, a educação e a formação dos jovens, como para o desenvolvimento humano integral de cada pessoa”, que implica “um crescimento espiritual e não só material”.

Pregador do Papa: “A resposta cristã ao racionalismo”

ZP10121908 - 19-12-2010


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Terceira meditação do Pe. Cantalamessa diante do Papa e da Cúria Romana









CIDADE DO VATICANO, domingo, 19 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) - Publicamos a terceira meditação do Advento do Pe. Raniero Cantalamessa OFM cap, pregador da Casa Pontifícia, pronunciada na sexta-feira passada, diante de Bento XVI e da Cúria Romana.



* * *



Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap.



3ª Pregação do Advento



"ESTAI SEMPRE PRONTOS A DAR A RAZÃO DA VOSSA ESPERANÇA."



(1 Pe 3,15)



A resposta cristã ao racionalismo



1. A razão usurpadora



O terceiro obstáculo que faz parte da cultura moderna, "refratária" ao Evangelho, é o racionalismo. Sobre isso falaremos nesta última meditação do Advento.



O cardeal e, agora, Beato John Henry Newman, deixou-nos um discurso memorável, proferido em 11 de dezembro de 1831, na Universidade de Oxford, intitulado The Usurpation of Raison, a usurpação ou a prevaricação da razão. Neste título já está a definição do que entendemos como racionalismo1. Numa nota explicativa a este discurso, escrita no prefácio à sua terceira edição, de 1871, o autor explica o que quer dizer com esse termo. Por usurpação da razão - diz - se entende "certo abuso generalizado dessa faculdade quando se fala de religião sem um conhecimento íntimo ou sem o respeito devido aos princípios fundamentais desta. Essa ‘razão' é chamada ‘sabedoria do mundo' nas Escrituras é a compreensão de religião dos que têm a mentalidade secularista e se baseiam em máximas do mundo, que lhes são intrinsecamente alheias" 2.



Em outro de seus sermões na universidade, intitulado "Fé e Razão comparadas", Newman ilustra por que a razão não pode ser o juiz supremo em matéria de religião e de fé, com a analogia da consciência:



"Ninguém - escreve - dirá que a consciência se opõe à razão, ou que seus preceitos não podem ser apresentados em forma de argumento; no entanto, quem, a partir disso, argumentará que a consciência não é um princípio original, mas que, para atuar, precisa atender o resultado de um processo lógico-racional? A razão analisa os fundamentos e os motivos da ação, sem ser ela mesma um destes motivos. Portanto, a consciência é um elemento simples da nossa natureza e, no entanto, suas operações admitem ser justificadas pela razão, sem com isso depender realmente dela [...]. Quando se diz que o Evangelho exige uma fé racional, pretende-se dizer somente que a fé concorda com a reta razão em abstrato, mas não que seja realmente seu resultado"3.



Uma segunda analogia é a da arte. "O crítico de arte - escreve - avalia o que ele mesmo não sabe criar, assim também a razão pode dar sua aprovação ao ato da fé, sem por isso ser a fonte da qual a fé emana"4.



A análise de Newman possui recursos novos e originais; destaca a tendência, imperialista, por assim dizer, da razão a submeter todo aspecto da realidade aos próprios princípios. É possível, entretanto, considerar o racionalismo ainda de um outro ponto de vista, intimamente ligado ao anterior. Para ficar na metáfora política empregada por Newman, podemos definir como atitude de isolamento, de fechar-se a essa mesma razão. Isso não consiste tanto em invadir o campo de outros, mas em não reconhecer a existência de outro campo fora do seu próprio. Em outras palavras, na negação de que possa haver verdade fora da que passa através da razão humana.



Desse modo,o racionalismo não nasceu com o iluminismo. É uma tendência contra a qual a fé sempre teve de lidar. Não só a fé cristã, mas também a hebraica e a islâmica, pelo menos na IdadeMédia, conheceram esse desafio.



Contra essa afirmação de absolutismo da razão, levantose em cada época a voz não só de homens de fé, mas também de militantes no campo da razão, filosofia e ciência. "O ato supremo da razão, escreveu Pascal, está em reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a sobrepassam."5 No mesmo instante em que a razão reconhece seu limite, ela o rompe e o supera. É por obra da razão que se produz este reconhecimento que é, por isso, um ato puramente racional. Essa é, literalmente, uma "douta ignorância"6. Um ignorar "com conhecimento de causa", sabendo que se está ignorando.



Devemos, portanto, dizer que estabelece um limite para a razão e a humilha aquele que não reconhece nela esta capacidade de transcender-se. "Até agora, escreveu Kierkegaard, sempre se falou assim: ‘Dizer que não se pode entender esta coisa ou aquela não satisfaz a ciência que deseja conhecer'. Esse é o erro. É preciso dizer exatamente o oposto: onde a ciência humana não quer reconhecer que há algo que ela não pode compreender ou - ainda mais preciso - qualquer coisa que da qual a ciência, pode entender com clareza ‘que não pode entender', então tudo estará desordenado. É, portanto, uma tarefa do conhecimento humano compreender que existem essas coisas e quais são essas coisas que ela não pode compreender."7



2. Fé e sentido do sagrado



Espera-se que este tipo de desafio mútuo entre fé e razão continue no futuro. É inevitável que cada época refaça o o caminho por conta própria, mas nem os racionalistas converterão as pessoas de fé e nem serão convertidos por elas. É preciso encontrar uma maneira de romper com esse círculo e liberar a fé desse gargalo. Em todo esse debate sobre a razão e a fé, é a razão que impõe sua escolha e força a fé, por assim dizer, a jogar fora de casa e na defensiva.



Disso, o cardeal Newman estava bem consciente, e, em outro de seus discursos universitários, adverte contra o risco da mundanização da fé em seu desejo de correr atrás da razão. Ele dizia entender, embora sem poder aceitar plenamente, as razões dos que são tentados a separar completamente a fé da investigação racional, por causa do "antagonismo e das divisões fomentadas da argumentação e debates, a confiança orgulhosa que geralmente acompanha o estudo das provas apologéticas, a frieza, o formalismo, o espírito secularista e carnal, enquanto a Escritura fala da religião como de uma vida divina, radicada no afeto e manifestada na graça espiritual"8.



Em todo trabalho de Newman sobre a relação entre razão e fé, então não menos debatida que hoje, há uma ressalva: não é possível combater um racionalismo com outro, talvez contrário. É necessário encontrar outro caminho que não pretenda substituir a da defesa racional da fé, mas, que, pelo menos, a acompanhe, ainda porque os destinatários do anúncio cristão não são os intelectuais, capazes de envolver-se nesse tipo de confronto, mas a massa de pessoas comuns indiferente a isso e mais sensível a outros argumentos.



Pascal propunha o caminho do coração: "O coração tem razões que a própria razão desconhece"9; os românticos (Schleiermacher, por exemplo) propunham o do sentimento. Ainda existe, penso, um caminho a percorrer: a da experiência e do testemunho. Não pretendo aqui falar da experiência pessoal, subjetiva, da fé, mas de uma experiência universal e objetiva que podemos, por isso, fazer valer mesmo no confronto com pessoas alheias à fé. Ela não nos leva à fé plena e salvadora, a fé em Jesus Cristo morto e ressuscitado, mas pode ajudar a criar nessas pessoas a base que é a abertura ao mistério, a percepção de algo que está acima do mundo e da razão.



A contribuição mais notável que a moderna fenomenologia da religião ofereceu à fé, principalmente na forma que ela toma na clássica obra de Rudolph Otto, "O Sagrado"10, é ter demonstrado que a afirmação tradicional que de existe algo que não se explica com a razão, não é um pressuposto teórico ou de fé, mas um dado primordial de experiência.



Existe um sentimento que acompanha a humanidade desde seus primórdios até o presente em todas as religiões e culturas: o autor o chama de o sentimento do numinoso. (No intuito de elucidar as características irracionais peculiares do sagrado, o autor cria o neologismo numinoso, derivado do termo latino numen, que significa deidade ou influxo divino. Explica ele que o elemento numinoso pode ser identificado como um princípio ativo presente na totalidade das religiões, portador da ideia do bem absoluto. Quando se refere ao numinoso, esclarece que é "uma categoria especial de interpretação e de avaliação e, da mesma maneira, de um estado de alma numinoso que se manifesta quando esta categoria se aplica, isto é, sempre que um objeto se concebe como numinoso", N. da T.) 11. Esse é um dado primário, irredutível a qualquer outro sentimento ou experiência humana; toma o homem como uma emoção quando, por qualquer circunstância externa ou interna a ele, se encontra diante da revelação do mistério "tremendo e fascinante" do sobrenatural.



Otto designa o objeto desta experiência com o adjetivo "irracional" (o subtítulo da obra é "Sobre o Irracional na Ideia do Divino e sua Relação com o Irracional"); mas toda a obra demonstra que o sentido que ele dá ao termo "irracional" não é o de "contrário à razão", mas o de "além da razão", de não traduzível em termos racionais. O numinoso se manifesta em graus diferentes de pureza: do estado mais bruto, que é a reação mais inquietante suscitada pelas histórias de espíritos e fantasmas, ao estado mais puro, que é a manifestação da santidade de Deus - o Qadosh bíblico - como na célebre cena da vocação de Isaías (Is. 6, 1ss).



Se é assim, a evangelização do mundo secularizado passa também pela recuperação do sentido do sagrado. O terreno de cultura do racionalismo - sua causa e, ao mesmo tempo, seu efeito - é a perda do sentido do sagrado. É necessário, por isso, que a Igreja ajude os homens a subir a montanha e redescobrir a presença e a beleza do sagrado no mundo. Charles Péguy disse que "a assustadora penúria do sagrado é a marca profunda do mundo moderno". Isso é evidente em cada aspecto da vida, mas especialmente na literatura e na linguagem de todos os dias. Para muitos autores, ser definido como "dessacralizado" não é mais uma ofensa, mas um elogio.



A Bíblia foi acusada por vezes de ter "dessacralizado" o mundo por ter perseguido ninfas e divindades das montanhas, dos mares e dos bosques e ter feito destas simples criaturas a serviço do homem. Isso é verdade, mas foi justamente despojando-lhes desse falso pretexto de divindade que a Escritura pôde restituir-lhes sua genuína natureza de "sinal" do divino. A Bíblia combate a idolatria das criaturas, não sua sacralidade.



Assim, "secularizado", o criado tem agora mais poder de provocar a experiência do numinos e do divino. De uma experiência desse gênero carrega o sinal, em minha opinião, a célebre declaração de Kant, o representante mais ilustre do racionalismo filosófico:



"Duas coisas enchem o coração de admiração e veneração, sempre novas e sempre crescentes, à medida que a reflexão se dirige e se consagra a elas: o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim (...) o primeiro espetáculo, de uma inumerável multidão de mundos, aniquila, por assim dizer, a minha importância, por ser eu uma criatura animal que deve voltar à matéria de que é formado o planeta (um simples ponto no Universo) depois de (não se sabe como) ter sido dotada de força vital durante curto espaço de tempo. O segundo espetáculo, ao contrário, eleva infinitamente o meu valor, como o de uma inteligência por minha personalidade, na qual a lei moral me manifesta uma vida independente da animalidade e até mesmo de todo o mundo sensível (1994, p.102)."12



Um cientista vivo, Francis Collins, há pouco nomeado acadêmico pontifício, em seu livro "A Linguagem de Deus", descreve assim o momento de sua volta à fé: "Numa bela manhã de outono, enquanto, pela primeira vez, passeando pela montanha, fui empurrado para o oeste do Mississipi, a majestosidade e beleza da criação venceram minha resistência. Entendi que a busca tinha chegado ao fim. Na manhã seguinte, quando o sol surgiu, ajoelhei-me sobre na grama molhada e me rendi a Jesus Cristo."13



As mesmas descobertas maravilhosas da ciência e da tecnologia, ao invés de levarem ao desencantamento, podem chegar a ser ocasiões de admiração e de experiência do divino. O momento final da descoberta do genoma humano é descrito pelo próprio Francis Collins, que foi o chefe da equipe que chegou a tal descoberta, "uma experiência de exaltação científica e ao mesmo tempo de adoração religiosa". Entre as maravilhas da criação, nada é mais maravilhoso que o homem e, no homem, sua inteligência criada por Deus.



A ciência se desespera agora para tocar um limite extremo na exploração do infinitamente grandioso que é o universo e na exploração do infinitamente pequeno que são as partículas sub-atômicas. Alguns fazem desta "desproporção" um argumento a favor da inexistência de um Criador e da insignificância do homem. Para os crentes, esses são o sinal por excelência não só da existência, mas também dos atributos de Deus: a vastidão do universo é sinal de sua infinita grandeza e transcendência; a pequenez do átomo, da sua imanência e da humildade da sua encarnação, que o levou a fazer-se criança no seio de uma mãe e minúsculo pedaço de pão nas mãos do sacerdote.



Mesmo na vida humana, não faltam ocasiões nas quais é possível fazer a experiência de uma "outra" dimensão: a paixão, o nascimento do primeiro filho, uma grande alegria. É preciso ajudar as pessoas a abrir os olhos e reencontrar a capacidade de surpreender-se. "Quem se surpreende, reinará", afirma um ditado atribuído a Jesus fora dos Evangelhos14. No romance "Os Irmãos Karamazov", Dostoiévski refere as palavras que o starets Zózimo, ainda um oficial do exército, fala aos presentes, no momento em que, tocado pela graça, renuncia a duelar com o adversário: "Senhores, olhai em volta os dons de Deus: este céu límpido, este ar puro, essa grama terna, estes passarinhos; a natureza é tão bela e inocente, enquanto nós, só nós, estamos longe de Deus e somos estúpidos e não compreendemos que a vida é um paraíso, uma vez que seria suficiente que quiséssemos compreender e, imediatamente aquilo se instauraria com toda sua beleza e nós nos abraçaríamos e romperíamos em lágrimas"15. Este é o verdadeiro sentido da sacralidade do mundo e da vida!



3. Necessidade de testemunhas



Quando a experiência do sagrado e do divino chega súbita e inesperada de fora de nós e é acolhida e cultivada, torna-se experiência subjetiva vivida. Temos assim as "testemunhas" de Deus que são santos e, de modo especial, uma categoria destes, os místicos.



Os místicos, segundo uma definição célebre de Dionísio o Areopagita, são aqueles que "padeceram Deus"16, isto é, participaram e viveram o divino. São, para o restante da humanidade, como exploradores que entraram primeiro, secretamente, na Terra Prometida e depois voltaram para contar o que tinham visto - "uma terra que mana leite e mel" - e exortar todo o povo a atravessar o Jordão (cf Num 14,6-9). Por meio deles, chegam a nós, nesta vida, os primeiros raios da vida eterna.



Quando lemos seus escritos, parecem distantes e até ingênuos os mais sutis argumentos dos ateus e racionalistas! Nasce, na relação com estes últimos, um sentido de surpresa e até de lástima como diante de alguém que fala de coisas que não conhece. Como alguém que acreditasse ter descoberto contínuos erros de gramática num interlocutor e não se desse conta que este está simplesmente falando uma outra língua que ele não conhece. Mas não há nenhuma vontade de confronto, mesmo as palavras em defesa de Deus parecem, naquele momento, vazias e fora de lugar.



Os místicos são, por excelência, aqueles que descobriram que Deus "existe", e mais ainda, que não somente existe realmente como infinitamente mais real que aquilo que chamamos realidade. Foi precisamente de um destes encontros que uma discípula do filósofo Husserl, judia e ateia convicta, uma noite descobriu o Deus vivo. Falo de Edith Stein, depois Santa Teresa Benedita da Cruz. Hospedada por amigos cristãos, quando estes precisaram ausentar-se uma noite, sozinha na casa e sem saber o que fazer, tomou um livro da biblioteca dos amigos e começou a ler. Era a autobiografia de Santa Teresa de Ávila. Atravessou a noite lendo. Chegada ao final, exclamou simplesmente: "Esta é a verdade!" No início da manhã, foi à cidade para comprar um catecismo católico e um missal e, depois de tê-los estudado, dirigiu-se a uma igreja próxima e solicitou o Batismo ao sacerdote.



Eu também fiz uma pequena experiência do poder que os místicos têm de fazer-nos tocar o sobrenatural. Era o ano em que se discutia muito o livro de um teólogo intitulado "Existe Deus? ("Existiert Gott?"); mas, terminada a leitura, poucos estavam preparados para trocar o ponto de interrogação do livro para o de exclamação. Indo a um congresso, tinha levado comigo o livro dos escritos da Beata Angela de Foligno, que eu ainda não conhecia. Fiquei literalmente deslumbrado; levava o livro comigo nas conferências, abria-o a cada intervalo e, no final, eu o fechei dizendo a mim mesmo: "Se Deus existe? Não só existe, mas é realmente fogo devorador!"



Infelizmente, certa moda literária conseguiu neutralizar até a "prova" viva da existência de Deus que são os místicos. E o fizeram com um método único: não reduzindo seu número, mas aumentando-o; não restringindo o fenômeno, mas expandindo-o dramaticamente. Me refiro àqueles que, numa resenha sobre místicos, em antologias de seus escritos ou numa história da mística colocam lado a lado, como parte do mesmo gênero de fenômenos, São João da Cruz e Nostradamus; santos e excêntricos; mística cristã e cabala medieval; hermetismo, teosofismo, formas de panteísmo e até alquimia. Os verdadeiros místicos são outra coisa e a Igreja tem razão de ser rigorosa no juízo sobre eles.



O teólogo Karl Rahner, tomando, ao parecer, uma frase de Raimondo Pannikar, afirmou: "O cristão de amanhã, ou será um místico, ou não será". Tentava dizer que, no futuro, manter viva a fé dependerá do testemunho de pessoas que possuem uma profunda experiência de Deus, mais que a demonstração de sua plausibilidade racional. Paulo VI dizia, no fundo, a mesma coisa quando afirmava, na Evangelii nuntiandi (n.41): "O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas".



Quando o apóstolo Pedro recomendava aos cristãos a estar "prontos a dar razão da vossa esperança" (1 Pe 3,15), é certo, no contexto, que ele não falava da razão especulativa ou dialética, mas da razão prática, ou seja, da sua experiência de Cristo, unida ao testemunho apostólico que a garantia. Num comentário a este texto, o cardeal Newman fala de "razões implícitas" que são, para os crentes, mais intimamente persuasivas que as razões explícitas e argumentativas17.



4. Um salto de fé no Natal



Chegamos, assim, à conclusão prática que mais nos interessa numa meditação como esta. Da irrupção imprevista do sobrenatural na vida não precisam só os que não creem e os racionalistas; necessitamos também nós, crentes, para reanimar a nossa fé. O maior perigo que correm as pessoas religiosas é de reduzir a fé a uma sequência de ritos e de fórmulas, repetidas, mesmo que com cuidado, mecanicamente e sem a íntima participação de todo o ser. "Esse povo me procura só de palavra, honra-me apenas com a boca, enquanto o coração está longe de mim. Seu temor para comigo é feito de obrigações tradicionais e rotineiras" (Is 29, 13).



O Natal pode ser uma ocasião privilegiada para ter esse salto de fé. Isso é a suprema "teofania" de Deus, a mais alta "manifestação do Sagrado". Infelizmente, o fenômeno do secularismo está despojando esta festa de seu caráter de "mistério tremendo" - isto é, que induz ao santo temor e à adoração - para reduzi-lo somente ao aspecto de "mistério fascinante". Fascinante, o que é pior, somente no sentido natural, não sobrenatural: uma festa dos valores familiares, do inverno, da árvore, das renas e do Papai Noel. Existe, em alguns países, a intenção de trocar o nome de "Natal" por "festa da luze". Em poucos casos a secularização é tão visível como no Natal.



Para mim, o caráter "numinoso" do Natal está ligado a uma memória. Assisti, um ano, à Missa do Galo, presidida por João Paulo II, em São Pedro. Chegou o momento do canto da Kalenda, ou seja, a solene proclamação do nascimento do Salvador, presente no antigo Martirológio e reintroduzida na liturgia natalina depois do Vaticano II:



"Tendo transcorridos muitos séculos desde a criação do mundo



Treze séculos depois da saída de Israel do Egito



Na centésima nonagésima quarta Olimpíada



No ano 752 da fundação de Roma



No quadragésimo segundo ano do Império de César Augusto



Jesus Cristo, Deus eterno e Filho eterno do Pai, tendo sido concebido por obra do Espírito Santo, tendo transcorrido nove meses, nasce em Belém da Judeia, da Virgem Maria, feito homem."



Chegados a estas últimas palavras, senti aquilo que se chama "unção da fé": uma repentina clareza interior, pela qual me lembro de dizer a mim mesmo: "É verdade! É tudo verdade isto que se canta! Não são somente palavras. O eterno entra no tempo. O último evento da série rompeu a série; criou um "antes" e um "depois" irreversível (olimpíada número tal, reinado de tal...); agora tudo ocorre em relação a um único evento". Uma súbita comoção atravessou toda a minha pessoa, enquanto só podia dizer: "Obrigado, Santíssima Trindade; e obrigado também a Vós, Santa Mãe de Deus!".



Ajuda muito a tornar o Natal a ocasião para um salto de fé, encontrar espaços de silêncio. A liturgia envolve o nascimento de Jesus no silêncio: "Dum medium silentium tenerent omnia", enquanto tudo em volta era silêncio. "Stille Nacht", noite de silêncio, é chamado o Natal num dos mas populares e amados cantos natalinos. No Natal, devemos sentir como dirigido a nós o convite do Salmo: "Parai! Sabei que eu sou Deus, excelso entre as nações, excelso sobre a terra" (Sal 46,11).



A Mãe de Deus é o modelo insuperável deste silêncio natalino: "Maria, porém, guardava todas estas coisas, meditando-as no seu coração (Lc 2, 19). O silêncio de Maria no Natal é mais que um simples calar-se; é maravilha, é adoração, é um "religioso silêncio", um ser "oprimido pela realidade". A interpretação mais real do silêncio de Maria é aquela encontrada nos antigos ícones bizantinos, onde a Mãe de Deus aparece imóvel, com o olhar fixo, os olhos arregalados, como quem viu algo que as palavras não podem expressar. Maria, antes de todos, elevou a Deus o que São Gregório Nazianzeno chama "um hino de silêncio"18.



Vive realmente o Natal quem é capaz de fazer hoje, depois de tantos séculos, o que teria feito se estivesse presente naquele dia. Quem faz o que Maria ensinou: ajoelhar-se, adorar e calar!



1 J.H. Newman, Oxford University Sermons, London 1900, pp.54-74; trad. Ital. di L. Chitarin, Bologna, Edizioni Studio Domenicano, 2004, pp. 465-481.



2 Ib.p. XV (trad. ital. Cit. p.726).



3 Ib., p. 183 (trad. ital. Cit. p.575).



4 Ibidem.



5 B.Pascal, Pensieri 267 Br.



6 S. Agostino, Epist. 130,28 (PL 33, 505).



7 S. Kierkegaard, Diario VIII A 11.



8 Newman, op. cit., p. 262 (trad. ital. cit., p. 640 s).



9 B. Pascal, Pensieri, n.146 (ed. Br. N. 277).



10Otto, Rudolf (1992) O Sagrado. Sobre o Irracional na Ideia do Divino e sua Relação com o Irracional. Lisboa: Edições 70.



11Bay, Dora (2004) Fascínio e Terror: O Sagrado. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, número 61, Universidade Federal de Santa Catarina.



12 E. Kant, Textos seletos. Introdução de Emmanuel Carneiro Leão. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 2005.



13 F. Collins, The Language of God. A Scientist Presents Evidence for Belief, Free Press 2006, pp. 219 e 255.



14 In Clemente Alessandrino, Stromati, 2, 9).



15 F. Dostoevskij, I Fratelli Karamazov, parte II, VI,



16 Dionigi Areopagita, Nomi divini II,9 (PG 3, 648) ("pati divina").



17 Cf. Newman, "Implicit and Explicit Reason", in University Sermons, XIII, cit., pp. 251-277



18 S. Gregorio Nazianzeno, Carmi, XXIX (PG 37, 507).





Liberdade religiosa: tema central para Bento XVI

ZP10121904 - 19-12-2010


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Cardeal Turkson fala sobre a mensagem do Dia Mundial da Paz







CIDADE DO VATICANO, domingo, 19 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) - Bento XVI escolheu o tema da liberdade religiosa como centro da mensagem do Dia Mundial da Paz 2011 "não só porque este tema está no centro da Doutrina Social da Igreja", mas também porque "a vida da liberdade religiosa é uma vocação fundamental do homem, um direito humano inalienável e uma chave para a paz".



Foi o que disse nessa quinta-feira, na apresentação damensagem no Vaticano, o presidente do Conselho Pontifício "Justiça e Paz", cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson.



Uma liberdade que se vê ameaçada "pelo fundamentalismo religioso, a politização da religião e a imposição de religiões de Estado", disse o purpurado.



Mas também "pelo nascimento de um relativismo cultural e religioso que se está fazendo sempre mais presente e difícil em nossos dias".



A liberdade religiosa é compatível com a defesa das próprias ideias, mas contrária "ao relativismo, sincretismo e fundamentalismo: todos são visões distorcidas da liberdade religiosa", a qual "não se limita ao livre exercício do culto", disse. "Tem uma dimensão pública, que permite aos crentes dar sua contribuição na construção da ordem social", assegurou.



O cardeal destacou a insistência do Papa tanto na mensagem como na linha de seu pontificado sobre o tema do diálogo inter-religioso, que "deveria ser reconhecido como o canal mediante o qual os diversos sujeitos possam articular o próprio ponto de vista e construir o consenso ao redor da verdade que tem a ver com os valores objetivos e particulares".



"É típico da natureza das religiões, livremente praticadas, o fato de que possam autonomamente conduzir a um diálogo de pensamento e de vida, com a perspectiva de pôr sua experiência a serviço do bem comum", assegurou o purpurado.



Por sua parte, Dom Mario Toso S.D.B, secretário do Pontifício Conselho "Justiça e Paz", disse que a mensagem do Papa "quer ser um sinal inequívoco do compromisso da Igreja na defesa não só de um direito fundamental", mas especialmente "do homem enquanto tal, de sua dignidade e liberdade entendida integralmente", mais concretamente, "de todas as liberdades com os respectivos deveres e direitos, da própria democracia, da laicidade positiva, em uma palavra, da civilização".



Disse também que o Papa convida, em particular, a aprofundar na verdade do direito à liberdade religiosa, quer dizer, de suas implicações antropológicas, éticas, jurídicas, políticas, civis e religiosas.



"Para Bento XVI, uma liberdade inimiga ou indiferente a Deus nega a si mesma e não garante a convivência pacífica", porque "uma vontade que se opõe a Deus ou se crê radicalmente incapaz de buscar a Suma Verdade e o Sumo Bem não tem razões objetivas nem motivos para atuar", a não ser as razões impostas por "desejos momentâneos e contingentes".



Ele assinalou que sem Deus o homem "não tem uma identidade para custodiar e construir continuamente através de decisões verdadeiramente livres e conscientes".



(Carmen Elena Villa)





sábado, 18 de dezembro de 2010

A autêntica surpresa dos documentos de WikiLeaks sobre o Vaticano

ZP10121704 - 17-12-2010
Permalink: http://www.zenit.org/article-26821?l=portuguese 
Entrevista com o historiador Matteo Luigi Napolitano
Por Jesús Colina
ROMA, sexta-feira, 17 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) – A verdadeira surpresa dos documentos sobre o Vaticano redigidos pelos diplomatas norte-americanos e filtrados por WikiLeaks é que não há surpresas. O que se reafirma é a obra diplomática, humanitária e caritativa da Igreja Católica, explica um dos historiadores de referência no estudo dos arquivos vaticanos.
Matteo Luigi Napolitano, professor associado de História das Relações Internacionais na Universidade Marconi, em Roma, e delegado internacional do Comitê Pontifício de Ciências Históricas para os problemas de História Contemporânea, analisa nesta entrevista a ZENIT os documentos dirigidos ao Departamento de Estado pelas missões diplomáticas dos EUA relativos à Santa Sé.
ZENIT: Que pensa dos documentos de WikiLeaks sobre o Vaticano?
Napolitano: Nas revelações de WikiLeaks, os elementos de fachada obscureceram a essência de documentos que, sendo autênticos, dão uma visão da diplomacia vaticana muito diferente da que aparece nos jornais.
ZENIT: Quais são os elementos que não os meios de comunicação não levaram em conta?
Napolitano: Muitos. Dou uns poucos exemplos. Os diplomatas norte-americanos observam em várias ocasiões que o Vaticano está a favor do desenvolvimento do Terceiro Mundo e que quer o perdão da dívida dos países pobres. Afirmam também que o Papa quer o diálogo entre as confissões religiosas. O Papa, para os norte-americanos, é sem dúvida “o líder mais conhecido no âmbito mundial, junto com o presidente dos Estados Unidos”. Os documentos nos dizem que a atenção da Santa Sé pelo Oriente Médio é constante, se bem que sua política não coincidisse com a do presidente George W. Bush. Com a administração republicana, há desacordo também na guerra no Iraque.
Impressiona também o que se lê sobre a China: “A Santa Sé tem excelentes fontes de informação sobre os dissidentes, sobre os direitos humanos, sobre a liberdade religiosa e sobre o controle governamental sobre a população”. É o que diz o Departamento de Estado dos EUA, que fala do Vaticano como um observatório privilegiado para conhecer profundamente os assuntos chineses.
A atenção do Vaticano pela Índia também é máxima, especialmente depois dos atos de violência contra os cristãos. Na Índia, lemos nos documentos, “o Vaticano, os bispos locais [...] e várias organizações missionárias são e continuarão sendo observadores atentos dos abusos sobre os direitos humanos”.
A diplomacia pontifícia se interessa também pela Coreia do Norte, onde organizações de ajuda católicas visitam periodicamente o país. Enquanto que na região africana dos Grandes Lagos, o Vaticano se apoia na obra da Comunidade de Santo Egídio, que “tem um papel importante nos esforços internacionais para mediar as crises”.
Cuba é outro tema de interesse. O Vaticano espera uma transição democrática e que Fidel Castro deixe o cenário, mas tem medo de uma sucessão pior. De todos os modos, os diplomatas papais pensam que melhores relações entre Cuba e os EUA poderiam ter o efeito de isolar o perigo revolucionário representado por Hugo Chávez, presidente da Venezuela. O que os norte-americanos sabem é que “a Igreja é em Cuba a única instituição de importância independente do governo”.
A diferença de atitude entre o Vaticano e os EUA se evidencia também nas críticas contínuas que o primeiro lança contra o “materialismo e o comercialismo norte-americano”. Há também atividades humanitárias que Washington destaca: o Vaticano combate o tráfico de seres humanos e é contra a pena de morte.
Sobre as questões europeias, o Vaticano é favorável à entrada da Turquia na União Europeia, se forem respeitados os parâmetros de Copenhague. Lê-se que o então cardeal Ratzinger expressou reservas sobre essa adesão. Mas uma vez eleito Papa, mostra-se tão decidido quanto seu sucessor, na hora de favorecer a plena participação turca na União Europeia.
Entre os numerosos elementos que os jornais não levaram em conta está também a ação da Santa Sé nas Nações Unidas. Ali, a diplomacia vaticana está comprometida no combate ao turismo sexual, sobretudo o que tem por vítimas os menores de idade, nas ajudas aos países mais pobres, na reforma do sistema de ajudas humanitárias, na condenação do antissemitismo.
Em resumo, dessas correspondências emerge um imenso prestígio diplomático. Os diplomatas norte-americanos informam ao presidente Obama: “Depois dos EUA, o Vaticano é o segundo em número de países com que mantém relações diplomáticas (188 e 177)”, e o Papa é muito próximo das posições de Obama sobre os direitos humanos e sobre o fechamento da prisão de Guantanamo, e aprecia o apoio do presidente norte-americano na defesa da liberdade religiosa no mundo. Bento XVI, escrevem desde Washington, “tem o respeito inclusive dos não católicos” e é “um alto-falante moral que não tem igual”.
ZENIT: Se os documentos revelam toda essa obra, como é possível que a atenção recaia na suposta falta de comunicação dentro da Cúria Romana e em uma diplomacia que para os norte-americanos nem sequer fala inglês? 
Napolitano: Porque é mais fácil tomar um documento e levantar uma teoria que fazer uma análise de todos os textos colocados à disposição. Todos se detém no fato de que na Cúria só há um Blackberry, como se o Blackberry fosse o único telefone inteligente no mercado. Diz-se que o cardeal secretário de Estado, Tarcisio Bertone, não fala inglês, mas fala outros idiomas, além do italiano. Além disso, o Vaticano é poliglota por natureza; seu serviço implica e se traduz perfeitamente em cada idioma, e é sabido que para evitar mal-entendidos linguísticos, aos intérpretes se deixa a tarefa de traduzir as negociações mais delicadas, uma regra clássica da diplomacia, não só pontifícia.
ZENIT: Diz-se também que o secretário de Estado é um “homem do sim” do Papa, com pouca iniciativa pessoal. Parece-lhe um julgamento justificado?
Napolitano: Com elegância, o cardeal Bertone disse que está muito contente por ser conhecido como um “homem do sim” do Papa. Mas quero sublinhar que o documento de WikiLeaks lança um falso problema. Todas as sociedades bem estruturadas, incluídas as democracias avançadas, também a norte-americana, regem-se segundo estruturas hierárquicas, com ordens dadas do cume e executadas em organismos inferiores. Que Bertone obedeça às ordens do Papa, e que por sua vez as distribua, é totalmente normal. Como é normal que a secretária de Estado Hillary Clinton execute as ordens do presidente Obama e por sua vez transmita as ordens.
Mas a questão não termina aqui: o diplomata que julga Bertone como um “homem do sim” ou “sim, senhor” do Papa não tem documentos da Cúria, não tem acesso às atas das reuniões com o Papa, não sabe como se toma uma decisão vaticana, que talvez tenha surgido a partir de propostas ou de contrapropostas analisadas e discutidas entre o Papa e a Cúria. Talvez o cardeal Bertone compartilhe com o Papa as decisões importantes, ou o próprio Papa decida uma linha de conduta a partir de uma proposta do secretário de Estado. Como podem os norte-americanos considerar o cardeal Bertone um “sim, senhor”? Como podem julgar?
ZENIT: Que juízo final um especialista como o senhor faz dessas observações sobre o Vaticano?
Napolitano: Falou-se muito dos efeitos midiáticos, sem refletir sobre o fundo. O balanço é que, a partir de uma leitura menos superficial, estes documentos dão à diplomacia vaticana o prestígio moral que conhecemos. Mas à maioria escapou outro elemento. A Igreja Católica pensa e fala em termos de séculos, e mais, de milênios, fala com muitas civilizações e em muitos idiomas. Isso também pode-se constatar nos documentos de WikiLeaks. Ter concentrado a atenção (e o que é pior, ter inventado teorias) só no que pensavam os norte-americanos, e não no que viam, nos parece que só confunde.

Papa: Estado deve proteger papel da religião na esfera pública

ZP10121710 - 17-12-2010
Permalink: http://www.zenit.org/article-26827?l=portuguese 
Ao receber o novo embaixador da Itália junto à Santa Sé

ROMA, sexta-feira, 17 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) - A dimensão religiosa favorece o progresso real do país e, portanto, é necessário proteger o seu papel no domínio da esfera pública. Isto foi afirmado hoje pelo Papa Bento XVI, ao receber o novo embaixador da Itália junto à Santa Sé, Francesco Maria Greco, por ocasião da apresentação de suas cartas credenciais.
Em seu discurso ao diplomata, o Papa disse acompanhar de perto, com a oração, "as vicissitudes da alegria e da tristeza" do país, desejando que o Senhor possa conservar "o precioso tesouro da fé cristã" e "os dons da concórdia e da prosperidade".
Bento XVI recordou como, "no difícil momento histórico atual, nacional e internacional", a comemoração dos 150 anos da unificação da Itália oferece a oportunidade de uma "reflexão não apenas de cunho comemorativo, mas também de caráter projetual".
O Pontífice afirmou que a Igreja na Itália não busca "poder, privilégios ou posições de vantagem econômica e social", mas somente que lhe seja assegurado "o exercício pleno da liberdade religiosa" e que se reconheça "o papel legítimo das religiões e das comunidades religiosas na esfera pública".
Além disso, a história e a cultura italianas estão "tão profundamente marcadas pela Igreja Católica" que, quando se tentou, no passado, negá-las ou marginalizá-las, "foram causados perigosos desequilíbrios e dolorosas fraturas na vida social do país".
Neste contexto, o Papa se referiu à "tentativa de eliminar dos locais públicos a exposição dos símbolos religiosos" e expressou seu reconhecimento ao governo italiano por ter agido "em conformidade com uma visão correta da laicidade e à luz da sua história, cultura e tradição, encontrando nisso o apoio positivo também de outros países europeus".
A Itália, apoiada por vinte outros países, apelou à Câmara contra a decisão de 3 de novembro de 2009 sobre o caso Lautsi.
Finalmente, Bento XVI recordou que, atualmente, ainda há "flagrantes violações da liberdade religiosa" e por isso desejou que "cresça em todas as partes a conscientização deste problema" e "se intensifiquem os esforços para ver realizado, em todos os lugares e para todos, o pleno respeito à liberdade religiosa".
(Mirko Testa)

Bento XVI alenta o diálogo entre fé cristã e ciência nas universidades



.- Ao presidir a oração das Vésperas ontem pela tarde com os universitários romanos em seu tradicional encontro antes do Natal, o Papa Bento XVI ressaltou que é possível um diálogo frutífero entre a fé cristã e os distintos saberes nas universidades, pois não se opõem mas se complementam.

Na Basílica de São Pedro o Papa disse que "a vocês, universitários, que percorrem o caminho fascinante e trabalhoso da busca e da elaboração cultural, o Verbo encarnado lhes pede que compartilhem com ele a paciência de construir. Construir a existência própria, a sociedade, não é uma obra que possam realizar mentes e corações distraídos nem superficiais".

"Em nossos tempos se sente a necessidade de uma nova classe de intelectuais capazes de interpretar as dinâmicas sociais e culturais que não ofereçam soluções abstratas, mas sim concretas e realistas. A Universidade está chamada a desempenhar este papel insubstituível e a Igreja a sustenta convencida".

A comunidade universitária romana, composta por instituições estatais, privadas, católicas e pontifícias deve desempenhar, disse o Papa, "uma notável tarefa histórica: a de superar incompreensões e preconceitos que às vezes impedem o desenvolvimento de uma cultura autêntica".

"Trabalhando em sinergia, em particular com as faculdades teológicas, as universidades romanas podem indicar que é possível uma colaboração e um diálogo novo entre a fé cristã e os saberes diversos, sem confusão nem separação, mas compartilhando a mesma aspiração de servir ao ser humano em sua plenitude".

Sobre o Natal, o Papa assinalou que "o Deus de Abraão se revelou, mostrou seu rosto e tomou morada em nossa carne em Jesus, filho de Maria –verdadeiro Deus e verdadeiro homem–, quem encontraremos uma vez mais na gruta de Belém".

"Retornar a esse lugar humilde e estreito não é apenas um itinerário ideal: é o caminho que estamos chamados a percorrer sentindo em nossos dias a proximidade de Deus e sua ação que renova e sustenta nossa existência".

"O caminho para a gruta de Belém é um itinerário de liberação interior, uma experiência de liberdade profunda porque nos empurra a sair de nós mesmos e a nos encaminharmos para Deus que se aproximou de nós" e "quer infundir valor em nossa vida, sobre tudo quando estamos cansados e fatigados e precisamos voltar a encontrar a serenidade do caminho e sentir-nos com alegria peregrinos rumo à eternidade".

"O Menino que encontraremos entre Maria e José é o Logos-amor, a Palavra que pode dar plena consistência à nossa vida. Em Belém se encontram o hoje de Deus e o hoje do ser humano para iniciar juntos um caminho de diálogo e de intensa comunhão de vida".

Ao final das vésperas a delegação universitária africana entregou à espanhola a imagem da Maria "Sedes Sapientiae", que sairá em peregrinação por todas as universidades espanholas em preparação para a próxima Jornada Mundial da Juventude a celebrar-se em agosto de 2011 em Madrid.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Comunicações do site Wikileaks sobre o Vaticano não revelam nenhuma novidade, afirmam analistas




.- Uma série de importantes peritos italianos explicaram que os 852 cabos do site Wikileaks sobre o Vaticano "não revelam nada novo". O anúncio foi feito diante das tentativas de alguns setores da imprensa por demonstrar o contrário.

O diretor do jornal L’Osservatore Romano, Giovanni Maria Vian, declarou em uma entrevista concedida ao jornal italiano La Stampa, que os documentos "roubados não revelam absolutamente nada".

"Se algo demonstram as comunicações é a escassa iniciativa de parte de quem os tenha redigido e mostram, por outro lado, um zelo excessivo para dar opiniões que circulam em distintos ambientes, especialmente de jornalistas italianos".

Por sua parte, o vaticanista Andrea Tornielli toma emprestadas umas declarações daquele que fora Secretário de estado Vaticano durante o pontificado de Juan XXIII, o Cardeal italiano Domenico Tardini, para descrever o estado do ambiente diplomático.

Quando lhe disseram que o corpo diplomático da Santa Sé era o melhor do mundo, respondeu ironicamente: "O nosso é o melhor? Imagine o resto".

Tornielli assinala no seu blog do diário italiano Il Giornale que devido ao "realismo" desta afirmação do falecido Cardeal esta "parece mais verdadeira nestes dias de total imersão nas comunicações do Wikileaks".

Para este vaticanista os documentos filtrados dão pouca luz sobre a diplomacia vaticana, mas sim dizem muito sobre a estupidez diplomática dos Estados Unidos, que "fracassou sensacionalmente" ao permitir que estas comunicações privadas se fizessem públicas.

Tornielli reitera, como Vian, que não há "revelações" nos documentos já que a informação divulgada já era sabida "nos jornais e blogs do mundo inteiro".

Um destes documentos descreve ao atual Secretário de estado Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone, como um "homem que diz sim", que não contradiz o Papa nem questiona as políticas da Igreja.

Diante desta afirmação, o Cardeal disse à agência italiana Adkronos que "estou orgulhoso de ser descrito como um ‘homem que diz sim’, dado que esta colorida descrição reflete verdadeiramente meu apoio ao trabalho pastoral do Papa".

Por sua parte o vaticanista e escritor italiano Vittorio Messori, assinala no site labussolaquotidiana.it que muito dos conteúdos dos documentos mostram "diálogos, conversas com alguns jornalistas para falar sem relevância particular, um pouco de intriga".

Messori, que entrevistou o Papa João Paulo II e ao então Cardeal Ratzinger para logo publicar os conhecidos livros "Cruzando o limiar da esperança" e "Relatório sobre a Fé" respectivamente, comenta ademais que nestes documentos se pode apreciar "uma pérola".

Em uma mensagem antes da viagem do Papa à Terra Santa em 2009, um diplomata escreve: "O Papa às vezes irrita políticos e jornalistas fazendo o que acha que é melhor para a Igreja, como acolher os lefebvristas ou considerar a canonização de Pio XII".

Messori assinala que quem escreveu esse documento "não poderia imaginar melhor elogio ou alento para um Bispo de Roma que ressaltar que faz o que considera ser o seu dever pelo bem da Igreja".

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Wikileaks revela opiniões de funcionários americanos sobre o Vaticano

ZP10121301 - 13-12-2010
Permalink: http://www.zenit.org/article-26776?l=portuguese 
Reação da Santa Sé ante a falta de elementos informativos concretos
CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 13 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) – A Santa Sé considerou que os documentos enviados ao Departamento de Estado dos EUA pela embaixada desse país na Santa Sé, revelados por WikiLeaks, não são mais que opiniões de seus redatores.
Um comunicado emitido no sábado pela Sala de Imprensa da Santa Sé aborda o tema da divulgação dos documentos secretos por WikiLeaks
“Naturalmente tais informações refletem as percepções e as opiniões dos que as redigiram, e não podem ser consideradas expressão da própria Santa Sé, nem citações precisas das palavras de seus oficiais.”
Portanto, sua credibilidade “deve ser avaliada com reserva e com muita prudência, tendo em conta essa circunstância”, afirma o comunicado vaticano.
Se bem que expoentes de WikiLeaks tivessem anunciado em dias anteriores importantes revelações dos documentos diplomáticos norte-americanos sobre o Papa e o Vaticano, as filtrações não trazem informações novas.
As correspondências apresentam a visão da Igreja e da Santa Sé dos diplomatas norte-americanos, em particular da senhora Julieta Valls Noyes, que durante um tempo foi chefe interina da missão diplomática nessa embaixada.
Entre as “revelações” de WikiLeaks destacam-se a sensibilidade ecológica de Bento XVI ou a consideração de que o Vaticano é um Estado pouco moderno, hierárquico, no qual faltam “vozes dissidentes”.
Afirma-se que o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado, é um “homem do sim” a serviço do Papa, comentário que, segundo ZENIT apurou nesse domingo em círculos vaticanos, alegrou o próprio Bertone, que considera sua missão precisamente de colaboração e obediência ao Santo Padre.
“Bertone tem um estilo pastoral que o leva frequentemente fora de Roma, a ir pelo mundo, a ocupar-se de problemas espirituais antes que da política exterior e da gestão”, afirma a diplomata norte-americana.
“No Vaticano, o Papa é o responsável último por todas as decisões importantes”, ainda que costume delegar para “aqueles que mais sabem ou melhor informados estão sobre cada matéria particular”, escreve a senhora Valls Noyes em um informe a Washington.
As correspondências insistem nas crises comunicativas que o Vaticano viveu nos últimos tempos e asseguram que as novas tecnologias, em particular os telefones de nova geração, não são muito utilizados entre a Cúria Romana.
Adverte-se que o Papa manifestou no passado perplexidade perante a entrada da Turquia na Europa, e se sublinham as difíceis relações entre o Vaticano e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
Só uma das correspondências não repete tópicos publicados pela imprensa ocidental: no Vaticano, segundo os oficiais norte-americanos, não se fala muito inglês, motivo pelo qual a Cúria Romana não estaria à altura da situação.
L'Osservatore Romano, em sua edição de 12 de dezembro, não fez referência a estas revelações de WikiLeaks. Em sua edição de 4 de dezembro atribuía a publicação dos documentos a um objetivo: “alimentar um cenário que ponha sob pressão as relações diplomáticas entre países”.
“Segundo alguns observadores, dos documentos filtrados por WikiLeaks saem elementos orientados a influenciar em suas dinâmicas no panorama político internacional, ainda que não pareça que este objetivo seja facilmente alcançável. Ao menos até que os documentos em questão fiquem em rumores entre os líderes mundiais”, concluía o jornal vaticano.
Por sua parte, o embaixador dos EUA na Santa Sé, Miguel Humberto Díaz, divulgou no sábado uma nota em que condena “energicamente” a divulgação das correspondências.
“Sem comentar o conteúdo ou a autenticidade de tal informação”, o embaixador norte-americano na Santa Sé, de origem cubana, assegura que sua embaixada “participa com o Vaticano dos esforços para impulsionar o diálogo inter-religioso de forma ativa, pelo bem comum”.
(Jesús Colina)

domingo, 12 de dezembro de 2010

Santa Sé pede reserva e prudência com Wikileaks

ZP10121205 - 12-12-2010
Permalink: http://www.zenit.org/article-26773?l=portuguese
CIDADE DO VATICANO, domingo, 12 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) – A Santa Sé considera que as informações divulgadas por Wikileaks devem ser avaliadas com “reserva” e “prudência”, por não trazerem o rigor da palavra oficial, mas representarem o ponto de vista de seus redatores.
A Sala de Imprensa da Santa Sé divulgou nesse sábado uma nota para falar sobre o episódio do vazamento de informações oficiais do governo dos Estados Unidos.
Parte dos documentos divulgados recentemente por Wikileaks refere-se às informações enviadas ao Departamento de Estado dos Estados Unidos pela embaixada norte-americana na Santa Sé.
O Vaticano diz não querer neste momento “entrar na avaliação da máxima gravidade da publicação de uma grande quantidade de documentos reservados e confidenciais e de suas possíveis consequências”.
“Naturalmente tais informações refletem as percepções e as opiniões dos que as redigiram, e não podem ser consideradas expressão da própria Santa Sé, nem citações precisas das palavras de seus oficiais. Sua credibilidade, portanto, deve ser avaliada com reserva e com muita prudência, tendo em conta essa circunstância”, afirma o comunicado vaticano.

Uma visão africana da Igreja e da AIDS

ZP10121201 - 12-12-2010
Permalink: http://www.zenit.org/article-26769?l=portuguese 
Entrevista com o fundador da “AIDS Network” de Nairóbi
ROMA, domingo, 12 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) – A Igreja Católica na África é a que mais ajuda as vítimas da AIDS e, para homens, mulheres e crianças que têm a doença, a Igreja não é apenas um organismo que presta serviços: é uma Mãe.
Esta é a impressão que compartilha o padre jesuíta Michael Czerny, fundador de African Jesuit AIDS Network.
O sacerdote jesuíta estabeleceu a rede em 2002, como um meio de ajudar os jesuítas na África a enfrentarem o problema do HIV/AIDS. Agora, o Pe. Czerny está em Roma, trabalhando como assistente de um dos africanos mais importantes do Vaticano: o cardeal Peter Turkson, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz.
Nesta entrevista, o Pe. Czerny fala sobre como a Igreja cuida das vítimas da AIDS e por que seu trabalho é tão pouco reconhecido.
O que o levou a iniciar esse trabalho com o HIV?
Pe. Czerny: Eu trabalhava como secretário de Justiça Social na casa dos jesuítas de Roma e alguns jesuítas da África alertaram sobre a pandemia de AIDS no final do milênio. E assim, aqui em Roma, trabalhamos durante dois anos com os colegas da África para propor medidas; e essas medidas deveriam incluir uma rede de apoio e comunicação. Assim, foi fundado o African Jesuit AIDS Network, em meados de 2002; deixei o meu trabalho em Roma para ir a Nairóbi e liderar a rede.
Quando você pensa na AIDS, o que lhe vem à mente?
Pe. Czerny: Às vezes eu penso nas pessoas que ouvi pela primeira vez no Canadá, que sofriam tanto, com tanto medo e confusão durante a última década de 80 e início dos anos 90, mas agora penso em diversas pessoas da África. Eu mencionaria talvez a Rosana, uma jovem mulher HIV-positiva, que primeiro deu à luz um menino que não era HIV-positivo e depois uma filha que era; Rosana perdeu sua filha, depois foi abandonada pelo marido, expulsa da família e teve de batalhar para criar seu filho. Ela vive de forma positiva, com um compromisso firme de viver o maior tempo possível para poder ver o seu filho na escola, para vê-lo começar bem na vida. Eu a admiro e sinto que ela é o tipo de pessoa que gostaríamos – em certo sentido – de promover. Esperamos que todas as pessoas com HIV tenham a atitude positiva que a Rosana tem.
A Igreja Católica costuma ser humilhada publicamente por sua posição sobre o HIV/AIDS e poucos percebem o seu importante trabalho na prestação de cuidados às vítimas da doença. Você poderia falar sobre isso?
Pe. Czerny: Claro que sim. A Igreja universal é a primeira instituição que cuida daqueles que são portadores do HIV e sofrem de AIDS, além de cuidar também daqueles que são afetados – especialmente as viúvas, os órfãos e outras pessoas que carregam esse fardo. Assim, é muito amplo o leque de tarefas realizadas pela Igreja.
Se você pensar no âmbito médico, talvez no mundo inteiro, a Igreja ofereça 25% dos serviços às vítimas da AIDS. Minha opinião é que a média na África é de cerca de 40%, talvez até 50%. Quanto mais longe se está de grandes cidades, mais perto de 100% a Igreja estará. Muitas vezes, os únicos serviços contra a AIDS em áreas remotas são as clínicas da Igreja.
O que queremos dizer quando falamos em prestação de cuidados?
Pe. Czerny: Como o HIV e a AIDS não são apenas uma infecção ou doença, mas também um grande problema cultural, pessoal, familiar, social e espiritual, o que a Igreja consegue fazer (e algo de que nós deveríamos estar orgulhosos como Igreja) é tratar da pessoa inteira e não somente da infecção, não só da parte médica. Assim, uma pessoa com HIV pode ir à Igreja para uma vasta gama de cuidados e apoios que podem ser resumidos em ser aceita como pessoa e incentivada a continuar vivendo tão plenamente quanto possível, e não permitir que a AIDS seja uma sentença de morte.
Como é a visão africana do trabalho da Igreja nesta área dos cuidados?
Pe. Czerny: Eu acho que muitos africanos diriam: “A igreja estava conosco antes da AIDS. A Igreja está agora de forma generosa durante a AIDS e a Igreja estará conosco depois da AIDS”. Neste sentido, a Igreja não é vista tanto como um organismo que oferece projetos ou serviços, mas como a realidade que nós chamamos de “Mãe”: a mãe está perto, sempre estará perto e vai estar enquanto for necessário.
Você sabe que a Igreja na África chama a si mesma de “família de Deus na África”; esta é a definição que vem do 1º Sínodo da África e é assim que a Igreja enfrenta a AIDS, como uma família. Tentamos fazer com que todos se sintam parte de uma família, seja quando precisam de cuidados ou quando estão em condições de oferecer algum tipo de ajuda.
Você usou uma vez Mateus 8,3 – “Ele estendeu a mão, tocou-o e disse: ‘Eu quero. Fica limpo’. E naquele momento ele ficou limpo da lepra” – como um exemplo da postura da Igreja contra a infecção pelo HIV e do seu apoio. Pode dizer-nos por que você escolheu este exemplo específico?
Pe. Czerny: Com muito prazer. Existia este leproso que primeiro ousou se aproximar de Jesus – o que era contra a lei – e o desafiou, dizendo: “Se queres, podes me curar”. E Jesus fez duas coisas. Ele disse: “Eu quero”; e depois se aproximou, tocou-o e o curou.
Neste breve cena, temos muitas dimensões de assistência à AIDS, o verdadeiro ministério pastoral. O primeiro é “Claro que eu quero”, que é a disponibilidade para ajudar. Alguém em graves problemas e muito preocupado, talvez rejeitado de forma muito cruel por todos aqueles com quem sempre havia contado, pode recorrer à Igreja e sabe que nela encontrará uma resposta positiva. Não haverá julgamento. Não haverá nenhum cálculo e a resposta será: “Claro que eu quero”. Em segundo lugar, nós nos aproximamos e tocamos. Eu acho que é o gesto mais fundamental na resposta à AIDS.
Assim, por meio da Igreja, Cristo toca as pessoas?
Pe. Czerny: Uma pessoa que ouviu, em especial recentemente, que tem um diagnóstico de HIV positivo, sente-se como morta, sente-se como não humana e, infelizmente, a sociedade, a cultura, e às vezes até a família, a tratarão como uma pessoa morta. Dirão: “Você simplesmente já não existe para nós. Está morto. Vá embora. Não volte a mostrar-nos o seu rosto”. Assim, a pessoa se sente morta e não humana, e não há nada que possa convencer do contrário uma pessoa nessa situação. Então você precisa pensar em uma criança que sofre e tem problemas e no efeito em sua humanidade, em sua dignidade, ao ser tocada, ao ser abraçada.
Havia também um forte tabu cultural e médico sobre o fato de tocar um leproso. Jesus acaba com isso, sem se preocupar com o perigo de infecção; Ele está mais preocupado em se aproximar da pessoa para tocá-la, aquele toque que cura. E é isso que as pessoas vão dizer: “Quando eu descobri que era HIV positivo, estava morto e agora me sinto vivo”. E alguns vão mais além, ao dizer: “Antes de ser HIV positivo, eu perdia a minha vida. Eu estava perdendo minha vida com o meu comportamento. Agora, infelizmente, eu sou HIV positivo, mas agora vivo de verdade e vivo minha vida de maneira responsável, pela minha família – se a tiver – e pelos outros”.
O Papa Bento XVI provocou uma controvérsia quando afirmou que os preservativos não são a solução para o problema da AIDS na África. Por que a polêmica? O que aconteceu?
Pe. Czerny: Existe uma “verdade” que as pessoas aprenderam: que, se um casal decide usar o preservativo e um deles está infectado, e usam preservativos de forma constante e correta, isso irá reduzir as chances de infecção. Isso com um parceiro. Mas depois as pessoas pensam: “Bem, se a camisinha deu certo para um casal, então um milhão de preservativos deve ser algo bom para a população de uma aldeia ou cidade”, e isso não é verdade.
As estatísticas confirmam o fato de que a distribuição massiva de preservativos como uma estratégia de prevenção não tem êxito. Não diminui a proporção de pessoas afetadas, e é isso que o Santo Padre disse. Ele não negou que o preservativo é útil às vezes. O que negou é que a propaganda de preservativos como uma estratégia primária de prevenção não é bem sucedida. Não alcança seu objetivo. Não diminui a taxa de HIV na população. Mas as pessoas se alteraram muito, porque não estudaram nem ouviram cuidadosamente o que o Papa disse; e porque não estão bem informadas, porque há muita ideologia, emoção e interesses por trás de tudo isso, é que houve tanta polêmica.
O Dr. Edward Green, diretor do Projeto de Pesquisa de Prevenção à AIDS, do Centro de Estudos de População e Desenvolvimento de Harvard, disse que, como cientista, ficou surpreso ao ver o quão perto está o que o Papa disse em Camarões dos resultados das descobertas científicas mais recentes. Ele afirmou que o preservativo não previne a AIDS; só o comportamento sexual responsável pode enfrentar a pandemia.
Agora que você mencionou a questão da ideologia: estamos falando também da discrepância de valores entre a nossa sexualidade – o estilo de vida que escolhemos na civilização ocidental – e os valores culturais em continentes como a África? Está havendo uma brecha cultural?
Pe. Czerny: Sim, existe uma brecha entre o que hoje é considerado normal ou aceitável para a cultura globalizada: a cultura da mídia, da publicidade, do marketing. Estes valores estão em forte tensão com os valores católicos tradicionais e com os valores africanos tradicionais.
Talvez poderíamos resumir o valor cultural do mundo globalizada em relação à sexualidade como a confiança – a promoção, eu diria – na ideia do consentimento mútuo. Ou seja, a norma do comportamento sexual é o consentimento de ambos os participantes e, quando os participantes têm a idade mínima e consentem livremente, não há outras regras a serem aplicadas. Isto é o que a cultura globalizada promove sobre a sexualidade. Então, sempre que você e outra pessoa concordarem, está tudo bem e ninguém pode questionar isso.
A ideia que temos na Igreja e a ideia que temos na África é que existem outras regras e essas regras não dependem apenas de você e de mim: dependem da nossa família, da nossa comunidade, da nossa paróquia, da nossa nação, talvez até mesmo da nossa tribo. Esta ideia está em oposição ao anterior porque, na África, e na moral católica tradicional, não basta que você e eu concordemos para que algo seja bom; existem outras normas e estas guiam o que você e eu faremos ou não faremos, em certos momentos das nossas vidas, com certas pessoas. Assim, as diferenças são marcantes.
Não se falou disso na polêmica, mas tenho a certeza de que este é o verdadeiro problema: o Papa representa um conjunto de regras sobre a sexualidade que não queremos aceitar porque são mais exigentes. Estão mais abertas à vida e, no final, produzem mais felicidade. Mas, a curto prazo, parecem ser mais exigentes do que apenas dois de nós concordarmos sobre o que queremos fazer.
Então, abstinência, fidelidade. Isso é, de fato, o que os bispos africanos dizem: este é o caminho para a felicidade maior, para um bem maior.
Pe. Czerny: Isso mesmo. Dizemos isso não porque pensamos no assunto ontem, mas porque esta foi a nossa experiência e esta tem sido a experiência de qualquer cultura séria; a sexualidade é um grande dom, uma coisa maravilhosa que, para ser valorizada e usada adequadamente, requer disciplina, requer normas, requer o reconhecimento de que nem tudo é possível; e esta é, como digo, uma sabedoria humana que existe há muito tempo, mas que vai contra os princípios do entretenimento e do marketing. É por isso que temos um conflito.
Você já ficou irritado ou frustrado talvez com o que poderia ser considerado como uma posição teimosa, se entendemos que o preservativo não é solução, mas um monte de dinheiro, um monte de tempo e muito esforço que vão em uma direção que não parece oferecer as respostas?
Pe. Czerny: É verdade, isso é muito ruim, mas não há motivo para estar com raiva. O fato é que o HIV é um desafio para todos e na África é um desafio em praticamente todas as comunidades e, em alguns lugares, em cada família. Acho que vai demorar um bom tempo para enfrentar isso e, sim, a promoção massiva de preservativos é uma destruição. Não é solucionar problema e não dá certo, mas, infelizmente, não é o único exemplo de uma postura obstinada imposta à África. A África sobreviveu a outras políticas ruins e também vai sobreviver a esta.
Mas minha esperança é que, com o tipo de ensinamentos que o Santo Padre deu, progrediremos; e o progresso consiste, em última instância, em melhorar as estatísticas. O verdadeiro êxito é que os jovens sejam capazes de viver sua sexualidade de forma mais responsável. Quando os casados vivem a sua sexualidade de forma mais responsável e quando, como eu disse anteriormente, a família de Deus enfrenta a AIDS como uma família, eu acho que isso é um sinal de que Deus trabalha na África.
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Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para "Deus chora na terra", um programa rádio-televisivo semanal produzido por Catholic Radio and Television Network, (CRTN), em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre.
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