Os
estudantes universitários normalmente têm um conhecimento pouco
profundo sobre a Idade Média; e porque muitos são mal informados, acham
que foi um período de ignorância, superstição e repressão intelectual
por parte da Igreja católica. No entanto, foi exatamente na Idade Média
que surgiu a maior contribuição intelectual para o mundo: o sistema
universitário.
A
universidade foi um fenômeno totalmente novo na história da Europa.
Nada como ele existiu no mundo grego ou romano afirmam os historiadores.
O ensino superior na Idade Média era ministrado por
iniciativa da Igreja. A Universidade medieval não tem precedentes
históricos; no mundo grego houve escolas públicas, mas todas isoladas.
No período greco-romano cada filósofo e cada mestre de ciências tinham
"sua escola", o que implicava justamente no contrário de uma
Universidade. Esta surgiu na Idade Média, pelas mãos da Igreja Católica,
e reunia mestres e discípulos de várias nações, os quais constituíam
poderosos centros de saber e de erudição.
Por
volta de 1100, no meio de uma grande fermentação intelectual, começam
as surgir as Universidades; o orgulho da Idade Média cristã, irmãs das
Catedrais. A sua aparição é um marco na história da civilização
Ocidental que nenhum historiador tem coragem de negar. Elas nasceram às
sombras das Catedrais e dos mosteiros. Logo receberam o apoio das
autoridades da Igreja e dos Papas. Assim, diz Daniel Rops, "a Igreja
passou a ser a matriz de onde saiu a Universidade" (A Igreja das
Catedrais e das Cruzadas, pág. 345).
Tudo
isso nesta bela época que alguns teimam em chamar maldosamente de
"obscura" Idade Média. A razão e a fé sempre caminharam juntas na
Igreja.
A
raiz das Universidades esta no século IX com as escolas monásticas da
Europa, especialmente para a formação dos monges, mas que recebiam
também estudantes externos. Depois, no século XI surgiram as escolas
episcopais; fundadas pelos bispos, os Centros de Educação nas cidades,
perto das Catedrais. No século XII surgiram centros docentes debaixo da
proteção dos Papas e Reis católicos, para onde acorriam estudantes de
toda Europa.
A
primeira Universidade do mundo Ocidental foi a de Bolonha (1158), na
Itália, que teve a sua origem na fusão da escola episcopal com a escola
monacal camaldulense de São Félix. Em 1200 Bolonha tinha dez mil
estudantes (italianos, lombardos, francos, normandos, provençais,
espanhóis, catalães, ingleses germanos, etc.). A segunda, e que teve
maior fama foi a Universidade de Paris, a Sorbone, que surgiu da escola
episcopal da Catedral de Notre Dame. Foi fundada pelo confessor de S.
Luiz IX, rei de França, Sorbon. Ali foram estudar muitos grandes santos
como Santo Inácio de Loyola, São Francisco Xavier e São Tomás de Aquino.
A universidade de Paris (Sorbonne) era chamada de "Nova Atenas" ou o
"Concílio perpétuo das Gálias", por ser especialmente voltada à
teologia.
O
documento mais antigo que contém a palavra "Universitas" utilizada para
um centro de estudo é uma carta do Papa Inocêncio III ao "Estúdio Geral
de Paris". A universidade de Oxford, na Inglaterra surgiu de uma escola
monacal organizada como universidade por estudantes da Sorbone de
Paris. Foi apoiada pelo Papa Inocêncio IV (1243-1254) em 1254.
Salamanca
é a Universidade mais antiga da Espanha das que ainda existem, fundada
pela Igreja; seu lema é "Quod natura non dat, Salmantica non praestat"
(O que a natureza não nos dá, Salamanca não acrescenta". Entre as
universidades mais antigas está a de Santiago de Compostela. A cidade
foi um foco de cultura desde 1100 graças ao prestígio de sua escola
capitular que era um centro de formação de clérigos vinculados à
Catedral. A Universidade de Valladolid é anterior à de Compostela já que
em 1346 obteve do papa Clemente VI a concessão de todas as faculdades, exceto a de Teología.
Em
1499 o Cardeal Cisneros fundou a famosa universidade "Complutense"
mediante a Bula Pontifícia concedida pelo Papa Alexandre VI. Nos anos de
1509-1510 já funcionavam cinco Faculdades: Artes e Filosofía, Teología,
Direito Canônico , Letras e Medicina.
Até
1440 foram erigidas na Europa 55 Universidades e 12 Institutos de
ensino superior, onde se ministravam cursos de Direito, Medicina,
Línguas, Artes, Ciências, Filosofia e Teologia. Todos fundados pela
Igreja. O Papa Clemente V (1305-1314) no Concílio universal de Viena em
1311, mandou que se instaurassem nas escolas superiores cursos de
línguas orientais (hebreu, caldeu, árabe, armênio, etc.), o que em breve
foi feito também em Paris, Bolonha, Oxford, Salamanca e Roma.
A
atual Universidade de Roma, La Sapienza - onde tristemente estudantes e
professores impediram o Papa Bento XVI de proferir a aula inaugural em
2008 - foi fundada há sete séculos, em 1303, pelo Papa Bonifácio VIII (1294-1303), com o nome de "Studium Urbis".
Das 75 Universidades criadas de 1500,
47 receberam a Bula papal de fundação, enquanto muitas outras, que
surgiram espontaneamente ou por decisão do poder secular, receberam em
seguida a confirmação pontifícia, com a concessão da Faculdade de
Teologia ou de Direito Canônico. (Sodano, 2004).
As
universidades atraíam multidões de estudantes, da Alemanha, Itália,
Síria, Armênia e Egito. Vinham para a de Paris chegavam a 4000, cerca de
10% da população.
Só
na França havia uma dezena de universidades: Montepellier (1125),
Orleans (1200), Toulouse (1217), Anger (1220), Gray, Pont-à-Mousson,
Lyon, Parmiers, Norbonne e Cabors. Na Itália: Salerno (1220), Bolonha
(1111), Pádua, Nápoles e Palerno. Na Inglaterra: Oxford (1214), nascida
das Abadias de Santa Frideswide e de Oxevey, Cambridge. Além de Praga na
Boêmia, Cracóvia (1362), Viena (1366), Heidelberg (1386). Na Espanha:
Salamanca e Portugal, Coimbra. Todas fundadas pela Igreja. Como dizer
que a Idade Média cristã foi uma longa "noite escura" no tempo? As
universidades medievais foram centros de intensa vida intelectual, onde
os grandes homens se enfrentavam em discussões apaixonadas nos grandes
problemas. E a fé era o fermento que fazia a cultura crescer.
Graças ao latim todos se entendiam, era a língua universal e
acadêmica; esta permitia aos sábios comunicar-se de um ponto a outro da
Europa Ocidental. Havia uma unidade interna e de obediência aos mesmos
princípios; era o reflexo de uma civilização vigorosa, segura de sua
força e de si mesma.
A
partir de 1250 o grego foi ensinado nas escolas dominicanas e, a partir
de 1312 nas universidades de Sorbonne, Oxford, Bolonha e Salamanca.
Abria-se assim um novo campo ao pensamento que desencadeou uma onda de
paixão filosófica no nascimento da Escolástica-teologia e filosofia
unidas para provar uma proposição de fé.
Santo
Agostinho, Cassidoro, Santo Isidoro de Sevilha, Rábano Mauro e Alamino,
os grandes mestres da Antigüidade, se apoiavam sobretudo nas Sagradas
Escrituras. Agora o intelectual cristão da Idade Média quer demonstrar
que os dogmas estão de acordo com a razão e que são verdadeiros. É a
"teologia especulativa", onde a filosofia é amiga da teologia. Os
problemas do mundo são estudados agora sob esta dupla ótica.
A
Universidade medieval era um mundo turbulento e cosmopolita; os
estudantes de Paris estavam repartidos em quatro nações: os Picardos, os
Ingleses, os Alemães e os Franceses. Os
professores também vinham de diversas partes do mundo: havia Sigério de
Brabante (Bélgica), João de Salisbury (Inglaterra), S. Alberto Magno
(Renânia), S. Tomás de Aquino e São Boaventua da Itália.
Os
problemas que apaixonavam os filósofos, eram os mesmos em Paris, em
Oxford, em Edimburgo, em Colônia ou em Pavia. O mundo estudantil era
também um mundo itinerante: os jovens saiam de casa para alcançar a
Universidade de sua escolha; voltavam para sua terra nas festas. O
sistema universitário que temos hoje com cursos de graduação,
pós-graduação, faculdades, exames e graus veio diretamente do mundo
medieval.
Os
papas sabiam bem da importância das universidades nascentes para a
Igreja e para o mundo, e por isso intervinham em sua defesa muitas
vezes. O Papa Honório III (1216-1227) defendeu os estudantes de Bolonha
em 1220 contra as restrições de suas liberdades. O Papa Inocêncio III
(1198-1216) interveio quando o chanceler de Paris insistiu em um
juramento à sua personalidade. O Papa Gregório IX (1227-1241) publicou a
Bula "Parens Scientiarum" em nome dos mestres de Paris, onde garantiu à
Universidade de Paris (Sorbonne) o direito de se auto-governar, podendo
fazer suas leis em relação aos cursos e estudos, e dando à Universidade
uma jurisdição papal, emancipando-a da interferência da diocese.
O
papado foi considerado a maior força para a autonomia da Universidade,
segundo A. Colban (1975). Era comum as universidades trazerem suas
queixas ao Papa em Roma. Muitas vezes o Papa interveio para que as
universidades pagassem os salários dos professores; Bonifácio VIII
(1294-1303), Clemente V (1305-1314), Clemente VI (1342-1352), e Gregório
XI (1370-1378) fizeram isso. "Na universidade e em outras partes,
nenhuma outra instituição fez mais para promover o saber do que a Igreja
Católica", garante Thomas Woods( pg. 51).
O
processo para se adquirir a licença para ensinar era difícil. Para se
ter idéia da solenidade e importância do ato, basta dizer que a pessoa para ser licenciada se ajoelhava diante do Vice-chanceler, que dizia:
"Pela
autoridade dos Apóstolos Pedro-Paulo, dou-lhe a licença de ensinar,
fazer palestras, escrever, participar de discussões... e exercer outros
atos do magistério, ambos na Faculdade de Artes em Paris e outros
lugares, em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém" [Daly,
1961; pg 135].
Uma
riqueza da universidade medieval é que era atenta às finalidades
sociais. Não se aceitava a idéia de uma cultura desinteressada, ou um
saber exclusivamente para seu próprio benefício pessoal. "Deve-se
aprender apenas para a própria edificação ou para ser útil aos outros; o
saber pelo saber é apenas uma vergonhosa curiosidade", já havia dito
São Bernardo (1090-1153).
Para
Inocêncio IV (1243-1254) a Universidade era o "Rio da ciência que rege e
fecunda o solo da Igreja universal", e Alexandre IV (1254-1261) a
chamava de: "Luzeiro que resplandece na Casa de Deus" (Daniel Rops,
pg.348).
Portanto,
são maldosos ou ignorantes da História aqueles que insistem em se
referir à Idade Média e à Igreja como promotoras da inimizade à Ciência e
perseguidora dos cientistas.
Prof. Felipe Aquino
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