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O papel da religião no Terceiro Reich
Pe. John Flynn, LC
ROMA, domingo, 19 dezembro de 2010 (ZENIT.org) - A Igreja é muitas vezes criticada por não ter feito o suficiente para se opor a Hitler. Em sua recente viagem à Inglaterra e Escócia, Bento XVI teve a oportunidade de apresentar o outro lado da moeda, lembrando o caráter antirreligioso do regime nazista.
"Lembro-me também da atitude do regime em relação a pastores cristãos e religiosos que proclamaram a verdade no amor, resistiram aos nazistas e pagaram com suas vidas essa oposição", disse na audiência com Sua Majestade a Rainha, em Edimburgo, na Escócia.
ROMA, domingo, 19 dezembro de 2010 (ZENIT.org) - A Igreja é muitas vezes criticada por não ter feito o suficiente para se opor a Hitler. Em sua recente viagem à Inglaterra e Escócia, Bento XVI teve a oportunidade de apresentar o outro lado da moeda, lembrando o caráter antirreligioso do regime nazista.
"Lembro-me também da atitude do regime em relação a pastores cristãos e religiosos que proclamaram a verdade no amor, resistiram aos nazistas e pagaram com suas vidas essa oposição", disse na audiência com Sua Majestade a Rainha, em Edimburgo, na Escócia.
O quadro
apresentado pelo Papa dos nazistas como ateus que querem erradicar Deus
da sociedade não foi bem aceito. Em um comunicado de imprensa de 16 de
setembro, Andrew Copson, presidente da British Humanist Society, negou
que o ateísmo de nazista levara a esse comportamento extremo.
Um
livro publicado no início deste ano lança alguma luz sobre a questão da
religião e os nazistas. Em "Catholicism and the Roots of Nazism" (O
catolicismo e as raízes do nazismo, Oxford University Press), Derek
Hastings mostra como, nos primeiros anos, houve, de fato, um forte
componente católico no movimento nazista. Ele também alega que houve
grandes discrepâncias entre a natureza do regime nazista no poder nos
anos 30 e 40 e movimento originário de Munique nos anos seguintes à
Primeira Guerra Mundial.
"Apesar de manter uma
oportuna fachada conciliadora, há pouca dúvida de que o partido nazista
exibiu uma grande antipatia para com a Igreja Católica - e, em grande
medida, para com o cristianismo em geral - durante a maior parte do
período do Terceiro Reich", comentou Hastings.
Ele
observou que muitos historiadores têm afirmado que, após os nazistas
tomarem o poder em 1933, o partido passou a se tornar uma espécie de
religião política e uma forma rival de devoção leiga que lutou para
suplantar a identidade católica e cristã.
Voltando a Munique
O
Partido Nazista foi fundado em 1919, em Munique. No período de 1919 até
o falido Putsch (golpe) da Cervejaria em Munique, em 1923, os nazistas
cortejaram abertamente os católicos. Sua abertura ao catolicismo
permitiu aos nazistas ganhar adeptos e destacar-se sobre outros
movimentos populares. Como consequência do fracasso de 1923, que levou
Hitler para a prisão por um curto período, o movimento nazista foi
refundado em 1925, de uma forma que deixou pouco espaço para sua
orientação católica anterior.
Hastings explicou que
este nexo católico com os nazistas durante os primeiros anos foi devido a
fatores locais não extensíveis ao resto da Alemanha. O apoio ao Partido
Popular da Baviera (BVP) foi menor em Munique e nos arredores da Alta
Baviera que em quaisquer outras áreas católicas do país. Em vez disso,
tendeu a apoiar os movimentos populares com um viés mais nacionalista.
Outra
característica que distinguiu os católicos de Munique e arredores foi a
sua hostilidade para com o que consideraram como ultramontanismo
excessivo do BVP e dos bispos da Igreja. O movimento ultramontano,
explicou Hastings, surgiu nos séculos XVIII e XIX, quando os católicos
da Europa olhavam cada vez mais para o Papa que residia "além das
montanhas" (ultra montes).
Na década que antecedeu a
Primeira Guerra Mundial, houve um movimento de reforma católica nos
arredores de Munique, que consistiu em um impulso por uma nova forma de
identidade religiosa, que fosse fiel à Igreja Católica no sentido
espiritual, mas mais aberta ao curso político e cultural radicalmente
nacionalista, observou Hastings. Os nazistas foram capazes de tirar
partido destas tendências locais, combinadas com o descontentamento
geral que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, para convocar os
católicos nos estágios iniciais de desenvolvimento.
Antes
de 1923, os nazistas ganharam o apoio de milhares de católicos em
Munique e arredores, notou Hastings. No começo, o BVP ignorou o novo
partido, provavelmente com o desejo de evitar mais publicidade. No final
de 1922, vendo o número crescente de seguidores do partido nazista, o
BVP decidiu embarcar em uma campanha para fazer que os bávaros fossem
conscientes da natureza perigosa dos nazistas.
Isso
não impediu que os nazistas deixassem de cortejar os católicos e, de
acordo com Hastings, em 1923 seus esforços vieram à tona. Naquele ano,
lançaram uma campanha de recrutamento para atrair os católicos ao seu
partido. Seus esforços foram bem sucedidos, ao ponto que até mesmo
muitos sacerdotes católicos se envolveram.
Em seus
discursos na época, Hitler se referia abertamente à sua fé católica e à
influência que ela tinha em seu ativismo político. Em 1923, o jornal
nazista Beobachter começou a publicar inclusive os horários das Missas
dominicais e exortar seus leitores a cumprirem suas obrigações
religiosas.
Refundação
No
entanto, essa proximidade entre os católicos e o partido nazista acabou
de repente, com o Putsch da Cervejaria, em novembro daquele ano. A
tentativa de Hitler de tomar o controle do estado bávaro terminou em
rápido fracasso e o movimento nazista entrou em um período de divisão e
de declínio, explicou Hastings.
Isso coincidiu com o
aumento da anticatolicismo em outros movimentos populares, em Munique, o
que também afetou parte do partido nazista. Segundo Hastings, neste
período, muitos católicos abandonaram o partido nazista, e aqueles que
permaneceram o fizeram abrindo mão de sua identidade católica. Os
sacerdotes católicos que tinham se unido ao partido também o
abandonaram. De fato, no final de 1923, a arquidiocese de
Munique-Freising tinha lhes proibido de participar das reuniões do
partido nazista.
Uma vez refundada, a anterior
orientação católica foi invertida e em grande parte substituiu o
cristianismo com o seu próprio conjunto de figuras de mártires tirados
do Putsch fracassado. A partir desse momento, Hitler também não voltou a
se apresentar como um católico praticante ou como um defensor do
cristianismo, observou Hastings.
Com o tempo, o
movimento nazista tornou-se cada vez mais abertamente anticatólico, a
tal ponto que os nazistas se opuseram fortemente ao estabelecimento de
uma concordata entre a Baviera e o Vaticano. Eles também foram
abertamente críticos com o núncio papal, Dom Eugenio Pacelli, futuro
Papa Pio XII. Em publicações nazistas, atacava-se frequentemente os
bispos alemães, em especial o cardeal Michael von Faulhaber, que, pouco
antes do Putsch de 1923, havia falado em defesa dos judeus.
Sobre
a questão do antissemitismo nazista e da influência dos católicos,
Hastings referiu que, no início, o movimento nazista se centrou nas
imagens do Novo Testamento - como a expulsão dos vendilhões do templo
por Cristo - em sua propaganda. Nesta fase, contudo, a ideologia nazista
ainda não estava totalmente clara e, quando adotou uma postura mais
definida nos anos seguintes, tornou-se a forma mais pura e abertamente
leiga de antissemitismo.
No início dos anos 30, após
as condenações eclesiásticas oficiais, Hastings argumentou que se
tornou mais clara a oposição mútua das visões de mundo católicas e
nazistas.
Em conclusão, Hastings disse que, embora
seja necessário reconhecer o papel real desempenhado pelo clero e pelos
leigos católicos nas fases iniciais do movimento nazista, ao mesmo tempo
não há nenhuma base para acusar o catolicismo, seja como instituição ou
como um sistema de ideias.
Além disso, a coabitação
entre as identidades nazista e católica desapareceu no que Hastings
chamou de "fluxo de invectivas anticatólicas que lavou o fraturado
movimento como resultado do golpe fracassado".
Essa
coabitação foi uma das primeiras vítimas da ambição política cada vez
mais messiânica de Hitler, observou Hastings. O que fica claro, tanto em
Hastings como em outros, é que os terríveis excessos do regime nazista
aconteceram apesar de, e não devido a qualquer influência católica.
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