terça-feira, 7 de dezembro de 2010

“Cristianismo: presença estranha ou fundação do Ocidente?”

ZP10021002 - 10-02-2010
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Conferência do cardeal Schönborn na Catholic University of America
Por Kirsten Evans
WASHINGTON, quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010 (ZENIT.org).- O gelo e a neve não conseguiram impedi-los de ir. Em meio a uma tempestade de neve, o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena, dirigiu-se a um auditório lotado de estudantes, professores, representantes do clero e fiéis leigos na Catholic University of America (CUA).
A conferência – uma iniciativa conjunta da Escola CUA de Teologia e Estudos Religiosos, da Faculdade de Filosofia e da Faculdade de Direito Canônico – estava aberta ao público. E o público chegou. A assistência foi tão grande, que alguns estudantes reclamaram por ter de voltar para casa, porque não havia espaço sequer para ficar em pé na sala.
O cardeal Schönborn, religioso dominicano, foi ordenado sacerdote em 1970. Antes de ser nomeado arcebispo de Viena em 1995, foi professor de Teologia Dogmática em Friburgo (Suíça). Mais tarde, foi elevado a cardeal, em 1998.
Ele dedicou sua conferência do dia 3 de fevereiro ao tema “Cristianismo: presença estranha ou fundação do Ocidente?”.
Alternativa fascinante
O cardeal Schönborn começou seu discurso delineando os três legados que ele considera fundamentais para a herança da cultura cristã no Ocidente: um senso de integridade moral, pelo qual os cristãos são reconhecidos frequentemente não só pelo que fazem, mas também pelo que não fazem; o conceito da humanidade como uma família unida, universal; e a ideia de que a liberdade torna o homem mais parecido com Deus e que é a maior possessão do ser humano.
O cardeal prosseguiu perguntando-se: “É verdade que o homem moderno ganhou sua liberdade através de uma amarga luta contra a Igreja? É verdade que o Iluminismo trouxe a liberdade e a dignidade humana à humanidade, e não o cristianismo?”. Isso, segundo ele, é a grande hipótese da história moderna. Mas ele não está convencido disso.
Schönborn sugeriu que grande parte da Igreja primitiva nasceu e surgiu de um mundo greco-romano plural há 2 mil anos, e hoje o cristianismo oferece uma alternativa fascinante para o mundo secular moderno.
“A posição do cristianismo na Europa moderna é paradoxal – afirmou. É, ao mesmo tempo, um corpo estranho e uma raiz da Europa. Apesar de ser visto como uma entidade estrangeira, ainda evoca um sentimento de lar e nostalgia para muitos na Europa.”
“A Europa tem um crescente número de pessoas que, depois de ter vivido um estilo de vida plenamente secular, encontram o caminho de uma fé cristã coerente. E têm uma maneira de descrever sua descoberta do cristianismo como um ‘caminho a casa’ ou um ‘encontrar o lar’.”
Do céu e da terra
Aludindo a Santo Agostinho, o cardeal Schönborn explicou que “aqui reside a força característica e inconfundível do cristianismo: em sua dupla cidadania. Ao mesmo tempo terrena e celestial, convida à participação leal na sociedade, assumindo a responsabilidade da cidadania do homem, sem querer der derrocá-lo a fim de criar uma sociedade utópica. Este compromisso com o temporal se baseia no fato de uma cidadania menos perigosa na cidade de Deus”.
O cardeal Schönborn esclareceu que a exigência dos cristãos de pertencer não somente a uma cidadania terrena, mas a uma celestial, é o que faz que o cristianismo seja odiado pelos sistemas totalitários, muito especialmente no século XX. “O cristão é livre – disse. Livre com relação ao Estado, porque nunca é só um cidadão do Estado. Nunca antes esta liberdade cristã se expressou mais claramente que durante a época do fascismo, do comunismo e do nazismo durante o século passado, quando o testemunho cristão autêntico produziu milhões e milhões de mártires.”
O prelado considera que este fundamento da liberdade é precisamente o que o cristianismo tem a oferecer à Europa moderna. “É a liberdade das exigências da maioria, da correção política, ou simplesmente da pressão das últimas modas. A liberdade cristã”, descreveu.
Liberdade radical
Como testemunho do poder da liberdade cristã, o cardeal recordou os movimentos espirituais que se converteram em movimentos culturais na história ocidental. “Este ano se cumprem exatamente 1.100 anos desde a reforma monástica de Cluny – recordou. Esta reforma monástica criou na Europa mais de 4 mil mosteiros em um período de 200 anos. Uma rede fantástica em toda a Europa, com uma energia econômica, social, artística e espiritual enorme.”
Explicou que, quando Cluny começou a declinar, iniciou-se outra grande renovação espiritual com Bernardo de Claraval; depois, novamente com os cistercienses, e a história se repetiu de novo com as ordens mendicantes de Francisco e Domingos. Cada uma destas renovações espirituais ofereceu enormes contribuições às sociedades culturais e civis da sua época.
“Considera-se suficientemente a liberdade feita possível por estes movimentos de renovação, e a influência destes movimentos na Europa? – perguntou. Desde o seu início, o cristianismo permitiu que as pessoas saíssem da sua ordem temporal e política. A ideia de que o homem deve obedecer a Deus antes de obedecer ao homem trouxe um elemento de enorme liberdade à sociedade”, continuou.
O cardeal sustentou que, ao longo dos séculos, a liberdade de seguir Cristo radialmente possibilitou uma enorme energia criativa em todo o mundo ocidental e é “uma das fontes permanentes da vitalidade europeia”.
Schönborn também expressou sua alegria pelo ressurgimento de movimentos espirituais na Igreja de hoje. “Por que a história não haveria de se repetir hoje? – questionou. Por que não haveriam de ser o tipo de surpresa, surpresa inimaginável, diante de nós, que Francisco de Assis trouxe à Europa há 800 anos?” Descreveu os movimentos leigos na Igreja como “um sinal muito importante” e afirmou que apontam para o mesmo espírito criativo que uma vez trouxe à vida a renovação cristã espiritual e cultural de séculos anteriores. O cardeal mencionou em particular o Opus Dei, o Caminho Neocatecumenal e Comunhão e Libertação.
Convite à purificação
Mas o cardeal não deixou de indicar que a relação moderna entre laicismo e cristianismo serve ao necessário propósito da purificação e amadurecimento da cristandade: “O cristianismo também precisa da voz crítica da Europa leiga, fazendo perguntas difíceis, algumas vezes perguntas desagradáveis, perguntas às quais não devemos tentar evadir ou evitar”.
“Isso torna o cristianismo bom para escutar as perguntas da sociedade leiga e assumir o desafio de respondê-las. Isso desperta os cristãos e os desafia. Também põe em dúvida a credibilidade do cristianismo. E o cristianismo precisa ser questionado.”
“É bom para nós ter de prestar contas”
Explicou que o questionamento crítico do mundo leigo obriga o cristianismo a ser o que está chamado a ser e ajuda a purificar o que não é coerente entre suas palavras e fatos. “E por quê? – perguntou. Porque, no fundo, o Ocidente leigo deseja um cristianismo autêntico e espera um cristianismo que seja crível através da sua vida.”
O cardeal Schönborn concluiu a tarde com um convite à fé: “A liberdade cristã tem uma fonte inesgotável: ‘Recordai que eu estou convosco até o fim dos tempos’. Estas palavras de Jesus Cristo são o recurso mais poderoso do cristianismo! – exclamou. Por si só explicam o inesgotável poder de regeneração no cristianismo que uma e outra vez experimenta sua ressurreição, no poder d’Aquele que ressuscitou.”

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