segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Igreja e Nazismo

Nelson Monteiro

É habitual ouvirmos de ateus, protestantes e até mesmo de professores de história (em sua maioria socialista, diga-se de passagem) que a Igreja Católica apoiou o nazifascismo. Eu, que sou estudante do ensino médio, ouvi mais um desses comuns pronunciamentos. Indaguei meu professor sobre as diversas encíclicas em que víamos uma condenação direta da Igreja Católica contra o nazismo e fascismo, e depois em outra aula, ainda, levei até um cd com imagens significativas, como de judeus dentro da residência de Pio XII e uma placa com tradução abaixo feita por judeus em homenagem a Pio XII.
O interessante é que quando surpreendidos se lambuzam em "teorias conspiradoras", em oposição aos fatos apresentados. Entre elas, podemos citar: O Tratado de Latrão (1929) acordo entre a Igreja Católica e Mussolini que supostamente seria uma troca de favores, onde a Igreja Católica teria o reconhecimento de suas terras e em troca deveria apoiar o fascismo; Fotos de padres nazistas, o que supostamente provaria uma aceitação de toda a Igreja... E quando já sem saída indicam o livro "O Papa de Hitler" de John Cornwell (e este para não mudar o costume é recheada de teorias e poucos fundamentos científicos). O embasamento deles não serve para nada. Em um processo na Justiça seriam inválidos.

Mas vamos aos fatos. Após refutaremos as questões acima.

Sob Pontificado de Pio XI:

1. Non Abbiano Bisogno, encíclica do Papa Pio XI de 1931. Tinha um conteúdo visivelmente antifascista. Oito anos antes do começo da Segunda Guerra Mundial.

Trecho:

"E é por isso que Nós acrescentamos como conclusão de tudo o que acabamos de dizer: Nós não quisemos condenar o partido e o regime enquanto tais".
"Nós quisemos assinalar e condenar tudo o que, no programa e na ação do partido, vimos e constatamos de contrário à doutrina e a prática católica, e, por conseqüência, de inconciliável com o nome e a profissão de católicos"

O escrito acima de dois anos após o do Tratado de Latrão e do mesmo Papa (Pio XI) põe fim a "teoria da conspiração" pregada pelos inimigos da fé católica. Ora, estaria o Papa indo contra o acordo onde supostamente deveria dar aceitação na troca da formalização do Estado do Vaticano? Se o Tratado de Latrão, tratasse mesmo de um acatamento da Igreja, Benito Mussolini por lógica, deveria ter desfeito o combinado tirando seu reconhecimento ao Vaticano. Mas não fez!

Benito Mussolini em resposta a publicação da encíclica ordenou que fossem dissolvidas as associações católicas de jovens na Itália[1]

2. Mit brennender Sorge, encíclica do Papa Pio XI de 1937. Teve ajuda determinante do Cardeal Pacelli (futuro Papa Pio XII) Um ataque frontal ao nazismo, como também ao fascismo. Também anterior a Segunda Guerra Mundial.

Trechos:

"A revelação que culminou no evangelho de Jesus Cristo é definitiva e obrigatória para sempre, não admite apêndices de origem humana e, menos ainda, sucedâneos ou substituições e revelações arbitrárias que alguns palradores modernos quiseram derivar do assim chamado mito do sangue e raça".

"Todo o que tome a raça, o povo ou o Estado, ou uma forma determinada de Estado, os representantes do poder estatal ou outros elementos fundamentais da sociedade humana ... e os divinize com culto idolátrico, perverte e falsifica a ordem criada e imposta por Deus"

"Somente espíritos superficiais podem cair no erro de falar de um deus nacional, de uma religião nacional, e empreender a tola tentativa de captar nos limites de um só povo, na estreiteza de uma só raça, Deus, criador do mundo, Rei e legislador dos povos, diante de cuja grandeza as nações são pequenas como gotas d"água que caem de um balde".

"A todos aqueles, que conservaram para com seus Bispos a fidelidade prometida na ordenação, àqueles que, no cumprimento de seu ofício pastoral, tiveram e têm de suportar dores e perseguições - alguns até serem encarcerados ou mandados a campos de contração -, a todos estes chegue a expressão da gratidão e o encômio do Pai da Cristandade. Nossa gratidão paterna se estende igualmente aos religiosos de ambos os sexos, uma gratidão unida a uma participação íntima pelo fato de que, como conseqüencia de medidas contra as Ordens e Congregações religiosas, muitos foram arrancados do campo de uma atividade bendita e para eles gratíssima. Se alguns sucumbiram e se mostraram indignos da sua vocação, seus erros, condenados também pela Igreja, não diminuem o mérito da grandíssima maioria que com desinteresse e pobreza voluntária se esforçam por servir com plena entrega a seu Deus e ao seu povo. O zelo, a fidelidade, o esforço em aperfeiçoar-se, a solícita caridade para com o próximo e a prontidão benfeitora daqueles religiosos cuja atividade se desenvolve nos cuidados pastorais, nos hospitais e na escola, são e seguem sendo gloriosa aportação ao bem-estar público e privado: um tempo futuro mais tranqüilo lhes fará justiça mais que o turbulento que atravessamos."

A resposta de Hiter foi violenta, aumentou de modo significativo a perseguição a católicos na Alemanha [2] Estima-se que até a queda do nazismo, cerca de onze mil sacerdotes católicos (quase metade do clero alemão da época) foram atingidos por medidas punitivas, levando-os muitas vezes aos campos de concentração.[3]

3. Em 1938 Pio XI disse em uma mensagem aos peregrinos belgas que o visitavam:
"Abraão é o nosso Patriarca e origem. O anti-semitismo é incompatível com o venerável facto que tal representa. É um movimento com o qual nós, cristãos, nada podemos ter a ver. Não, não, digo-vos, é impossível a um cristão aderir ao anti-semitismo. É inadmissível. Por Cristo e em Cristo somos os descendentes espirituais de Abraão. Espiritualmente, nós somos todos semitas."

4. Um rascunho de Pio XI foi encontrado em 2001, após o Papa João Paulo 2º abrir os documentos secretos relativos ao pontificado do Papa Pio XI. Não foi publicado devido sua doença e morte. Era similar a encíclica Mit bennender Sorge, na condenação ao antisemitismo e o radicalismo.

5. Um embaixador português que teve uma audiência com o papa, deixou o registro, essencial, das palavras de Pio XI: "Resista, Portugal, e defenda-se de certas insinuações, insinuações pérfidas» (absolutamente textual) «que podem prejudicá-lo gravemente e tendem à desorganização do mundo e à desorientação das almas. É preciso que resista..." "Mas eu não me refiro ao comunismo, refiro-me ao racismo, ao nazismo criminoso que perverte as almas"

6. Em 1938 Hitler visitou Roma, "Pio XI se retirou da cidade e fechou o Vaticano e os Museus para que Hitler não pusesse os pés lá dentro, e mandou hastear a bandeira a meio pau, em sinal de luto, como protesto pela presença de Hitler em Roma a convite de Mussolini."[Montfort]

Sob Pontificado de Pio XII:

1. Como já disse teve influenciou quando ainda era cardeal para com a encíclica Mit brennender Sorge que condenava o nazismo.

2. Em um, publicado no Natal de 1942, o Pontífice demonstra sua solidariedade “às centenas de milhares de pessoas que sem culpa nenhuma da sua parte, às vezes só por motivos de nacionalidade ou raça, se vêem destinadas à morte ou a um extermínio progressivo”.

3. Em radiomensagem de 1942, Pio XII deplorava as conseqüências desastrosas da Guerra:
“Nós todavia com a angústia, que nos oprime a alma, ponderamos, e vemos, como num sonho mau, os terríveis embates de armas e de sangue deste ano que agora finda; a infeliz sorte dos feridos e dos prisioneiros; os sofrimentos corporais e espirituais, as mortandades, destruições e ruínas, que a guerra aérea leva e despenha sobre grandes e populosas cidades, sobre centros e vastas regiões industriais; as riquezas dilapidadas dos Estados, os milhões de pessoas que o imane conflito e a dura violência vão lançando na miséria e na fome..."

4. Em Mensagem de 2 de Julho Pio XII condena de forma inequívoca o regime nazista.
Para ler na íntegra: http://pioxiicaluniado.blogspot.com/2008/10/o-texto-que-se-vai-ler-ntegra-da_14.html

5. O rabino David Dalin, autor do livro “The Mith of Hitler’s Pope” (O mito do Papa de Hitler), escreveu: “Na cidade [Roma], 155 conventos e mosteiros abrigaram cerca de 5 mil judeus durante a ocupação alemã. E outros 3 mil se refugiaram em Castel Gandolfo, a residência de verão do papa” 6. Na mesma linha, judeus como Albert Einstein, Golda Meir, Paolo Mieri, também deixaram claro 7 que Pio XII ajudou muitos judeus a se livrarem do extermínio nos campos de concentração.“Na cidade [Roma], 155 conventos e mosteiros abrigaram cerca de 5 mil judeus durante a ocupação alemã. E outros 3 mil se refugiaram em Castel Gandolfo, a residência de verão do papa” 6. Na mesma linha, judeus como Albert Einstein, Golda Meir, Paolo Mieri, também deixaram claro 7 que Pio XII ajudou muitos judeus a se livrarem do extermínio nos campos de concentração.
Mas por que – perguntar-se-á – o Papa Pio XII não condenou tão veementemente o nazismo? Por que não massacrou objetivamente as idéias desse cruel regime totalitário? Porque Pio XII bem sabia que uma condenação mais objetiva e clara ao nazismo de nada ia adiantar para salvar almas do Holocausto ou diminuir o número de “católicos” que aderiam ao nazismo na Alemanha. As coisas, pelo contrário, só iriam piorar. Robert Kempner, advogado judeu que participou do processo contra Hitler e Frick na Alemanha, escreveu: “Qualquer movimento de propaganda da Igreja Católica contra o Reich hitlerista não só teria sido um ’suicídio voluntário’ (…) mas teria também acelerado a execução capital de um maior número de judeus e sacerdotes”

Para mais provas acessem o blog: http://pioxiicaluniado.blogspot.com que inclusive tem a placa que me referi no começo do artigo, sem falar de muitos outros pronunciamentos de judeus e de jornais da época.

Agora vamos para as refutações das questões iniciais. Como vocês podem notar estou apresentando fatos e não teorias frágeis e contraditórias.

1. A troca de favores do Tratado de Latrão.

Uma teoria destas é até sofrível de responder. Para começar vemos nos diversos pronunciamentos de Pio XI a oposição, que é justamente o contrário do que a esta teoria fraca quer passar.
Na verdade, o Tratado de Latrão era sobre a "Questão Romana". Mussolini apenas assinou o Tratado de Latrão, com o Papa Pio XI, em 11 de fevereiro de 1929. Mas a verdade é que as terras já haviam sido doadas em 756 por Pepino, o Breve. É uma questão muito anterior ao fascismo, e com isso essa teoria já cai por terra. O que Mussolini fez, foi só o que era justo para com a Igreja que tinha o direito das terras. Agora se houve um sentido oculto nisso, eles têm que provar. Temos os indícios pelas encíclicas de poucos anos depois, que parece, pelo menos, estranho essa compactuação de Pio XI e Mussolini.

"Os pactos [do Tratado de Latrão] consistiam em três documentos:

Um tratado político reconhecendo a total soberania da Santa Sé no estado da Cidade do Vaticano, doravante estabelecida.
Uma concordata regulando a posição da Igreja Católica e a religião católica no Estado italiano.
Uma convenção financeira acordando a liquidação definitiva das reivindicações da Santa Sé por suas perdas territoriais e de propriedade." [Wikipédia]

2. Fotos de padres nazistas.

Seriam elas provas que a Igreja apoiou o nazismo ou que parte do clero alemão apoiou o nazismo? Não podemos condenar a Igreja por erros de indivíduos que não correspondem com sua posição e nem respondem por ela. Há fotos de protestantes com nazista, será que devemos condenar todo o protestantismo por isso?
É o mesmo que se um funcionário de uma empresa comete um assassinato, o chefe não pode responder pelos seus atos e de nada tem relação, a não ser que seja provado (que não é o caso).

3. Sobre o "O Papa de Hitler"
Quando vierem indicar esse livro, tenha em mente ou em mãos o dito do mesmo autor após a publicação:
“Eu afirmo agora, à luz dos debates e evidências que se seguiram ao lançamento de O Papa de Hitler, que Pio XII tinha tão pouco escopo de ação que é impossível julgar os motivos para o seu silêncio durante a guerra, enquanto Roma estava sob o domínio de Mussolini, e posteriormente ocupada pela Alemanha”. (2004 Cornwell)
Vemos que ele mudou de lado, por que, agora, não mudam seus atuais seguidores?

Termino com palavras de Albert Einstein:
"Só a Igreja se pronunciou claramente contra a campanha hitlerista que suprimia a liberdade. Até então a Igreja nunca tinha chamado minha atenção; hoje, porém, expresso minha admiração e meu profundo apreço por esta Igreja que, sozinha, teve o valor de lutar pelas liberdades morais e espirituais." (ao The Tablet, de Londres)

Nelson Monteiro.

NOTAS E FONTES:
[1] "Hitler's Pope? A Judgment Historically Unsustainable", Cardinal Tarcisio Bertone, S.D.B. Secretary of State, L'Osservatore Romano Weekly Edition in English 19 November 2008, pág.: 11.
[2] Bertone, Tarcísio, Cardeal Discurso na Pontifícia Universidade Gregoriana. Visitado em 19.11.2008.
[3] Sales,Eugênio. O Globo, 8.11.2008, pg.7
http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/speeches/1941/documents/hf_p-xii_spe_19411224_radiomessage-peace_po.html
http://beinbetter.wordpress.com/2010/07/11/manter-a-calma-para-evitar-males-maiores/
http://neoateismodelirio.wordpress.com/2009/08/18/hitchens-segunda-divisao/
http://pioxiicaluniado.blogspot.com/
http://o-amigodopovo.blogspot.com/2006/07/o-papa-pio-xi-e-o-nazismo.html

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