Dada a actualidade, que considero profética, do pensamento social de António Frederico Ozanam, não resisto em transcrever várias das suas opiniões e escritos, bem como de alguns dos seus admiradores, que nos transportam do ano de 1836 ao mundo socialmente agitado que estamos a viver na transição de 2008 para 2009.
Assim, a 13 de Novembro de 1836, Ozanam escreveu ao seu amigo Janmot: "A questão que divide os homens dos nosso dias, já não é uma questão de forma política, mas uma questão social; trata-se de saber quem levará a melhor: o espírito de egoísmo ou o espírito de sacrifício; se a sociedade será uma grande exploração em proveito dos mais fortes ou uma consagração de cada um para o bem de todos e, sobretudo, para a protecção dos fracos. Há muitos homens que têm demais e querem sempre mais, e há ainda muitos mais que não têm o suficiente, que nada têm e que querem agarrar se não lhes derem. Entre estas duas classes de homens prepara-se uma luta que ameaça tornar-se terrível: dum lado o poder do ouro, do outro o poder do desespero".
Na sua linha de pensamento de 1836, escrevia a 6 de Março de 1848: "Por detrás da revolução política há uma revolução social. Por detrás da questão da República, que interessa aos letrados, há problemas que interessam ao povo e para eles se armou os problemas da organização do trabalho, do descanso, do salário. Não pensemos que poderemos fugir a estes problemas" (carta escrita ao irmão Pé. Ozanam).
Ozanam não tinha, de maneira nenhuma, a pretensão de propor uma solução técnica para o problema, de cuja gravidade tinha, aliás, falado e sentido. De algum modo abria a porta a investigações que não eram da sua competência.
O Papa Leão XIII, 50 anos mais tarde, devia precisar, completar e actualizar este problema das relações entre operário e patrão, através da Encíclica "Rerum Novarum".
Segundo a palavra de Alberto Mun, Ozanam foi mais que um pioneiro: "Deu o sinal para a acção popular cristã...".
Ozanam considerava a Justiça inseparável da Caridade: "a ordem da sociedade assenta em duas virtudes: justiça e caridade. Mas a justiça já supõe muito amor; pois é preciso amar muito o homem para respeitar o seu direito que liberta o nosso direito e a sua liberdade que estorva a nossa liberdade".
Segundo a opinião do Padre Gillet, "ninguém mais que Ozanam, por meio das Conferências, contribuiu no tempo e no espaço para restaurar a Doutrina Social da Igreja, tornando-a mais viva do que nunca e demonstrando aos homens que corações cheios de caridade são capazes de estabelecerem neste mundo o reino da justiça, provocando em cada nação a eclosão de obras sociais e preparando acordos internacionais".
Opinando sobre Frederico Ozanam, o Prof. Luís de Pina disse que ele "versou de tal modo o problema do trabalho regenerado pelo cristianismo; a questão proletária e capitalista; o contrato de trabalho e da sociedade; o acordo e luta de classes, o salário familiar, associações operárias e seu valor, a exploração do trabalhador, a intervenção moderadora do Estado e outros pontos de grande questão social; referindo Monsenhor Gillet, Bispo dominicano que afirmou que Ozanam foi um genial percursor das Encíclicas Sociais de Leão XIII (Rerum Novarum) e de Pio XI (Quadragésimum Anno).
Termino com algumas palavras do saudoso Papa João Paulo II, proferidas na cerimónia da beatificação:
"Frederico observa a situação real dos pobres e procura um empenho cada vez mais eficaz, para os ajudar a crescer em humanidade. Compreende-se que a caridade deve levar a trabalhar pela reparação das injustiças. Caridade e Justiça caminham a par e passo, tem a coragem lúcida dum empenho social e político de primeiro plano numa época agitada da vida do seu país, pois nenhuma sociedade pode aceitar a miséria como uma fatalidade, sem que a sua honra não seja atingida".
Frederico Ozanam é para o laicado católico actual um modelo tanto mais atraente como oposto a todo o conformismo; soube tomar as mais corajosas iniciativas com doce serenidade e constante modéstia.
Consideremos este texto, como um muito pequeno apontamento sobre a Doutrina Social de Ozanam, tão rica de conteúdo, que não se pode limitar a tão breves linhas.
Fernando Reis, Refelexão in Boleim Português Sociedade de São Vicente de Paulo, Ano 101, n.º2, Fevereiro, 2009, págs. 10 e 11.
0 comentários:
Postar um comentário