Jarbas Passarinho
em 21/12/2004
copyright Folha de S. Paulo, 19/12/04
"O 31 de março de 1964 foi resultado de um clamor popular para a deposição de João Goulart e hoje é tido como um golpe para usurpação do poder pelos militares. Por quê?
Manchetes, em letras garrafais, de ‘Basta!’ e ‘Fora João Goulart’, da grande imprensa nacional, são hoje substituídas, nos mesmos jornais, por ácidas críticas aos ‘anos de chumbo’ do ciclo militar. Por quê?
A massa humana de 1 milhão de pessoas, entre elas padres, bispos e o laicato católico, em passeatas nas ruas de São Paulo, rezando por Deus e pela liberdade, em março de 64, transformou-se no milhão de pessoas entusiásticas que exigiam ‘Diretas Já!’ em 1984. Por quê?
Nenhum democrata -e são tantos- pegou em armas contra o governo. Só os comunistas, treinados e financiados em Cuba, fizeram-no. Antes Fidel Castro, que os adestrava, era visto e repudiado como ponta-de-lança da União Soviética nesta parte do hemisfério Sul, na exportação da revolução comunista. Passou a ser venerado por Lula, antes de eleito nosso presidente, e aplaudido quando se permite nos visitar. Por quê?
A igreja, que maciçamente apoiou o golpe preventivo -como o chamou Jacob Gorender-, pouco a pouco se deixou dominar pela corrente da Teologia da Libertação. Dom Paulo Evaristo Arns, que em 31 de março de 1964 foi ao encontro dos mineiros, sublevados, para oferecer-lhes assistência religiosa, veio a se transformar no cardeal símbolo da resistência organizada aos governos dos generais. Por quê?
Os dominicanos, que em Conceição do Araguaia homenagearam-me, governador do Pará, em 1965, oferecendo-me pernoite, viriam a ter, na ordem, no Convento das Perdizes, em São Paulo, uma célula comunista, com frades subordinados ao líder Carlos Marighella. Por que tamanha mudança?
Os guerrilheiros e terroristas comunistas que desencadeavam a luta armada -e a perderam por falta de apoio popular- são agora reverenciados com nomes de ruas, placas comemorativas e indenizações bilionárias. Por quê?
Toda essa transformação terá ocorrido devido a sucessivos erros praticados no ciclo militar.
O apoio da imprensa, perdemo-lo quando lhe foi imposta a censura e, por cima disso, por censores despreparados, incapazes de distinguir uma notícia de um recado para a guerrilha. Como a liberdade é para a imprensa o mesmo que o oxigênio para a vida, a mídia não demorou a ficar contra o governo e a adubar, habilmente, terreno para os líderes de oposição.
A igreja, minada pelos padres e bispos partidários da Teologia da Libertação e da análise marxista do capital, não a perderíamos de todo se encarregados de IPM inteiramente despreparados não indiciassem, como indiciaram, padres e bispos como favoráveis à guerrilha, quando só os frades dominicanos tinham codinomes, agindo na clandestinidade na luta armada.
No ciclo militar, já em 1967, eclodiram as guerrilhas comunistas. O Estado respondeu fogo com fogo. Perdeu cerca de 200 combatentes. Filhos do povo, soldados e civis, seguranças de embaixadores ou de bancos foram mortos covardemente. Militares estrangeiros foram assassinados ‘por engano’. Na ‘guerra suja’, crueldades foram praticadas de ambos os lados, mas só vem a público a hediondez das torturas, que não eram uma política de governo, nas deformações dos que esqueceram a Convenção de Genebra, aprendida nas escolas militares. Preferiram seguir o exemplo dos pára-quedistas franceses na Argélia.
Tudo de bom que os militares fizeram pelo Brasil foi posto a perder: a modernização do país, a reforma universitária e de primeiro e segundo graus, a expansão do ensino público, as muitas rodovias construídas e asfaltadas, o espetacular crescimento da economia, alçada ao oitavo lugar do mundo, a geração de empregos, a eficiência dos Correios e Telégrafos, a transformação radical da telefonia -incapaz, em 64, de garantir uma linha urbana e que veio, com o auxílio de satélites, a garantir não só a linha urbana, como a DDD e a DDI. As hidrelétricas -Tucuruí, a maior do Brasil, e Itaipu, a maior do mundo-, as aposentadorias dos trabalhadores rurais, que FHC disse ser o maior projeto de renda mínima do mundo.
Por quê?
Primeiro, pela demora da devolução do poder aos civis, além de 1973. As guerrilhas urbanas tinham sido esmagadas. A do PC do B não ameaçava a segurança do Estado, isolada na floresta, com pequeno contingente e apoiada apenas pela ridícula Albânia, pela rádio de Tirana, sem nenhum valor. Serviu, porém, de pretexto para a continuação do ciclo militar.
Segundo, e especialmente, pela prática da tortura na repressão.
À vitória na luta armada, que prescindiria das atrocidades, seguiu-se a derrota da batalha das comunicações, ganha pelos que escondem as felonias que praticavam e hoje são quase deificados herdeiros de recompensas milionárias.
Jarbas Passarinho, 84, é coronel da reserva. Foi governador do Pará (1964-65) e senador pelo Estado em três mandatos (1967-74, 1975-82 e 1987-95), além de ministro da Educação (governo Médici), da Previdência (governo Figueiredo) e da Justiça (governo Collor)."
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