Estevão Bettencourt
Obsevamos logo de início que nenhum fator ético impede a clonagem de animais infra-humanos. Não têm personalidade e não constituem família. São levados pelo instinto. O mesmo não se dá com o ser humano. A reprodução humana está ligada ao amor, a um ideal de vida e à doção mútua de homem e mulher, o que se concretiza na prole. A genitalidade humana tem grandeza e nobreza singulares, de tal modo que não se pode tratar a célula humana como se trata a do gado.
Com outras palavras: a vida do ser humano não é apenas o resultado de reações físico-químicas, mas sim o patrimônio de alguém chamado à Transcendência ou ao Absoluto (qualquer que seja o nome que se Lhe dê). Em nossos dias, defende-se a clonagem humana em nome da terapêutica de certas doenças. Em resposta, é preciso observar que o fim não justifica os meios. Produzir embriões para lhes tirar a vida e assim salvar a vida de um adulto é bárbaro.
Fala-se muito contra a descriminação racial, sexual, religiosa etc. Como então aceitar a discriminação do ser humano indefeso em favor de um adulto? Como produzir muitos embriões para aproveitar algum ou alguns e matar os demais, de acordo com o pragmatismo da sociedade de consumo?
Dirá alguém: até o 14º dia após a concepção, tem-se um pré-embrião, e não um embrião propriamente dito. Em resposta, deve-se dizer: a partir do momento em que o óvulo é fecundado - ou também a partir do momento em que a célula começa a se dividir e se multiplicar -, inaugura-se uma nova vida humana. Nunca mais se tornaria humana se não fosse desde então; mesmo que seja uma vida tênue, que só chegue a produzir seis células, é humana e merece respeito. Aliás a própria ciência deixa entrever outras formas de intervenção terapêutica que não implicam clonagem nem utilização de células embrionárias, mas se servem de células matrizes retiradas de adultos.
Tal é o procedimento que a consciência indica, se queremos respeitar a dignidade de cada ser humano, mesmo na condição de embrião. Em outros termos ainda: toda derrogação às leis da natureza humana provoca a reação da própria natureza. Entre essas leis está também a que rege a genitalidade humana - não pode ser violada sem que graves consequências, mais cedo ou mais tarde, daí decorram.
Estas considerações são reforçadas pela prospectiva do que poderá acontecer se a ciência não for orientada pela consciência ética. A volúpia da conquista pode obcecar o cientista e empolgá-lo a ponto tal que a ciência se volte contra o homem, em vez de servir ao homem. Na verdade, a ciência e a técnica não são valores absolutos, estão a serviço da pessoa humana, subordinadas aos direitos inalienáveis do ser humano. Este tem direito à vida desde que é embrião.
Não venha a ciência a produzir artificialmente seres destinados a servir aos caprichos de alguma facção que, mediante nova forma de escravatura, dispute a hegemonia sobre a Terra!
É importante notar que o próprio Parlamento Europeu aprovou a resolução nº B5 710/2000, sobre a clonagem dos seres humanos, que proclama: "Estamos convictos de que uma única forma de concepção corresponde às exigências da democracia e dos direitos humanos: a que reconhece a plena humanidade do embrião. Essa convicção rejeita toda ação que não tenha como objetivo o bem-estar direto do mesmo".
Dom Estevão Bettencourt é monge do mosteiro de São Bento e professor de teologia do Seminário São José, da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Foi professor de teologia da PUC-RJ
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