sábado, 25 de setembro de 2010

A relação entre fé e ciência. Uma entrevista especial com o novo membro da Academia Brasileira de Ciências

Paul Alexander Schweitzer é um padre jesuíta americano, naturalizado brasileiro, que vive há quase 35 anos no Brasil. Atualmente é professor de matemática na PUC-Rio. Ele acaba de ser eleito para a Academia Brasileira de Ciências. Esse foi o tema que nos levou a uma conversa realizada com ele, por telefone, nesta semana. Aproveitamos e perguntamos a ele diversos aspectos de sua trajetória e sobre a forma como ele administra a vida de matemático e cientista com a fé cristã.

Graduado em Teologia e Matemática e mestre em Filosofia, o pesquisador é doutor em Matemática pela Universidade de Princeton, nos Estados Unidos e pós-doutor pelo Instituto de Estudos Avançados, na mesma universidade.

Paul Schweitzer ministrou a oficina "A dimensão espiritual da realidade do cosmos. Uma leitura a partir de Einstein e Teilhard de Chardin", no dia 17 de maio de 2005, durante o Simpósio Internacional Terra Habitável: um desafio para a humanidade, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos. Ele conversou com a IHU On-Line sobre os conteúdos da oficina, em uma entrevista publicada na edição número 142, de 23 de maio de 2005.

Na entrevista que segue, ele afirma que espera poder contribuir no cenário da ciência nacional, para a aproximação entre ciência e fé. "Para mim, ser jesuíta e matemático é uma combinação muito natural. O meu trabalho como matemático tem uma dimensão divina". E sobre a escolha de ter o céu brasileiro como teto, ele enfatiza: "Foi o dedo de Deus que me trouxe para o Brasil. A minha missão e a minha vida é estar aqui no Brasil".

IHU On-Line - O senhor acaba de ser eleito para a Academia Brasileira de Ciências. Como sente esse fato? Qual a importância disso para o senhor?

Paul Schweitzer Eu me sinto muito honrado de ser membro da Academia Brasileira de Ciências, sem duvida. Eu, como jesuíta, padre e cientista, espero poder contribuir nesse cenário importante da ciência nacional, para a aproximação entre ciência e fé. Há uma idéia falsa de que ser cientista é um obstáculo para se ter uma fé e uma prática religiosa. Isso é pura ficção. Espero que a minha presença possa contribuir para superar esse equívoco e para aumentar o diálogo entre ciência e fé, como o Papa João Paulo II pediu.

IHU On-Line - Quais as maiores novidades atuais sobre os estudos de matemática?

Paul Schweitzer A matemática vai sempre se proliferando e encontrando novos campos. Na atualidade, a influência do computador tem sido uma grande fonte de novas idéias e novos problemas da matemática. Não tanto porque o computador é usado para calcular, mas pela possibilidade de fazer contas que antigamente seriam totalmente impossíveis. Por exemplo, a área de computação gráfica permite a elaboração de imagens antes inimagináveis. Essas imagens de certos processos e estruturas matemáticas apresentam novas idéias. A questão dos fractais seria um aspecto também importante nesse sentido. Outra questão que vem da computação são as discussões teóricas sobre a computabilidade.

IHU On-Line - O que significa, para o senhor, ser jesuíta e matemático? Como se dá essa relação? Como esses dois pontos de complementam?

Paul Schweitzer Deus está presente em todas as atividades humanas. O meu trabalho como matemático tem uma dimensão divina. Estamos descobrindo aspectos do universo pela matemática. Não vejo contradição, nem conflito nisso. Evidentemente há uma dificuldade em função do tempo disponível. Mas qualquer pessoa tem que encontrar uma maneira de dividir o tempo entre a profissão e a vida pessoal. Isso não é diferente para mim. Os jesuítas têm uma tradição longa na ciência. O padre Cristóvão Clavius (1), no século XVI, fez as contas para a mudança do calendário e defendeu a transformação para o calendário gregoriano, que é extramente precisa. Ele também formou uma geração de cientistas jesuítas. Por exemplo, Mateu Ricci foi um grande missionário na China, onde os conhecimentos científicos e matemáticos aprendidos com Clavius fizeram que fosse aceito como um grande sábio. Para mim, ser jesuíta e matemático é uma combinação muito natural.

IHU On-Line - Em quem o senhor se espelha?

Paul Schweitzer Gosto enormemente de Teilhard de Chardin (2), um grande pensador que, como cientista e pessoa de fé, buscava encontrar as razões fundamentais para as coisas da vida. Ele, para mim, é certamente um modelo, uma grande figura. Esses jesuítas do passado, que trabalharam com a ciência, como o próprio padre Clavius, são um incentivo para continuar o meu trabalho. Temos um grupo internacional de matemáticos católicos, cujo nome é "Grupo Clavius de Matemática", que se reúne todo ano. Além da pesquisa que fazemos na área da matemática, temos momentos de encontro sobre fé e sobre a interação entre religião e ciência. Einstein também era uma pessoa que procurava definir e tocar nas perguntas mais fundamentais sobre a vida, buscando atingir um grande ideal, embora eu esteja novamente distante desse ideal. Ele procurava entender os aspectos fundamentais da natureza, e isso motiva a gente.

IHU On-Line - Quais os motivos que o fizeram vir para o Brasil? Como matemático o senhor não teria mais oportunidade nos EUA?

Paul Schweitzer Vim para o Brasil em 1971, convidado por um colega brasileiro que eu conheci quando ele estava fazendo o doutorado em Chicago: o João Bosco Pitombeira de Carvalho, professor da PUC-Rio. Foi o dedo de Deus que me trouxe para cá. Na verdade, houve uma convergência de três motivos. Primeiro: os jesuítas do nordeste dos EUA, a minha província jesuítica de origem, tinham uma missão no Brasil, principalmente em Salvador da Bahia. Em segundo lugar, eu estava terminando meus estudos e pensava em ter uma experiência fora dos EUA. Finalmente, veio esse convite do professor Pitombeira. Vim para ficar um ano, e vi que teria possibilidade de dar uma contribuição importante.

Uma importante transição

Acredito que o Brasil está em um momento de transição entre uma sociedade tradicionalmente cristã e católica e uma sociedade muito secularizada. Nisso, o papel do cientista com fé me parece extremamente importante. Por isso que fico muito contente de estar aqui, podendo contribuir para que, nessa transição, a ciência não seja obstáculo para a vivência religiosa, mas antes seja uma fonte de reconhecer as maravilhas que Deus fez e motivo para louvar e reverenciar a Deus. É verdade que no exterior, nos EUA, eu teria maiores condições para ter contato com outros matemáticos. Mas ao longo dos anos aqui eu tenho mantido contato com pesquisadores no exterior, tenho participado de congressos no exterior e inclusive organizado congressos aqui no Brasil. Esse intercâmbio é possível. Hoje em dia é cada vez mais possível em função da internet e da capacidade de me comunicar imediatamente via e-mail. A minha missão e a minha vida é estar aqui no Brasil.

IHU On-Line E qual o papel da religião e da fé nessa fase de transição da sociedade cristã para uma sociedade secularizada?

Paul Schweitzer O homem de todos os tempos e sociedades sempre buscou o sentido profundo da vida e acabava encontrando-o numa relação pessoal com Deus. Hoje em dia há uma idéia errada, mas bastante divulgada, de que uma pessoa que tem uma atitude científica não poderia ter, ao mesmo tempo, uma postura de fé. Essa idéia é totalmente equivocada, mas é muito comum. Por isso, é importante que cientistas que tenham fé estejam presentes e que essa presença mostre a compatibilidade entre ciência e fé. As maravilhas que a ciência atual vai descobrindo, as origens do cosmos, a astronomia, para mim, falam da grandeza de Deus. Não que Deus tenha feito tudo passo a passo, como o relojoeiro incompetente que tinha que voltar constantemente à sua obra. Mas Deus criou o mundo com essas grandes possibilidades que, com a passagem do tempo, vão evoluindo e produzindo as estruturas maravilhosas, a presença da vida e do próprio ser humano. Essas descobertas e observações da ciência, para mim, são motivo de encontro com Deus.

IHU On-Line - Quais são suas atividades atuais na PUC-Rio?

Paul Schweitzer Sou professor titular de matemática e oriento teses de mestrado e doutorado. Mas também atuo como jesuíta e como pessoa de fé. Estou envolvido na questão da identidade e da missão da universidade católica. Temos um grupo de professores na PUC-Rio, chamado "Grupo de Identidade e Missão", que se reúne uma ou duas vezes por mês, para tratar da missão da universidade católica no mundo atual, no Brasil de hoje, e também ver o que nós podemos fazer para contribuir com a realização plena dessa missão.

IHU On-Line - Como o senhor vê a missão de uma universidade católica na sociedade contemporânea?

Paul Schweitzer Essa é uma questão difícil de entender, porque a universidade católica tem que ser universidade e, ao mesmo tempo, ser católica e cristã. A própria palavra universidade significa pluralismo, abre para um leque grande de posições e atitudes. Temos que reconhecer e aceitar dentro da comunidade acadêmica pessoas que tem visões bem diferentes, como agnósticos, ateus ou de outras religiões. Ao mesmo tempo, queremos que a instituição tenha, em certo sentido, um compromisso de fé, de atuação religiosa. Essa interação é uma questão muito delicada. O ponto de encontro entre as pessoas que não compartilham a fé cristã e a missão da universidade católica, pode ser encontrado em valores humanos que são comuns a pessoas de boa vontade, mesmo sem fé religiosa. Os bons princípios éticos e humanísticos têm a fonte na pessoa de Jesus de Nazaré, o Cristo. Esses princípios éticos, como a visão da dignidade de cada ser humano, a importância de se ter um mundo em que todos possam ter uma vida digna, a preservação do meio ambiente, a justiça, a fraternidade, em grande parte, vêm de Jesus, mas são parte do patrimônio da humanidade. Nesses princípios encontramos a ponte entre o compromisso oficial da universidade, como católica, e a participação de pessoas que não tenham e não partilham a fé, mas que têm bons princípios, que procuram viver e transmitir esses valores humanos.

IHU On-Line - O senhor esteve conosco, aqui no IHU, no simpósio Terra Habitável, realizado no ano passado. Como o senhor vê o IHU e a Unisinos?

Paul Schweitzer A Unisinos tem a grande felicidade de ter o Instituto Humanitas. O que o IHU está fazendo, investigando os valores e pontos de contato entre a vida acadêmica e as dimensões de fé religiosa e cristã, é uma contribuição extremamente importante. Vejo o IHU como um dos pontos mais positivos e fortes da atuação da Unisinos. Ele é o modelo e um incentivo para tentarmos fazer algo semelhante aqui na Universidade Católica do Rio de Janeiro. Temos o Centro Loyola de Fé e Cultura, que trabalha nesse sentido. Mas o Instituto Humanitas está fazendo um trabalho excelente exatamente nessa questão de valores humanos, que são ponte entre a fé religiosa e a vivência de todas as pessoas de boa vontade. É muito importante na formação dos jovens, dos alunos universitários, que eles encontrem, em primeiro lugar, os valores humanos, éticos, da dignidade humana, do valor do serviço e da fraternidade e, ao mesmo tempo, que percebam a fonte desses valores, que vem de Deus e da pessoa de Jesus Cristo. Desejo muito êxito a vocês nesse trabalho.

Notas:

1.- Christopher Clavius (1538 ou 1537-1612): jesuíta que foi um matemático e astrônomo alemão, considerado o principal arquiteto do calendário gregoriano moderno. Nos últimos anos da sua vida, foi o astrônomo mais respeitado na Europa. (Nota da IHU On-Line).

2.- Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955): paleontólogo, teólogo, filósofo e jesuíta, que rompeu fronteiras entre a ciência e a fé com sua teoria evolucionista. O cinqüentenário de sua morte foi lembrado no Simpósio Internacional Terra Habitável: um desafio para a humanidade, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos, de 16 a 19 de maio de 2005. (Nota da IHU On-Line).

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