sábado, 30 de outubro de 2010

A crise muda a encíclica




Bento XVI não estava satisfeito com as soluções para "endereçar ao bem" a globalização e, por isso, reorganizou "algumas partes" para indicar mais claramente "um progresso sustentável, no respeito à dignidade humana e às exigências de todos".

A encíclica social (reescrita, corrigida e reelaborada por uma equipe de especialistas) foi enfim retomada pelas mãos do Papa para ser integrada com considerações sobre a crise. É assim que explicam, na Cúria, a publicação que falhou da encíclica "Caritas in veritate" (amor na verdade), prevista para o dia 29 (festa dos santos Pedro e Paulo).
A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada no jornal La Stampa, 30-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Bento XVI não está totalmente convencido e ainda está fazendo alguns retoques. O texto de uma centena de páginas estará pronto para o G8 de Aquila e, anunciou o Papa, trará a data do dia 29 de junho. Será traduzida em oito línguas (inclusive chinês, árabe, latim), depois impressa e distribuída em centenas de milhares de cópias.

Muitos testes contribuíram com um documento que, no fim, corre o risco de não ter a mesma coerência das duas encíclicas papais anteriores. No centro das questões sociais e econômicas contemporâneas, o texto coloca a justiça, criticando duramente os desvios especulativos do capitalismo mundial, sem, porém, pôr em discussão o sistema de livre mercado. Depois, mudanças climáticas, emergência ambiental, proteção da criação, paz, pobreza, desarmamento, relações econômicas entre Ocidente e Terceiro Mundo.

Mas é para indicar melhor as respostas concretas à crise que o Pontífice pediu um aprofundamento ao seu "think tank" (cardeal Martino, os economistas Gotti Tedeschi e Zamagni, os arcebispos Marx e Crepaldi) sobre a crise moral das finanças em nível global, com relação aos princípios de "governança global" e às referências éticas dos comportamentos humanos (escolha entre bem e mal, o reconhecimento do cristianismo na cotidianidade).

O tamanho da crise mundial induziu o Papa a aprofundar o texto, porque, por detrás da quebra dos grandes bancos norte-americanos, ele reconhece "a idolatria da avareza humana" e "a falsificação da imagem do verdadeiro Deus pelo dinheiro". Sem moralismos estéreis e com corajosa concretude, a encíclica denuncia antes os males e depois, por meio do "conhecimento da realidade", assinala "os caminhos que levam à justiça, à caridade, à conversão dos corações".

Na Rádio do Vaticano, o arcebispo Celestino Migliore, embaixador papal nas Nações Unidas, define-a como "um pacto global de solidariedade para derrotar a pobreza", porque, "por trás da crise atual, há uma ideologia que coloca os desejos individuais no centro das decisões econômicas, removendo as considerações éticas da economia, em vez de integrá-las para criar um sistema financeiro mais justo e eficaz".

O resultado, estigmatizado pelo Pontífice na encíclica, é "uma economia em que o sucesso pessoal deve existir em desvantagem aos outros, um individualismo privado da responsabilidade necessária para criar uma sociedade que respeite da dignidade humana". Por isso, o Papa pede "uma nova direção para os sistemas financeiros e econômicos que responda aos princípios de justiça, solidariedade e subsidiariedade", por meio de "medidas dirigidas no sentido de reforçar a segurança alimentar e as iniciativas sociais".

Para Silvano Maria Tomasi, observador do Vaticano na ONU em Genebra, "o texto responde às consequências da mundialização, às novas relações entre trabalho produtivo e gestão das finanças, à necessidade de mudar normas ainda ligadas aos contextos dos Estados".

Sobre esses aspectos, Bento XVI, nas últimas semanas, voltou a consultar acadêmicos e especialistas para integrar a estrutura social inicial à luz dos nós que surgiram com a crise econômica mundial, com o objetivo de "repensar certos paradigmas econômico-financeiros que foram dominantes nos últimos anos" e indicar "o modelo de uma economia sustentável e ética" aos poderosos do mundo e à indústria

O adiamento da publicação deveu-se a um "suplemento de aprofundamento", portanto. "Com relação ao projeto inicial, a encíclica teve uma série de revisões, e isso prolongou os tempos – observa o teólogo Gianni Gennari. Bento XVI é muito escrupuloso e não assina nada que não tenha sido sistematizado integralmente por ele".

Portanto, a publicação foi adiada porque o Papa pediu "documentações suplementares sobre a situação atual provocada pela crise no mundo", junto com "referências textuais aos critérios fundamentais de 120 anos de magistério social de Leão XII em diante".

Uma demora, destaca Gennari, que certamente "não foi provocada, como se pensou, pela dificuldade de traduzir os termos específicos da economia ao latim", já que "existe um escritório apropriado para a língua oficial no Vaticano, e as palavras da economia não se prestavam mais aos tempos de Leão XII".

Pelo contrário, o que causou o atraso foram as reflexões suscitadas pela viagem à África em março e o "grito alarmante de um milhão e meio de pessoas ao serviço missionário da Igreja sobre a divisão injusta dos bens essenciais e uma tradição de 15 séculos desde São João Crisóstomo e São Basílio".

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