ZP10101202 - 12-10-2010
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Entrevista com monsenhor Tony Anatrella
ROMA, terça-feira, 12 de outubro de 2010 (ZENIT.org) - O Ocidente tenta impor à África uma ideologia da teoria de gênero contrária a sua cultura, com o pretexto de ajudas e subvenções. Um tema que preocupa os bispos africanos e sobre o qual monsenhor Tony Anatrela tratou no mês de julho com eles.
Tony Anatrella é psicanalista e especialista em psiquiatria social. Consultor do Conselho Pontifício para a Família e do Conselho Pontifício para a Pastoral no Campo da Saúde, é também membro da Comissão Internacional de Investigação sobre Medjugorje da Congregação para a Doutrina da Fé. Ele leciona em Paris, no IPC e no Collège des Bernardins. Veja mais uma parte de sua entrevista a ZENIT.
ZENIT: Como está se expandindo a ideologia de gênero na África?
Monsenhor Tony Anatrella: O Ocidente produz ideias que são novas patologias sociais e tenta exportá-las para a África, ainda que os africanos não queiram, apesar do financiamento oferecido em saúde, educação, casais e família, em troca da difusão dos conceitos de "gênero" neste continente. Alguns grupos cristãos estão presos no jogo das subvenções na medida em que propagam esta ideologia em sessões de formação organizadas pelas Cáritas dirigidas aos sacerdotes, religiosos e religiosas. Alguns bispos me disseram que rejeitaram e se negaram a usar fundos para suas escolas e centros de saúde porque não queriam ser instrumentalizados pelas agências da ONU e as ONGs. Do mesmo modo, os responsáveis políticos de vários países africanos suportam cada vez menos a ação comum das diversas chancelarias europeias, através de suas embaixadas, que intervêm de forma vigorosa para favorecer o reconhecimento quase matrimonial das relações entre pessoas do mesmo sexo. Para os africanos, os ocidentais cometem um disparate ao querer impor-lhes um estilo de vida que é contrário à realidade de que só um homem e uma mulher formam um casal, concebem, adotam e educam filhos. Não há discriminação em afirmar que o interesse superior da criança é poder crescer entre um homem e uma mulher. Inclusive seria discriminatório privá-la da união de um homem e uma mulher no coração da vida conjugal, que gera de verdade uma família. O interesse superior da criança não reside em rodeá-la afetivamente de pessoas que se ocupam dela, mas viver nas mesmas condições da filiação que só podem partilhar um homem e uma mulher. O resto é uma falsificação da conjugalidade e da filiação, com efeitos danosos sobre os indivíduos e a sociedade.
Na ideologia de gênero, o que se quer é nos devolver a uma natureza indeterminada e maleável segundo as fantasias de cada um. A psicanálise nos ensinou que os antigos já sabiam que a fantasia não está destinada a se fazer realidade. O clima social e a política educativa da época atual não facilitam esta operação, porque valorizam a infantilidade, a impulsividade e o permanente passo à ação.
ZENIT: A teoria de gênero rejeita portanto a diferenciação sexual, que é um dos fundamentos da sociedade?
Monsenhor Tony Anatrella: Sim. Nega a diferenciação sexual e esta transgressão do real é insuportável para os africanos, que, no melhor dos casos, têm o sentido do homem e da mulher e da família, quando não estão submetidos a concepções de desigualdade e dominação do homem sobre a mulher. Esta negação se deve a que, ao se ter criado esta ideologia a partir de personalidades transexuais que já não aceitam seu corpo sexuado, mas um corpo fantasia pertencente ao outro sexo, os primeiros teóricos concluíram que a identidade sexual não estaria de verdade inscrita no corpo, mas na psique. Ou dito de outra forma, o verdadeiro sexo é a fantasia. Estamos em plena hemorragia psíquica. Um caso particular se converteu em generalidade. Assim nasceu uma ideologia psicologizadora em cujo nome a política está chamada a fazer leis a partir dos interesses subjetivos de cada um, que dividem a sociedade.
O movimento feminista e as lésbicas e os gays aproveitaram para dar legitimidade "científica" a seu estilo de vida e suas reivindicações. A orientação sexual substitui a identidade sexual. Desenvolveu-se toda uma trajetória de compaixão em torno a estas questões, por causa da pandemia da SIDA-AIDS, e a teoria, unindo os sentimentos e a negação da humanidade, impôs-se até o ponto de se converter na norma a partir da qual se redefinem o homem, a mulher, o casal, o matrimônio, a família e a filiação. Esta dinâmica precisou de mais de 40 anos para criar novos paradigmas e suceder ao marxismo.
Assim, em lugar de tentar unir na complementaridade, estabelecendo relações entre as diferenças sexuais do homem e da mulher, esta teoria (e as leis feitas em seu nome) separa e opõe cada vez mais, tentando se manter na indiferença e, de fato, na confusão dos pensamentos.
A teoria de gênero não deixa de opor o homem contra a mulher até a reivindicação de um poder feminino através da autonomia das mulheres, que exclui o homem da procriação humana e da vida familiar. Manifesta uma profunda falta de maturidade intelectual, no sentido de que a finalidade da maturidade humana não é a autonomia, ainda que este passo seja necessário no momento da adolescência, para que o sujeito tome posse de si mesmo, mas a interdependência entre o homem e a mulher. Isso facilita sua relação de cooperação, a complementaridade e os papéis de acordo com as qualidades, as habilidades e as simbologias de cada sexo. Não é certo que todas as funções possam ser realizadas indistintamente por homens e mulheres e que isso não tenha consequências nas pessoas e nos vínculos sociais. Basta observar as crianças e os adolescentes no âmbito escolar.
A igual cooperação entre homem e mulher não se deve confundir com a similaridade e, nesse sentido, a escola mista fracassou. Em vez de fomentar uma melhor relação entre um e outro, implica uma identificação feminina com a psicologia masculina e a necessidade, entre os pós-adolescente trintões, de se reunir em grupos de pessoas do mesmo sexo: masculino ou feminino. Fica por descobrir que a relação, a atração pelo outro e a relação do homem e da mulher se baseia no reconhecimento íntimo de sua distinção. Pelo contrário, a teoria do gênero sugere que não há distinção. Há no entanto uma psicologia masculina distinta da psicologia feminina, com interesses e necessidades que são diferentes entre si. Ao perder o sentido desta grande diferença entre os sexos, também se perde o sentido de outras diferenças quando queremos fazê-las valer. O que é uma farsa, porque o que se busca é a similaridade.
ZENIT: Um dos aspectos que o senhor analisa amplamente em seus livros é opor o homem à mulher. Como Cáritas in Veritate aborda essa questão?
Monsenhor Tony Anatrella: O risco e o perigo da teoria do gênero consiste precisamente em que, em nome de artifícios intelectuais, divide e separa realidades humanas que estão destinadas a se unir. Adotar medidas legislativas, por exemplo, para modificar o idioma para aceitar melhor a oposição entre o homem e a mulher, e fomentar o casamento e a adoção de crianças por pessoas do mesmo sexo, ainda que seja contraditório, é este tipo de situação paradoxal.
O Santo Padre sublinha, com razão, que o homem não se pode reduzir a um mero dado cultural, como sustenta a teoria de gênero. Em concreto, destaca o risco de separar a cultura da natureza humana. "Ecletismo e nivelamento cultural convergem no fato de separar a cultura da natureza humana. Assim, as culturas deixam de saber encontrar a sua medida numa natureza que as transcende, acabando por reduzir o homem a simples dado cultural. Quando isto acontece, a humanidade corre novos perigos de servidão e manipulação" (n. 26). Em resumo, a raça humana se destruirá a menos que se reencontre e se veja através da alteridade em que se baseia a "abertura à vida que é fundamental para o desenvolvimento integral" (n. 28). Uma alteridade que tem sua origem na alteridade de Deus uno e trino, como o Papa diz: "só o encontro com Deus permite deixar de «ver no outro sempre e apenas o outro», para reconhecer nele a imagem divina, chegando assim a descobrir verdadeiramente o outro e a maturar um amor que «se torna cuidado do outro e pelo outro» (n. 11).
Na teoria de gênero, estamos nas antípodas do sentido da alteridade, para nos instalarmos na similaridade, vista a partir de uma visão mensurável da paridade em todo ponto entre o homem e a mulher. Esta já não atua para voltar a questionar uma necessária igualdade entre homens e mulheres contra todos os modelos sociais concretos que iam contra essa dignidade. Lutou-se durante quase dois séculos para que se aceitasse o casamento de livre eleição dos esposos contra os casamentos forçados e arranjados pelas famílias, a responsabilidade conjugal e parental compartilhada entre um e outra e a centralidade da expressão sexual na vida do casal. Eu ainda lhe daria muitos exemplos que foram esquecidos na história das ideias para fazer justiça à Igreja quanto à promoção da mulher.
No entanto, o que se está produzindo não tem nada a ver com a igualdade entre homens e mulheres. A igualdade tem sido um pretexto para introduzir um poder feminino que tende a excluir o homem, em particular na esfera do casamento e da procriação. Uma atitude que consiste em desvalorizar o casamento em benefício da convivência, da união civil, da célula monoparental, colocando todos no mesmo plano. Uma confusão adicional prejudicial para o vínculo e a coesão social que resulta fragmentada. Então, você se surpreenderá com o crescente número de solteiros e a dificuldade para muitos de saber estar em casal e de elaborar uma relação conjugal segundo as etapas da própria vida em casal.
Por este motivo, o Santo Padre recorda que o casamento não é outra coisa que a aliança comprometida só entre um homem e uma mulher, e seria pouco razoável e injusto atribuir suas características a situações relacionais que são de outra natureza. O Papa sublinha com razão que "os Estados são chamados a instaurar políticas que promovam a centralidade e a integridade da família, fundada no matrimônio entre um homem e uma mulher, célula primeira e vital da sociedade, preocupando-se também com os seus problemas económicos e fiscais, no respeito da sua natureza relacional" (n. 44). Em outras palavras, os Estados se equivocam ao estender os direitos inerentes ao casamento a situações como a coabitação, o pacto civil e os pares homossexuais, que não têm as mesmas propriedades nem as mesmas virtudes. Assim, se fratura a antropologia em vez de ter uma visão unitiva.
(Anita S. Bourdin)
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