Trechos da Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae, de João Paulo II, sobre as Universidades Católicas |
1. NASCIDA DO CORAÇÃO DA IGREJA, a Universidade Católica insere-se no sulco da tradição que remonta à própria origem da Universidade como instituição, e revelou-se sempre um centro incomparável de criatividade e de irradiação do saber para o bem da humanidade [...] 6. A Universidade Católica, mediante o encontro que estabelece entre a riqueza insondável da mensagem salvífica do Evangelho e a pluralidade e imensidade dos campos do saber em que aquela encarna, permite à Igreja instituir um diálogo de fecundidade incomparável com todos os homens de qualquer cultura. Com efeito, o homem vive uma vida digna graças à cultura e, se encontra a sua plenitude em Cristo, não há dúvida que o Evangelho, atingindo-o e renovando-o em todas as suas dimensões, é também fecundo para a cultura, da qual o mesmo homem vive. [...] 12. Toda a Universidade Católica, enquanto Universidade, é uma comunidade acadêmica que, dum modo rigoroso e crítico, contribui para a defesa e desenvolvimento da dignidade humana e para a herança cultural mediante a investigação, o ensino e os diversos serviços prestados às comunidades locais, nacionais e internacionais. [1] Ela goza daquela autonomia institucional que é necessária para cumprir as suas funções com eficácia, e garante aos seus membros a liberdade acadêmica na salvaguarda dos direitos do indivíduo e da comunidade no âmbito das exigências da verdade e do bem comum. [2] 13. Uma vez que o objetivo de uma Universidade católica é garantir em forma institucional uma presença cristã no mundo universitário perante os grandes problemas da sociedade e da cultura, [3] ela deve possuir, enquanto católica, as seguintes características essenciais: 1. uma inspiração cristã não só dos indivíduos, mas também da Comunidade universitária enquanto tal; 2. uma reflexão incessante, à luz da fé católica, sobre o tesouro crescente do conhecimento humano, ao qual procura dar uma contribuição mediante as próprias investigações; 3. a fidelidade à mensagem cristã tal como é apresentada pela Igreja; 4. o empenho institucional a serviço do povo de Deus e da família humana no seu itinerário rumo àquele objetivo transcendente que dá significado à vida. [4] 15. A Universidade Católica, portanto, é o lugar onde os estudiosos examinam a fundo a realidade com os métodos próprios de cada disciplina acadêmica, e deste modo contribuem para o enriquecimento do tesouro dos conhecimentos humanos. Cada disciplina vem estudada dum modo sistemático, as várias disciplinas são levadas depois ao diálogo entre elas com a finalidade dum enriquecimento recíproco. Tal investigação, para além de ajudar homens e mulheres na perseguição constante da verdade, proporciona um testemunho eficaz, hoje tão necessário, da confiança que a Igreja tem no valor intrínseco da ciência e da investigação. Numa Universidade Católica, a investigação compreende necessariamente: a) perseguir uma integração do conhecimento; b) o diálogo entre a fé e a razão; c) uma preocupação ética; e d) uma perspectiva teológica. [...] 17. Ao promover esta integração, a Universidade Católica deve empenhar-se, mais especificamente, no diálogo entre fé e razão, de modo a poder ver-se mais profundamente como fé e razão se encontram na única verdade. Conservando embora cada disciplina acadêmica a sua integridade e os próprios métodos, este diálogo põe em evidência que a “investigação metódica em todo o campo do saber, se conduzida de modo verdadeiramente científico e segundo as leis morais, nunca pode encontrar-se em contraste objetivo com a fé. As coisas terrenas e as realidades da fé têm, com efeito, origem no mesmo Deus”. [5] A interação vital dos dois níveis distintos de conhecimento da única verdade conduz a um amor maior pela mesma verdade e contribui para uma compreensão mais ampla do significado da vida humana e do fim da criação. [...] 21. A Universidade Católica persegue os seus objetivos também mediante o empenho em formar uma comunidade humana autêntica, animada pelo espírito de Cristo. A fonte da sua unidade brota da sua comum consagração à verdade, da mesma visão da dignidade humana e, em última análise, da pessoa e da mensagem de Cristo que dá à instituição o seu caráter distintivo. Como resultado desta ótica, a Comunidade universitária é animada por um espírito de liberdade e de caridade; é caracterizada pelo respeito recíproco, pelo diálogo sincero, pela defesa dos direitos de cada um. Assiste todos os seus membros a conseguir a plenitude como pessoas humanas. Cada membro da Comunidade, por sua vez, ajuda a promover a unidade e contribui, segundo a sua função e as suas capacidades, para as decisões que dizem respeito à mesma Comunidade, bem como para manter e reforçar o caráter católico da instituição. 22. Os professores universitários esforcem-se sempre por melhorar a própria competência e por enquadrar o conteúdo, os objetivos, os métodos e os resultados da investigação de cada disciplina no contexto de uma coerente visão do mundo. Os professores cristãos são chamados a ser testemunhas e educadores duma autêntica vida cristã, a qual manifeste a integração conseguida entre fé e cultura, entre competência profissional e sabedoria cristã. Todos os professores devem ser inspirados pelos ideais acadêmicos e pelos princípios duma vida autenticamente humana. [...] 26. A Comunidade universitária de muitas instituições católicas inclui colegas pertencentes a outras Igrejas, a outras Comunidades eclesiais e religiões, e bem assim colegas que não professam nenhum credo religioso. Estes homens e estas mulheres contribuem, com a sua formação e experiência, para o progresso das diversas disciplinas acadêmicas ou para a realização de outras tarefas universitárias. 27. Afirmando-se como Universidade, cada Universidade Católica mantém com a Igreja uma relação que é essencial à sua identidade institucional. Como tal, ela participa mais diretamente na vida da Igreja particular na qual tem sede, mas, ao mesmo tempo e sendo inserida como instituição acadêmica, pertence à comunidade internacional do saber e da investigação, participa e contribui para a vida da Igreja universal, assumindo, portanto, uma ligação particular com a Santa Sé em virtude do serviço de unidade, que é chamada a realizar em favor de toda a Igreja. Desta sua relação essencial com a Igreja derivam consequentemente a fidelidade da Universidade, como Instituição, à mensagem cristã, o reconhecimento e a adesão à autoridade magisterial da Igreja em matéria de fé e moral. Os membros católicos da Comunidade universitária, por sua vez, são também chamados a uma fidelidade pessoal à Igreja, com tudo quanto isto comporta. “Dos membros não católicos, enfim, espera-se o respeito do caráter católico da instituição na qual prestam serviço, enquanto a Universidade, por seu lado, respeitará a sua liberdade religiosa”. [6] [...] 29. A Igreja, aceitando “a legítima autonomia da cultura humana e especialmente das ciências”, reconhece também a liberdade acadêmica de cada um dos estudiosos na disciplina da sua competência, de acordo com os princípios e os métodos da ciência, a que ela se refere, [7] segundo as exigências da verdade e do bem comum. [...] 43. Por sua mesma natureza, a Universidade promove a cultura mediante a sua atividade de investigação, ajuda a transmitir a cultura local às gerações sucessivas, por meio do seu ensino, favorece as iniciativas culturais com os próprios serviços educativos. Ela está aberta a toda a experiência humana, disposta ao diálogo e à aprendizagem de qualquer cultura. A Universidade Católica participa neste processo oferecendo a rica experiência cultural da Igreja. Além disso, consciente de que a cultura humana está aberta à Revelação e à transcendência, a Universidade Católica é lugar primário e privilegiado para um frutuoso diálogo entre Evangelho e cultura. [...] Notas [1] Cf. La Magna Charta delle Università Europee, Bolonha, Itália, 18 de Setembro de 1988, “Princípios fundamentais”. [2] Cf. Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, n. 59: AAS 58 ( 1966), p. 1080. Gravissimum educationis, n. 10: AAS 58 (1966), p. 737. “Autonomia institucional” significa que o governo de uma instituição acadêmica é e permanece interno à instituição. “Liberdade acadêmica” é a garantia, dada a quantos se dedicam ao ensino e à investigação, de, no âmbito do seu campo específico de conhecimento e de acordo com os métodos próprios de tal área, poder procurar a verdade em toda a parte onde a análise e a evidência as conduzam, e de poder ensinar e publicar os resultados de tal investigação, tendo presente os critérios citados, isto é, de salvaguarda dos direitos do indivíduo e da comunidade, das exigências da verdade e do bem comum. [3] A noção de cultura, usada neste documento, compreende uma dupla dimensão: a humanista e a sócio-histórica. “Com o termo genérico de 'cultura' indicam-se todos aqueles meios, mediante os quais o homem apura e desenvolve as suas múltiplas capacidades espirituais e físicas; procura sujeitar ao seu domínio o próprio cosmos através do conhecimento e do trabalho; torna mais humana a vida social quer na família quer em toda a sociedade civil, mediante o progresso dos costumes e das instituições; e, finalmente, no decorrer do tempo, exprime, comunica aos outros e conserva nas suas obras, para que sejam de proveito a muitos e até à inteira humanidade, as suas grandes experiências espirituais e as suas aspirações. Daqui se segue que a cultura humana implica necessariamente um aspecto histórico e social e que o termo 'cultura' assume frequentemente um sentido sociológico e etnológico é” (Gaudium et spes, n. 53: AAS 58 [1966], p. 1075). [4] L'Université Catholique dans le monde moderne. Document final du 2 Congrès des Délegués des Universités Catholiques, Roma, 20-29 de Novembro de 1972, § 1. [5] Gadium et spes, n. 36: AAS 58 (1966), p. 1054. A um grupo de cientistas observava que “embora razão e fé representem sem dúvida duas ordens distintas de conhecimento, cada uma autônoma relativamente aos seus métodos, ambas devem convergir finalmente para a descoberta duma só realidade total que tem a sua origem em Deus”. (JOÃO PAULO II, Mensagem ao encontro sobre Galileu, 9 de Maio de 1983, n. 3: AAS 75 [1983], p. 690). [6] Cf. Concílio Vaticano II, Declaração sobre a liberdade religiosa Dignitatis humanae, n. 2: AAS 58 (1966), pp. 930-931. [7]Gaudium et spes, n. 59: AAS 58 ( 1966), p. 1080. |
domingo, 31 de outubro de 2010
Identidade e Diálogo na Universidade Católica
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