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Entrevista com John Medaille sobre como criar um verdadeiro mercado livre
IRVING, quinta-feira, 21 de outubro de 2010 (ZENIT.org) – No atual momento de incertezas e crise econômica, que não mostra sinais de diminuição, buscam-se alternativas para os conhecimentos econômicos tradicionais. Uma das novas teorias chama-se “distributismo”, baseada na tradicional Doutrina Social da Igreja sobre justiça distributiva.
A mais recente encíclica de Bento XVI, Caritas in Veritate, propôs a aparição de economias alternativas, e pelo menos uma dessas filosofias econômicas convocadas pelas encíclicas papais sociais renasce: o “distributismo”. Uma filosofia que gera ceticismo, ao ser considerada simplesmente bucólica ou, ainda pior, uma sensibilidade estética sem autênticas soluções práticas.
John Medaille, um destacado “neo-distributista”, discute o tema num livro em que expõe sua teoria (Toward a Truly Free Market: A Distributist Perspective on the Role of Government, Taxes, Health Care, Deficits, and More).
Medaille, co-editor da revista na internet The Distributist Review e professor adjunto na Universidade de Dallas, Estados Unidos, explicou para ZENIT sua teoria.
ZENIT: Seu livro começa examinando as bases do que é considerado geralmente “econômico”. Estas suposições básicas são as causas da atual crise econômica global?
Medaille: Os dois pressupostos básicos na economia hoje – ambos equivocados – são que a economia é mais uma ciência física que humana, e que não tem nada a ver com a ética.
Desde finais do século XIX, a economia manteve-se longe da justiça, especialmente a justiça distributiva, mas ao suceder isso, se perdeu a capacidade de descrever com exatidão a atual economia. Portanto, não deveria surpreender que 90% dos economistas não perceberam os sinais de alerta da atual crise financeira. E o mesmo aconteceu com as anteriores crises. Não se pode prever o andamento de um sistema se não puder descrevê-lo com exatidão.
Por outro lado, o “distributismo” afirma que a justiça não apenas é um problema moral, mas um problema econômico prático, e que sem justiça econômica não se pode alcançar o equilíbrio. Quando a economia abandona a justiça, o governo vê-se constantemente obrigado a intervir para garantir a estabilidade, ainda que as intervenções sejam apenas de curto prazo.
Abandonamos a justiça em escala global, o que levou a um comércio cronicamente desequilibrado. Quando isso acontece, deixa de ser um intercâmbio de bens. Trata-se de um sistema pelo qual produtores estrangeiros financiam nosso consumo de seus bens, um sistema que empobrece ambas partes.
ZENIT: Muitas pessoas creem que a batalha pela alma do capitalismo acontece entre os seguidores de Keynes e os de Hayek. Mas o senhor e acredita que ambas teorias levam ao que Hilaire Belloc chamou de “estado servil”. Por quê? O que eles e seus seguidores esqueceram?
Medaille: O capitalismo e o socialismo não são realmente realidades opostas; uma é a continuação da outra, e o distributismo é o posto de ambas: é o livre mercado.
O capitalismo tende a concentrar a propriedade em mãos de poucos, por meio da acumulação do mercado, e o socialismo segue fazendo o mesmo, concentrando a propriedade nas mãos do Estado. Na prática, ambos sistemas acabam controlando os mais importantes recursos do país por meio de poucos burocratas, que representam os interesses dos proprietários nominais, sejam acionistas ou o público em geral, mas que atualmente controlam estes recursos para seu próprio benefício.
Além disso, ao concentrar o poder econômico, também concentram o poder político, e as grandes corporações conseguem obter amplos lucros e subsídios, como vimos na recente crise. Portanto, entre o Estado gigantesco e a corporação imponente, o indivíduo é reduzido a uma situação de servilismo.
Tanto o capitalismo com o socialismo carecem da vontade de admitir que o poder segue à propriedade. Ambos sistemas pretendem criar liberdade concentrando o capital, mas isso também concentra o poder, o que deixa a massa empobrecida.
O “distributismo” procura construir uma sociedade de homens e mulher proprietários e livres, conscientes de seus direitos e com os meios para se defender contra as tendências centralizadoras tanto do Estado como das corporações.
ZENIT: O que é distributismo? Como pode tal filosofia criar um verdadeiro mercado “livre”?
Medaille: Atualmente não é tanto questão do que o governo deveria fazer ou deixar de fazer.
De fato, a acumulação de propriedade normalmente depende do poder do governo; quanto mais alta é a acumulação de capital, mais grossas terão de ser as paredes do governo para protegê-lo.
Há, logicamente, coisas positivas que o governo pode fazer, com uma política fiscal, por exemplo, ou simplesmente reforçando suas próprias leis contra o monopólio e o oligopólio.
Mas em geral uma sociedade distributiva requer um governo menor, com poderes adequadamente distribuídos ao longo de todos os níveis da sociedade.
Contrariamente a um sistema de economia e poder político concentrados, os sistemas “distributistas” descansam numa variedade de formas, desde a pequena propriedade ao poder econômico distribuído: donos de propriedades para o uso e gestão de uma só pessoa ou família, cooperativas para empresas maiores, propriedade pública local de recursos como água ou sistemas de esgoto, etc.
Desta forma, tanto o poder econômico como o político distribui-se em todos níveis da sociedade. Realmente há apenas duas opções a respeito da propriedade e do poder: concentração ou distribuição. O primeiro leva ao servilismo e o segundo, à liberdade.
(Continua...)
A mais recente encíclica de Bento XVI, Caritas in Veritate, propôs a aparição de economias alternativas, e pelo menos uma dessas filosofias econômicas convocadas pelas encíclicas papais sociais renasce: o “distributismo”. Uma filosofia que gera ceticismo, ao ser considerada simplesmente bucólica ou, ainda pior, uma sensibilidade estética sem autênticas soluções práticas.
John Medaille, um destacado “neo-distributista”, discute o tema num livro em que expõe sua teoria (Toward a Truly Free Market: A Distributist Perspective on the Role of Government, Taxes, Health Care, Deficits, and More).
Medaille, co-editor da revista na internet The Distributist Review e professor adjunto na Universidade de Dallas, Estados Unidos, explicou para ZENIT sua teoria.
ZENIT: Seu livro começa examinando as bases do que é considerado geralmente “econômico”. Estas suposições básicas são as causas da atual crise econômica global?
Medaille: Os dois pressupostos básicos na economia hoje – ambos equivocados – são que a economia é mais uma ciência física que humana, e que não tem nada a ver com a ética.
Desde finais do século XIX, a economia manteve-se longe da justiça, especialmente a justiça distributiva, mas ao suceder isso, se perdeu a capacidade de descrever com exatidão a atual economia. Portanto, não deveria surpreender que 90% dos economistas não perceberam os sinais de alerta da atual crise financeira. E o mesmo aconteceu com as anteriores crises. Não se pode prever o andamento de um sistema se não puder descrevê-lo com exatidão.
Por outro lado, o “distributismo” afirma que a justiça não apenas é um problema moral, mas um problema econômico prático, e que sem justiça econômica não se pode alcançar o equilíbrio. Quando a economia abandona a justiça, o governo vê-se constantemente obrigado a intervir para garantir a estabilidade, ainda que as intervenções sejam apenas de curto prazo.
Abandonamos a justiça em escala global, o que levou a um comércio cronicamente desequilibrado. Quando isso acontece, deixa de ser um intercâmbio de bens. Trata-se de um sistema pelo qual produtores estrangeiros financiam nosso consumo de seus bens, um sistema que empobrece ambas partes.
ZENIT: Muitas pessoas creem que a batalha pela alma do capitalismo acontece entre os seguidores de Keynes e os de Hayek. Mas o senhor e acredita que ambas teorias levam ao que Hilaire Belloc chamou de “estado servil”. Por quê? O que eles e seus seguidores esqueceram?
Medaille: O capitalismo e o socialismo não são realmente realidades opostas; uma é a continuação da outra, e o distributismo é o posto de ambas: é o livre mercado.
O capitalismo tende a concentrar a propriedade em mãos de poucos, por meio da acumulação do mercado, e o socialismo segue fazendo o mesmo, concentrando a propriedade nas mãos do Estado. Na prática, ambos sistemas acabam controlando os mais importantes recursos do país por meio de poucos burocratas, que representam os interesses dos proprietários nominais, sejam acionistas ou o público em geral, mas que atualmente controlam estes recursos para seu próprio benefício.
Além disso, ao concentrar o poder econômico, também concentram o poder político, e as grandes corporações conseguem obter amplos lucros e subsídios, como vimos na recente crise. Portanto, entre o Estado gigantesco e a corporação imponente, o indivíduo é reduzido a uma situação de servilismo.
Tanto o capitalismo com o socialismo carecem da vontade de admitir que o poder segue à propriedade. Ambos sistemas pretendem criar liberdade concentrando o capital, mas isso também concentra o poder, o que deixa a massa empobrecida.
O “distributismo” procura construir uma sociedade de homens e mulher proprietários e livres, conscientes de seus direitos e com os meios para se defender contra as tendências centralizadoras tanto do Estado como das corporações.
ZENIT: O que é distributismo? Como pode tal filosofia criar um verdadeiro mercado “livre”?
Medaille: Atualmente não é tanto questão do que o governo deveria fazer ou deixar de fazer.
De fato, a acumulação de propriedade normalmente depende do poder do governo; quanto mais alta é a acumulação de capital, mais grossas terão de ser as paredes do governo para protegê-lo.
Há, logicamente, coisas positivas que o governo pode fazer, com uma política fiscal, por exemplo, ou simplesmente reforçando suas próprias leis contra o monopólio e o oligopólio.
Mas em geral uma sociedade distributiva requer um governo menor, com poderes adequadamente distribuídos ao longo de todos os níveis da sociedade.
Contrariamente a um sistema de economia e poder político concentrados, os sistemas “distributistas” descansam numa variedade de formas, desde a pequena propriedade ao poder econômico distribuído: donos de propriedades para o uso e gestão de uma só pessoa ou família, cooperativas para empresas maiores, propriedade pública local de recursos como água ou sistemas de esgoto, etc.
Desta forma, tanto o poder econômico como o político distribui-se em todos níveis da sociedade. Realmente há apenas duas opções a respeito da propriedade e do poder: concentração ou distribuição. O primeiro leva ao servilismo e o segundo, à liberdade.
(Continua...)
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