Ives Gandra Martins |
O autor é professor Emérito das Universidades Mackenzie, Paulista e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária. Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, edição de 3 de julho de 2000 |
O arcebispo dom Cláudio Hummes decidiu criar, na Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), um núcleo de estudos, que denominou “Cultura e Fé”, tendo convidado alguns professores e intelectuais de diversas áreas para formarem o grupo inicial para os trabalhos propostos. O tema da razão e da fé tem sido continuamente aflorado em discussões nos mais variados âmbitos culturais, principalmente após a encíclica Fides et Ratio, do papa João Paulo II, nem sempre com a imparcialidade desejada. Parcela ponderável de pensadores, todavia, ainda acredita que, em sua fantástica insuficiência, a razão e a ciência tudo explicariam e que a Humanidade, auto-suficiente e autogeradora, é, ao mesmo tempo, alfa e ômega da Criação. Com pertinência, os professores Paulo Nogueira Neto e Ana Lydia Sawaya mostraram, na reunião inaugural, que os primeiros judeus - que há alguns milhares de anos receberam a mensagem revelada do Gênesis -, apesar do nível do seu analfabetismo científico, sabiam que o universo fora criado pelo “Big Bang” (”Fiat lux”). Conheciam também todos os fenômenos que conformaram o nosso planeta ao longo dos 5 bilhões de anos anteriores ao aparecimento do homem (águas, terras, plantas, peixes, animais), na incrível ordem que a ciência veio a revelar posteriormente, tal como está plasmada na Bíblia (nos figurativos seis dias da Criação). Com um monumental atraso de dezenas de centenas de anos, veio a ciência a confirmar o que os ”ignorantes” judeus conheciam desde a revelação do Pentateuco. É interessante notar que São Pedro, por outro lado, sem ser um especialista em Astronáutica ou nas ciências siderais, em sua segunda carta, declara que, nos fins dos tempos, a Terra será abrasada e consumida pelo Sol (”elementa vero calore solventur”), antecipando uma tese que Carl Sagan, em seu livro Cosmos, oferta como a mais provável no momento em que o Sol explodir, daqui a uns 5 bilhões de anos, atingindo os planetas mais próximos (Vênus, Mercúrio e Terra), até se transformar numa estrela anã de densidade incomensurável. Não há, portanto, um choque entre a fé e a ciência. Antes, por vir esta sempre atrás daquela, termina por confirmar as verdades reveladas pela primeira - quando a elas chega, em seu tempo -, razão pela qual verdadeiro cientista é aquele que, sem preconceitos aristocráticos, não nega o que não consegue provar pela razão, pelo simples fato de ainda não ter conseguido demonstrá-lo. Dessa forma, evita o desconsolo de Toynbee, que, em Mãe Terra, lamentava não poder provar que Deus não existe. Quanto mais o homem evolui, mais percebe que suas verdades absolutas, em matéria de ciência, são relativas e, o mais das vezes, desmentidas com a evolução, pois uma verdade científica só vale até o momento em que se demonstra o contrário, por fatos supervenientes. A própria teoria do evolucionismo darwiniano - e, para a Igreja Católica, é absolutamente indiferente que o homem tenha surgido do “evolucionismo” ou do “criacionismo”, pois é no momento em que Deus outorga uma alma ao ser humano que este ganha essa dimensão - está hoje em pleno reexame científico, com novas teorias fundadas na conformação do DNA e, principalmente, a partir do mapeamento genético. O certo é que não há uma oposição entre ciência e fé, cabendo aos intelectuais honestos a busca da verdade real, em seus estudos, para auxiliar o progresso da Humanidade, em que o conhecimento e a solidariedade humana marcham juntos. Só assim se terá a esperança de que um dia, como ocorreu com as verdades da fé já confirmadas pela ciência, chegará esta a entender o mistério da vida e as respostas de por que nascemos, para que vivemos e para onde iremos, questões estas que a fé já revelou. Se os homens se despojarem de suas vaidades pretensiosas, poderão captar tais realidades superiores. Enfim, o núcleo “Cultura e Fé”, criado na PUC de São Paulo pelo arcebispo metropolitano, dom Cláudio Hummes, abre essa perspectiva na universidade que a Igreja Católica de São Paulo mantém, e todos os participantes da primeira reunião manifestaram a convicção de que gerará muitos frutos, até porque todos sabem, como diz o jurista Walter Barbosa Corrêa, que “ciência se faz com a verdade, e não com a vaidade” |
sábado, 30 de outubro de 2010
Cultura e fé
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